Depois de citar um artigo publicado por The Economist, que assinala o facto de o exemplo islandês estar a contagiar alguns economistas portugueses, levando-os a pensar na exigência de um referendo, o João Rodrigues dá conta da sua própria posição de apoio à via referendária.
Pois bem, se o acompanho e secundo na exigência de, por essa via, se garantir aos cidadãos que se pronunciem e decidam sobre os termos do "resgate", já o mesmo não posso dizer da sua péssima ideia de, em vez de reclamar um referendo propriamente dito, considerar um referendo as próximas eleições: os eleitores que quisessem votar no "resgate" como previsto pela oligarquia votariam PS, PSD ou CDS; os defensores do NÃO às anunciadas condições do "apoio" do FMI, votariam na CDU, no BE e, talvez, no MRPP.
As minhas objecções são, ao mesmo tempo, tácticas e de princípio.
No plano meramente táctico, parece-me que é restringir à partida o campo do NÃO identificá-lo com os partidos da oposição e os seus programas. Ou seja, é evidente que o número dos votantes nesses partidos será muito inferior ao daqueles que se disporiam a votar pelo NÃO num referendo propriamente dito, digamos que "à islandesa".
Mas a objecção de princípio é mais grave e vai mais longe. Suponho que o João Rodrigues só por precipitação e ardor juvenil não se dá conta de que a sua proposta equivaleria a instrumentalizar os cidadãos, a entalá-los ou intimidá-los apresentando-lhes o voto nos partidos da oposição como única alternativa à recusa das condições de um acordo com o FMI nos termos que se adivinham. Em vez de serem os partidos da oposição a pôr os seus meios ao serviço do NÃO, seriam os partidários do NÃO que se tornariam meios do aumento de votação visado por esses partidos e das suas eventuais ambições de proprietários da luta contra a oligarquia.
Por fim - não há duas sem três -, e para voltarmos a considerações de ordem táctica, na hipótese verosímil de que os resultados das próximas eleições não dêem a maioria parlamentar ao conjunto CDU e BE, a apresentação dessas eleições como um referendo poderá ser, interessada e abusivamente, interpretada como uma vitória do SIM ao FMI pelas forças que apostam justamente no aproveitamento oligárquico da crise.
19/04/11
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6 comentários:
Caro MSP,
Mesmo qie nos déssemos ao trabalho de, a partir de hoje e durante o tempo que falta até 5 de Junho, recusar a ideia de que essas eleições sejam um referendo sobre a intervenção externa, isso vai acontecer posteriormente. Os partidos vencedores irão apresentar o resultado como a legitimação pelo voto das exigências de FMI & Associados. Em relação a isto J. Castro Caldas (penso que é Castro Caldas e não J. Rodrigues) não precisa fazer absolutamente nada, as leituras após 5 de Junho vão assumir a data como um referendo de legitimação.
abraço.
Caro LAM,
de acordo - mas o José M. Castro Caldas põe, de facto, a hipótese de um referendo a sério, embora depois considere também a "referendização" das próximas eleições…
De qualquer modo, acontece que, por várias razões - entre as quais a nossa incapacidade de apresentação clara de uma plataforma de democratização -, muitos dos que se oporiam num referendo "à islandesa" à intervenção em gestação e aos seus previsíveis termos não votarão nem na CDU nem no BE (este último, aliás, está a esforçar-se com atitudes recentes por dissuadir muita gente de votar nele). Votarão PS, contrariados, ou votarão branco ou nulo, ou abster-se-ão. Insistir na tecla de que as próximas eleições são um referendo é legitimar a priori que os partidos do Bloco Central e o CDS tirem essa conclusão dos resultados eleitorais.
A defesa de um referendo é, neste caso, a da participação em vez dos representantes e seria uma ocasião de, opondo-nos à política do Bloco Central e da direita, tentarmos avançar um pouco para além dos coletes de força do sistema representativo-partidário.
Assim, caríssimo, aceitando na íntegra (ou quase) o seu diagnóstico, não vejo razões para me desdizer.
Abraço
miguel (sp)
Provavelmente expliquei-me mal. Não estaria contra um referendo que colocasse de forma o mais objectiva possível as opções que se pudessem abrir para a situação, ou até em termos de um sim ou não à intervenção. O que digo é que apesar de isso não ir acontecer,quer seja por questões de calendários apertados, quer por não haver condições objectivas para o impor, os partidos vencedores das eleições (que tudo indica andará pela troika do costume), não vão perder a oportunidade de, posteriormente, considerarem as eleições como o veredicto popular de legitimação da intervenção do FMI/BCE.
abraço.
Caro Miguel,concordo, claro, com tudo o que dizes. Um abraço.
Caro LAM, é óbvio que PS, PSD e CDS irão utilizar a sua mais do que previsível maioria em excesso de 2/3 dos votos nas eleições de 5 de Junho para defenderem à posteriori a legitimidade do seu golpe de estado. Mas tal argumentação terá muito mais força se PCP e BE apelidarem à priori as eleições de 5 de Junho de "referendo ao FMI". Se, pelo contrário, PCP e BE exigissem efectivamente tal referendo, teriam depois possibilidade de argumentar que na sua ausência seria abusivo assumir que todos os que votassem PS, PSD ou CDS concordam com as condições impostas pela troika.
Nem mais, Pedro. Também me parece evidente que o NÃO ao "resgate" anunciado e às suas condições teria muito mais adesões num referendo que devolvesse directamente a voz aos cidadãos que - por razões muito diversas e até contraditórias, nalguns casos - não estão dispostos a votar CDU nem BE. Tal seria o caso, sobretudo,se houvessem quem soubesse dinamizar uma campanha pelo NÃO mostrando que as suas razões são muito mais amplas do que os interesses dos dois partidos.
Abraço
miguel(sp)
Pedro Viana, se bem entendi o que defende é que os partidos de esquerda concorrentes a 5 de Junho deveriam exigir um referendo. Podia ser embora, quanto a mim, e porque tal e logo à partida nunca seria aceite pelo poder actual (PS/PSD/CDS/PR), esbarraria também (e bastaria como argumento) nas condições prácticas de levar a cabo um referendo antes da data de 5 de Junho. Ou seja, nem pelos outros partidos nem principalmente pelos sufragados/eleitores isso seria visto como uma proposta viável. Compreendo que o sentido que dá à reclamação de um referendo agora seria condicionar a leitura, por parte dos partidos de direita, das eleições de 5 Junho como "o" referendo. Uma qualquer proposta nesse género, se visivelmente (como me parece ser o caso) não tiver pernas para andar, e não se apresente como viável e até realista, atendendo ao mês e meio que nos separa de Junho, à generalidade da população, pode ser pior a emenda do que o soneto, uma vez que seria vista como uma proposta desacreditada logo de início, o que contribuiria mais para as já não muito consistentes propostas da esquerda para esta crise.
Miguel S.P, não tenho dúvidas nenhumas que o quadro onde isto deveria ser tratado seria num referendo. Não só pela participação que suponho maior e fraccionadora dos campos estabelecidos, como pela possibilidade de esclarecimento e o eventual apontar de uma solução diferente da que se desenha. Acontece que "nesta altura do campeonato" não vejo viabilidade de isso acontecer.
abraços.
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