30/04/11

Bloco desnorteado

O Bloco de Esquerda solicitou uma reunião com o actual governo de gestão para discutir a proposta de acordo de resgate, logo que esta seja conhecida e antes que o Estado português se comprometa com ela. Fê-lo através duma carta onde reconhece explicitamente que o actual governo de gestão tem legitimidade, inclusivé política, para assinar em nome do Estado Português o acordo de resgate com a tríade FMI/BCE/CE, apesar de faltar pouco mais de 1 mês para as eleições legislativas. Um acto que terá consequências profundas para a vida dos portugueses, e será extremamente limitativo da acção do governo que saia dessas eleições. Esta atitude revela um enorme desprezo pelos princípios democráticos, em particular porque também demonstra que o BE não acha que o acordo de resgate seja alterável após as eleições de 5 de Junho, ou que o BE esteja então em posição de forçar qualquer alteração. Um partido que despreza a democracia e desiste de lutar por aquilo em que diz que acredita não merece a minha confiança.

Memento mínimo

Muito, sem dúvida, do que os Ladrões de Bicicletas, por exemplo (mas não por acaso) dizem — sobre a crise, a recessão, a destruição do emprego, a austeridade em benefício da oligarquia e por aí fora — está muito certo. Mas esse acerto não deveria fazer-nos esquecer que a saída democrática é a libertação do trabalho — a apropriação e transformação pela liberdade da sua necessidade, e não a aquiescência à subordinação no trabalho, à subordinação do núcleo organizador da nossa vida desperta ao trabalho subordinado — a troco de compensações ou indemnizações menos avaras ou motivações mais eficazes da nossa participação dependente e ao serviço de uma economia que nos exclui do exercício do poder que nos governa.

No se puede vivir sin amar?

Apesar do casamento real, o romantismo já conheceu dias melhores. E não será preciso recorrer ao Romeu e Julieta ou ao desgraçado do Werther para perceber que já (quase) ninguém morre de amores. No facebook, esse barómetro contemporâneo do comportamento das massas (como antigamente se dizia), as pessoas deixaram de estar apaixonadas por (apesar da quantidade de casamentos desfeitos pelas facadinhas online) para passarem a estar… numa relação com.
Sem ter a certeza se Burroughs estava certo quando definiu a linguagem como “a vírus from outer space”, o facto é que as palavras são sintoma. Assim, não será por acaso que os jovens deixaram de empregar o verbo namorar no presente do indicativo — eu namoro, tu namoras, ele namora, nós namoramos, vós namorais, eles namoram — preferindo transformá-lo numa forma composta com recurso ao verbo estar como auxiliar temporal: A está a namorar com B; C e D estão a namorar; E (eu) estou a namorar com F (ele, ela ou mesmo @, este último surgido “from outer space” quando o “género” se sobrepôs ao “sexo”, na minha modesta opinião sem qualquer vantagem e antes pelo contrário).
Esta negação de futuro, ou, pelo menos, a adesão a um futuro incerto (sei lá eu se amanhã ainda estou a namorar) — o que nas relações laborais ganha o nome de “precariedade” (sim, isto anda tudo ligado) — é mortal para a invenção do amor (um poema muito em voga quando eu era jovem e se namorava para a vida mesmo que tudo terminasse logo no fim-de-semana).
Se isto é verdade, ou seja, se a banalidade da incerteza amorosa substituiu a inocência juvenil e o amor romântico, prevê-se que a literatura sofra um rude golpe. Como ler essa coisa absolutamente excessiva que é O Monte dos Vendavais? Como ler o dilacerante Debaixo do Vulcão? Anna Karenina? (deixo de lado a Joaninha e o Carlos do Viagens da Minha Terra que já na minha altura eram um pouco secantes…).
“Vamo-nos dar um tempo. Estou sem disponibilidade. Preciso de me dedicar mais ao blogue…”, eis um diálogo real dos tempos actuais. Será possível escrever um romance com pérolas destas?

29/04/11

Disponíveis para todos


Questionado sobre se seria suficiente para os socialistas um governo de coligação apenas com o CDS-PP, ou se fazem questão de formá-lo com o PSD, o arquitecto do programa eleitoral não coloca essa hipótese de parte. "Estamos disponíveis para todos os entendimentos que forem necessários", resumiu, frisando que "a geometria desses entendimentos é responsabilidade do eleitorado". As palavras são de Augusto Santos Silva, o responsável pelo programa do PS, e alguém por quem, confesso, até nutro simpatia intelectual, seja lá isto o que for. Estas palavras, porém, revelam o grau zero de politicidade a que chegou o PS. Uma coisa que apela ao voto da esquerda para que Sócrates vença Passos Coelho e que ao mesmo tempo abre a porta a um governo com o CDS não é um partido. O que é o PS?

Principe William

28/04/11

Vemo-nos lá?

Este evento promete ser tão estranho que não o vou perder: a nossa Ana Cristina Leonardo à conversa com o João Gonçalves, do Portugal dos Pequeninos. Com a indizível "Bomba" a moderar. A sério?
É daqui a bocado, na Almedina do Atrium Saldanha.

Victor Hugo revisitado

Inscrições só até 9 de Maio...

PDF com informações aqui. Organização do CIES-IUL.

Os bichos, o Pátio dos Bichos, a Líbia e os emigrantes.



É tão lindo ver a oligarquia socialista reunida nas cerimónias do 25 de Abril. Cerimónia e 25 Abril, parecem-me  coisas  contraditórias… Tudo sentado, com com o ar bém comportado de quém lavou as mãos antes de ir para a mesa. E aqueles lindos cravos vermelhos trangénicos pendurados nas lapelas dos fatos  escuros, de boa qualidade,  comprados nas melhores lojas de Nova York (onde, dizem as más línguas, o Sr. Socrates vai às compras).
Não há dúvida que o país mudou muito, como disse o Sr. Coronel  Lourenço na manifestação. Mais uma contradição, coronel e manifestação… Estava eu a olhar para aquela fotografia amarelada pelo tempo, o Sr. Soares com o Sr. Alegre a passarem em revista os comandos do Capitão Neves no dia 25 de novembro de 1975.  Tinham um ar sério e iam dar a benção democrática à intervenção militar que restauraria a ordem e o respeito da propriedade privada, caminho largo para este mar de rosas de hoje. Reparo que estão mal vestidos os dois, uns fatos e umas gabardines assim de mercieiros, mal amanhados, com ar de doutores de país pobre. .. Reparo também que, naquele dia, estavam sem cravos vermelhos na lapela… Pois é, o país mudou muito, mas não mudou da mesma maneira para todos. Normal, imagina-se 10 milhões de pessoas irem às compras na 5a avenida em Nova York ?
O Sr. Soares,  é ainda ele que eu descubro noutra fotografia desta semana, a distribuir medalhas de chocolate da Ordem da Liberdade. Mais uma contradição, ordem e liberdade. .. Isto já é mania. A menos que o jornalista se tenha enganado e que o nome seja Liberdade da Ordem. Que ficava mais a condizer com quém as dá e com quem as recebe. A observar a cena, de pé atras, está o contabilista de Boliqueime. Não fosse o Sr. Soares abotoar-se com a medalha, que ele é bém capaz. Passou-se tudo, precisa o jornalista,  no Pátio dos Bichos, situado no Palácio de Belém. Aqui não há contradição, Pátio dos Bichos e Bichos. Que isto não se inventa. Que país tão cheio de imaginação poética !

E sabido que já não há batalhas navais e caminhos marítimos a descobrir. Que a missão futura dos Almirantes e outros militares aquáticos será de fazer a polícia dos emigrantes. Do que eu me safei ! Percebe-se enfim para que vai servir o submarino pago aos industriais alemães com o dinheiro contabilizado agora na dívida pública. Pois para controlar os emigrantes que vêm a nado de Marrocos com equipamento anfíbio.
Um dos especialistas franceses do assunto, o almirante Philippe Coindreau, comandante do grupo aeronaval françês que bombardeia os mercenarios do governo líbio, explicava recentemente no Le Monde, porque razão até agora não se têm bombardeado as bases navais onde parece estar escondido um antigo amigo de negócios do Sr. Socrates, o Guia Kadhafi : « Não se trata, para a coligação, de destruir os meios navais [de Kadhafi] : eles deverão servir, na era pós-Kadhafi, para continuar a assegurar o contrato de fiscalisação da emigração para a Europa ». E, dias mais tarde, o mesmo jornal fala do « mal estar » do governo do Sr. Berlusconi, obrigado a suspender o « Tratado de amisade » com a Líbia, o qual trazia muitas vantagems para as empresas italianas em troca do compromisso do Sr. Kadhafi de impedir a emigração por via marítima. A tragédia e o horror  do que se passa na Líbia explica-se também (não esqueço o petroleo e o gaz)  a partir da questão da emigração.
Ou seja, mais exemplos do cinismo dos políticos e da política. De cravo ao peito, sem cravo ao peito, o que eles chamam a verdade é só mentira, o que eles apresentam como bons sentimentos é só cobiça de poder e de negócios.   
Consta que há ainda quém tenha dúvidas sobre esta bicharada. Dentro de um mês vão poder votar de novo. Abençoada democracia eleitoralista !
Até lá, respeitinho !

p.s. Aconselho a leitura e divulgação do texto « Declaração de base », dos Vadi@s do Porto, Abril 2011 [http://gatovadiolivraria.blogspot.com].

Lixo Extraordinário


Estreia hoje. Um documentário sobre a obra de um artista brasileiro que do lixo faz arte. E sobre muito mais.

27/04/11

Farsa de democracia!


Atingimos o cúmulo da farsa em que se tornou o regime político em que vivemos, pretensamente uma democracia. Que mais se pode concluir quando o PS apresenta um "programa eleitoral" que não inclui as medidas que irão ser impostas pela "troika" FMI/UE/BCE e que o PS já afirmou que implementará caso participe no governo saído das eleições legislativas de 5 de Junho? Medidas essas que terão muito mais impacto na vida de todos nós do que as platitudes que enchem o "programa eleitoral" do PS agora divulgado. Ainda não estão definidas? Esperassem. Não falta muito. Afinal, acordaram com a "troika" que seria melhor selar o acordo de rendição antes das próximas eleições, não vá o povo escolher alguém que lhes faça frente.

E já vos disse que a sigla FMI não aparece uma única vez neste dito "programa eleitoral"? E vão continuar a votar em quem vos acha assim tão estúpidos?...

Soltaram-no ou evadiu-se?

"Deus não existe e nós somos os seus profetas"

Tinha 57 anos e quatro filhos. Trabalhava há três décadas na France Télécom. Pertencia ao grupo dos sortudos, dos que não foram para a rua durante o reinado de Didier Lombard, o PDG genial e empreendedor responsável pela “moda dos suicídios” e que bem podia, mais coisa menos coisa, ser um dos muitos filhos de puta que enchem os romances de DeLillo.
Ao velho funcionário, haviam-se limitado a transferi-lo de local de trabalho obrigando-o a mudar de residência e constantemente de funções. O homem, um fraco, um mal-agradecido, claro, não aguentou tanta modernidade. Tanta mobilidade. Suicidou-se pelo fogo no parque de estacionamento da empresa. Sozinho. Sem espectáculo e sem espectadores. Não o conseguiram filmar nem com a porra de um telemóvel.

A teia dos PIIGS

Vamos lá a ver com quem rebentamos no dia em que deixarmos de pagar...

JMF, o Blasfémias, Raquel Varela e o 25 de Novembro

Já muita gente dissecou o texto de José Manuel Fernandes, mas há uma passagem que me despertou a atenção, a parte final em que ele refere "[p]ara além de que a dita legenda talvez ajudasse também a perceber por que motivo a historiadora afirma, a dado passo, que o 25 de Novembro terminou sem mortos, quando isso não é verdade (já se esqueceu dos confrontos junto à Polícia Militar?)" (nos comentário um leitor voltou a carregar na questão).

Porque é que isso me despertou a atenção? Porque JMF é colega de blogue de um historiador que cometeu exactamente o mesmo erro (ainda que a respeito de outra data).

Quanto ao post de Helena Matos, fazendo referência ao cerco da Constituinte, penso que é totalmente irrelevante para o que se está a discutir - eu não li o livro de Raquel Varela, mas penso que ninguém contesta que a partir de final de Agosto de 75 o PCP enveredou por uma politica de agitação de rua; o que está em questão era se o objectivo dessa agitação era uma revolução socialista ou apenas reforçar o peso do PC no governo provisório (e o cerco da Constituinte é compatível com ambas as teses).

26/04/11

Notícias

De facto, com o país a ir ao fundo, é melhor ter um perito em submarinos como homem do leme.

Hugo Chávez trai a confiança de Bruno Carvalho, que trai a confiança de Kadhafi, correndo ambos o risco de ficar isolados

1. Acedendo à extradição de Joaquin Pérez Becerra, um elemento destacado das FARC, Hugo Chávez perde a confiança de Bruno Carvalho, correndo, segundo este, graves riscos de isolamento.

2. O problema é que ao mencionar aprovadoramente o facto de Becerra, refugiado na Suécia e naturalizado sueco, ter estabelecido contactos com o governo dessa potência capitalista ocidental em busca de apoios contra o governo da Colômbia, passando por cima da independência nacional desta e solicitando a intervenção de forças estrangeiras contra o regime colombiano, Bruno Carvalho terá traído a confiança de Kadhafi e dos seus apoiantes patróticos de outros países, imitando os insurrectos líbios que ainda há pouco ele e os seus amigos denunciavam agentes do imperialismo.

3. Conclusão: não é só Hugo Chávez que corre o risco de ficar isolado: a mesma ameaça pende sobre a cabeça de Bruno Carvalho e daquilo de que é nome o seu nome (digamos assim, por uma vez, à la Badiou, para agradar a um outro Bruno, que também lê coisas mais laicas…).

A Porca da Ideologia

Este post de José Manuel Fernandes (JMF) é muito revelador do modo como a historiografia tem sido frequentemente entendida no espaço mediático. Mas não é revelador tanto pelas questões de conteúdo (perdoem a simplificaçã0) que levanta, eventualmente as mais polémicas e sobre as quais não me pronuncio, até porque não li o livro da Raquel Varela. É revelador sim pela forma como JMF argumenta. Segundo JMF os historiadores dividem-se entre os que podem ser apresentados como historiadores (porque não são activistas políticos) e os que devem ser apresentados como historiadores e activistas políticos (simultaneidade que lhes retiraria lucidez científica). Isto é, para JMF a historiografia dividir-se-á entre a historiografia científica dos primeiros e a historiografia utópica dos segundos. Eu não sei se o JMF já pensou nas consequências desta brilhante tese. Ela implicaria, por exemplo, que dois dos principais historiadores portugueses, Fernando Rosas e Rui Ramos, fossem atirados para o caixote de lixo da historiografia não-cientítica, uma vez que são simultaneamente historiadores e activistas políticos. Ou que sucedesse o mesmo a Vasco Pulido Valente e a José Pacheco Pereira. A menos, é claro, que o problema de José Manuel Fernandes seja apenas com historiadores activistas políticos de esquerda e não historiadores activistas políticos em geral. Não será certamente esse o caso.


De qualquer dos modos, serve este meu post para fazer o seguinte registo: se um dia reactivarem a Academia das Ciências da URSS, os camaradas saberão que em Portugal poderão contar, para correspondente emérito, com o nosso JMF, zeloso defensor da verdadeira consciência da história contra a porca da ideologia. Isso ou então o facto do problema dos ex-marxistas ortodoxos não ser tanto terem deixado de ser marxistas mas sim insistirem em continuar a ser ortodoxos.

Os tanques do FMI e o "direito de pernada" dos partidos

Saberemos ser livres? Então o que significa este coro celebratório pela chegada do FMI, esta exultação própria de inseguros, fanáticos contentes pela chegada da tutela estrangeira? O que justifica uma confederação patronal pedindo ao FMI a alteração da Constituição para facilitar os despedimentos, fazendo figura de apparatchik de país satélite pedindo a intervenção dos tanques soviéticos?

Saberemos ser livres? Então que explicação haverá para um parlamento cheio de deputados que temem pela “carreira” e um sistema onde os partidos julgam ter um direito de pernada sobre as opiniões das pessoas?


É natural que, ao ritmo a que as escreve, o Rui Tavares não consiga estar em todas as crónicas à altura do seu melhor. Assim, a sua crónica de "balanço e perspectivas" sobre o 25 de Abril é menos lúcida talvez e decerto menos convincente do que algumas outras. É, todavia, nela que, entre outros parágrafos menos penetrantes,  irrompe esta "iluminação" que acerta em cheio — e como "é preciso, imperioso e urgente" não desistirmos de acertar — no alvo das forças antidemocráticas rivais que disputam o lugar de garantes e beneficiários da nossa comercialização.

Na Síria


A revolta resiste com pedras contra tanques. Lá, ao contrário de cá, o 25 de Abril vai ser relembrado como o dia em que o exército optou por defender a oligarquia contra a revolução.

25/04/11

Mais um post sobre o 25 de Abril

A prova que, apesar de tudo, o espírito de 25 de Abril continua vivo é haver quem diga que o espírito da data está a perder-se. Parece um paradoxo, mas só a respeito de datas que continuam a significar muito para muita gente é que pode surgir o discurso de "o [25 de Abril/1º de Maio/Natal/etc.] está a perder o seu significado"; para datas que já não representam verdadeiramente quase nada, ninguém se dá ao trabalho de dizer que" o espírito da data se está a perder" - já ouviram alguém a dizer isso a respeito do 1º de Dezembro ou do 10 de Junho (eu não, nem, já agora, a respeito do 11 de Dezembro)?

Notícias

"Hoje, 25 de Abril de 2011, nós, padeiras e padeiros livres, convidamos todos à padaria da calçada da bica - Travessa do Cabral nº 37, libertando-a do abandono a que foi votada pelas dinâmicas económicas da cidade". Mais aqui.

Para sempre pela primeira vez

Uma canção que se ouve para sempre pela primeira vez. Volto hoje a pô-la aqui no Vias, celebrando a data e pelas razões que o Luís Rainha há pouco disse. Interpretação de Marcel Mouloudji da canção Jean-Baptiste Clément (palavras) et par Antoine Renard (música).

Texto antigo repescado a propósito do 25 de Abril mas não tão antigo como a data

Decorridas quase quatro décadas do golpe militar que pôs fim ao Estado Novo (durante o qual colunas rebeldes terão obedecido de forma ordeira aos sinais de trânsito), as comemorações da data tendem paulatinamente a confundir-se com as do 5 de Outubro, se não no calendário pelo menos na pompa e numa ou outra circunstância. Com uma diferença: do 25 de Abril há um pouco mais de sobreviventes.

Na data, morto estava já António Oliveira Salazar (desde 27 de Julho de 1970) depois de mandar nisto entre 1932 e 1968. Nesse ano passou o testemunho ao discípulo Marcelo Caetano e apenas porque a tal cadeira resolveu pregar-lhe a partida de se encontrar fora do sítio. À queda, grave, sobreveio, operado e refeito do susto, uma hemorragia cerebral.
Incapacitado, vive até ao fim na residência oficial numa grotesca encenação do poder que já não tem (segundo Fernando Dacosta, por sugestão da governanta Maria).
Ministros e acólitos prestaram-se ao enredo, visitando-o e dirigindo-se-lhe como se do Presidente do Conselho se tratasse ainda. E enquanto em Portugal decorria esta farsa caseira, lá fora Luther King era assassinado em Memphis, rebentava a guerra do Vietname, Paris enfrentava a intempérie de Maio e em Praga acabava a Primavera, Bobby Kennedy era baleado em Los Angeles, Nixon chegava a Presidente, Neil Armstrong pisava a lua, Beckett ganhava o Nobel, os Beatles zangavam-se de vez, etc., etc., etc.
O mundo mantinha o seu curso imparável; por cá, chegava ao fim o reinado da referida Maria.
Não se pense, porém, que tudo era mau.
Até final dos anos 60, Portugal manteve-se, em muitos aspectos, na pole position dos países europeus ocidentais (ver António Barreto, «Mudança Social em Portugal: 1960-2000», in Portugal Contemporâneo, coordenação de António Costa Pinto, Dom Quixote, 2004).
Assim: era o único império colonial sobrevivente; podia orgulhar-se de exibir o ditador com mais anos no poder; apresentava as mais altas taxas de analfabetismo e mortalidade infantil; o menor número de médicos e enfermeiros por habitante; o mais baixo rendimento por habitante; a menor produtividade no trabalho; o menor número de estudantes no ensino básico e superior; o menor número de pessoas abrangidas pelos sistemas de segurança social, a menor industrialização e a maior população agrícola.
No fundo, no fundo, números à parte, tratava-se de um paraíso verde. Além das paisagens bucólicas e das viúvas de portentos buços, havia Fátima, havia fado e havia futebol. E, no que toca a futebol, Eusébio era o mais que tudo. Tão mais que tudo que Salazar lhe vetou a carreira internacional, informando-o, tão simplesmente, de que ele era «património do Estado».
Só os portugueses em crise de meia-idade, ou já refeitos dela, se podem lembrar de como era antes. E a verdade é que tinha pouca graça. Antes.
Claro que nos podemos rir hoje da licença de isqueiro, obrigatória desde os anos 30 e só abolida em Maio de 1970 pelo decreto-lei 237/70. Claro que mesmo os incondicionais de Chomsky ou Michael Moore teriam de ir ao Ultramar para beber um gole pecaminoso de Coca-Cola, só comercializada entre nós a partir de 1977. Em Portugal Continental, como se dizia, fora proibida nos anos 30, dela só sobrando a prova dos dotes publicitários de Pessoa que lhe inventara um slogan: Primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Podemo-nos rir, ainda, do Decreto-Lei nº 31247 de Maio de 1941 que regulava o uso do fato de banho, zelando pela moralidade pública (...) no sentido de evitar a corrupção dos costumes e que obrigava, para elas, a fato inteiro sem descobrir os seios, com costas decotadas sem prejuízo do corte das cavas ser cingido na axilas e, para eles, a calção com corte inteiro, justo à perna e reforço da parte da frente, e justo à cintura cobrindo o ventre, regras a que os cabos de mar tiveram de começar a fechar os olhos quando, na década de 60, turistas bem menos atafulhados de roupa desataram a invadir o Estoril e o Algarve.
Continuamo-nos a rir desta obsessão moralista e bafienta (que fez do iconoclasta José Vilhena o autor mais censurado do antes 25 de Abril), com as calças proibidas às raparigas nos liceus e as gravatas obrigatórias para os rapazes, mais as portarias camarárias em prol do decoro vigente.
O escritor Luís Sttau Monteiro, cujo pai foi embaixador em Londres até 1943, ano em que bateu com a porta a Oliveira Salazar, contava que, criança, numa audiência a que assistira, o ditador reparara nas suas botas e lhe perguntara onde as comprara. Quando lhe respondeu que fora em Londres, este comentara: Modernices! Modernices!
O sorriso começa talvez a amarelecer quando nos lembramos das cargas da polícia de choque, como as do Verão de 1969 nos Salesianos do Estoril (num festival que misturava bandas rock e os chamados cantores de intervenção), apesar da forma pícara como José Cid recorda os acontecimentos: uma das cenas mais impressionantes foi a polícia batendo num grupo de turistas japoneses. Quando os policiais começaram a agredir os jovens, que estavam ali pacificamente, numa de música, os japoneses puxaram das máquinas fotográficas e começaram a tirar fotografias; assim que a polícia viu aquilo... máquinas para cá.
O sorriso desmaia à medida em que recordamos o milhão e meio de imigrantes obrigados a dar o salto, entre 1960 e 1973, sangria de pobres que o escritor José Cardoso Pires resumiria de forma lapidar: Da minha terra natal tenho uma definição simplista: deserto de Pedras, Padres e Pedintes. Aldeia emigrada, portanto.
O sorriso já se foi por completo quando chegamos aos cerca de 10 mil soldados mortos na guerra colonial e, ajudados pelo livro de Ferreira Fernandes Lembro-me que… (Oficina do Livro, 2004), nos lembramos também nós dos poucos ou nenhuns direitos das mulheres cujas vidas valiam penas de dois anos, como a aplicada a Adélio da Custódia pelo assassínio da mulher Maria Pais Pimenta, explicada assim pelo juiz corregedor do Círculo Judicial de Viseu: Porque se justifica perfeitamente a reacção do réu contra a mulher adúltera que abandonou o lar, o marido e dois filhos de tenra idade, para seguir um saltimbanco.
E sem motivo aparente vem-nos à cabeça o drama privilegiado do poeta Alexandre O’Neill que em Nora Mitrani encontrara l’amour fou. Uma francesa de passagem por Lisboa espera por ele em Paris, mas a PIDE nega-lhe o passaporte e O’Neill nunca tornará a rever Nora que se suicida em 1961.
Chegamos, assim, à parte de que já ninguém fala: a censura e a polícia política do regime, com os pides a receberem actualmente boas reformas, supõe-se que pelos serviços prestados à nação.
Em entrevista a António Ferro, Dezembro de 1932, a propósito dos boatos que punham em causa o bom-nome da polícia, Salazar explicara-se bem: (…) quero informá-lo de que se chegou à conclusão de que as pessoas maltratadas eram sempre, ou quase sempre, temíveis bombistas, que se recusavam a confessar, apesar de todas as habilidades da polícia, onde tinham escondido as suas armas criminosas e mortais.
Linhas à frente, surge a prova mil vezes repetida da brandura dos meios e rectidão evidente dos fins: Eu pergunto a mim próprio (…) se a vida de algumas crianças e de algumas pessoas indefesas não vale bem, não justifica largamente, meia dúzia de safanões a tempo nessas criaturas sinistras.
E nesta “meia dúzia de safanões” se fundaria o mito urbano que continua a rever e a absolver a tortura, desrespeitando os mortos com nome próprio.
Quanto à censura (uma prática que em Portugal, verdade seja dita, recua aos tempos da Inquisição praticamente sem interrupções), prévia e de lápis azul em riste no caso da imprensa, preferia a apreensão ulterior quando se tratava de livros.
Segundo a Comissão do Livro Negro sobre o Fascismo, o regime de Salazar/Caetano proibiu cerca de 3300 obras e até o velho Aquilino Ribeiro foi alvo de um processo-crime pelo crime de ter escrito Quando os Lobos Uivam. O Secretariado Nacional de Informação (SNI) mostrava-se quase sempre de uma eficácia imbatível: em 1965, em apenas quatro dias, apreendia 70 mil títulos à Europa-América, em dois anos subtraía à Seara Nova milhares de contos em livros; quanto à editora Minotauro, seria simplesmente encerrada.
Música, artes plásticas, filmes (de acordo com os dados recolhidos só entre 1964 e 1967 foram apresentados à censura 1301 filmes, dos quais 145 foram proibidos e 693 autorizados com cortes) e TV a preto e branco (a cores só em 1980!), nada escapava à mutilação.
A justificação para o zelo recuava ao Decreto-Lei 22469 de Março de 1933: A censura terá somente por fim impedir a subversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade.
Apesar da bondade expressa dos censores, alguns jornalistas insistiam em alvoroçar os dias. Uma vez, no "República", Vítor Direito discorria a propósito da densidade das nuvens: Manhã de nevoeiro transforma a cidade (…) Não se vê um palmo à frente do nariz (…) Andam por aí certos senhores, feitos meteorologistas de trazer por casa, a prever “boas abertas”. Mas o nevoeiro persiste.
Afinal, eram tempos divertidos. Acabaram com o 25 de Abril.

25 Aprile


Como sempre me senti mais internacionalista do que patrioteiro, aqui fica uma lembrança do outro 25 de Abril que hoje se celebra.

A glória de mandar

La organización Wikileaks ha dejado al descubierto los abusos cometidos por el gobierno de Estados Unidos en la cárcel de Guantánamo, así como la arbitrariedad en las detenciones y encarcelaciones sin pruebas.
Los documentos secretos del Pentágono aparecidos en varios medios internacionales -The New York Times, The Washington Post, El País y The Guardian- vuelven a comprometer seriamente al gobierno estadounidense.
La nueva filtración masiva -la cuarta mayor tras la de los papeles del Departamento de Estado de EEUU y las de las guerras de Irak y Afganistán- abarca el periodo desde 2002 a 2009. Es decir, casi todo el periodo de la administración de George W. Bush.
Los documentos son fichas de evaluaciones de los mandos militares de 759 de los 779 presos que han llegado a estar encerrados en la cárcel cubana.
Los documentos muestran que el gobierno de EEUU mantuvo encerrados en la cárcel durante años a cientos de presos que no representaban peligro para Estados Unidos o sus aliados y que no tenían vinculación terrorista o con Al-Qaeda.
(…)
Estas evaluaciones de peligrosidad de los presos eran hechas por los mandos militares de EEUU en función de tres únicos e increíblemente simples niveles establecidos. El nivel alto implica que el detenido "probablemente" supone "una amenaza para EEUU, sus intereses y aliados". El nivel medio implica que "quizás" lo suponga. Mientras, el nivel bajo implica que es "improbable" que sea un riesgo para el país.
Sólo de 274 presos se dijo que "quizás podrían entrañar un peligro"
La finalidad de estas evaluaciones es la de recomendar si se libera al preso, si es trasladado o si continúa en Guantánamo. Según estas evaluaciones, sólo de 274 presos se dijo que "quizás podrían entrañar un peligro", por lo que EEUU no creía en la culpabilidad de alrededor del 60% de sus prisioneros.
Los documentos muestran la arbitrariedad de Estados Unidos para encarcelar a esas decenas de presos, sin pruebas objetivas, ni juicios, ni garantías y con severos interrogatorios de por medio. Muchas veces, ni las autoridades estadounidenses sabían el motivo por el que los encerraban en Guantánamo,


Ao ler, no Público.es, a peça da qual ficam citados acima alguns excertos, pensei num poema de Mário Cesariny que acaba com os dois versos seguintes: "Há justos e réprobos porque o Senhor / quis vingar-se de nós porque sim". Com efeito, a exibição máxima da "glória de mandar" e, ao mesmo tempo, a máxima dissimulação da "vã cobiça" ou impotência criadora que a alimenta, é através do exercício arbitrário da dominação "porque sim" que melhor se exprime e afina o seu poder de dissuasão. Foi assim que os anos do terror estalinista atingiram o seu auge na URSS da segunda metade da década de 1930 — não para derrotar a oposição interna, mas coroando a sua capitulação, desmoralização e insofismável derrota. E foi assim também, salvaguardadas todas as diferenças, que o governo dos Estados Unidos entendeu agora manifestar a sua glória de mandar: "porque sim". A razão de Estado de Guantanamano é — acima de qualquer consideração utilitária — esta exibição ou expressão espectacular da força soberana da superpotência.

24/04/11

Coisas que se vai fazendo tempo de compreendermos

Excertos de uma peça hoje publicada pelo Público.es:

La Policía siria detuvo hoy a decenas de activistas a los que el régimen considera responsables de las protestas que se iniciaron la ciudad de Derá el 17 de marzo y que desde entonces se han extendido por todo el país. Los manifestantes exigen libertades políticas y la caída el presidente Bashar al Asad
(…)
Las detenciones se practicaron de madrugada. Los policías vestían de paisano e iban armados con fusiles. Se presentaron en los domicilios de los activistas que más se han significado durante las cinco semanas de protestas y se los llevaron, aparentemente con la intención de descabezar las protestas.
(…)
Las familias de las víctimas de los últimos días dijeron que la Policía secreta les ha pedido que firmen documentos en los que se afirma que los fallecidos murieron a manos de "terroristas". Sólo después de firmados estos documentos, los muhabarat les han entregado los cadáveres para ser enterrados.


Pois bem se é isto — que evoca os períodos mais sangrentos das ditaduras latino-americanas, os anos da peste fascista na Europa, as práticas adoptadas pela atroz regressão histórica do estalinismo e assim por diante — a alternativa à hegemonia oligárquica global, então, ou fazemos, criamos e mantemos outra alternativa, ou os danados da terra e o exercício do poder pels que os escravizam e reduzem a reserva de mão de obra explorada e/ou a refugo supranumerário continuarão a ser traços distintivos de uma época destinada a perdurar.

Só há um manifesto que faz mesmo falta: "__ de ________ sempre!"

Uma data qualquer. Desde que esteja no futuro próximo. Desde que represente mesmo uma refundação absoluta da nossa esfera política. Desde que não sirva apenas para comemorar um passado redentor agora soterrado por décadas de cinzas. Urge olhar para uma data nova, que fique a marcar o início de vidas diferentes, de um país sem Sócrates, sem Portas, sem hordas de gafanhotos disfarçados de políticos; mas também sem uma esquerda calcificada e incapaz sequer de converter a insatisfação em possibilidades de mudança pela via das urnas.
O 25 de Abril já acompanha a implantação da República ou a tomada da Bastilha no panteão dos dias que nos edificaram enquanto criaturas sedentas de liberdade e de igualdade. Agora, precisamos de mais. Exige-se porvir, merecemos mais do que celebrações saudosas e discursos conformados à reforma de um sistema que apenas serviu para nos entregar ao beco sem saída. E não é apenas a dívida, o défice, os milhões sem fim a correr para os bolsos de sempre. É a banalização do mal quotidiano: os escândalos que já não espantam, os espertos que nem sequer se dão ao trabalho de disfarçar as suas patifarias, a obscenidade da corrida aos lugarzinhos.

Os socratitos patrioteiros vs. a realidade

O João Galamba ainda há bem pouco tempo urrava contra os modernos émulos de Miguel Vasconcelos, corporizado por exemplo em António Barreto: «Como fundamenta estas acusações de manipulação das contas? O que entende por manipulação?»
Agora, a resposta está aí. E, mesmo remetida para os desatentos dias de férias, explica tudo: truques de merceeiro aldrabão para camuflar a desgraça. Não que seja surpresa para alguém, começando, aposto, pelo próprio João.

"Agressão imperialista" na Síria

Enquanto nos chegam notícias do massacre que Al-Asad desencadeia na Síria — dando conta de que "El creciente uso de la fuerza por parte de la Policía y del Ejército muestra que el Gobierno está decidido a acabar con las protestas, pero la realidad cotidiana indica que los manifestantes también parecen resueltos a provocar la caída del régimen aunque tengan que pagar un elevado precio de sangre" —, no Avante! justifica-se a "resistência" do regime de Al-Asad à superpotência americana que comanda os "bandoleiros" que exigem a queda do ditador.

Como diria o O'Neill, ele há gente que acredita e/ou quer fazer acreditar que "a água começa nas torneiras".

23/04/11

Notícias do PS: Ferro Rodrigues põe a lógica na gaveta

Ferro Rodrigues em entrevista à RTP 1:

«Defendo que haja um acordo, um acordo político que dê uma maioria forte no Parlamento, esse acordo tem de ser negociado a seguir às eleições», afirmou Ferro Rodrigues, em entrevista esta noite no Telejornal da RTP1.

Ferro Rodrigues lembrou, ainda, que já tinha alertado em Agosto de 2009, antes das últimas eleições legislativas que perante um cenário de crise internacional «não devia ser constituído um Governo que não tivesse maioria no Parlamento», posição que o cabeça de lista do PS por Lisboa mantém.

Em relação a tentar um acordo à esquerda, uma posição que tinha assumido no passado, Rodrigues considera que essa ideia, agora é «completamente impossível» de concretizar, porque ao longo do último ano e meio os partidos de «extrema-esquerda», têm colaborado «com a direita em relação à queda do Governo».


Mas, se os partidos da "extrema-esquerda" têm colaborado com a direita, na intenção de fazer cair o Governo, isso significa que os partidos da direita têm colaborado com os da "extrema-esquerda" no mesmo propósito — pelo que, então, o "acordo político" com os partidos da direita deveria ser tão impossível como com os da "extrema-esquerda". Ou será que estes últimos agiram sozinhos quando colaboraram com os da direita para derrubar o Governo?

Alfredo Barroso: "Não haverá mais nada para privatizar? Claro que há! Um Estado bem desmantelado dá para enriquecer vários oligarcas"

Excerto da parte final de uma interessante análise de Alfredo Barroso,  cuja leitura na íntegra se recomenda vivamente. Até porque permite pôr melhor as questões do tipo que indico no breve comentário que se segue à transcrição das suas conclusões.

A estratégia europeia de saída da crise mundial é clara: desregulação dos mercados de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, menor protecção no emprego, restrições orçamentais, privatizações em massa, etc.
É uma estratégia aparentemente paradoxal, que torna ainda mais vorazes os «mercados», que exigem sempre tudo e nunca se sentem saciados. Mas é também uma estratégia fundamentalmente recessiva, que pode provocar um aumento significativo das reivindicações sociais e políticas. «Neste braço-de-ferro, o estatuto do euro é um teste definitivo», dizem os entendidos. E a questão está em saber se «será, finalmente, posto ao serviço da promoção de um modelo social sustentável» ou «irá tornar-se o vector da destruição do que resta do Estado de bem-estar europeu». Os exemplos da Grécia, da Irlanda e de Portugal não auguram nada de bom para o Estado social.

Como já se noticia, a «ajuda» financeira do FEEF e do FMI servirá, essencialmente, para Portugal «pagar o que deve aos credores, sobretudo bancos estrangeiros que, ao longo de décadas, foram fornecendo fundos aos bancos nacionais e que estes depois canalizavam para a compra de casas, carros e créditos às empresas» («DN», 08/04/2011). Para além de cortes em salários, pensões, subsídios de desemprego e outras prestações sociais, fala-se em «reformas mais profundas do mercado de trabalho, menor protecção no emprego, maior abertura da Educação e da Saúde aos privados, subida dos impostos». (O dr. Passos Coelho deve estar radiante!). Também se diz que «mal as condições melhorem, o Estado deve começar a sair (privatizar) das empresas de transportes. Casos da ANA, TAP, CP, Refer, Carris, Metro de Lisboa e do Porto». Não haverá mais nada para privatizar? Claro que há! Um Estado bem desmantelado dá para enriquecer vários oligarcas.

Enfim, temos este país pronto a morrer da cura. Graças ao «trabalho sujo» das agências de rating (os «gangsters» desta história) ao serviço dos «mercados» (os agiotas). Mas também graças aos «bons ofícios» do actual Presidente da República, à «ansiedade do pote» de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, e ao extraordinário «sentido de oportunidade» de Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã. Sem esquecer as evidentes responsabilidades de José Sócrates, que não resistiu às sucessivas concessões que foi fazendo ao «blairismo» e ao «neo-centrismo», ou seja, à doutrina neoliberal.

Observação final. Várias são as vozes que afirmam que o FMI não é nenhum papão e não mete medo a ninguém, porque já cá esteve no século passado e tudo correu às mil maravilhas. É quase verdade, mas esquecem-se de um pequeno pormenor que faz toda a diferença: é que, quando o país sair exausto e exangue dos próximos anos de brutal austeridade, não haverá mais uma CEE à nossa espera para «inundar» Portugal com as «catadupas» de fundos comunitários que fizeram a felicidade do cavaquismo!


A questão que eu poria à esquerda social-democrata, cujas posições o Alfredo aqui assume — em termos que convergem largamente com os de alguns posts dos Ladrões de Bicicletas… —, é a seguinte: e se, mantendo a validade do critério de que quem quer o mais, e por isso mesmo, não poder deixar de querer o menos, o tivéssemos agora de completar pela afirmação simétrica: quem quer o menos, e para o conseguir, terá de querer um pouco mais (do que o menos ou mínimo inegociáveis)? Ou, por outras palavras: não teremos de ir mais longe do que o compromisso que foi o "Estado Social" para garantirmos os direitos e liberdades fundamentais que o acompanharam e mantermos depois a perspectiva, inseparável da legitimação conseguida pelo Estado Social, do seu aprofundamento em intensidade e extensão? Nomeadamente, em matéria "económica", não será necessário ir mais longe do que "indemnizar", como diz Habermas, os assalariados pela condição subalterna que ocupam, democratizando o funcionamento da actividade económica, em vez de insistir na sua "autonomia sistémica"?

Qual o papel da dama?

Lá, lá, lá...

Matéria não falta

La vie est un roman como dizia o Resnais e a pátria dava com certeza para vários. O que é feito, porém, d’o delfim do Portugal de hoje desaçaimado, “só três sílabas”, “de plástico, que era mais barato”, onde “o que importa não é haver gente com fome/ porque assim como assim ainda há muita gente que come”?
Bocage aviaria sem espinhas dúzia e meia de sonetos e de Natália nem se fale. A O’Neill sobrar-lhe-iam versos. Eça não teria a mãos a medir com tanto Conde de Abranhos.
Bastaria que lhe trocássemos a Universidade em Coimbra por outra na capital (Independente ou Moderna cairiam que nem ginjas). A carta de denúncia anónima teria novo destinatário: estando na moda, o DIAP. Quanto ao caso da criada, ver-se-ia substituído por aventura infecunda com aspirante a modelo. A carreira política iniciá-la-ia numa Câmara de província. Daí a conselheiro Acácio seria pequeno passo, função que acumularia com a de blogger de culto (e, de preferência, oculto).
Casa com filha de ex-ministro. Lua-de-mel no Bazaruto (where else?) e a deputação vem a caminho. Faz-se notar nas bancadas pela combatividade e certa linguagem chã. A previsível vitória da oposição leva-o a mudar de partido. Questionado sobre a sua decisão, cita Abranhos, o original: “Questões de latitude não mudam a política”. Divorcia-se com discrição. Chega a secretário de Estado. Poucos meses depois telefona em segredo para casa: “Pai, já sou ministro”. O alfaiate desliga.
Dois anos de serviço público e convidam-no para CEO. Aceita. Em missão além fronteiras, atravessa-se-lhe no caminho um sósia do Ricky Martin. Abranhos comes out of the closet e abre novo capítulo: la vida loca. A qualquer solicitação, passará a responder “I would prefer not to”. Há quem garanta que, abandonada por fim a carreira empresarial e trocado Ricky por Martin, se torna marchand em Berlim. Outros dão-no como transformista em Las Vegas. Um primo em 3º grau jura que o viu no Allgarve degustando sardinhas confitadas sur lit d’endives…

Em suma: onde estão os escritores quando precisamos deles?

22/04/11

Um grande desígnio nacional (à atenção dos liberais)


Estou certo que poderemos contar com a presença, nesta magnífica iniciativa, de todos aqueles e aquelas que consideram fundamental fazer crescer as exportações, alterar o perfil de especialização da economia portuguesa e combater o desemprego. É a legalização, estúpidos!

Manobras divisionistas ao serviço do FMI?

O sempre vigilante anónimo que dá pelo nome de guerra de Leo, comentador de vários posts em vários blogues e cujas intervenções consistem em larguíssima medida em não menos avassaladoras citações de comunicados, declarações e outros diversos excertos da imprensa do PCP, acaba de alertar as massas dos seus leitores para a ameaçadora manobra divisionista do manifesto intitulado O Inevitável É Inviável, com este argumento singelo, mas indiscutível:

Agora até já tentam dividir entre trintões e os outros.

As avestruzes explicam-se

Francisco Louçã assume o salto no abismo e desata a interpretar os sonhos do pessoal de esquerda que dele discordou: «vão depressa ter com o FMI e negociar com eles o pacote da intervenção externa. Representem-nos, dizem os mais aterrorizados, sejam amigos uns dos outros». Engano (para não lhe chamar outra coisa); podemos – diria até que queremos – ser representados por quem não deseje ser amigo do FMI. Queremos que a tal «mais alguma coisa» que ele próprio imagina brevemente acrescentada ao PEC4 seja mínima; queremos que eles percebam que a rua também poderá ter voz nessas negociações. Queremos que os portugueses tenham mais hipóteses de saber que há alternativas. Os adversários enfrentam-se, não se evitam por medo de acusações de colaboracionismo ou por outros cálculos rasteiros. A capitulação começa muitas vezes por se virar costas ao inimigo.

Manifesto dos que depois de Abril vieram

São 74 mulheres e homens, que nasceram depois do 25 de Abril de 1974, e que, entendendo exercer publicamente a sua cidadania, subscrevem hoje este manifesto, propondo a quem os leia o mesmo exercício.

O INEVITÁVEL É INVIÁVEL

Somos cidadãos e cidadãs nascidos depois do 25 de Abril de 1974. Crescemos com a consciência de que as conquistas democráticas e os mais básicos direitos de cidadania são filhos directos desse momento histórico. Soubemos resistir ao derrotismo cínico, mesmo quando os factos pareciam querer lutar contra nós: quando o então primeiro-ministro Cavaco Silva recusava uma pensão ao capitão de Abril, Salgueiro Maia, e a concedia a torturadores da PIDE/DGS; quando um governo decidia comemorar Abril como uma «evolução», colocando o «R» no caixote de lixo da História; quando víamos figuras políticas e militares tomar a revolução do 25 de Abril como um património seu. Soubemos permanecer alinhados com a sabedoria da esperança, porque sem ela a democracia não tem alma nem futuro.

O momento crítico que o país atravessa tem vindo a ser aproveitado para promover uma erosão preocupante da herança material e simbólica construída em torno do 25 de Abril. Não o afirmamos por saudosismo bacoco ou por populismo de circunstância. Se não é de agora o ataque a algumas conquistas que fizeram de nós um país mais justo, mais livre e menos desigual, a ofensiva que se prepara – com a cobertura do Fundo Monetário Internacional e a acção diligente do «grande centro» ideológico – pode significar um retrocesso sério, inédito e porventura irreversível. Entendemos, por isso, que é altura de erguermos a nossa voz. Amanhã pode ser tarde.

O primeiro eixo dessa ofensiva ocorre no campo do trabalho. A regressão dos direitos laborais tem caminhado a par com uma crescente precarização que invade todos os planos da vida: o emprego e o rendimento são incertos, tal como incerto se torna o local onde se reside, a possibilidade de constituir família, o futuro profissional. Como o sabem todos aqueles e aquelas que experienciam esta situação, a precariedade não rima com liberdade. Esta só existe se estiverem garantidas perspectivas mínimas de segurança laboral, um rendimento adequado, habitação condigna e a possibilidade de se acederem a dispositivos culturais e educativos. O desemprego, os falsos recibos verdes, o uso continuado e abusivo de contratos a prazo e as empresas de trabalho temporário são hoje as faces deste tempo em que o trabalho sem direitos se tornou a norma. Recentes declarações de agentes políticos e económicos já mostraram que a redução dos direitos e a retracção salarial é a rota pretendida. Em sentido inverso, estamos dispostos a lutar por um novo pacto social que trave este regresso a vínculos laborais típicos do século XIX.

O segundo eixo dessa ofensiva centra-se no enfraquecimento e desmantelamento do Estado social. A saúde e a educação são as duas grandes fatias do bolo público que o apetite privado busca capturar. Infelizmente, algum caminho já foi trilhado, ainda que na penumbra. Sabemos que não há igualdade de oportunidades sem uma rede pública estruturada e acessível de saúde e educação. Estamos convencidos de que não há democracia sem igualdade de oportunidades. Preocupa-nos, por isso, o desinvestimento no SNS, a inexistência de uma rede de creches acessível, os problemas que enfrenta a escola pública e as desistências de frequência do ensino superior por motivos económicos. Num país com fortes bolsas de pobreza e com endémicas desigualdades, corroer direitos sociais constitucionalmente consagrados é perverter a nossa coluna vertebral democrática, e o caldo perfeito para o populismo xenófobo. Com isso, não podemos pactuar. No nosso ponto de vista, esta é a linha de fronteira que separa uma sociedade preocupada com o equilíbrio e a justiça e uma sociedade baseada numa diferença substantiva entre as elites e a restante população.

Por fim, o terceiro e mais inquietante eixo desta ofensiva anti-Abril assenta na imposição de uma ideia de inevitabilidade que transforma a política mais numa ratificação de escolhas já feitas do que numa disputa real em torno de projectos diferenciados. Este discurso ganhou terreno nos últimos tempos, acentuou-se bastante nas últimas semanas e tenderá a piorar com a transformação do país num protectorado do FMI. Um novo vocabulário instala-se, transformando em «credores» aqueles que lucram com a dívida, em «resgate financeiro» a imposição ainda mais acentuada de políticas de austeridade e em «consenso alargado» a vontade de ditar a priori as soluções governativas. Esta maquilhagem da língua ocupa de tal forma o terreno mediático que a própria capacidade de pensar e enunciar alternativas se encontra ofuscada. Por isso dizemos: queremos contribuir para melhorar o país, mas recusamos ser parte de uma engrenagem de destruição de direitos e de erosão da esperança. Se nos roubarem Abril, dar-vos-emos Maio!

Alexandre de Sousa Carvalho – Relações Internacionais, investigador; Alexandre Isaac – antropólogo, dirigente associativo; Alfredo Campos – sociólogo, bolseiro de investigação; Ana Fernandes Ngom – animadora sociocultural; André Avelãs – artista; André Rosado Janeco – bolseiro de doutoramento; António Cambreiro – estudante; Artur Moniz Carreiro – desempregado; Bruno Cabral – realizador; Bruno Rocha – administrativo; Bruno Sena Martins – antropólogo; Carla Silva – médica, sindicalista; Catarina F. Rocha – estudante; Catarina Fernandes – animadora sociocultural, estagiária; Catarina Guerreiro – estudante; Catarina Lobo – estudante; Celina da Piedade – música; Chullage - sociólogo, músico; Cláudia Diogo – livreira; Cláudia Fernandes – desempregada; Cristina Andrade – psicóloga; Daniel Sousa – guitarrista, professor; Duarte Nuno - analista de sistemas; Ester Cortegano – tradutora; Fernando Ramalho – músico; Francisca Bagulho – produtora cultural; Francisco Costa – linguista; Gui Castro Felga – arquitecta; Helena Romão – música, musicóloga; Joana Albuquerque – estudante; Joana Ferreira – lojista; João Labrincha – Relações Internacionais, desempregado; Joana Manuel – actriz; João Pacheco – jornalista; João Ricardo Vasconcelos – politólogo, gestor de projectos; João Rodrigues – economista; José Luís Peixoto – escritor; José Neves – historiador, professor universitário; José Reis Santos – historiador; Lídia Fernandes – desempregada; Lúcia Marques – curadora, crítica de arte; Luís Bernardo – estudante de doutoramento; Maria Veloso – técnica administrativa; Mariana Avelãs – tradutora; Mariana Canotilho – assistente universitária; Mariana Vieira – estudante de doutoramento; Marta Lança – jornalista, editora; Marta Rebelo – jurista, assistente universitária; Miguel Cardina – historiador; Miguel Simplício David – engenheiro civil; Nuno Duarte (Jel) – artista; Nuno Leal – estudante; Nuno Teles – economista; Paula Carvalho – aprendiz de costureira; Paula Gil – Relações Internacionais, estagiária; Pedro Miguel Santos – jornalista; Ricardo Araújo Pereira – humorista; Ricardo Lopes Lindim Ramos – engenheiro civil; Ricardo Noronha – historiador; Ricardo Sequeiros Coelho – bolseiro de investigação; Rita Correia – artesã; Rita Silva – animadora; Salomé Coelho – investigadora em Estudos Feministas, dirigente associativa; Sara Figueiredo Costa – jornalista; Sara Vidal – música; Sérgio Castro – engenheiro informático; Sérgio Pereira – militar; Tiago Augusto Baptista – médico, sindicalista; Tiago Brandão Rodrigues – bioquímico; Tiago Gillot – engenheiro agrónomo, encarregado de armazém; Tiago Ivo Cruz – programador cultural; Tiago Mota Saraiva – arquitecto; Tiago Ribeiro – sociólogo; Úrsula Martins – estudante

Os filhos da puta acusam o filho da puta

Para os EUA, Kadafi comete inumanidades por usar bombas de fragmentação. Não há limites para o descaro desta gente.

21/04/11

Palhaçada: mas como é que ele sabe, se não pôs lá os pés?

«O secretário-geral do PCP considerou hoje uma "fraude" as reuniões entre instituições internacionais e partidos sobre a ajuda externa a Portugal, afirmando que está em marcha uma "imposição" de condições de uma "troika mandante" a outra "obediente".»

Da prioridade da democracia sobre o "país"

Escreve o Daniel Oliveira: Nunca fui muito dado a patriotismos. Mas duas coisas são certas para mim. A primeira: defendo a soberania democrática. Ela pode ser nacional ou transnacional, na condição de estar suportada pela legitimidade do voto. E se o voto é nacional, a soberania tem de ser nacional. Não votei no FMI. Poderia aceitar - e não aceito - que intervenção do FMI era inevitável. O que nunca aceitarei é que o FMI é o governo do meu País. A segunda: não sendo um fervoroso patriota, quando o meu País está debaixo de um ataque, quando a sua liberdade, a sua soberania democrática e o seu futuro estão em perigo, sei de que lado estou.

É de aplaudir sem hesitações a prioridade da democracia sobre a pátria ou o patriotismo assim professados. No entanto, há um grave equívoco sobre a identificação da democracia ("soberania democrática") com a "legitimidade do voto". Sem dúvida, não há democracia sem repetidas ocasiões e instâncias de decisão por voto, Mas o voto não é sinónimo de democracia, ou seja de participação igualitária de todos nas decisões comuns do que a todos importa e importa que seja regulado ou instituído. O que o Daniel apresenta como "soberania democrática" a defender acima da pátria não vai mais longe do que o sistema representativo.

Um segundo equívoco é aquele em que o Daniel incorre confundindo — e fazendo marcha atrás ao confundi-lo — o ataque de que a "soberania democrática" possa ser alvo num país com um ataque a esse país. Que mais não seja porque pode haver — e há no caso que o Daniel tem em mente — uma fracção ou várias fracções do país que participem no ataque à "soberania democrática" ou ao que a anuncia nos direitos dos seus cidadãos comuns, ou que tenham a iniciativa desse ataque. Por isso, o que temos de defender e dizer que defendemos não é o país, ou a pátria, ou a "independência nacional", mas a democracia (ou as liberdades democraticamente conquistadas que apontam para a sua instituição e são propícias à vontade dos que a querem fazer ser).

Portugal: um retrato social

 

Bem sei que nada há de original num jogador de futebol que chora após uma derrota e que esta foto não tem a carga épica transcendental de Eusébio em 1966. Contudo, deixem-me partilhar convosco  o meu apreço  incondicional pela forma como joga e faz jogar Carlos Martins. 
Não se trata de o considerar o melhor ou o mais decisivo dos jogadores (papel que ficou reservado para Moutinho no primeiro ano de juvenis). Pelo contrário, estamos a falar de um jogador que foi, durante anos, o paradigma do perdulário, do irresponsável, do enorme talento comprometido pelo descontrolo emocional.
Martins é grande - diria mesmo que é o maior -  porque vive cada momento do jogo com prazer (mesmo quando está a recuperar uma bola perdida) e intensidade, a condição essencial para ser um grande jogador. Mas também porque o seu futebol tem a largura e o comprimento do campo todo, o permanente entendimento dos movimentos do conjunto dos jogadores (colegas e adversários) e a inteligência para jogar e fazer jogar, no espaço e no pé, oferecendo largura e inventando profundidade.
Martins é ainda uma metáfora poderosa. Arde dentro dele uma chama imensa, um fogo que parece estar sempre prestes a tornar-se um incêndio descontrolado, uma vontade que claramente o ultrapassa, mas que ele se recusa a abandonar. Um herói mitológico que aceita qualquer desafio e que não pestaneja quando ouve o treinador dizer que quer ganhar a Liga dos Campeões. Imagino que tenha sido ele o único no balneário a levar a sério as palavras (ou, se quiserem, a palavra) de Jesus a esse respeito e a perguntar em voz alta do que é que os outros todos se estavam a rir. Esse jogo de dados com o impossível confere-lhe uma aura quase sebastianista, de quem não leva o mundo suficientemente a sério para acreditar que ele não pode ser conquistado e transformado num quinto império benfiquista. A realidade mete-se por vezes no meio do caminho, mas o que é que interessa a realidade quando o Benfica está a jogar? 
Ontem Villas Boas ganhou claramente o "duelo táctico" a Jesus, quando fez subir a defesa e deixou a equipa  mais lenta sem espaço para pensar o jogo. Mas não é certo que isso venha a ser o fim da história. Como acontece quase sempre, tudo se decidiu nos pormenores: uma bola que se perde numa saída para o contra-ataque, um golo marcado em fora de jogo, a felicidade de um ressalto que deixa o guarda-redes batido. A cultura hegemónica yuppie, com o seu culto da "vitória" e do "sucesso" está pronta para crucificar Jesus (bem sei, bem sei, esta teve pouco de original). E contudo, o treinador parece-me ser o menor dos problemas. No sentido em que não há ninguém comprovadamente melhor do que ele disponível para vir treinar o Benfica, o que me parece um argumento mais soberano do que esta coisa que se assemelha vagamente a uma República. 
Mas sobretudo porque, se a expressão "jogar à Benfica" tem algum significado, então ela deve corresponder a mais do que aos resultados e troféus conquistados, deve ser uma cultura, no sentido mais ambicioso do termo. E eu, desde que sou pequenino, nunca tinha visto uma equipa que se assemelhasse tanto ao sentido que atribuo a essa expressão: que joga quase sempre no fio da navalha, disposta a tudo, sem rede de segurança, pronta a ser goleada por uma equipa israelita, mas não a abandonar a pressão alta e a posse de bola. Essa equipa pode perder tudo ou ganhar tudo, jogar bem, mal ou sofrivelmente, mas nunca se encolhe nem baixa a cabeça, a não ser para esconder as lágrimas, no fim do jogo.  É, mais do que uma equipa, uma epopeia. Ninguém a representa tão bem como este número 17 que não acredita em inevitabilidades e que não desistiu de escrever a sua própria história, que é também a nossa. Todos os dias somos bombardeados por exemplos de sucesso, como Cristiano Ronaldo, mas a inteligência furiosa de Martins é uma inspiração bastante mais interessante nos tempos que correm. É como ele que temos de jogar: ora em largura, ora em profundidade, ora no espaço, ora no pé, mas sempre com a determinação de quem não se rende. No final, poderá sempre haver um canto do relvado onde nos deixarmos cair. Mas só no final.

Movimento 12 de Março quer referendo sobre o pagamento da dívida soberana

O Luís Rainha já aqui se referiu a esta iniciativa e a algumas das declarações a seu respeito. Mas aqui fica a posição sobre o referendo do Movimento 12 de Março, tal como a resume o esquerda-net. Creio que poucas questões de política imediata haverá que valha mais a pena discutir.

Os organizadores do protesto Geração à Rasca, que reuniu cerca de 300 mil pessoas por todo o país a 12 de Março, apresentaram esta quarta-feira os objectivos do novo Movimento 12 de Março (M12M), numa conferência de imprensa informal à porta do Cinema S. Jorge, em Lisboa.

A conferência de imprensa teve início com uma citação de José Saramago: "Quando dizemos que é um resultado importante viver em democracia, dizemos também que é um resultado mínimo, porque a partir daí começa a crescer o que verdadeiramente falta, que é a capacidade de intervenção do cidadão em todas as circunstâncias da vida pública. Ou seja, fazer de cada cidadão um político."
À porta do cinema São Jorge, em Lisboa, os jovens voltaram a explicar que o movimento se caracteriza por ser "não hierárquico, não partidário laico e pacífico, um movimento que defende o reforço da democracia em todas as áreas da vida".
(…)
o M12M quer promover a necessidade de um debate sobre a importância de um referendo nacional acerca do pagamento da dívida soberana e questionar activamente “a eficácia, inevitabilidade, legitimidade e democraticidade” da intervenção do Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Fundo Europeu de Estabilização Financeira. “Acreditamos que o direito à informação é essencial para podermos avaliar a sua premência”, defendem.

O movimento considera também urgente uma auditoria às contas públicas que clarifique a verdadeira situação financeira e económica do Estado Português.

Português? Fique caladinho e faça o que os senhores alemães e finlandeses decidirem

Segundo o Miguel Portas, um referendo (proposto pelo M12M) sobre a venda em hasta pública da nossa soberania é inviável, pois «a lei impede referendos sobre matérias de incidência fiscal, compreensivelmente, aliás. Ora um empréstimo externo implica com fiscalidade.»
Quer isto dizer que vamos ter de pedir autorização aos parlamentos da Alemanha e da Finlândia para receber "ajuda"... mas nós não temos direito a voto na matéria. A mim, que não sou especialista, essa da fiscalidade parece aqui metida a martelo para evitar que a populaça se ponha com ideias; mas vamos ver.

Tolerâncias de ponto

Tal como escrevi há algum tempo aqui, há muito que me ocorre que uma forma de "greve" que era capaz de fazer mossa ao governo era uma "contra-greve" a uma tolerância de ponto, isto é, os funcionários públicos, como "forma superior de luta" contra as politicas do governo, irem trabalhar a um dia a que o governo desse tolerância (seria um caso extremo de "greve por bom trabalho"). Em termos de efeitos sobre a opinião pública (o objectivo, em ultima instância, de qualquer greve no sector público) seria muito mais positivo que uma greve clássica, e nem poderia ser minimizada com argumentos do género "fizeram greve só porque quiseram um dia de descanso!". Os inconvenientes eram que: a) duvido que algum sindicato declarasse um "contra-greve" dessas; b) se, mesmo assim, um sindicato apelasse à "contra-greve", muito sinceramente, duvido que alguém a fizesse; e c) como as tolerâncias costumam ser anunciadas com poucos dias de antecedência, dificilmente haveria tempo para decidir e organizar uma acção dessas, mesmo que se quisesse.

Cuius regio, eius religio

Cuius regio, eius religio - ou a liberdade de pensamento, de expressão e consciência sofre um grave atentado em Espanha, que introduz limitações permanente no seu exercício - tal parece ser a única conclusão razoável a tirar da notícia que a seguir se transcreve.

La procesión atea que debería circular hoy, Jueves Santo, por el barrio madrileño de Lavapiés infringe "el derecho fundamental de libertad religiosa" amparado en el artículo 16 de la Constitución Española y constituye un "riesgo real y efectivo de afectación del orden público con peligro para personas y bienes". Así lo estima el Tribunal Superior de Justicia de Madrid (TSJM), que ayer respaldó la decisión de la Delegación del Gobierno en Madrid de prohibir la marcha tras estudiar el recurso presentado por sus convocantes: la Asociación Madrileña de Ateos y Librepensadores (Amal), Ateos en Lucha y la Asamblea vecinal La Playa de Lavapiés.

Ellos son las nuevas víctimas de los tentáculos legales agitados por la Conferencia Episcopal Española. Han sido los últimos en ser acusados de un delito que sólo los países confesionales incluyen entre sus normas legales: blasfemar. "Los artículos 512 y 525 del Código Penal fueron creados para proteger las creencias. Pero ahora la justicia los utiliza para todo lo contrario, para perseguir la blasfemia. Esto es comparable a cómo se interpreta la protección de la religión en países como Yemen o Irán", se defiende el denunciado presidente de Amal, Luis Vega, para quien la sentencia demuestra que "el Estado aconfesional no existe". "Todo el mundo tiene derecho a manifestarse, menos nosotros, los laicos", añade ".


O mais instrutivo é notar como a reacção clerical se faz invocando a defesa do pluralismo, do respeito e do reconhecimento identitários, em termos que recorrem ao argumentário multiculturalista e pós-moderno do "politicamente correcto" e da sobreposição dos "direitos humanos" à concepção democrática da política. A pretexto de que as convicções e crenças de cada um devem ser respeitados e protegidos de ofensas a expensas da liberdade de expressão de quem se lhes opõe, o Estado arroga-se o direito de limitar o exercício da crítica e do livre-exame. Podemos, até ver, ser ateus, mas só se reconhecermos que a religião é um bem e abstendo-nos por isso de dizer mal dela em termos que os crentes considerem blasfemos. Passa-se da ideia de que devemos, evidentemente, respeitar o direito dos outros a defenderem e exprimirem as suas ideias, à ideia particularmente imbecil de que de temos de respeitar as ideias dos outros. Farão mal aqueles que, secundarizando o assunto e reduzindo-o a um aspecto menor de uma questão religiosa menorizada, subestimem a ameaça, que, a qualquer momento e segundo a mesma lógica, poderá visar outros alvos e domínios - reduzindo-nos a esse "rebanho pelo medo perseguido", de que falava Alexandre O'Neil, e cujo medo faz a prosperidade, legitimidade e prestígio dos pastores.

20/04/11

Supor saber não basta

Tanto o Zé Neves como o Pedro Viana, o Luís Rainha, o LAM ou eu próprio, supomos — e creio que por boas razões — saber que é inútil apresentar ao FMI objecções aos propósitos que alimentam a sua intervenção em curso. Mas a suposição — da ordem da certeza subjectiva — do que sabemos não basta como prova ou demonstração pública da verdade do nosso saber. Ora, do ponto de vista da democratização do debate e do regime da luta de ideias — inseparável da democratização sem mais do modo de governar, da divisão do trabalho político e das relações de poder — é a capacidade de prova através da demonstração pública que importa. Impossível fazer a coisa por menos.

A "liberdade de escolha" dos beneficiários de serviços públicos

Se estivermos a falar de escolas, a esquerda defende a escola estatal e a direita o "cheque-educação"; se estivermos a falar de beneficios sociais, a direita defende o pagamento "em géneros" e a esquerda em dinheiro.

Sou só eu que acha que não há aqui grande padrão lógico?

Saber perder também é uma forma de ganhar

O Daniel queria que o Jerónimo de Sousa e o Francisco Louçã tivessem ido reunir com o FMI e que no fim tivessem dito aos jornalistas que acreditavam que as suas críticas ao FMI haviam sido minimamente levadas em linha de conta pelo próprio FMI. À semelhança do que fez Carvalho da Silva. Ora, uma e outra coisa não são perfeitamente comparáveis. Eu acho bem que Carvalho da Silva tenha ido reunir com o FMI, tal como acho bem que Louçã e Jerónimo não tenham ido. Compreendo, aliás, que Carvalho da Silva tenha dito aos jornalistas que acredita que o FMI tenha ouvido o que Carvalho da Silva disse. Mas que o Daniel acredite que o Carvalho da Silva acreditava piamente no que estava a dizer aos jornalistas é algo que entra já, parece-me, no domínio da ingenuidade. Ou então da crença.

O FMI não é um monstro, por certo, é apenas e só um adversário. Que em si mesmo não é pior do que os adversários nacionais e podemos até, um dia, falar com o FMI. O FMI não será surdo, seguramente, aos protestos que se ouvirem nas ruas e nos locais de trabalho, sendo que entre estes e o FMI há sempre intermediações importantes, dos dirigentes políticos aos tecnocratas cuja força ou saber advenham (ou pelo menos se relacionem) com o que os marxistas-leninistas, nos seus sonhos mais molhados, gostam de chamar "dinâmica de massas". O que está em causa nestas reuniões, porém, é uma coisa muito diferente. E que tem que ver com princípios. Que interpelam os partidos de modo diverso do que interpelam os sindicatos. Os sindicatos reúnem com quem tem poder. Os partidos reúnem com quem tem poder mas um poder democraticamente legitimado. Estas reuniões do FMI com os partidos servem, sobretudo, para dar legitimidade a um programa de governo que se imporá a todo e qualquer partido que vença as eleições. Um programa que se pretende partidariamente legitimado, mas não democraticamente legitimado. É o cúmulo da partidarização da vida política. E mostra como os partidos são cada vez mais instituições ao serviço dos Estados e menos emanações dos eleitores. É o próprio FMI que o afirma: trata-se de garantir o apoio da maior parte dos partidos de modo a evitar que o resultado das eleições – com essa chatice que são os governos minoritários, a heterogeneidade da vontade popular, a instabilidade política, a democracia e outras comichões que irritam os “mercados” – possa anular o trabalho de consolidação que agora começa a ser feito. Faltar à reunião é um modo de deixar claro que não se alinha com esta fraude eleitoral. Ir à reunião dizer que não se alinha com essa fraude seria outro modo, por certo. Ambos são modos de continuar e recomeçar a luta.

Outra coisa, porém, é pretender negociar um programa de governo nacional com alguém que não foi eleito, como o Daniel praticamente exige. E aqui acho que o Daniel está a levar longe do mais o seu reformismo. Uma coisa é pedir que PCP e BE negoceiem um programa de governo com o PS caso este seja o partido mais votado. Outra coisa é pedir que negoceiem um programa de governo com o FMI não sendo votado. Não sou um defensor do "quanto pior, melhor", mas também não creio que o melhor meio para melhorar as coisas seja procurar simular pequenas vitórias no que é uma clamorosa derrota. A esquerda, os trabalhadores, os benfiquistas, a democracia - como queiram - perderam com a chegada do FMI. Não vale a pena tentar disfarçar. Saber perder é importante para voltar a vencer, como disse, um dia, o grande Jaime Pacheco (ou foi o Manuel José, já não sei).



O nacionalismo é sempre dos outros...

O gajo que até fala do orgulho da raça tuga vem agora dizer mal dos egoísmos nacionais dos outros.

Elogio da falta de comparência

"A fuga, enquanto categoria politica, carrega consigo o peso da suspeição. Aparenta manter relações próximas com a traição, com o oportunismo e com a cobardia, categorias que são simultaneamente antipatrióticas e estranhas às virtudes tradicionais da acção política. A deserção, contudo, enquanto figura de desobediência civil, granjeou algum sucesso, desde a década de 1970, nos movimentos pacifistas e ambientalistas; e o êxodo maciço que ocorreu na República Democrática Alemã e que marcou o fim do Socialismo Real foi de facto um movimento político. Se a fuga surge quase sempre como categoria antipolítica, ela evoca também outras conotações, como a aventura, a partida, a descoberta, a fome de viver. Encontra-se sempre associada aos conceitos de movimento e de inquietação. Tem constituído um dos instrumentos básicos de recusa da banalidade e da rotina da vida quotidiana e das suas sufocantes restrições. A fuga tem sido assim uma via privilegiada para aceder à subjectividade, um caminho para a liberdade e independência."




Sandro Mezzadra, Direito de Fuga

Debaixo do Vulcão


Gostaria de relembrar os camaradas e amigos mais entusiastas com o "exemplo islandês" que o FMI está a trabalhar por aqueles lados desde 2008. O referendo realizado há dias não dizia respeito ao conteúdo deste ou daquele pacote de austeridade, mas à indemnização de alguns investidores estrangeiros prejudicados pela falência de bancos islandeses. Claro que isso tem implicações ao nível do rigor e duração da austeridade - e que esta observação em nada diminui a importância do processo ali em curso - mas não se trata, decididamente, de algo semelhante ou praticável na situação portuguesa, onde o défice é em primeiro lugar comercial e só depois orçamental. 
Aliás, o chefe da missão do FMI sublinhou precisamente, em Outubro do ano passado, que um dos pontos-chave fundamental da recuperação económica islandesa foi a recusa do pagamento da dívida do sector privado (leia-se, da banca): "The key will be to keep a lid on financial sector contingent liabilities, and ensure that the public sector does not assume more private sector debt." E já em 2009 considerava que as medidas empregues tinham como objectivo aproximar o sistema fiscal islandês dos seus congéneres sueco e dinamarquês (tornando-os portanto mais progressivos) de maneira "a preservar o modelo básico do estado de bem estar nórdico". 
Ou seja, o FMI entrou na Islândia para fazer uma política que aparenta ser bastante diferente da que nos foi apresentada nos sucessivos PEC e que até não difere assim tanto de algumas coisas que têm escrito os Ladrões de Bicicletas, admitindo um aumento da despesa pública para financiar o crescimento dos apoios sociais e considerando que esse tipo de medidas contra-cíclicas pode manter à tona da água a economia. O que Paul Krugman aqui saúda é uma performance económica de recuperação assente em políticas económicas que combinaram o aumento da receita fiscal e a regulação  do sector financeiro, de maneira a corrigir os efeitos do que considera "excessos especulativos" sobre a "economia real". 
Desse ponto de vista, o caso português, como o irlandês ou o grego, tem uma diferença substancial, que diz respeito à sua escala e à dimensão política inerente à natureza das respectivas dívidas públicas (e, bem assim, às suas necessidades de financiamento externo). O resgate do FMI não é, não pode ser, em Portugal, na Irlanda ou na Grécia, semelhante ao que foi efectuado na Islândia. Há demasiada gente que perderia demasiado dinheiro. O FMI não vem cá fazer figas para que a dívida privada não seja incluída na dívida pública, mas precisamente o contrário. Não é por acaso que lhe chamam Tony Soprano bailout. Quanto às "propostas concretas" relativamente à reestruturação da dívida pública portuguesa, já lá iremos.

19/04/11

As próximas eleições NÃO são um referendo

Depois de citar um artigo publicado por The Economist, que assinala o facto de o exemplo islandês estar a contagiar alguns economistas portugueses, levando-os a pensar na exigência de um referendo, o João Rodrigues dá conta da sua própria posição de apoio à via referendária.

Pois bem, se o acompanho e secundo na exigência de, por essa via, se garantir aos cidadãos que se pronunciem e decidam sobre os termos do "resgate", já o mesmo não posso dizer da sua péssima ideia de, em vez de reclamar um referendo propriamente dito, considerar um referendo as próximas eleições: os eleitores que quisessem votar no "resgate" como previsto pela oligarquia votariam PS, PSD ou CDS; os defensores do NÃO às anunciadas condições do "apoio" do FMI, votariam na CDU, no BE e, talvez, no MRPP.

As minhas objecções são, ao mesmo tempo, tácticas e de princípio.

No plano meramente táctico, parece-me que é restringir à partida o campo do NÃO identificá-lo com os partidos da oposição e os seus programas. Ou seja, é evidente que o número dos votantes nesses partidos será muito inferior ao daqueles que se disporiam a votar pelo NÃO num referendo propriamente dito, digamos que "à islandesa".

Mas a objecção de princípio é mais grave e vai mais longe. Suponho que o João Rodrigues só por precipitação e ardor juvenil não se dá conta de que a sua proposta equivaleria a instrumentalizar os cidadãos, a entalá-los ou intimidá-los apresentando-lhes o voto nos partidos da oposição como única alternativa à recusa das condições de um acordo com o FMI nos termos que se adivinham. Em vez de serem os partidos da oposição a pôr os seus meios ao serviço do NÃO, seriam os partidários do NÃO que se tornariam meios do aumento de votação visado por esses partidos e das suas eventuais ambições de proprietários da luta contra a oligarquia.

Por fim - não há duas sem três -,  e para voltarmos a considerações de ordem táctica, na hipótese verosímil de que os resultados das próximas eleições não dêem a maioria parlamentar ao conjunto CDU e BE,  a apresentação dessas eleições como um referendo poderá ser, interessada e abusivamente, interpretada como uma vitória do SIM ao FMI pelas forças que apostam justamente no aproveitamento oligárquico da crise.