30/10/15

Leitura


Para quêm está enjoado com a mediocridade da política e dos espetáculos de charlatões. Para quém não tem fé apostólica nos políticos e no voluntarismo da política recomenda-se o último número da revista Flauta de Luz. 
A abrir este número uma frase de Lewis Mumford sobre a megamáquina capitalista :« Nunca nenhuma outra religião produziu tantas manifestações de poder, levou a um tão completo sistema de controlo, uniformizou tantas instituições separadas, suprimiu tantas formas de vida independentes ou alguma vez declarou um tão grande número de  adoradores que por palavras e actos testificam o reino, o poder e a glória dos seus deuses nucleares e eletrónicos. Entre os textos destaco, sem hierarquias : memórias da ligação de Guy Debord com a Revolução de Abril, um texto de Albert Cossery, uma crítica de O Capital no século XXI, de Thomas Piketty e outra da História do povo na Revolução Portuguesa, de Raquel Varela, uma reflexão sobre a Anarquia e o sagrado, textos sobre a poesia ameríndia e a negação do genocídio índio. Também uma curta mas intensa homenagem a Vitor Silva Tavares e outra a Christian Marchadier. E muitas outras páginas sobre temas diversos e actuais, encontros, poesia, livros, filmes …

A revista está nas boas livrarias e pode também ser pedida para :
Flauta de Luz/ Painel da Antiqueira, 39 – Vargem/7300-430 Portalegre


Uma escolha óbvia

O escolhido, para a nobre e bem paga função, notabilizou-se a "transportar" activos públicos para mãos privadas, aquilo a que se chama privatizar. O Governo que integra está moribundo, mas ainda existe, é um facto. Esse Governo foi incapaz de vender o Novo Banco, é outro facto. O governador do Banco de Portugal, um funcionário do actual Governo moribundo, com direito de continuidade nas funções, prometeu já ter vendido  este Novo Banco, é outro facto. Que toda esta gente se entenda a arranjar um emprego muito bem pago a um dos mais ilustres membros do Governo que está a acabar, faz todo o sentido. Afinal, os amigos são para as ocasiões.

28/10/15

A tradição já não é o que era e ainda bem.

A tradição já não é o que era. A necessidade de responder aos terríveis avanços da direita europeia, influenciada pela tradição libertarista americana,  mobiliza, um pouco por todo o lado, os mais inesperados apoiantes. Se por cá avança - tanto quanto se percebe a bom ritmo - a tão inesperada quanto desejada maioria de esquerda, no Reino de Sua Majestade  é a vetusta, e para muitos obsoleta, Câmara dos Lordes que resolve dizer basta à deriva extremista de Cameron e Osborne. Estes dois símbolos maiores do neoconservadorismo Europeu, encorajados com a recente vitória eleitoral, resolveram antecipar o calendário de destruição do Estado Social.  Tratava-se de implementar o corte de 12 biliões de libras nos apoios ao Estado Social. Uma primeira aplicação do "programa" traduzia-se na anulação de todos os créditos fiscais, com incidência na saúde, na educação e na habitação.
Esta medida, com impacto violento nas classes de menor rendimento, como foi unanimemente reconhecido, atingiria uma tal violência social que levou os Lordes a votarem o adiamento da sua entrada em vigor, até que medidas compensatórias tenham sido suficientemente estudadas.
A reacção de Cameron e Osborne foi violenta. Desde a invocação de uma práctica que remontará a 1909 - a de que os Lordes não se imiscuem em questões de natureza fiscal ou financeira - até à ameaça de que irão solicitar uma alteração das competências da Câmara, que determinará a impossibilidade futura de actuações deste tipo.
O que não deixa de nos suscitar um sorriso, atendendo ao discurso pós eleições de Cavaco Silva e ao tom dos comentários da direita, é o facto de ser a híper-conservadora Câmara dos Lordes a ousar enfrentar e conter o desvario radicais e extremistas dos Conservadores Britânicos.
A actuação dos Lordes contrasta com a de alguns dos deputados Trabalhistas  que aprovaram o pacote fiscal dos Tories desobedecendo expressamente às orientações do novo líder, Jeremy Corbyn. Aqueles deputados que Cavaco gostaria de encontrar também no parlamento português no seio da bancada do PS, para viabilizar o Governo do seu partido e a sua política anti-social. Aqueles a quem apelou na sua crispada declaração.
Será caso para que os Lordes ensinem a todos os que clamam pela tradição e pelo seu respeito lembrando uma ideia simples e compreensível: novos tempos carregados com novas e mais terríveis ameaças, resultado de opções políticas que visam implodir os alicerces do sistema social em que vivemos, obrigam à mobilização de novas energias e de todas as forças que as possam deter. Trata-se afinal de dar uma resposta eficaz à crise humanitária que esta direita libertariana ameaça estender a toda a Europa. Sempre em benefício de alguns com prejuízo para todos os outros, como é timbre da direita radical e extremista.

27/10/15

PPE prepara-se para expulsar partidos membros?

Presidente do grupo parlamentar do PPE ataca o Partido da Conciliação Nacional finlandês (em coligação com os Verdadeiros Finlandeses), o Partido Conservador dinamarquês (aliado no parlamento ao Partido do Povo Dinamarquês), a Unidade letã (que "perdeu as eleições" e fez uma coligação com a Aliança Nacional para conseguir governar) e o Fidesz húngaro de Viktor Orban:

“Temos de assegurar que as forças europeias democráticas pró-europeias trabalham juntas para mostrar responsabilidade, para ultrapassar as dificuldades atuais”, apelou Manfred Weber, referindo o exemplo do Parlamento Europeu, onde o grupo dos socialistas e dos populares trabalham frequentemente em conjunto para chegar a consensos."

“Não queremos que extremistas influenciem a legislação. É o que tentamos fazer, e peço que os colegas nos seus países façam o mesmo.”

Tradições

Tem-se falado muito numa suposta tradição de deixar o partido mais votado governar, mesmo que não tenha maioria. Mas existirá realmente essa tradição?

Da parte do PS não me parece que alguma vez tenha existido: da única vez que existiu um governo minoritário do PSD (85-87), o PS apresentou uma moção de rejeição a esse governo, votou contra uma moção de confiança e a favor de uma moção de censura; ou seja, fez tudo o que era institucionalmente possível para deitar esse governo abaixo, desde o primeiro dia (é verdade que votou a favor dos orçamentos, mas alterando-os de tal maneira que o governo se queixava que estava quase a governar com o orçamento da oposição); o que manteve o primeiro governo Cavaco no poder foi a muleta do PRD, e quando este passou definitivamente para o lado da oposição e apresentou uma moção de censura, o governo caiu (ao contrário do que o PRD imaginaria, levantou-se logo a seguir e foi a muleta que ficou esmagada).

Mas, e do outro lado? Não poderemos dizer que o PSD e/ou o CDS têm deixado os governos minoritários do PS governar? Até certo ponto é verdade (um aparte - o que teria contecido em 1997 se o presidente fosse Cavaco e não Sampaio, quando o governo Guterres aprovou o orçamento com o apoio de um partido oposto aos nossos compromissos europeus?); mas também é verdade que nunca ocorreu o PS ser o partido mais votado mas o PSD e o CDS terem em conjunto uma maioria que lhes permitisse formarem eles um governo (sempre que o PS foi o mais votado, a esquerda teve a maioria no parlamento), logo mesmo que quisessem impedir o PS de formar governo não conseguiam.

Desta forma esta tradição de deixar o maior partido governar parece um pouco como a minha tradição de não namorar com modelos da Victoria's Secret - faz sentido dizer que há a tradição de não se fazer algo que nunca se teve verdadeiramente a oportunidade de fazer?

25/10/15

Infelizmente, António Barreto deve estar enganado

A (má-)fé não basta, por mais montanhas que mova, para garantir o cumprimento das suas próprias profecias. Mas leiam esta previsão de António Barreto: —"O PS deixou de ter relações especiais com os grupos económicos portugueses e multinacionais. O poder económico e financeiro deixou de acreditar no PS. E o PS, com as mãos a arder, vai virar-se para a política e deixar a economia..."  — e digam lá se não seria menos mau que fosse verdade?


24/10/15

João Marques de Almeida - ignorante ou mentiroso?

No Observador, João Marques de Almeida escreve que «Se Costa chegar a S. Bento, será o único PM na história da democracia portuguesa que conquistou o poder durante a “suspensão da democracia”: os seis meses em que não pode haver eleições parlamentares.»

Fico na dúvida se tal será ignorância ou má-fé (inclino-me para a primeira hipótese, já que ninguém iria de má-fé dizer algo sabendo que vai ser logo desmentido).

Para começar, há aqui dois diferentes períodos de seis meses em que o parlamento não pode ser dissolvido - o parlamento não pode ser dissolvido, nem nos primeiros seis meses após a sua eleição, nem nos últimos seis meses antes do fim do mandato de presidente.

No caso dos seis meses após as eleições legislativas, quase todos os primeiros-ministros "conquistaram o poder" nesses seis meses, já que foram nomeados a seguir às eleições (as exceções serão Nobre da Costa - que tecnicamente não chegou a "conquistar o poder", já que o governo foi rejeitado pelo parlamento - , Mota Pinto, Pintassilgo e Santana Lopes; eu até pensava que o Balsemão era uma exceção mas não - ele foi nomeado primeiro-ministro 3 meses após as eleições).

Mas isso é tão óbvio que suspeito que JMA estava a pensar apenas no segundo caso - os seis meses em que o presidente não pode dissolver o parlamento por estar no fim do seu mandato; mas mesmo aí está enganado - tanto Cavaco Silva (nomeado primeiro-ministro em novembro de 1985, quatro meses antes de Eanes acabar o mandato) como Guterres (nomeado primeiro-ministro em outubro de 1995, também cerca de quatro meses antes de Soares acabar o mandato) foram eleitos nesse período.

O charlatão contra-ataca: não é o único mas destaca-se

Hoje, assim: Perante uma plateia repleta, José Sócrates (…) comparou a sua situação à de Luaty Beirão.   Assim, há dias: Sócrates considera-se uma figura ao nível de Napoleão, Soares e Mandela.

23/10/15

Marisa Matias, a democracia e a Europa

Se Marisa Matias tem, sem dúvida, razão ao afirmar que quem "invoca a Europa para silenciar a democracia, mais não faz do que atacar a Europa e atacar a democracia", seria bom que, assumindo as consequências dessa sua tese, explicasse aos seus camaradas e aos cidadãos em geral que também quem invoca a democracia para fragmentar a Europa, mais do que simplesmente atacar a Europa, desiste de lutar pela democracia.

Pode alguém ser quem não é?

Cavaco, no final da sua longa e proveitosa carreira política, teve ontem a possibilidade de verbalizar  aquilo que pensa dos portugueses que agem politicamente de maneira diferente da sua: não são dignos de eleger governos e não são dignos de verem o seu voto respeitado em pé de igualdade com o dos seus concidadãos.
Para Cavaco há portugueses bons - os que pensam como ele - e portugueses maus - os que se atrevem a pensar de forma diferente da sua. Os primeiros podem eleger e ser eleitos, como estabelece a Constituição da República, os segundos, podem eleger mas quem eles elegem não pode, mesmo que o resultado eleitoral o permita, integrar Governos. Ser de esquerda - uma esquerda definida de acordo com o elevado critério do inquilino de S.Bento  - é um defeito, uma patologia que limita os direitos políticos de quem dela padece.
 Cavaco gostou sempre de fingir que era um democrata, um institucionalista, um europeu. Ontem mostrou, se necessário fosse, que nele tudo é representação e disfarce, pura e conveniente encenação. Na primeira contrariedade o chefe de facção, o líder partidário sectário e autoritário, emerge, mandando às malvas tudo o que sempre  dissera. Afinal, pode alguém ser quem não é?

PS - Historicamente são vários os exemplos de partidos que criticando a União Europeia e defendendo a saída da NATO, participaram em Governos no âmbito da União Europeia. Como aliás aconteceu em Portugal com a participação no Governo do CDS/PP,  um partido ferozmente antieuropeu antes da conveniente guinada de Portas. Neste post não faço qualquer referência á nomeação de Passos Coelho que sempre considerei inevitável e até desejável neste contexto.

19/10/15

Está quase, está quase.

Jornais e Televisões martelam insistentemente na mesma tecla: um governo de esquerda é uma coisa inadmissível, um regresso ao passado - para aí dos anos setenta, estimam eles - uma traição ao sentido de voto dos eleitores do PS, coitados, nunca pensaram que António Costa fizesse uma coisa assim. Costa quer destruir o PS, suspeitam eles, e criar as condições para uma maioria absoluta da direita. Coisa que lhes agradaria acima de todas as outras, não se entende porque se queixam. Pelo meio vão sempre anunciando a eminência de uma rotura nas negociações entre PS e CDU ou Bloco. O apoio a uma manifestação contra a NATO, por parte do PCP - coisa nunca dantes vista - serve ao Público como sinal do impasse e prova de que não haverá acordo. [ No Observador, José Milhazes já avisara a navegação: cuidado, o PCP ainda não renegou o Staline, o José, aquele malandro do piorio. Como é que podem ir para um Governo da CEE, perguntava o homem]
No mesmo jornal, Jorge Almeida Fernandes "analisa" os Socialistas e a "esquerda da esquerda" para reflectir sobre os "dilemas estratégicos dos partidos socialistas", na sua própria versão. Há duas ideias fortes que ressaltam do texto do jornalista: a primeira é a de que os partidos socialistas - aqui utilizados para simbolizarem a social-democracia -  são partidos cuja utilidade se mede pela possibilidade de ganharem eleições; a segunda defende que se os partidos socialistas querem permanecer como partidos de Governo, têm que assumir políticas que impedem uma união das esquerdas.

Se olharmos mais de perto veremos que estas duas ideias são apenas uma: apenas é possível aos partidos socialistas governar no quadro das democracias ocidentais, abdicando dos valores da esquerda e, sobretudo, dispondo-se a fazer mais depressa e melhor o trabalho sujo da direita, vulgo as reformas ou as mudanças necessárias. (quais? para quem? em benefício de quem?)

Em abono da primeira ideia socorre-se da eleição de Corbyn no Labour - um anacronismo para JAF e para o Público, que dedicou um lamentável editorial ao tema - que é contraposta à de Renzi em Itália. Pelos vistos, dos apoiantes de Corbyn só 10%  consideraram importante que o líder  do Labour soubesse como vencer uma eleição. Ao jornalista não lhe ocorre que, para já, Corbyn mostrou ser capaz de vencer uma eleição, mesmo num contexto muito difícil: a eleição no Labour. Uma vitória esmagadora, com um programa que, segundo os politólogos que são citados na análise,  não permite ganhar eleições, mas que para muitos outros, mesmo do tão citado Guardian, representa uma lufada de ar fresco, não só no contexto político do Reino Unido mas também Europeu. Programa que passou a ter o apoio económico de Stieglitz e Piketti, entre outros famigerados esquerdistas do século passado.
Já no caso italiano, Renzi  que ganhou as eleições, logo um socialista dos que interessam , não só ignora os valores da esquerda, como tem estado a concretizar as reformas que, nalguns casos, nem Berlusconi ousara. Um socialista na linha de Blair e da sua terceira via. Se Renzi e Valls são os exemplos em que JAF se apoia, péssimas serão as conclusões que poderá obter. Pior do que Valls, esse iluminado do socialismo francês, que queria alterar o nome do partido para o tornar mais moderno, mais aceitável, só o primeiro-secretário do seu partido que é citado como tendo dito que "(...) a grande dificuldade é voltarmos a centrarmos no tema da igualdade, quando as circunstâncias tornam impossível a redistribuição". Quais circunstâncias? esqueceram-se de perguntar.

Há nesta "análise"  uma importante falta de conteúdo. Quando se escreve que a social-democracia se tornou  "historicamente numa grande força política porque escolheu  a vocação de governar e não se acantonou numa posição tribunícia de denuncia do capitalismo", está-se a amesquinhar a história e a importância da social-democracia. Pretende-se ignorar o facto de a social-democracia ter representado, no pós-segunda guerra mundial, um projecto político, cujo triunfo significou, exactamente, a derrota das forças agora dominantes em termos europeus e mundiais. A vitória da social-democracia significou a derrota, por décadas, da mão invisível do mercado. Permitiu  a construção de algumas das sociedades mais justas, alguma vez existentes à face da Terra. Sociedades que, nalguns casos, décadas de neoliberalismo ainda não lograram implodir, como acontece nos países nórdicos. Mas, a social-democracia europeia  cometeu erros crassos, como, entre muitos outros, o de ter promovido a despolitização da sociedade e a transformação dos cidadãos em consumidores  O paradigma redistributivo que foi inicialmente um dos grandes instrumentos de promoção da justiça social - e que concitou sobre si a atenção e a critica dos libertaristas como Nozick -  tornou-se, dramaticamente, num poderoso factor de despolitização da vida do dia a dia, abrindo caminho para o reforço de relações e processos sociais que conduziram a novos e cada vez mais severos processos de dominação e opressão. O financiamento do consumo, que deu origem ao famoso endividamento, foi a forma como a social-democracia pretendeu retocar o paradigma distributivo, no contexto de uma cada vez mais crescente desigualdade na distribuição da riqueza. Foi necessário financiar o consumo para que consumidores com cada vez menos rendimentos, continuassem a consumir, gerando crescentes mais-valias a quem detinha o capital. Não se tratou de um retoque, tratou-se de uma mudança de paradigma, apenas possível pela captura dos partidos social-democratas, e dos Estados, pelos interesses de alguns poucos: os mais ricos entre todos e o sistema financeiro internacional.
Contrariamente ao que aqui escreve JAF, e ao que se escreve de forma contínua no Público, a crise da social-democracia não resulta do regresso da esquerda aos seus lugares de origem, pelo contrário. O que torna irrelevante, e mesmo trágico, o papel da social-democracia actualmente é ela insistir em percorrer um caminho sem retorno, que a afasta de qualquer ideia de justiça social, de qualquer projecto reformador da sociedade, conduzindo-a para esse lugar ao sol onde lhe estará destinada a sua última tarefa: governar a sociedade da desigualdade extrema, com um rosto vagamente humano. Para essa tarefa os Renzis e os Valls já se disponibilizaram e são bons. Há quem trema só de pensar que em Portugal o PS, sempre tão bem comportado, sempre tão responsável,  pode de repente recusar continuar a percorrer esse caminho, que tem sido o seu ao longo das últimas décadas.

PS - ao final do dia uma sondagem divulgada  no Público dava conta que a coligação já tinha subido três pontos. Magnânimos, admitem que ainda não chegaria para a maioria absoluta. Não há memória de tanta pressão no período entre uma eleição e a tomada de posse de um novo Governo.
A qualidade da democracia passa muito pela independência dos órgãos de informação. Estamos muito mal em Portugal, nesse domínio.

18/10/15

Cenas da luta contra as privatizações, a troika e a austeridade

Bancos põem em risco privatização da TAP

Portugal desafia Bruxelas com o orçamento

Entretanto, vários comentadores e bloggers de direita defendem o fim da austeridade para o próximo 1 de janeiro (bem, eles chamam-lhe "o presidente manter o governo Passos Coelho em gestão se este chumbar   no parlamento e não chamar António Costa para formar governo", mas num governo de gestão não há orçamento, e sem orçamento para 2016, muitas medidas de austeridade - como os cortes nos salários dos funcionários públicos e nas pensões - caducam automaticamente a 31 de dezembro de 2015).

16/10/15

Nunca se viu o partido derrotado ir chefiar um governo?

Ontem, na Quadratura do Círculo, António Lobo Xavier dizia que, embora haja vários exemplos na Europa de governos sem o partido mais votado, o que não há é um governo liderado por um partido derrotado nas eleições, como seria o caso do PS.

Para começar, se "ganhar eleições" é ambíguo, o conceito de "o derrotado" ainda mais é: numa interpretação simplista, "derrotados" seriam os partidos que não ficaram em primeiro lugar, mas em príncipio não é disso que ALX está a falar (afinal, se ele diz que há governos compostos e liderados por partidos que não ficaram em primeiro, mas que não há governos liderados por partidos derrotados, que dizer que não considera "derrotado" como sinónimo de "não ficar em primeiro"); imagino que ele queira com "derrotado" exprimir um conceito mais psicológico do que objetivo, estilo "ter um resultado muito mau comparado com as expetativas".

Mas, de novo, o exemplo que toda a gente dá para dizer que o partido mais votado não é necessariamente quem "ganha" as eleições, a Dinamarca, não nos deixa em paz: após as últimas eleições, quem foi para o governo foi o Partido Liberal (mais ou menos similar ao nosso PSD); ora, em 2011 os Liberais (emboram tenham ficado na oposição) tinham sido o partido mais votado com 26,2% dos votos, enquanto nas de junho passado passaram para 19,5%, ficando como o terceiro maior partido, atrás dos Socia-Democratas e da extrema-direita - se o PS (que até subiu de votação e diminuiu a diferença face ao maior partido) foi "derrotado", então que dizer dos Liberais dinamarqueses (que neste momento estão a governar sozinhos a Dinamarca, com o apoio parlamentar do resto da direita)?

14/10/15

Ainda sobre resultados eleitorais

A respeito disto, talvez seja interessante ver também os resultados reais dessas eleições:

1983
PSD+CDS: 30,96%
PS: 28,09%
Abstenção: 22,21%
APU+UDP/PSR+UDP+PSR: 14,95%
Outros: 1,70%

1995
Abstenção: 33,70%
PS: 29,01%
PSD+CDS: 28,62%
CDU+PSR+UDP: 6,48%
Outros: 0,91%

1999
Abstenção: 38,91%
PS: 26,92%
PSD+CDS: 24,84%
CDU+BE: 6,98%
Outros: 1,14%

2005
Abstenção: 35,74%
PS: 28,94%
PSD+CDS: 23,14%
CDU+BE: 8,93%
Outros: 1,37%

2009
Abstenção: 40,32%
PSD+CDS: 23,60%
PS: 21,82%
BE+CDU: 10,55%
Outros: 1,88%

2015
Abstenção: 43%
PSD+CDS: 21,97%
PS: 18,46%
BE+CDU: 10,54%
Outros: 3,92%

[A diferença face aos 100% são os brancos e nulos]

Claro que em termos estritamente politico-institucionais não se pode tirar conclusão nenhuma das abstenções (tanto podem ser pessoas que estão descontentes com todos como pessoas que estão contentes com todos, ou que simplesmente ainda não formaram uma opinião - e mais doentes acamados, mortos, emigrantes não declarados, etc. etc.); mas em termos sociais é interessante tomar noção que todos os partidos, "vencedores" ou "derrotados", "grandes" ou "pequenos", de "direita" ou de "esquerda", têm muito menos apoio entre as pessoas de carne e osso (em comparação com os números que são divulgados pelas televisões nas noites eleitorais e pelos jornais no dia seguinte) do que o que parece à primeira vista.

Porque a coligação PaF ficou em primeiro lugar

No Destreza das Dúvidas, Fernando Alexandre escreve que está "convencido que (...) uma das razões da vitória da coligação [foi que] os portugueses, apesar de saturados de cortes, perceberam que Portugal não pode pôr em risco a recuperação económica com medidas que não sejam sustentáveis do ponto de vista orçamental."

Ainda antes das eleições, Pedro Magalhães analisava a hipótese de a coligação ficar em primeiro lugar, e atribuiu tal eventualmente aos sinais de recuperação económica e a não ter havido medidas adicionais de austeridade.

Mas, nos motivos da coligação ter sido a lista mais votada, parece haver um elefante no meio da sala que parece estar a ser ignorado (já que atrás falei do Pedro Magalhães, seria injusto não referir que ele parece ser dos poucos que não o está a ignorar) - que o PSD e o CDS "ganharam" estas eleições com uma votação igual ou pior à que tiveram nas eleições em que foram "derrotados":

1983 - PSD+CDS: 39,8%
1995 - PSD+CDS: 43,17%
1999 - PSD+CDS: 40,66%
2005 - PSD+CDS: 36,01%
2009 - PSD+CDS: 39,54%
2015- PSD/CDS+PSD+CDS+CDS/PPM: 38,55%

Ou seja, os votos que o PaF teve nestas eleições foram os votos que a direita tem tido sempre (pelo menos em eleições legislativas - nas europeias é outra história), aconteça o que acontecer (pior só 2005), pelo que não há aqui grande "vitória" a explicar.

Mas então, como é que nestas eleições o PaF foi o mais votado? Para perceber melhor, convém vermos a evolução dos resultados dos outros partidos:
1983
PS: 36,11%
APU+UDP/PSR+UDP+PSR: 19,22%
Outros: 2,19%

1995
PS: 43,76%
CDU+PSR+UDP: 9,78%
Outros: 1,37%

1999
PS: 44,06%
CDU+BE: 11,43%
Outros: 1,86%

2005
PS: 45,03%
CDU+BE: 13,89%
Outros: 2,13%

2009
PS: 36,56%
BE+CDU: 17,67%
Outros: 3,15%

2015
PS: 32,38%
BE+CDU: 18,49%
Outros: 6,88%

O que houve aqui, então foram duas coisas: o efeito aritmético dos votos do PSD e do CDS virem logo somados (o que ajuda a ficar em primeiro lugar); e a subida do BE, CDU e sobretudo dos "pequenos partidos" (quando fui ver estes números, estava à espera de encontrar também um grande aumento dos votos brancos e nulos, mas foi pequeno).

Em suma, o aspeto principal destas eleições foi os descontentes terem largamente escolhido votar fora do "arco da governação", em vez de, como era usual, no PS; mas não houve nada que possa ser visto como um "voto de confiança" no governo ou coisa do género (talvez muito pelo contrário - até certo ponto o PSD/CDS "ganhou" exatamente porque muito eleitores preferiram votar em partidos ainda mais afastados da politica do governo do que o PS; curiosos paradoxos da aritmética eleitoral...).

A justa indignação do camarada Durão.

Na barafunda que se levantou desde que PCP e PS deram um passo para tornar, apenas e só, o compromisso possível à esquerda, levantou-se acima do clamor dos desvalidos, dos enganados e ofendidos, a voz solene, a voz grossa, a voz sabedora,  capaz de sintetizar numa simples frase toda a revolta que  o inesperado curso da História provocou  nas pobres almas indefesas: a voz do camarada Durão Barroso, é dessa voz que se trata. Conhecedor profundo das razões que determinam o voto dos seus compatriotas, mesmo se não armado com o livro vermelho das "formas possíveis de interpretar os votos dos portugueses, e em particular dos socialistas do PS", Durão, foi curto e conciso: "os eleitores socialistas não votaram num Governo com o PCP e o BE", disse ele. 
Não se sabe ainda se o camarada Durão vai prestar algum esclarecimento sobre a possibilidade de os eleitores socialistas terem votado, ou não, num Governo do PS com o PàF ou, disso ele ainda sabe mais, se os eleitores do PàF votaram num Governo do PàF com o apoio do PS e com o ... programa do PS.

13/10/15

Acordos e não-acordos anunciados antes das eleições

Um argumento de muita gente contra um acordo de governo PS/BE/CDU é que tal acordo não foi anunciado durante a campanha; em primeiro lugar, noto o recente entusiasmo de muitos comentadores pela ideias do mandato imperativo e de que os políticos só têm legitimidade para tomarem decisões que estejam de acordo com as suas promessas eleitorais; espero que em breve os vejamos a defender a revogabilidade dos eleitos e os referendos por iniciativa popular.

De qualquer maneira, não se pode dizer que um tal (ainda hipotético) acordo tenha sido tão não-anunciado como tudo isso - afinal, nos últimos anos era raro o político ou opinador da área do PS que não criticasse o BE e a CDU por se porem fora e não terem uma atitude construtiva (de há uns tempos para cá, esse discurso por vezes era acompanhado por elogios ao Livre por este estar mais disponível para acordos); ou seja, o discurso implícito do PS há muito que era "nós até estariamos dispostos a nos coligar com o BE e a CDU; eles é que não querem, e com isso fazem o jogo da direita"; e como (o neste momento insuspeito de simpatias por frentes de esquerda) Vital Moreira escreve aqui, nos últimos tempos o PS deu várias pistas de que estaria disposto a uma aliança com os partidos à sua esquerda (e basta ler blogues de direita como O Insurgente na última semana de campanha para encontrar montes de posts na linha "PS quer ganhar na secretaria se perder as eleições"); quanto à CDU e ao BE, durante esta campanha disseram que estariam dispostos a apoiar um "governo de esquerda" se certos objetivos fossem cumpridos.

Agora, é verdade que Costa foi muito ambíguo sobre que solução de governo pretendia estabelecer; mas também é verdade que durante a campanha disse claramente que não ia apoiar um governo PSD/CDS e que iria votar contra o orçamento desse governo; ora neste momento, qualquer governo está dependente de um acordo envolvendo o PS (seja um governo liderado pelo PS com o apoio do BE e da CDU, seja um governo PSD/CDS com o apoio do PS) - ora, o que é uma maior traição à vontade dos eleitores: um acordo (PS/BE/CDU) que foi vagamente anunciado de forma ambígua antes das eleições, ou um acordo (PSD/PS/CDS) que foi explicitamente rejeitado pelo PS antes das eleições?

12/10/15

A esperança

Os que acham que um Governo que resulte de uma coligação dos três partidos da esquerda é uma catástrofe - e são muitos e estão por todo o lado - depositam todas as esperanças no falhanço da negociação entre o BE e o PS.
No último dia todos os jornais foram divulgando ou  "as exigências do BE para o encontro com Costa" ou  que o "BE vai levar dezenas de iniciativas legislativas calendarizadas" .
Lido e relidos os textos não se fica a saber nada que não se soubesse desde o dia em que Catarina  Martins e António Costa debateram na televisão o que fazer depois do dia 4 de Outubro.
Pelo que se percebe o BE estará disponível para fazer as cedências que entender serem para si menos importantes. Mas, parece que a necessidade de ter um Governo ancorado à esquerda, irá condicionar a avaliação da importância relativa das cedências. O mesmo que o PCP já mostrou querer fazer e que o PS terá que aceitar cedendo ele também face aos seus dois potenciais parceiros. O compromisso  a isso obriga. Não vejo razões para a impossibilidade de se definirem um conjunto alargado de políticas na área das políticas públicas e dos direitos sociais que recuperem parte dos estragos feitos ao longo dos últimos anos e permitam iniciar a recuperação do país fora dos estreitos limites de análise da economia dominante.
O que alterou muito a importância deste encontro foi a forma como decorreu a reunião com o PCP e a disponibilidade manifestada pelos comunistas para apoiar um Governo do PS podendo ou não integrá-lo. Aqueles que acham que há "um enorme campo de possibilidades para o PS influenciar com uma marca da esquerda um governo minoritário da direita " manifestam a sua surpresa com  "o que terá provavelmente sido a maior abertura negocial do PCP em 40 anos de regime democrático" o que julgam terá iludido o líder socialista, criando-lhe a "ilusão de que o PCP saiu das catacumbas e está disposto a assumir a relação com o “arco da governação” que o eurocomunismo estabeleceu há já 40 anos".
Há sempre um momento em que mesmo as certezas mais antigas e as análises mais rotineiras são implodidas.
Adenda: nas referências que fiz escapou-me a referência a este trabalho jornalístico mais bem informado. O BE coloca o assento tónico nas propostas mas, ao que parece, não pretende integrar o novo Governo. Não percebo essa recusa. Espero que não se confirme. O Bloco quer ou não quer participar na renegociação da dívida com a Europa?  Quer ou não ajudar a alterar as regras com que a Europa nos vai cosendo? Quer ou não participar na governação ou só o vai fazer quando tiver a maioria absoluta? Está na hora -está sempre na hora mas ás vezes não há forças que cheguem - de juntar forças. Não basta dizer: vão vocês que a gente apoia.
Outro aspecto - triste - desta notícia é o grau de ignorância politica e falta de senso democrático que algumas pessoas exibem, como é  o caso da independente que liderou as listas do PS por Coimbra.

10/10/15

Bons Sinais

Será que a ideia da aliança para um Governo à esquerda está mesmo a fazer o seu caminho na direcção política do PS? Alguns indicadores parece que apontam nessa direcção. Bons indicadores, por sinal.

Recordações

2011 - Paulo Portas a favor de coligações mesmo que sem o partido mais votado

2009 - António Costa contra coligações e "jogos partidários"

08/10/15

Os resultados das eleições e as mudanças que eles convocam.

A direita vai ser chamada a governar depois de a coligação ter conseguido uma vitória eleitoral que, um mês atrás, poucos considerariam possível. Existe uma maioria de esquerda no Parlamento mas, a menos que alguma coisa mude, será a direita minoritária a governar. Há no País uma maioria política contra a austeridade que se arrisca a não ser traduzida numa maioria política de Governo. Os cidadãos manifestaram a sua vontade de mudar a política e de colocar um ponto final na austeridade. Fizeram-no através da dispersão de votos num grupo de forças de esquerda. PS+BE+CDU somam mais de 50% dos votos e elegeram mais de 50% dos deputados. Os actores políticos, tudo o indica, tenderão a ignorar essa vontade. Já aqui tinha previsto que as coisas se iam passar desta maneira. A História da nossa democracia facilita este tipo de conclusão.

O inenarrável inquilino de S.Bento, com as atitudes de pequeno chefe partidário, está a forçar para que.a única solução  seja um Governo da coligação de direita. A sua comunicação ao País para esclarecer que não considera uma opção aceitável um Governo de esquerda - invocando os espantalhos da NATO e do Euro/UE -  foram um momento de uma enorme gravidade democrática. Ter-lhe-á faltado coragem para avisar previamente os eleitores que havia candidatos de primeira - os que são bons para governar - e de segunda, os outros, os que não o podem fazer. Triste.
As negociações que se iniciaram ontem entre PS e PCP podem ajudar a escrever esta História com outro epílogo. Vamos a ver como as coisas evoluem e que caminhos se irão percorrer para que tudo não acabe como habitualmente:  com o PS a viabilizar, pela abstenção, um Governo da direita e a preparar dessa forma, quer o seu caminho para o purgatório, quer o caminho da direita para a maioria absoluta. O PS tem um caminho estreito, e conhecido, para percorrer e assegurar a sua futura irrelevância. Vera Jardim já o descreveu com a clareza de um vidente: viabilizar um Governo da direitas, capaz de continuar a política de austeridade até aqui percorrida e por estes dias tão elogiada pelos nossos "parceiros" europeus.

 No passado domingo o BE conseguiu um resultado que quase triplicou o anterior. A campanha determinou este excelente resultado. Sobretudo, acho eu, a postura não sectária adoptada pela líder - particularmente visível no debate com António Costa -  e uma maior disponibilidade, pelo menos retórica, veremos agora, para o compromisso e para a governação.
Catarina Martins não fechou a porta a um entendimento com o PS - tendo no entanto referido as linhas vermelhas - uma postura considerada correcta por parte do eleitorado que varia entre o PS e o BE e que terá permitido perceber o BE como um parceiro para as soluções e não apenas um instrumento de protesto.
A CDU ficou aquém do que se esperava. Julgo que a emergência de um BE mais dialogante com o PS a penalizou, como seria, aliás, de esperar. Mas as posições sobre a UE e o Euro - muito explicitamente assumidas, apesar de a maioria da população manifestar pouca simpatia por essas posições - e o excesso de "tempo" dedicado ao PS na sua argumentação, penalizaram muito os comunistas. Julgo que uma rápida leitura poítica do resultado, do perigo de isolamento político, estarão a determinar a célere resposta do PCP na disponibilidade para viabilizarem um Governo do PS.
PCP e BE, no seu conjunto, não ultrapassam, no entanto, a barreira dos vinte por cento de votos.

Mas, o que me importa referir é o péssimo resultado do PS. Um resultado que  parecia impensável no ínicío de Setembro mas que, há medida que o tempo foi passando, se tornou cada dia mais provável. Não parece que as razões para este resultado possam ser encontradas, nem na péssima campanha eleitoral, nem na aparente inadequação de Costa ao papel de candidato em campanha, que manifestamente não faz o seu estilo. Admito que o processo de "assalto ao poder" segurista protagonizado por Costa tenha causado as suas mossas.
O que penalizou o PS foi, como já tinha defendido antes das eleições, a sua colagem ao projecto da direita. O PS apresentou-se nestas eleições com um projecto político construído no quadro da austeridade imposta pelas instituições europeias. Este facto retirou-lhe grande parte  da capacidade para se diferenciar da política da direita. Aqui, como acontecera recentemente em Inglaterra com o Labour de Ed Milliband, esta estratégia de mimetizar as políticas da direita acrescentando-lhe a  "dimensão social perdida", uma espécie de projecto humanizador do neoliberalismo vigente, revelou-se um fiasco. Contrariamente ao que se escreveu por aí, os eleitores não penalizaram uma deriva esquerdista do PS, que não existiu, mas apenas a sua continuada deriva para o centro e para a direita.

Melhor do que ninguém, Ricardo Paes Mamede (RPM), socorreu-se dos números para mostrar uma tendência pesada na evolução das votações socialistas entre 2005 e 2015: perda de mais de 850 mil eleitores. Num período em que abdicou de construir um projecto político de natureza social-democrata, que visasse, tão somente, diminuir a desigualdade, melhorar a democracia, estimulando a participação política, e defender os valores do trabalho e os serviços públicos, o PS viu a sua base de votantes emagrecer significativamente. Pode-se concluir que em 2011 terá havido uma transferência de votos directamente do PS para o PSD, mas nestas eleições esses votos não recuperados foram-no para a abstenção - a tal que esteve para ser extraordinariamente baixa e se revelou a mais alta em legislativas  - já que a direita perdeu mais de 700 mil votos no mesmo período.

Esta degradação da votação no PS tem uma consequências; tal como referido  por RPM ela permite à direita ganhar eleições com cada vez menos votos. Além desta consequência este facto legitima a retirada de uma conclusão política : apesar desta erosão do PS, a esquerda à sua esquerda não consegue ultrapassar a barreira  dos 20%. A tese da reconfiguração da esquerda, que permitira trocar as posições relativas do PS e do PCP/BE, não se concretiza, não adianta à esquerda, e torna mais fácil à direita ganhar eleições ainda que sem maioria absoluta. Desde o 25 de Abril que a esquerda do PS se foi confinando a um universo próximo dos 20% dos votos. A única reconfiguração que se tem verificado é entre o BE e a CDU.



Quando esses votos estiveram todos concentrados na mesma força política - PCP entre 1975 e 1987- as representações parlamentares chegaram à meia centena de deputados (clicar no gráfico abaixo), sendo que eram todos eleitos pelo PCP e pelas suas coligações (existiu apenas um deputado da UDP a assinalar a hegemonia comunista). Mas, com a diminuição dos resultados e o aparecimento do BE existiu uma maior divisão dos votos   e dos deputados e uma redução do número de deputados eleitos.




 As flutuações verificadas nos resultados do PS não parece reflectirem-se directamente nos resultados obtidos á sua esquerda. A conclusão - que é tirada há décadas - de que o definhamento do PS se traduzirá automaticamente num crescimento do PCP e do Bloco, carece de rigor.

Parece pois que resta uma única alternativa para sair deste atoleiro em que o País está metido. Um Governo do PS com apoio do BE e da CDU ou, em alternativa, um Governo do PS+CDU+BE. Um Governo  que execute um programa de matriz social-democrata comprometido com a defesa dos serviços públicos - com destaque para a Escola Pública, o Serviço Nacional de Saúde e uma Política de Habitação inclusiva - capaz de promover a nacionalização dos serviços que estão a funcionar mal nas mãos de privados, como se propõe fazer Corbyn em Inglaterra relativamente aos caminhos de ferro, e que promova uma diminuição importante da desigualdade, devolvendo ao factor trabalho uma parte da riqueza que lhe foi retirada. Um Governo comprometido com a União Europeia e determinado  a permanecer no Euro, mas que irá lutar, com todos os disponíveis internacionalmente, para alterar as políticas europeias a favor dos cidadãos e dos Estados, deixando de servir apenas e só os interesses das empresas, financeiras e outras. Um governo comprometido com o desarmamento internacional, a defesa da paz e a eliminação dos conflitos.
Um projecto assim não é apenas difícil de engolir para o PS. O PS de centro direita que tem governado durante décadas não é suficiente para viabilizar este projecto. É necessário recuperar e modernizar a sua matriz social-democrata, um esforço que não é pequeno. À esquerda ver-se-á quem não recorrerá ao Tratado Orçamental e ao Euro para torcer o nariz a uma efectiva participação no Governo. Não foi por acaso que o militante do PSD que ocupa S.Bento referia a NATO e o Euro para separar os bons dos maus. Estava ele, empenhado e militante, a avivar as trincheiras que desde sempre legitimam a desunião na esquerda.

07/10/15

O que é "ganhar eleições"?

BBC, 2013/09/10 - Norway election: Conservative Erna Solberg triumphs

[Resultados das eleições norueguesas de 2013 - Trabalhistas 31%, Conservadores 27%, extrema-direita 16%]

Independent, 2015/06/19 -  Danish election: Centre-right Venstre opposition leader Lars Lokke Rasmussen celebrates victory

The Guardian, 2015/06/23 -  Danish election: PM concedes defeat and resigns

 [Resultados das eleições dinamarquesas de 2015 - Sociais Democratas, da primeira-ministra que "reconhece a derrota", 26%, extrema-direita 21%, Liberais, do líder da oposição que "celebra a vitória", 20%]

05/10/15

Relativizando vitórias e derrotas

O PAF (mesmo somado ao PSD e ao CDS insulares) teve menos votos e menos percentagem que o PSD sozinho em 2011.

01/10/15

Fim de festa.Sinais.

Uma declaração prévia: considero as eleições democráticas um momento politicamente importante. Do mesmo modo que acho que a democracia europeia, e a portuguesa numa escala muito superior, têm concretizado uma acção sistemática de esmagamento da democracia participativa pela componente representativa. Acho que hoje em dia direita e esquerda, mais ou menos radicais, coincidem numa perpectiva exclusivamente centrada no Parlamento, como se aí fosse de facto o coração da democracia. Os "partidos parlamentares" são quem dá ordens nos partidos portugueses e, como se tem visto por exemplo na Inglaterra, em todos os países. Afinal, os partidos são estruturas top to bottom e isso é fatal do ponto de vista democrático.
Neste últimos dias, marcados pela derrota anunciada da esquerda parlamentar, surgem declarações surpreendentes. Afinal a vitória da direita, desde que por maioria relativa, é mais uma grande oportunidade para a esquerda. Quem o diz é Ana Drago, com chamada à primeira página do jornal i. No PS, segundo o mesmo jornal, contam-se as facas. Alguma vez elas terão deixado de ser contadas, apetece perguntar? Desta vez é Francisco Assis quem faz saber que não irá disputar a liderança. Uma declaração que equivale a uma manifestação da mais absoluta descrença na vitória do PS. Quem ainda acredita que a direita não vai ganhar as eleições, apesar do carácter mais ou menos martelado das sondagens?
Como é que isso é possível depois de tanta austeridade, depois de tanta crueldade na distribuição assimétrica dos custos dessa austeridade, depois de tanto aumento da desigualdade?
Pois, a CDU vai aumentar o número de deputados e o BE também. O BE dado como acabado pode até triplicar o número de deputados. O PS, mesmo este PS de Costa e Centeno, vai ser o partido mais votado. Juntos somarão mais de 50% dos votos expressos, configurando uma maioria de esquerda.
No entanto, esta esquerda é incapaz de desenhar e de construir um Governo de unidade. Pelo contrário tornou-se perita a transformar derrotas em vitórias e em enormes oportunidades que nunca concretiza, porque não quer. Esta esquerda padece de um mal insanável. Um dos lados desta esquerda especializou-se a fazer o papel do lado esquerdo da austeridade e da política neoliberal. Esse lado é representado pelo PS. O outro lado, que já foram dois, especializa-se cada vez mais numa postura de protesto, para o que lhe bastam os cerca de 20% que, com maior ou menor dificuldade, lá vai arrabanhando.
O problemas estará nas lógicas nacionalistas que dominam PCP e Bloco e na política de direita que caracteriza o PS. O que ditará a derrota do PS, tal como determinou a derrota do Labour de Miliband, é a aproximação ao projecto político da direita, a menos de alguma retórica mais ou menos esquerdista. É a essência centrista e mesmo de direita desse projecto, o seu carácter "responsável", como gostam de dizer, quer na forma como se relaciona com o sector do trabalho, quer  na forma como entende o papel que o Estado deve desempenhar na economia. É o seu carácter pretensamente moderno, quando essa modernidade, como denunciava Corbyn uns dias atrás, se apoia nas velhas ideias dos economistas austríacos que geraram, na primeira metade do século passado, o embrião do neoliberalismo. Mas a direita irá acusar Costa de ter cedido à esquerda e de ter retirado o PS da área da governação. O mesmo argumento que usaram em Inglaterra e que usam contra todos os PS´s. Falso argumento, no entanto.
A direita vai ganhar. Governará com maioria relativa e sobreviverá alguns meses. Distribuirá prebendas, irs´s, benefícios fiscais, sobretaxas e etc. Preparará o próximo acto eleitoral no qual tentará a maioria absoluta mais facilmente.
Esta esquerda não é uma alternativa porque não consegue mobilizar os cidadãos, porque tem da política uma perspectiva dirgista e carreirista. Porque se divide entre o protesto e a cedência, abdicando de ter uma voz própria, abdicando de reconhecer aos cidadãos o direito à cidade, o direito a participarem na construção da política.Os deputados eleitos por esta esquerda no dia a seguir às eleições, assoberbados com "responsabilidades", passam a desprezar/ignorar os cidadãos, esgotada que foi a sua função de eleitores, e barricam-se por detrás das grossas paredes do Parlamento. Muitos nunca mais passam pelo distrito em que foram eleitos, que aliás visitaram fugazmente por dever de ofício. Alguns podem gabar-se de nunca terem baixado ao nível do concelho, ao longo da sua proveitosa carreira parlamentar.
Votei sempre e desta vez não deixarei de o fazer. Embora me falte cada vez mais a paciência para ir votar em pessoas que não sei quem são, embora apareçam muitas vezes na televisão, que nunca vi com o minimo de empenho numa única das causas relevantes para região em que tenho vivido. Cada vez mais falta-me a paciência para aceitar que os partidos escolham fulano de tal ou fulana de tal para o lugar de deputado e ignorem o Joaquim e o Manel que andam há décadas a dar o corpo ao manifesto, apoiando os activistas, as causas sociais, trabalhando nas colectividades, para tudo se acabar no dia das eleições. O que por aí se faz de "directas" não altera nada ao que aqui escrevi.

Voto em branco ou voto útil na papoula?

A democracia, como tenho repetido a todo o momento na maior parte dos posts que publiquei neste blogue, não é a eleição de representantes, mas a participação entre iguais nas decisões que governam a vida em comum. Tendo-o presente, considero aconselháveis duas maneiras de votar no próximo dia 4 de Outubro: uma, o voto em branco, que, além de exprimir a recusa de tornar os representantes eleitos "legítimos superiores", não abdica de participar, apostando embora na democratização da participação; a outra, o voto útil no Livre/Tempo de Avançar, não pela papoila apesar das críticas que lhe enderecei e reitero (cf. aqui, aqui ou aqui) nem pelo justificado prestígio de alguns dos nomes dos que o apoiam, até porque há outros apoiantes democraticamente repugnantes (caso de um conhecido apóstolo da censura religiosa e porta-voz de serviço ao "socialismo do século XXI" pós-lulista e bolivariano, por exemplo), mas pela relativa instabilidade que a improvável presença de deputados seus no AR poderia ajudar a causar no sistema político, bem como pela sua aposta, ainda que demasiado moderada, mas federalista e anti-austeritária no plano europeu. Entre les deux mon cœur balance.