31/10/13

O processo revolucionário


Neste texto, Chris Hedges defende a importância da difusão de ideais revolucionários no desmantelamento de sistemas de controlo sócio-económico. Segundo ele, antes que qualquer processo revolucionário possa ter lugar, é necessário que uma fracção significativa da população deixe, não só de crer que o sistema serve os seus interesses, mas também que passe a acreditar que existe uma alternativa mais apelativa:

"Once ideas shift for a large portion of a population, once the vision of a new society grips the popular imagination, the old regime is finished."

A revolução é um processo subterrâneo. Cuja intensidade varia com o tempo. A irupção à superfície pode estar à distância dum evento que, por si só, poderá parecer insignificante. Como processo fortemente não-linear, a previsão de quando e como é um passo arriscado. Mas, dificilmente, a injecção de instabilidade num sistema o deixará incólume. Assim, apesar duma manifestação poder ser vista como uma aferição do grau de descontentamento da população, gerando desilusão entre quem aspira à revolução quando a sua dimensão é menor do que o esperado, na verdade, a sua utilidade reside principalmente na capacidade destabilizadora que possui. Ao introduzir a dúvida naqueles que a ela assistem, corrói os alicerces da crença pessoal, nomeadamente nas virtudes dos sistemas político e sócio-económico, se a eles se dirigir a contestação. Mas, para que quem vê ameaçadas as suas crenças não retraia para uma posição de obstinação defensiva, ou se renda ao niilismo, é necessária a existência de ideias capazes de seduzir e substituir as crenças anteriores. Num processo revolucionário não há objectivos intermédios. Alimenta-se destabilizando continuamente, na rua e em todos os outros lugares, os paradigmas dominantes e dando corpo a ideias capazes de os substituir.

Outras leituras relevantes para o momento em que nos encontramos:

Pouco a acrescentar: as manifestações de Outubro e a luta contra a austeridade

«Até onde vamos aguentar?»

Mobilização e inércia

29/10/13

O enclave revolucionário de Loures resiste

Muito blá blá blá tem sido escrito pelos estenógrafos ao serviço do PCP a propósito da distribuição de pelouros entre a CDU e o PSD na Câmara Municipal de Loures. É só ir aos blogues do costume. Dizem os estenógrafos, que dizem o que a direcção diz, que 1) a CDU é contra executivos monocolores nas autarquias; e 2) ofereceram pelouros ao PS mas que este não aceitou. Acrescentam ainda os estenógrafos, que dizem o que a direcção diz, que «foi possível encontrar com o PSD um entendimento que cumpre esse objectivo [de estabilidade de gestão da Câmara] e não põe em causa a vontade de mudança que a CDU protagoniza neste Município» (ver comunicado da CDU de Loures aqui).

Dizem os “camaradas” que o acordo com o PSD (que se saiba é partido do governo) é apenas para manter a estabilidade na gestão de uma Câmara Municipal e que tal acordo em nada impedirá a execução do programa que a CDU quer implementar em Loures.

Ora, das três uma.

Ou as pessoas que replicam isto raciocinam como uma fotocopiadora e acreditam que em política os acordos só trazem vantagens para um único colectivo político, e que o PSD não terá naturais contrapartidas políticas. O desejo de chegar ao poder é, neste aspecto, uma realidade transversal aos diversos partidos parlamentares que, goste-se ou não, são parte integrante do aparelho de Estado. Só na cabeça dos estenógrafos é que o PCP seria antagonista do que eles chamam de Estado burguês.

Ou o discurso que o PCP fez nas últimas eleições autárquicas a propósito da ligação dos processos eleitorais locais à realidade nacional de austeridade esvaneceu-se misteriosamente. Esta é uma incongruência brutal no discurso dos PCPistas. Tanta energia gasta para que, nas autarquias, as pessoas não votassem nos partidos do governo (aqui) e, afinal, o principal partido do governo já pode partilhar o poder localmente com a vanguarda revolucionária… Depois do sucesso que se conhece da parada de camionetas da Ponte, é legítimo perguntar: terão Arménio Carlos e Miguel Macedo participado nas reuniões preparatórias de coligação para a Câmara de Loures?

Ou, no fim de contas, o PCP e a CDU até têm razão quando referem que o acordo de distribuição de pelouros com o PSD não impedirá o seu programa de acções para Loures. Se calhar o que a CDU vai aplicar em Loures não será assim tão diferente do que o PSD preconiza. Sabendo que o PCP é, conjuntamente com a extrema-direita, a única força política que defende abertamente a saída do euro, e sabendo que tal via não seria mais do que o prolongamento indefinido e exponenciado da actual austeridade (aqui e aqui), percebem-se as homologias. Nada como aprimorar a austeridade genocida de um cenário pós-euro com os actuais mestres da austeridade.

Felizes os pobres de espírito, porque deles serão os gabinetes da Câmara.

25/10/13

Ocupar as ruas, interiorizar a desobediência


"(…)É a estas pessoas que me dirijo apelando a que tenhamos em consciência essa vontade de mudança desta sociedade para uma que exalte a vida. Que ouse acabar com esta existência triste de escravidão e subjugação perante a lógica da produção e consumo e que acabe com a divisão entre administradores e administrados. Os momentos em que estamos na rua são importantes para afirmar e construir isto mesmo. São a revelação que um corpo em movimento pela cidade pode contrapor as normativas que são garantia da dominação. Não devemos ter medo de improvisar. A criatividade e a espontaneidade são grandes atributos Humanos, tantas vezes menosprezados nesta sociedade calculista. Temos mesmo algo a perder se tentarmos premeditar demasiados os acontecimentos. Se não criarmos um organismo vivo e dinâmico, que não dependa excessivamente de protagonismos ou posições públicas, corremos o risco de tornar o movimento demasiado tangível e expectável. O que só ajudará à reacção.(…)" 

"(…)But we are far from apathetic, we are far from impotent. I take great courage from the groaning effort required to keep us down, the institutions that have to be fastidiously kept in place to maintain this duplicitous order. Propaganda, police, media, lies. Now is the time to continue the great legacy of the left, in harmony with its implicit spiritual principles. Time may only be a human concept and therefore ultimately unreal, but what is irrefutably real is that this is the time for us to wake up.(…)"
We no longer have the luxury of tradition

21/10/13

A Gaiola dourada, ou o regresso da propaganda (II)


Dizia eu que, entre os rebeldes à portugalidade folclórica, entre os alérgicos à imagem do «bom e trabalhador povo português», há quem tenha ficado zangado com a brincadeira de mau gosto da Gaiola Dourada.
            Aqui algumas das reações que circulam...

Saindo da gaiola, um filme complacente[1].


Até ri várias vezes, com risos de várias cores. Quando, por exemplo, a jovem em plena ascensão social oferece aos seus pais (ele trabalha nas obras, ela é porteira, claro) um fim-de-semana num castelo. Uma situação que acho humilhante, mas enfim, certamente cheia de boas intenções. Durante o jantar, servido por um pinguim, são-lhes servidos pratos muito “nouvelle cuisine”, mas insípidos, com pouca comida, que nem dá para encher o buraco de um dente. Eles fazem caretas, poem o jantar de lado, sentam-se no chão e sacam da gamela de operários... Divertido, não? Divertido e como uma faca de dois gumes. Esses alarves nem são capazes de apreciar a fineza.

Talvez até me tenha comovido. Quando a jovem faz uma crise de vergonha social perante o seu namorado, filho do patrão do pai. Aí, pensei: enfim um problema autêntico: porque é que o facto de ser português é em si vergonhoso, ou tão degradante? Não: aparentemente isso não foi senão um esboço de interrogação... Não nos podemos esquecer que isto é uma comédia que escolhe e utiliza evidências, personagens tipificados e outras caricaturas, isso sem nunca fazer soprar outro vento que o que aconchega. Não é uma comédia italiana dos anos 60...

Mas o âmago do filme é ainda mais revelador. Quando este fica conhecido, ainda é pior que no inicio, pois toda a conflitualidade desaparece. Esses Portugueses bonzinhos são árduos trabalhadores, que não são reconhecidos pelos seus exploradores, um rico empresário no caso do homem, e os coproprietários dum prédio burguês do 16ème arrondissement no caso da mulher. Goza-se com a sua submissão. Eles lutam constantemente, são pisados, devorados, calam-se e são rebaixados... Sentimos a revolta a preparar-se. Com efeito, um estranho negócio de herança vem subitamente alterar as coisas. Tornar-se-ão ricos com uma condição, a de ir viver para Portugal. Perante o prejuízo financeiro que a sua partida iria causar, a velha lambisgoia, o casal constantemente sobrecarregado e os outros moradores do prédio, o patrão e a sua mulher totalmente fora da realidade, todos tentam retê-los. Aumentam-lhes o salário, são simpáticos, com uma simpatia suja e sorrisos hirtos... Inicialmente comovidos, os nossos corajosos escravos acabam por descobrir a verdade e revoltam-se. Fazem-nos crer na subversão de um mundo –por mais pequeno que seja- mas tudo acaba por voltar à ordem, uma ordem ainda mais lisa e consensual que antes. Nojento! A vingança: ela suja a rampa das escadas do prédio com graxa, deixa os pais atabalhoados com os seus filhos insuportáveis, passa as roupes demais a ferro, para de regar as plantas do pátio e amua... Ele, que era um artista do bloco, constrói muros tortos. Que sacrilégio! Sim, conseguiu fazê-lo. Esse diretor de obras, habitualmente tão rigorosos, sério, tão chato no trabalho, sabota as “suas próprias” obras. Aí sentimos que o que está a fazer é mesmo grave, ele não aguenta, chegou o grande momento de emancipação social. Mas não... Ele ficou tão combalido com esse ato contra natura que regressa a meio da noite para deitar abaixo esse muro inclinado. Talvez nos revoltemos afinal com os meios que se encontram à nossa disposição, não será? O facto de estragar o seu trabalho chateia os patrões, é óbvio. Mas aqui, são os sabotadores que ficam perturbados a nível moral. Não conseguem assumir, isso põe-nos doentes. Essa devoção ao valor do trabalho, só lhes diz respeito a eles próprios, é muito estranho. Como se esses imigrantes portugueses trabalhassem duro e silenciosamente não para obter reconhecimento, mas porque estaria inscrito nos seus genes... Em todo o caso, não conseguem aguentar, a crise estala por todo o lado mas tudo acaba bem, com um reencontro social e familiar. Por fim, a jovem e o filho do patrão regressam ao pais, todos os outros vivem em harmonia, cada um em conformidade com a sua “natureza”. Cada um fica no seu lugar, porque todos o apreciam. 

Porque é que fui ver esse filme? Pelas mesmas razões que muitos que têm origens portuguesas. Por ser tão raro ver imigrantes portugueses no cinema. Era intrigante pensar no modo com que seriam representados, vistos, no que seria contado? Precisamente, interrogo-me sobre o seu silêncio, a sua aparente submissão, a sua tendência em aceitar passivamente esse suave estatuto de integrados, de trabalhadores zelados, sem histórias.
Na altura, penso que o filme até passa, que escorrega, acaricia, afaga. Mas quando volto para casa, sinto nojo, repulsa.
Dentro da sua categoria é uma boa máquina de guerra, ou mais exatamente um excelente produto, com todos os ingredientes, os cordéis necessários, e com estratégia. Há de tudo, para todos os gostos, gerações, graus de integração, escalões sociais... Um filme complacente com todos, principalmente quando finge a revolta e a “denuncia” de algumas “injustiças”. Tais como o oportunismo dos patrões e proprietários que fazem tudo para guardar os seus fiéis tugas, fingindo que gostam deles. Enquanto que o que apreciam é a sua capacidade de trabalho e de silêncio.
Um filme que agrada. E o pior é que não só agrada, como posso perceber porquê. Por fim, os portugueses tão diluídos, integrados, anónimos, representados. É algo raro. Percebo que se possam sentir lisonjeados, divertidos, provocados e até caricaturados.


Marfadinha

Paris, 23 de Setembro de 2013



2. Porque não vi A Gaiola dourada

Já nem conto as agressões das quais fui vitima: “Como é que ainda não foste ver A Gaiola dourada???”. Não, eu não vou ver filmes comerciais patrocinados por bancos. A publicidade dà-me vontade de vomitar, é a propaganda do sistema liberal. “Mas mesmo assim, respondem-me, devias ir vê-lo porque fala dos Portugueses e que é engraçado”. Respondia aos meus interlocutores que me tinha informado a respeito do filme. As criticas que li eram flácidas e os meus amigos que o viram, e com quem partilho a paixão do cinema, aconselharam-me a não ir gastar 10 euros para ir ver Portugueses bonzinhos a tentarem desenvencilhar-se. A primeira critica que li dizia que o filme era do género telefilme. Não tenho televisão, não é para ir ver um telefilme ao cinema. A minha recusa tenaz até me levou a ser acusado de não gostar de “cinema popular”, e de me enclausurar no “cinema de autor”. Tentei confortar os que pensavam que eu ia ao cinema para apanhar uma seca. Gosto de comédias, sobretudo italianas, e recentemente vi filmes romenos que me fizeram rir bastante.
Percebi bem que alguns pensavam que eu tinha inveja do sucesso do filme, visto fazer “filmes sobre Portugueses”. Sim, trabalho muito sobre a imigração (também realizei filmes sobre Italianos, Polacos, Romenos, etc.) a partir da minha experiência de imigrante, criticando a exploração capitalista (perdoem a utilização deste termo mais que nunca atual) que leva à imigração. Tento, partindo da memória dos imigrantes, fazer uma história social e política da imigração. Sei que não é divertido, não está na moda, não é consensual e não está na ordem do dia. Evidentemente, recusei ser patrocinado por um desses bancos da aldeia que são os abutres de cada imigração, e que, no caso da imigração portuguesa, foram estupores autênticos que lucraram do trabalho dos imigrantes que pensavam no seu regresso como se pensa no paraíso. Disseram-me muito: “é o primeiro filme que sai no cinema onde se fala dos Portugueses”. Sabia que vivíamos numa sociedade amnésica, mas não a esse ponto... Não, “A Gaiola dourada” não é o primeiro filme que fala dos Portugueses no cinema. Em 1967, Christian de Challonges realizava « O salto », mais tarde houve o magnifico « Gens des Baraques » de Robert Bozzi ou ainda o « Sans elle » de Ana da Palma, e João Canijo até realizou « Ganhar a vida », um mau filme sobre a imigração portuguesa repleto de clichés, e ainda há outros dos quais não me lembro. Esses filmes foram exibidos no cinema mas os novos-ricos fazem de amnésicos para fazer-nos acreditar que inventaram a faca de cortar o bacalhau. Ah, esquecia-me do argumento de peso: “O filme fez muitas entradas”. Desde quando é que a qualidade de um filme se mede segundo o número de entradas? Porcarias de Hollywood fazem milhões de entradas sem deixar de ser merda enlatada. Não, não irei ver o “Bem-vindo à terra dos Tugas”, tal como não fui ver o “Bem-vindo ao Norte”. E que os amnésicos que fazem storytelling para a TF1 e que estão prontos a todos os compromissos para mostrar o seu cu se lixem.


José Vieira

23 de Setembro de 2013

3.

Sou um porteiro que viu a Gaiola da merda, sou mais porteiro que trabalhador da industria do espetáculo, espetáculo da vida ao qual assisto da minha gaiola negra. Para dizer a verdade, é uma boa profissão, eu gosto, sou bem pago e tenho tempo para ler, escrever, montar os meus videozinhos... um pouco como os personagens do filme... ahah

As mulheres portuguesas têm os bairros de Paris entre as suas mais... por isso é que procuro o poder, alguns decidem afiliar-se em partidos sociais-democratas, eu decidi infiltrar-me nas gaiolas de prédios parisienses esperando doirar a minha vida.


A conclusão é uma interrogação: porque é que depois de 7 anos de experiência não me torno porteiro com um contrato sem prazo, com direito a um alojamento de graça, sem pagar eletricidade, telefone e internet, e para além disso, deixando definitivamente de lado os problemas económicos do meu quotidiano? Precisamente porque apesar do poder do porteiro de controlar os que entram e saem do prédio, um prédio tem muito mais controlo sobre o porteiro, pois este vive no seu local de trabalho, e esse local de trabalho transforma-se na sua própria gaiola, uma gaiola fechada do domingo até ao sábado de manha, onde os outros podem vir bater para nos pedir que reguemos as suas plantas, os salvemos das suas fugas de água, façamos as suas compras...ou até fodemos. Nada mau, não?

Eis a triste realidade, que não é a vida das gaiolas, porque nos, os porteiros, não nos queixamos, mas a triste realidade da sociologia contemporânea... Acreditem, em Portugal até os mais sépticos confessam ter gostado do filme... eis a grande produção do Banco BCP... os bancos também gostam de cultura...Deus realmente não gosta dos ateus, é por isso que permite coisas destas.

abc

Setembro de 2013





[1] “Complaisant” em francês. A autora faz um jogo de palavras escrevendo “Con-plaisant”, “con” sendo estúpido e “plaisant” agradável.

A estrutura remuneratória da função pública

[Regressando e aprofundando este tema]

No Relatório [pdf] do Orçamento de Estado proposto, o alargamento dos cortes salariais é justificado com o seguinte argumento (página 32)..

Refira-se que a redução do limite inferior, a partir do qual as medidas são aplicáveis, teve o único propósito de, mantendo embora a isenção absoluta dos rendimentos ilíquidos inferiores a 600 euros, dirimir uma inadequada política de rendimentos na Administração Pública. Com efeito, o estudo solicitado pelo Governo a uma consultora internacional demonstra que as práticas salariais da Administração Pública diferem substancialmente do padrão que é observado no sector privado, sugerindo um padrão de iniquidade entre o público e o privado. Depreende-se que no sector público existe um prémio salarial superior para funções de menor exigência e/ou responsabilidade e que as remunerações associadas a funções de maior complexidade e exigência tenderão a ser inferiores às do sector privado. Também recentemente a OCDE reconheceu a existência de um elevado diferencial entre salários no sector privado e salários no sector público.

[Via Pedro Romano]
O estudo deve ser este, "Análise Comparativa das Remunerações Praticadas no Sector Público e no Sector Privado" [pdf], da consultora Mercer, publicado em fevereiro de 2013.

E, realmente, lá há uma passagem (página 3), em que pode ser lido:
Em termos gerais, conclui-se que as práticas salariais da Administração Pública diferem do padrão que é observado no sector privado, podendo assumir-se que, no sector público, existe uma prática salarial superior para funções de menor exigência e/ou responsabilidade e que as remunerações pagas para funções de maior complexidade e exigência tenderão a ser inferiores às do sector privado.
Mas creio que esta passagem ganha um outro significado se for lida no contexto geral:
Em termos gerais, conclui-se que as práticas salariais da Administração Pública diferem do padrão que é observado no sector privado, podendo assumir-se que, no sector público, existe uma prática salarial superior para funções de menor exigência e/ou responsabilidade e que as remunerações pagas para funções de maior complexidade e exigência tenderão a ser inferiores às do sector privado. Todavia, esta análise macro não dispensa uma apreciação mais analítica por tipo de função/profissão, que este relatório apresenta.

Para funções de topo (direcção superior de 1.º e 2.º nível) verifica-se que as remunerações (ganho) praticadas no sector privado poderão exceder, em média, cerca de 30% as praticadas no sector público. Ao nível das funções de direcção intermédia, constata-se que o sector privado tende ainda a ser mais competitivo em termos remuneratórios que o sector público, embora com um diferencial menor e que se tende a esbater (ou mesmo a reverter) quando se desce na hierarquia e nos níveis de responsabilidade atribuídos.

Ao nível das funções técnicas (v.g. Técnico Superior e Informático) constata-se que a média salarial praticada na Administração Pública excede, ainda que de forma moderada, a que é praticada no sector privado, identificando-se um diferencial salarial que poderá chegar, em média, aos 14%. Importa, todavia, ter presente que este estudo não entrou em consideração com componentes remuneratórias de natureza variável, que tendem a assumir alguma expressão no sector privado.

O factor antiguidade de serviço será também relevante para justificar as diferenças encontradas ao nível da carreira técnica superior, porquanto no sector público esta variável é muito determinante para a construção da remuneração mensal auferida, o que não acontece de forma tão vincada no sector privado.

Relativamente ao grupo dos assistentes técnicos e demais pessoal administrativo, que é extremamente heterogéneo no sector público, verifica-se que a diferença em termos salariais face ao sector privado é reduzida, embora ainda ligeiramente favorável ao primeiro.

Para as funções de assistentes operacionais e auxiliares, que assumem uma grande dimensão no conjunto da Administração Pública ao contrário do que, em geral, se verifica no sector privado observado, constata-se que as remunerações praticadas no sector público tendem a ser ligeiramente inferiores às do sector privado. Importa, contudo, ter em consideração que a utilização deste tipo de trabalhadores no sector privado tende a estar associada a funções de carácter produtivo e/ou operacional, sobretudo em empresas de pendor industrial, e no sector público está maioritariamente associado a tarefas administrativas e/ou auxiliares, normalmente não inseridas na cadeia de valor produtiva da organização, sem prejuízo do papel relevante que possam desempenhar.
Isto é, quem leia, não só a proposta do Orçamento, mas sobretudo muitos artigos de jornal que se têm publicado nos últimos tempos sobre os salários da função pública, fica com a ideia que profissionais mais qualificados são mal pagos na administração pública e os pouco qualificados bem pagos; quando na verdade os profissionais menos qualificados ganham na AP largamente o mesmo que no privado, sendo as grandes diferenças dentro do grupo dos "mais qualificados” - com os “dirigentes” a ganharem mal em comparação com o privado e os “especialistas” a ganharem aparentemente bem (deixando de lado a tal questão das remunerações variáveis...).

Ora, creio que isto muda muito os termos com que a questão é geralmente posta.

P.ex., o programa de rescisões "voluntárias", destinado a Assistentes Técnicos (empregados administrativos) e Assistentes Operacionais (operários) - creio que nenhum membro do governo, ao lançar esse programa, veio com a conversa de que esses grupos eram comparativamente bem pagos na função pública; mas muitos jornais disseram isso (lembro-me perfeitamente de o artigo no Expresso sobre o programa de rescisões dizer isso), deixando implicito que era um dos motivos para as rescisões serem dirigidas a esses grupos.

Mas o ponto mais importante é que se dá uma imagem distorcida da "luta de classes" em causa - a conversa habitual dá a ideia que é uma questão de distribuição de rendimento entre trabalhadores com menos e com mais qualificações. E, infelizmente, a ideia de que é expectável (e se calhar até desejável...) uma grande desigualdade de rendimentos entre as pessoas conforme o seu nível de qualificações parece ter assentado arraiais na nossa sociedade (frequentemente as mudanças tecnológicas costumam ser apresentadas como a causa disso, mas acho essa tese muito fraquinha), pelo que a conversa de que é desejável aumentar a desigualdade salarial na função pública até consegue passar sem grande resistência. Já dizer abertamente de que é preciso baixar os vencimentos aos "especialistas" e subir aos "dirigentes" seria mostrar demasiado o jogo e assumir que a luta pela repartição do rendimento não é entre menos e mais qualificados, mas sim entre os "dirigentes" e o resto; e atendendo à indignação que no mundo ocidental tem vindo a crescer contra as elevadas remuneração dos gestores, se calhar um discurso dizendo "temos que subir os salários dos dirigentes e baixar os dos técnicos para estarmos em linha com o privado" talvez provocasse uma resposta "não será o privado que está mal?" (e, já agora, haveria também a resistência motivada pela convicção dominante - seja ela fundada ou infundada - de que grande parte dos dirigentes na administração pública são-no mais por ligações políticas do que por competência profissional).

Um comentário a propósito das manifestações do passado sábado

Não foi preciso estar presente para perceber que as manifestações do passado sábado foram uma miséria, até porque a miséria já se vinha revelando desde há alguns dias atrás. E essa miséria é extensível, também, à bem mais elogiada manifestação do Porto – a não ser que nesta altura do campeonato ainda se meça o sucesso das manifestações pelo número de participantes.

Para aqueles que insistem em defender incondicionalmente a CGTP (ou insistem defender incondicionalmente seja que força política for), como se tudo isto não passasse duma disputa entre claques de futebol, devo dizer que não há no reconhecimento desta miséria qualquer sentimento congratulatório só porque a CGTP (e uma parte da esquerda institucional) mostraram novamente a sua enorme hipocrisia. Muito pelo contrário. Até porque esta miséria, para além da humilhação que representou, tem contornos de tragédia. Expõe-nos com violência a uma miséria maior, bem mais visceral, que se dissemina, que se institucionaliza, que parece legitimar-se, pouco a pouco, como um fatalidade incontornável para cada vez mais pessoas. Não está apenas em causa a miséria duma forma de fazer política, nem a impotência com que nos confrontamos em momentos como os de sábado, ainda que a dimensão da tragédia seja maior pela desproporcionalidade crescente entre a violência do que enfrentamos e a resposta (tímida, “moderada”) que lhe é dada. Está em causa muito mais do que isso. Está em causa tudo.

Mas a urgência em inverter o rumo das coisas é tão grande que não se pode deixar de reconhecer que forças como a CGTP têm (ou podiam ter) um papel muito importante a desempenhar, quer nos revejamos quer não nas suas formas de acção e de fazer política. A ausência de um caminho alternativo imediato, expressivo e radicalmente anti-capitalista, coloca-nos perante este facto. Basta ver o entusiasmo que gerou, nos mais diferentes sectores, a convocação da manifestação para a Ponte 25 de Abril e, especialmente, a intransigência revelada, até dada altura, perante o (mais do que esperado) despotismo governamental. Depois duma tentativa fracassada de protesto na Ponte por 226 “radicais desordeiros”, a “simbólica” convocação de uma manifestação para o mesmo sítio, por uma força política com legitimidade institucional, parecia anunciar não só um novo passo na luta política mas, também, uma aparente abertura para criar a ponte capaz de aproximar formas de descontentamento desencontradas. Falso alarme. E o que é mais grave é que esse recuo, por todas estas razões, não resultou somente em mais um episódio da farsa ou no "simples" regresso à situação anterior, mas, pior, contribuiu para aumentar o enorme sentimento de desesperança e frustração que há muito se instalava – um contributo que devia ser da exclusiva competência do governo e não uma tarefa partilhada com aqueles que se dizem “aliados”.

Afinal, não é certamente por acaso que se ouve dizer despudoradamente, desde há algum tempo, que a CGTP desempenha uma função de pacificação social muito importante. É dito pela direita e é repetido, sem qualquer vergonha, por alguma esquerda. E se a CGTP e, para o mesmo efeito, o PCP fazem questão de o demonstrar orgulhosamente pelos seus próprios meios, ostentando tal “função” como um troféu, a insignificância e debilidade do Bloco de Esquerda fazem o resto. Perante isto, há alguma verdade quando se diz ao enorme número de descontentes "desalinhados" que deviam agir e fazer acontecer em vez de criticar ou ficar à espera que os outros façam. Mas essa é uma verdade que na conjuntura em que vivemos se revela tão cínica que só me faz sentir asco – especialmente pela leveza com que nos demonstra que há gente mais depressa disposta a conformar-se e arrastar-nos com a sua miséria do que a lutar por vencê-la.

19/10/13

Chato

Em geral, não gosto de manifestações. Ou são uma seca ou são estressantes. Também não gosto muito de centenas de pessoas juntas num espaço pequeno, seja a correr, seja em marcha lenta. Odeio aquela performance (à falta de melhor nome) do «com este governo, andamos para trás», o tom monocórdico do «trabalho sim, desemprego não» e o tesão do mijo por trás do calhau mandado ao bófia. Para mim, um dia bem passado implica estar com uma pessoa e um livro. Basta isso!

Tudo isto é trágico. Se vivêssemos num mundo minimamente sério não estava aqui a escrever a isto, nem vocês me estavam a ler. Tanto eu, como todos os outros, trabalharíamos o menos possível e isso bastaria para que todas as nossas necessidades, das primárias às secundárias, fossem satisfeitas. Isto deveria estar garantido à partida porque, por e simplesmente, corresponde à opção mais inteligente de se organizar uma sociedade.

Esse mundo não existe. Fazê-lo existir é possível; no entanto, a luta contra aquilo que é trágico não pode deixar de ser ela própria trágica: reuniões intermináveis, distribuição de panfletos (1 em 100 são lidos), pessoal mamado, facadas nas costas, perseguições nos locais de trabalho, umas bastonadas de vez em quando. Tudo isso é chato, mas se não for feito a tragédia depressa chegará à barbárie. 

Por isso, daqui a bocado vou para Alcântara. Por mais chato que isso seja.  

18/10/13

João Bernardo e La Comédie humaine

Uma leitura original e cerradamente argumentada de Balzac, ao mesmo tempo como autor da Comédie e personagem de si próprio; uma concepção, não banalmente "pós-marxista", mas "meta-marxista" da história inseparável de uma concepção da literatura, não como representação, mas como "criação" e, sobretudo, "criação de real", através de uma interrogação renovada e profunda da articulação daquilo a que Croce chamava "duas asas", a da poesia e a da história; e, por fim, uma reflexão sobre as consequências de tudo isto (e de uma leitura exaustiva de Balzac e da sua linguagem própria) sobre a acção da literatura e as dimensões "poéticas" da própria acção — eis outras tantas razões que tornariam indispensável ler o volumoso e, todavia, singularmente ágil ensaio, A Sociedade Burguesa
de um e outro Lado do Espelho. La Comédie humaine, que o João Bernardo acaba de editar em PDF e de enviar a alguns amigos e conhecidos ( e que eu resolvi tornar acessível a outros leitores, improvisando para o efeito um site rudimentar e que, até ver, não tem outro préstimo senão permitir "linká-los").

Acresce que a este A Sociedade Burguesa…, o João Bernardo juntou um outro volume — mais breve e que só à pressa pude percorrer ainda —, Os Sentidos das Palavras. Terminologia económica e social em La Comédie humaine, que, além de ser uma reflexão aprofundada sobre os problemas da tradução, absolutamente recomendável a quem a pratique ou se interrogue sobre o tema, é uma magnífica introdução tanto à paisagem histórica e romanesca de Balzac, solidária do "idioma" do escritor, que, por ela trabalhado, a trabalha por seu turno, como à historicidade ou temporalidade dessa instituição soial central, e a cada vez outra na mais viva reiteração do seu conatus, que é a linguagem humana.

Estive quase morto no deserto e o porto aqui tão perto: um necessário esclarecimento público

Reafirmamos: Fazer pontes, ocupar a rua, parar o porto de Lisboa. No dia 19 de Outubro vamos bloquear o terminal de Alcântara do Porto de Lisboa, após a concentração da CGTP às 15h, em Alcântara. Vamos interromper a circulação de mercadorias no principal terminal de transporte marítimo de Portugal. Vamos apoiar a greve em curso dos estivadores. Esta é a nossa greve à austeridade. Reafirmamos: Esta é uma convocatória aberta e múltipla.

Esclarecemos: Vamos juntar-nos à concentração marcada para Alcântara e seguir depois juntos com os estivadores até à Gare Marítima de Alcântara, e com todas as pessoas e organizações que já se pronunciaram nesse sentido.

Esclarecemos: Vamos bloquear a entrada do porto. Vamos encanzinar. Vamos fazer pontes, ocupar a rua, parar o porto de Lisboa. Por um gigante protesto contra a austeridade no dia 19 de Outubro.
Esclarecemos: A CGTP e seus associados estão a ser atacados por um estado autoritário e ilegítimo e portanto terão todo o nosso apoio se decidirem desobedecer. Não podíamos amar mais a convocatória de motards lançada pelo deputado comunista Miguel Tiago.

Apelamos a que eventuais acções de ocupação e entrada no interior do porto tenham em conta a moldura penal violenta, aplicável mesmo no exercício do direito de manifestação. Esta convocatória não prevê a ocupação do porto de Lisboa. Estamos contudo conscientes que o movimento que se constituirá na rua no dia 19 tomará decisões plenamente conhecedor das suas capacidades.

Apelamos à participação massiva de todas as pessoas disponíveis para acompanhar e comunicar os protestos de sábado: a comunicação é uma arma. Apelamos à participação massiva de juristas e advogados que possam assegurar no terreno o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.

Retirado daqui

15/10/13

Leo Vinicius no Passa Palavra: "Enquanto não aprender a limpar a própria bunda, a multidão não irá muito longe"…

"Enquanto não puder ou não aprender a limpar a própria bunda, a multidão não irá muito longe. A democracia será aquela dos shopping centers, dos Mc Donald’s, dos Bob’s. Claro, de vez em quando podemos quebrar suas vidraças…".  E a razão é simples: "Sem a tomada ou a constituição dos meios de produção que sejam meios de (bio)reprodução, sem o poder de dar a si própria soluções para sua reprodução, a multidão nunca poderá ir além de zonas autônomas temporárias. O trabalho imaterial é hegemônico na produção de valor (de troca), mas não na constituição de um mundo para além do capital".

Mas é indispensável ler na íntegra os dados empíricos com que Leo Vinicius corrobora a sua tese.

O Anti-capitalismo é a negação do Capitalismo

Portanto, no seio dum sistema que seja a negação do actual sistema capitalista, ou seja num sistema anti-capitalista, necessariamente terão de estar ausentes os elementos mais característicos do Capitalismo. Entre os quais os incentivos à produção, que levam à exploração auto-infligida, quer por necessidade de sobrevivência, quer como resultado do processo de alienação pelo consumo. Este incentivos assentam na geração de medo: de não se conseguir sobreviver no seio duma sistema que enaltece o egoísmo; de não se conseguir demonstrar perante outros que se possui valor. Segundo uma definição estrita de exploração auto-infligida, esta ocorre sempre que alguém executa trabalho que preferiria não executar. Este tipo de exploração não é exclusiva do sistema capitalista. Mas este distingue-se dos demais pela capacidade evidenciada em gerar, dum modo insidioso e conducente à auto-justificação, exploração auto-infligida para além daquela que, eventualmente, se poderia justificar como necessária à sobrevivência, no sentido literal.

Um sistema anti-capitalista é incompatível com qualquer tipo de exploração, inclusive a que é auto-infligida. Um sistema anti-capitalista incluirá mecanismos que minimizem o potencial para a exploração, qualquer que seja a sua forma. Isto inclui mecanismos que permitam a qualquer membro da sociedade a sua sobrevivência sem que tenha de realizar trabalho que prefira não executar. Por exemplo, através dum rendimento incondicional. E inclui o desmantelamento do aparelho de propaganda ao serviço do sistema capitalista, cujos objectivos centrais são manter a submissão e a produção. Se a primeira é essencial para que a desigualdade não seja contestada, a segunda é necessária para potenciar essa desigualdade. Portanto, num sistema anti-capitalista desaparecerão os principais mecanismos que, num sistema capitalista, são responsáveis pela manutenção do nível de produção. Acreditar que, mesmo assim, seria possível manter, ou até aumentar, a produção ao mudarmos para um sistema anti-capitalista é absurdo. Obviamente, a grande maioria das pessoas dar-se-á conta que deixará de ter necessidade de trabalhar com a mesma intensidade com que o fazia no seio do (anterior) sistema, capitalista. Simplesmente, porque, como muito bem diz a Raquel Varela, os "abraços apertados não produzem nada", e eles serão de certeza muito mais comuns em qualquer sistema realmente anti-capitalista.

Daqui decorre, que afirmar que o anti-capitalismo e o produtivismo são compatíveis, que numa sociedade pós-capitalista manter-se-á o crescimento económico, ou sequer que a actual dimensão da economia se manterá, não é credível. O objectivo de crescimento económico é compatível com muitas ideologias, inclusive com o ecologismo, mas não com o anti-capitalismo. Quem se auto-denomina anti-capitalista e ao mesmo tempo defende a necessidade de crescimento económico está terrivelmente enganado sobre, pelo menos, uma das suas convicções.

Poder-se-ia argumentar que, mesmo diminuindo efectivamente o número total de horas de trabalho humano despendidas, o progresso científico e tecnológico tem o potencial para mais do que compensar o eventual decréscimo na produção que daí decorreria. No entanto, isto esquece que o próprio progresso científico e tecnológico não é, hoje em dia, separável dos mecanismos de produção capitalista acima mencionados. Não só os cientistas e técnicos sofrem do mesmo tipo de exploração auto-infligida que outros, mas os próprios avanços científicos estão hoje fortemente dependentes duma infra-estrutura tecnológica que resulta da aplicação intensiva de Capital e que se destina, antes de mais, à reprodução e multiplicação desse Capital. Num sistema pós-capitalista, onde cada membro da sociedade terá igual poder de decisão, será expectável que parte dos recursos que hoje assumem a forma de Capital sejam redistribuídos por forma a satisfazer necessidades humanas básicas. Será portanto inevitável a diminuição do investimento no sistema tecnológico, e portanto do progresso científico. Não me parece credível esperar que, neste cenário, o (menor) progresso científico que haverá seja capaz de compensar a expectável substancial quebra global da produção que decorrerá da diminuição das horas de trabalho totais. O anti-capitalismo não se opõe ao progresso científico, tal como o ecologismo o não faz, mas em ambos não é aceitável o progresso científico e tecnológico independentemente das suas consequências.

O Anti-capitalismo é a negação do Capitalismo. Mas será que todos já se deram conta disto?

13/10/13

Edward Snowden

 O Wikileaks publica os vídeos de Edward Snowden recebendo o prémio dos "Sam Adams Associates for Integrity in Intelligence".
The videos show Mr Snowden as he was given the award by Ray McGovern (ex-CIA) who said "Sam Adams Associates are proud to honor Mr. Snowden’s decision to heed his conscience and give priority to the Common Good over concerns about his own personal future. We are confident that others with similar moral fiber will follow his example in illuminating dark corners and exposing crimes that put our civil rights as free citizens in jeopardy.... Just as Private Manning and Julian Assange exposed criminality with documentary evidence, Mr. Snowden’s beacon of light has pierced a thick cloud of deception. And, again like them, he has been denied some of the freedoms that whistleblowers have every right to enjoy."

12/10/13

Empreendedorismo, uma "doença" social

Partilho aqui um texto escrito pelo Luhuna Carvalho, no 5dias.net, sobre essa coisa a que chamam empreendedorismo. Não só porque o texto põe alguns pontos nos i’s e arruma bem algumas “marcas” do assunto, mas porque o empreendedorismo merece um debate mais sério. Creio uma das razões que tem adiado este debate  – um debate que vai surgindo aqui e ali esporadicamente, mas que se quer sistemático – é a simpatia, mais ou menos declarada, que também exerce sobre amplos segmentos da esquerda, talvez atraídos pelas ideias de “criatividade”, “iniciativa individual” e “autonomia” que são vendidas neste pacote chamado “empreendedorismo” (aliás, o Luhuna chama a atenção para as semelhanças entre o empreendedorismo e algumas das formas que o activismo tem tomado). Esta atracção já seria razão suficiente para tornar esse debate necessário, pois creio que é um dos sintomas da hegemonização de certos princípios deste paradigma económico violento que nos domina. Mas as consequências são obviamente mais amplas e vão para lá da própria esquerda. Essa hegemonização, tal como todas, implica uma transformação de carácter antropológico profunda que passa pela legitimação e pela naturalização de estruturas, comportamentos e valores profundamente antagónicos a qualquer ideia de emancipação e solidariedade social. Trata-se de um sistema ideológico totalizante – para não dizer totalitário – que subsume tudo a uma só lógica, mascarando-se de livre ao mesmo tempo que reduz essa liberdade ao consumo – ou seja, por outras palavras, uma lógica que, em última instância, transforma tudo em produtos entre os quais somos livres de escolher para através deles definirmos a nossa “identidade”, a nossa “personalidade” ou, enfim, a nossa “individualidade”.

Em suma, e a propósito do título, o problema não é tanto o empreendedorismo ser uma "doença infantil do capitalismo" - com as doenças do capitalismo até podíamos aguentar bem - mas sim que as "doenças do capitalismo" implicam, geralmente, doenças sociais muito piores. É o caso desta.

11/10/13

Uma nota à margem da segunda parte do ensaio do João Valente Aguiar no Passa Palavra: "Marx e a nação. Um abraço pela frente e uma facada por trás – II. O espaço nacional no centro da constituição do proletariado em classe"

A segunda parte do ensaio referido pelo título deste post confirma plenamente as promessas da primeira, para a qual já chamei a atenção há dias (aqui). É que, ao mesmo tempo que uma desmontagem radical do nacionalismo e das consequências letais da ambivalência do próprio Marx sobre a questão, João Valente Aguiar abre perspectivas críticas não menos penetrantes, ainda que na circunstância mais oblíquas, sobre a questão do Estado. Aliás, a este respeito, poderíamos perguntar de passagem se a permanência do paradigma estatal que onera o pensamento do próprio Marx, não será a causa maior da sua ambivalência perante a questão nacional, do mesmo modo que "explica" de certo modo, como o JVA sublinha, o destino histórico do marxismo, de vários marxismos, como "racionalização" e apologia de um modelo de gestão hierárquico e classista. Tudo se passa como se Marx, não querendo abdicar da exigência do fim do Estado, acabasse as mais das vezes por erigir, ao mesmo tempo, o mesmo Estado em única forma de poder político e, mais geralmemte, de organização política possíveis. A superação do Estado estaria reservada ao estádio comunista, concebido este como um reino de abundância que dispensaria toda e qualquer instituição, toda e qualquer forma de poder, toda e qualquer forma política.  Uma das consequências desta visão mítica seria a consagração da necessidade (económica) de um poder político classista de burocratas e gestores durante o chamado "período de transição" — consagração que acarretaria consigo a da forma do Estado-nação como, para parfrasearmos a retórica sartreana, "horizonte insuperável" do nosso tempo.

Trata-se aqui da necessidade, reiteradamente sublinhada por Castoriadis,  de concebermos e praticarmos a democratização das instituições e do poder político (direcção da economia incluída, sem dúvida) contra o Estado, ou de concebermos e praticarmos a democratização da política em vez de alimentarmos uma escatolgia que nos deixa como única alternativa ao actual estado de coisas a abolição (liberticida) da acção política enquanto tal. Que te parece, João? Mas teremos, espero, outras ocasiões de discutir tudo isto. Para já, a minha ideia era simplesmente chamar a atenção dos frequentadores desta casa para a importância desta segunda parte do teu ensaio. E, para esse efeito, aqui transcrevo, com tua licença e do Passa Palavra, uma passagem reveladora:


 (…) como tive oportunidade de defender na primeira secção deste artigo, a nação não se resume a um mero espaço físico e instrumental. No que lhe compete do ponto de vista político, a nação consubstancia uma arquitectura política estatista e capitalista.

Em concreto, no final do capítulo 2 do Manifesto Comunista, mais propriamente nos 10 pontos que abordam medidas para instaurar o comunismo, verifica-se que nos pontos 5 – «Centralização do crédito nas mãos do Estado, através de um banco nacional com capital de Estado e monopólio exclusivo» – e 6 – «Centralização do sistema de transportes nas mãos do Estado» – essa tendência nacionalista está presente. Expressão da tensão que mencionei acima, desdobra-se em toda essa obra clássica uma tensão entre o estatismo e a propriedade colectiva dos meios de produção.

Paradoxal este exercício de buscar construir uma sociedade comunista com propostas que reforçariam o capitalismo. Quanto mais não seja de um ponto de vista estrito, estas propostas foram aplicadas no capitalismo de Estado soviético, e nem por isso se chegou a qualquer tipo de sociedade sem classes, muito pelo contrário. E de um ponto de vista mais lato, não são muito diferentes da criação de bancos detidos pelo Estado nas democracias liberais (em Portugal, a Caixa Geral de Depósitos, no Brasil, os casos distintos do Banco do Brasil e do BNDES) e da criação de redes estatais de transportes. Pode-se legitimamente replicar que tudo isso seria/é diferente com a tomada do poder político pela classe trabalhadora. Mas a classe trabalhadora também levou a cabo a revolução soviética e as instituições estatais criadas pelos bolcheviques, no rescaldo das derrotas das comissões de fábrica, não eram estruturalmente distintas das existentes no capitalismo ocidental. Também por aqui me parece possível argumentar pela pertença do Estado a um universo antagónico ao controlo da vida social pelo conjunto dos trabalhadores.

Post-scriptum: contra a ecologia. 7) «Os Limites do Crescimento» ou crescimento sem limites?

Na sequência do que tem sucedido nas últimas semanas, deixo aqui a ligação para o sétimo artigo do João Bernardo da sua série escrita sobre a ideologia ecologista. O sexto artigo sobre as duas concepções antagónicas de Malthus pode, por sua vez, ser encontrado aqui.
Na medida em que as respostas aos artigos aqui publicados têm-se baseado na mera leitura descontextualizada de excertos, ou pior ainda, a partir de respostas circunstanciadas nas caixas de comentários (onde um comentador que nada entende de economia chegou a defender que nem era preciso ler os textos para se saber do que tratavam...), coloco abaixo o artigo na íntegra, publicado anteriormente no Passa Palavra.



Tudo se passa como se Robert Malthus nunca tivesse escrito os Principles of Political Economy, porque o fantasma do modelo demográfico exposto em An Essay on the Principle of Population continua a pairar e é ele que, graças aos ecologistas e aos seus lobbies, alimenta os pavores da nossa época.

1.

Fundado em 1968, o Clube de Roma antecipou o movimento ecológico posterior quer no catastrofismo quer nas presunções mal sucedidas.
Um dos aspectos mais interessantes do livro de Bjørn Lomborg é chamar a atenção para o facto de os ecologistas apresentarem projecções como se fossem previsões. Uma projecção consiste em prolongar no futuro a tendência de desenvolvimento verificada hoje para um certo processo, ou para um número reduzido de processos, partindo do princípio de que as tendências de desenvolvimento dos restantes processos se manterão inalteradas, de modo a detectar o ponto a partir do qual a situação se torna insustentável. Trata-se de um instrumento de planificação muito útil para calcular as contramedidas necessárias e onde elas devem incidir. Mas por isto mesmo podemos estar certos de que a projecção, pelo simples facto de ser tomada em conta, nunca corresponderá ao que se há-de passar, porque suscitará intervenções correctivas. Em suma, a projecção constitui um dos elementos de um processo global de mudanças, indicando as áreas para onde se torna urgente dirigir os investimentos, a pesquisa científica e a sua aplicação prática. A previsão, por seu lado, procura abarcar o conjunto de factores e os seus contra-efeitos recíprocos, considerando que, precisamente porque foi alertada, a sociedade tende a alterar os problemas denunciados pelas projecções.
O Clube de Roma, no entanto, apresentou projecções como se fossem previsões e o movimento ecológico segue na mesma linha. É um método intelectualmente leviano e cientificamente desprovido de validade, mas quando é empregue pelos lobbies e pelos jornalistas surte os efeitos desejados. Apavora as pessoas, e o medo colectivo é um dos meios mais eficazes de condução política. Todos os demagogos o usam.
«O nosso modelo mundial», preveniram logo de entrada os autores de um célebre relatório do Clube de Roma, The Limits to Growth (Os Limites do Crescimento), publicado há mais de quarenta anos, «foi especificamente construído para pesquisar cinco das mais importantes tendências que constituem uma preocupação global — industrialização acelerada, rápido crescimento populacional, subnutrição generalizada, exaustão de recursos não renováveis e deterioração do ambiente» (págs. 26-27). Com uma tal selecção de factores, as conclusões estavam pré-determinadas, já que o modelo não levou em conta o ritmo de inovação científica e tecnológica. Por isso os autores do relatório puderam escrever que, se aquelas cinco tendências «continuarem sem alteração», «os limites do crescimento neste planeta serão atingidos em algum momento nos próximos cem anos» (pág. 29). «Podemos dizer com uma certa segurança», destacaram em itálico, «que, assumindo que não haja mudanças substanciais no actual sistema, o crescimento populacional e industrial parará sem dúvida no próximo século», ou seja, no século em que nós estamos agora a viver, «o mais tardar» (pág. 132). Talvez antes ainda, pois «suspeitamos, com base no conhecimento actual das restrições físicas do planeta, que a fase de crescimento não possa continuar por mais cem anos» (pág. 188), o que nos deixaria menos de sessenta anos a nós agora. O fim está próximo, porque os autores do relatório consideraram que «os curtos prazos necessários para a duplicação de muitas das actividades humanas, combinados com as quantidades imensas que estão a ser duplicadas, levar-nos-ão perto dos limites do crescimento dessas actividades numa data surpreendentemente breve» (pág. 97).
Vejamos um exemplo para uma matéria-prima fundamental. The Limits to Growth considerou que, admitindo que não fossem descobertas novas reservas de petróleo e que o consumo permanecesse idêntico ao do momento da projecção, o petróleo duraria 31 anos, ou seja, ter-se-ia esgotado em 2003. Se se admitisse, porém, que o consumo cresceria exponencialmente consoante a taxa média de crescimento anual verificada no momento da projecção, o prazo de duração desceria para 20 anos, terminando em 1992. Continuando a admitir-se que o consumo cresceria exponencialmente de acordo com a taxa referida, mas admitindo-se por outro lado que as reservas conhecidas quintuplicariam, o prazo de duração dilatar-se-ia para 50 anos, o que significa que, de acordo com este cálculo mais favorável, daqui a 9 anos o petróleo do planeta haveria de esgotar-se (pág. 66). Quanto ao gás natural, admitindo a hipótese mais favorável, de que o consumo aumentaria consoante a taxa de crescimento média anual verificada no momento da projecção e as reservas conhecidas quintuplicariam, os autores do relatório previram que se esgotaria dentro de 8 anos, em 2021 (pág. 66). Se estas conjecturas são hoje risíveis para mim e para alguns — poucos — leitores, isto não deve alimentar-nos ilusões. O fracasso das profecias do Clube de Roma não serve para abrir os olhos aos seus seguidores pela mesma razão por que o fracasso dos sucessivos anúncios do Fim dos Tempos não afasta os fiéis das Igrejas apocalípticas.
Sem levarem em conta as possibilidades de inovação científica e de transformação tecnológica, os autores do relatório do Clube de Roma abstiveram-se de indicar que, se aplicássemos a mesma metodologia a qualquer época histórica, chegaríamos à conclusão de que já não existíamos há muito. Para limitar-me a um exemplo que me é familiar, se a taxa de desbravamentos e abate de árvores e de consumo de madeira que começou a verificar-se no regime senhorial europeu a partir mais ou menos do século XIII continuasse sem alteração, em algum momento dos séculos seguintes, possivelmente no século XVIII, aquela sociedade ou se teria extinguido ou se teria precipitado para níveis muito rudimentares. Na realidade sucedeu o contrário e o carvão, o ferro e o aço vieram resolver a crise da escassez de madeira, elevando o crescimento económico para patamares antes inimagináveis.
Prevendo este tipo de objecções, os autores de The Limits to Growth recorreram a um argumento de valor metodológico duvidoso e que pode aplicar-se a tudo, o de que pelo facto de algo ter existido sistematicamente até agora não se deve deduzir que continue a existir. Neste caso, vituperaram o «optimismo tecnológico» e pretenderam que «a tecnologia pode mitigar os sintomas de um problema sem atingir as causas fundamentais» (pág. 159). Mas se a tecnologia permitir que a sociedade viva duravelmente com um problema, então isto significa que o problema deixou socialmente de se fazer sentir e que, portanto, já não é um problema. «A aplicação da tecnologia às pressões naturais exercidas pelo ambiente contra qualquer processo de crescimento teve tanto êxito no passado que toda uma cultura se desenvolveu em torno do princípio de lutar contra os limites em vez de aprender a viver com eles», lemos em The Limits to Growth. «Esta cultura foi reforçada pela aparente imensidão da terra e dos seus recursos e pela relativa pequenez do homem e das suas actividades. Mas a relação entre os limites da terra e as actividades do homem está a mudar» (págs. 156-157). Para que esta relação se altere é indispensável a intervenção dos ecologistas e dos seus lobbies, que generalize uma tecnologia de novo tipo, voltada exclusivamente para limitar ou inverter o crescimento económico. «Acreditamos firmemente», anunciaram os autores do relatório, «que muitos dos desenvolvimentos tecnológicos aqui mencionados — reciclagem, dispositivos de controlo da poluição, anticoncepcionais — serão absolutamente vitais para o futuro da sociedade humana se forem combinados com travões deliberados ao crescimento» (pág. 160). Do mesmo modo que mostrei, no quinto artigo desta série, que a crítica de Georgescu-Roegen à formulação boltzmanniana da entropia partiu do postulado da escassez, que era para ele um axioma e não uma conclusão, também aqui detectamos o gato com o rabo de fora que revela o motivo prático de uma ideologia. O fundamental para os ecologistas é a inversão do progresso económico. Para o Clube de Roma a tecnologia não é válida enquanto se destina a propiciar o crescimento económico e só passa a sê-lo quando tem como objectivo limitar o crescimento.
O mais importante nisto tudo são as consequências sociais da limitação do crescimento. Para o Clube de Roma e para todos os ecologistas o problema consiste nas pressões que a procura exerce sobre os recursos naturais, quer a procura resulte do crescimento demográfico quer do crescimento salarial. Assim, de nada valeria travar o aumento da população se continuasse irrestrito o aumento dos salários e a melhoria do nível de vida, o que significa que a travagem dos salários é uma consequência imediata dos limites do crescimento. No entanto, para atenuar no âmbito mundial a onda de protestos que tal medida não deixaria de suscitar, o Clube de Roma propôs aos «países economicamente desenvolvidos» que «encorajem uma desaceleração do crescimento do seu próprio output material, enquanto ao mesmo tempo ajudam as nações em desenvolvimento a fazer as suas economias progredir mais rapidamente» (pág. 198). Encontra-se aqui uma convergência perversa com o que se tem realmente passado nos últimos anos, pois ao mesmo tempo que a crise nos centros mais desenvolvidos levou as suas economias a entrar em recessão e a taxa de aumento dos salários a diminuir ou tornar-se negativa, alguns países até há pouco considerados de periferia avançaram para primeiro plano e aumentaram a sua massa salarial e o seu mercado interno. Mas a coincidência é ilusória, porque se chegou a esta situação não através do decrescimento mas, pelo contrário, graças ao crescimento global, que levou a uma reorganização geoeconómica.
2.
A demagogia imbuída no modelo usado em The Limits to Growth desvenda-se quando lemos que «o crescimento efectivo da economia e da população depende de factores como paz e estabilidade social, educação e emprego e progresso tecnológico constante». E por que motivo eles não foram levados em consideração? «Estes factores são muito mais difíceis de avaliar ou de prever. Nem este livro nem o nosso modelo mundial neste estádio do seu desenvolvimento podem lidar explicitamente com estes factores sociais, excepto na medida em que as nossas informações acerca da quantidade e da distribuição dos meios físicos [physical supplies] possa indicar eventuais problemas sociais futuros» (pág. 55). Isto quer simplesmente dizer que as implicações positivas das inovações não foram levadas em conta e só se consideraram as implicações negativas. Aliás, para os autores do relatório o carácter nocivo do progresso técnico vem desde a sua origem e, portanto, não data apenas da sociedade industrial. Escreveram eles que «nenhuma nova tecnologia é espontânea ou desprovida de custos» (pág. 63). Claro que não, mas a questão consiste em comparar os custos dessa tecnologia com a redução de custos dos processos produtivos para os quais ela serve. Ora, como os autores do relatório não conseguiram «agregar e generalizar as implicações dinâmicas do desenvolvimento tecnológico, porque sectores do modelo muito diferentes dão lugar a diferentes tecnologias e são influenciados por elas», explicaram tranquilamente que «no modelo mundial não existe uma variável única chamada “tecnologia”» (pág. 138).
O que The Limits to Growth trata como tecnologia e técnica é o mero prolongamento dos meios já existentes. Tendo excluído os factores sociais, que inspiram à criatividade científica e tecnológica o seu maior escopo, e tendo considerado nas novas técnicas apenas os problemas que levantam e não aqueles que solucionam, o relatório do Clube de Roma pôde concluir que no seu modelo mundial «a aplicação da tecnologia a problemas patentes de esgotamento dos recursos ou de poluição ou de escassez alimentar não tem impacto sobre a questãoessencial, que é a do crescimento exponencial num sistema finito e complexo» (pág. 152).
Isto significa que The Limits to Growth apresenta uma lista de problemas e dispensa-se de considerar precisamente o único factor que leva à sua solução, aquilo que Ehud Keinan denominou «o carácter totalmente imprevisível da ciência» (pág. 2669). Para ilustrar esta imprevisibilidade Keinan mostrou que até especialistas com a mente aberta ao progresso científico foram incapazes de antecipar descobertas de importância crucial. «A maioria das grandes invenções do século XX que mudaram para sempre as nossas vidas surgiu por acasos felizes», observou ele, recordando o sucedido com a comissão de peritos convocada em 1937 pelo presidente Franklin D. Roosevelt com o objectivo de o esclarecer acerca das descobertas técnicas e industriais importantes que podiam esperar-se para as duas ou três décadas seguintes. «A comissão Roosevelt não conseguiu prever nenhuma das principais descobertas, incluindo a energia nuclear por fissão e fusão, o radar, os lasers, os transístores, os circuitos integrados, as imagens de ressonância magnética, a tomografia, os computadores pessoais, os discos laser, os discos compactos, os aviões a jacto, os foguetões, as viagens espaciais, as máquinas de fax, os telefones móveis, a radiação sincrotrónica, o polietileno, o polipropileno e a maior parte dos outros polímeros, a conversão do gás natural em combustível líquido, os antibióticos, a biotecnologia, a engenharia de proteínas, a estrutura do DNA, a genética molecular, a genómica, os anticorpos monoclonais, a pílula anticoncepcional, a cirurgia de substituição de órgãos [spare-part surgery] e o sistema de posicionamento global (GPS) — a lista é interminável» (pág. 2669).
Mais próximo da realidade esteve um profissional da imaginação, decerto por isto mesmo. Num artigo de 1964, Isaac Asimov descreveu o que seria uma feira mundial de tecnologia passados cinquenta anos, daqui a poucos meses, portanto. Falhou espectacularmente ao conceber que as cidades tenderiam a ser subterrâneas, libertando o solo para a agricultura, e ao prever que a produção alimentar iria aproveitar as algas, uma previsão que já Josué de Castro havia feito e que os ecologistas esquecem hoje, para poderem mais comodamente certificar-nos de que em breve faltará comida. Também errou quando previu que os reactores de fissão nuclear abasteceriam bastante mais de metade das necessidades mundiais de energia e que já existiriam em fase experimental um ou dois reactores de fusão nuclear, e imaginou que a captação e produção de energia solar seria feita em grandes centros, não antecipando a sua dispersão. Mas Asimov conjecturou acertadamente que os computadores se tornariam cada vez mais complexos, capazes mesmo de efectuar traduções, e antecipou a sua miniaturização, que lhes permitiria «servir de “cérebro” a robots». E previu igualmente que os telefones e outros meios de comunicação juntariam o som e a imagem e que os écrans (ou telas, como se diz no Brasil) reproduziriam fotografias, documentos e livros. Resumindo esta linha de previsões, Asimov escreveu que «o ser humano continuará a distanciar-se da natureza para criar um meio ambiente que lhe seja mas adequado». E podemos fazê-lo porque, como escreveu Ehud Keinan, «ao contrário do que sucede com os recursos naturais, a imaginação e a criatividade não têm limites» (pág. 2669).
Em The Limits to Growth a omissão dos processos de descoberta científica e desenvolvimento tecnológico, bem como dos factores sociais que os sustentam, tem implicações mais graves ainda. «O modelo», explicaram os autores desse relatório, «contém enunciados dinâmicos apenas sobre os aspectos físicos das actividades humanas. Ele parte do princípio de que as variáveis sociais […] continuarão a obedecer aos mesmos padrões a que têm obedecido em todo o mundo na história recente» (pág. 149). Excluindo das suas projecções a transformação social, além da actividade científica e do desenvolvimento tecnológico, The Limits to Growth tem um interesse único, o de mostrar o que nos aconteceria se a criatividade humana parasse. Como tal, e se tivesse sido bem escrito, poderia ser uma obra de ficção, uma distopia que fizesse reflectir. Mas nem isso.
O perigo é que este relatório, de que se venderam trinta milhões de exemplares traduzidos para cerca de trinta línguas, e os muitos mais milhões de páginas que prosseguiram no mesmo rumo pretendem influenciar as decisões políticas e os comportamentos individuais, o que significa que os ecologistas e os partidários da teoria do decrescimento querem impor à sociedade o mesmo sistema que resultaria se perdêssemos a capacidade de inovação. Querem ditar as nossas vidas e policiar a natureza de acordo com um modelo que exclui a criatividade científica, tecnológica e social. Como isto é tudo o que nos separa dos formigueiros e das colmeias, o objectivo dos ecologistas fica claro.
3.
A noção de que existem limites naturais, de que a natureza tem um termo e de que a actividade económica consiste em gastar elementos de uma soma total finita é um postulado básico dos ecologistas. The Limits to Growth mencionou «um facto simples — a terra é finita. Quanto mais uma actividade humana se aproximar dos limites da capacidade da terra para a sustentar, tanto mais as escolhas [trade-offs] se tornam patentes e irresolúveis» (págs. 93-94). «Dado o stock de recursos não renováveis, finito e em diminuição, e o espaço finito do nosso planeta», escreveram também os autores daquele relatório (pág. 194).
Subjacente a este postulado há uma noção mais fundamental, a de que a actividade humana é apenas depredatória e não criadora. Trata-se, afinal, do contraste entre os dois Malthus, o de An Essay on the Principle of Population e o dos Principles of Political Economy, trata-se de saber se a procura tenderá sempre a ultrapassar uma oferta natural limitada ou se, pelo contrário, existe o risco de a procura não corresponder a uma capacidade de produção crescente. Evocar o «crescimento exponencial num sistema finito», como fez o Clube de Roma (pág. 152), é ocultar que a sociedade humana assimilou a natureza e que o crescimento exponencial significa, muito simplesmente, que a humanidade amplia os limites da natureza. A noção de que o crescimento exponencial, com o progresso científico que lhe é inerente, esgota o planeta é unidimensional, porque este crescimento, além de trazer consigo novas possibilidades de resolução dos problemas, desvenda na natureza espaços de acção sem precedentes. Basta uma elementar reflexão sobre a vida quotidiana para verificar que todos nós hoje vivemos num meio que foi criado por um progresso técnico e científico multimilenário. Os mais desatentos confundem o que é antigo com o que é natural e esquecem-se de que esses vegetais e animais domesticados que consideram naturais resultam tanto de manipulações humanas como resultam os geneticamente modificados em laboratórios e indústrias. A palavra artificialsignifica apenas uma coisa — a natureza expandida pelo engenho humano.
Para além de todas as críticas que fiz, em livros e artigos, à mitificação da natureza, como se existisse natureza independentemente da acção humana — a coisa em si kantiana — há ainda a considerar que a acção humana amplia a natureza. Hoje nós conhecemos uma natureza muitíssimo mais vasta e mais profunda do que outros povos e sociedades conheceram. A ciência não permite apenas dominar a natureza, permite ampliar a natureza que dominamos e, por conseguinte, extrair mais dela. É este o sentido do crescimento económico. A história da relação da sociedade com a natureza é a história não do esgotamento mas da multiplicação da natureza. Não se trata de tirar coisas de um saco até que o saco fique vazio. A relação da sociedade com a natureza é a de criar e multiplicar, e quando se tira é com o objectivo de multiplicar.
Esta acção multiplicadora da sociedade sobre a natureza podia ser pouco perceptível em épocas em que o progresso foi mais lento, e cabe aqui uma curta reflexão sobre a noção de mudança, de transformação. Parménides, um filósofo grego que nasceu no sexto século antes da nossa era, pôs em causa a existência do movimento não só no espaço mas igualmente no tempo, negando tanto a origem e a extinção como a própria transformação, com o argumento de que, se o não-ser não tinha existência, era impossível a passagem do ser ao não-ser, e inversamente. Mudar era deixar de ser ou deixar de estar, e esta existência negativa era para Parménides uma impossibilidade. O raciocínio é muito interessante no plano lógico, mas o que aqui exclusivamente importa é chamar a atenção para o facto de nessa época as mutações da realidade não serem tão patentes que por si só excluíssem qualquer consideração que as pusesse em causa. Para resolver o problema levantado por Parménides, Anaxágoras, um filósofo grego um pouco posterior, defendeu que cada substância continha partes de todas as outras substâncias; segundo as suas palavras, «em todas as coisas há uma parte de todas as coisas». A negação da existência de corpos puros ou partículas indivisíveis permitia a Anaxágoras sustentar que nada aparecia nem desaparecia, ocorrendo apenas a redistribuição das partes nas coisas já existentes.
De certo modo, o conhecido lema de Lavoisier, «na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma», foi uma actualização, com os dados da nova química, das ideias de Anaxágoras. Mas de certo modo apenas, porque Anaxágoras colocara o acento tónico na noção estática de partilha recíproca enquanto Lavoisier considerou o problema pelo lado dinâmico da transformação. Foi esta perspectiva que de então em diante se desenvolveu, e a ciência e a indústria modernas inseriram-se consciente e sistematicamente nestes ciclos, de modo a alterá-los e potencializar os processos de transformação. Neste contexto compreendeu-se que transformação é criação. É assim que a ciência e a indústria modernas permanentemente ampliam a natureza.
4.
Se recordarmos agora o modelo defendido por Malthus em An Essay on the Principle of Population, deduzimos que a condição para que pudesse ter-se efectivado o crescimento exponencial da população e, com ela, de toda a economia, era que a agricultura acompanhasse ou ultrapassasse esse ritmo de crescimento. Hoje, nos países mais desenvolvidos, só cerca de 2% da população se dedicam à agricultura, e o grau de produtividade conseguido pela aplicação da ciência e da indústria é tal que esta fracção mínima da população produz bens agrícolas suficientes não só para o mercado interno mas igualmente para ocupar uma posição dominante nas exportações. Aliás, o grau de produtividade é maior ainda do que as estatísticas do comércio indicam, porque, para impedir que os preços desçam a um nível que retiraria aos agricultores o incentivo para cultivarem, na União Europeia uma parte dos géneros agrícolas é armazenada para não entrar no mercado e nos Estados Unidos são concedidos subsídios para que parte das terras não seja cultivada. Assim, os norte-americanos gastam mais terra e água em relvados (gramado, para os brasileiros) dedicados aos ócios do que em todo o conjunto das outras culturas de irrigação, incluindo pastos.
Bastam estes breves apontamentos para indicar que mesmo nas condições técnicas actuais a capacidade potencial de produção de alimentos e matérias-primas agrícolas é muito superior à oferta efectiva. Recentemente, o World Resources Institute, usando dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), chegou à conclusão de que a produção mundial de alimentos ultrapassou a procura mundial. Tal como escreveu o Inter-Departmental Working Group on Organic Agriculture da FAO, «a produção mundial de alimentos é mais do que suficiente para alimentar a população mundial, o problema é levá-la onde as pessoas precisam». Estão reunidas as condições técnicas para que a humanidade afaste o medo da fome e se dedique a outras actividades, e isto só não sucede por motivos sociais.
Pode assim avaliar-se em toda a dimensão a estratégia dos ecologistas quando dirigem um dos seus principais ataques contra os agentes químicos e biológicos que têm assegurado a alta produtividade da agricultura contemporânea. Segundo os cálculos de Ray Elliott, se fossem dispensados os produtos químicos usados para a protecção das culturas, teria de se aumentar mais de duas vezes e meia a área total cultivada para obter o mesmo volume de produção. E àqueles leitores indignados que me objectarem que Elliott é um dos chefes da investigação científica da Syngenta, respondo que o fundador do Clube de Roma, Aurelio Peccei, foi um dos principais gestores da Fiat e depois da Olivetti, além de ser um promotor de investimentos transnacionais, e que foi a Fundação Volkswagen que subsidiou a pesquisa necessária à elaboração de The Limits to Growth. Ficamos empatados? O importante, porém, é que vão no mesmo sentido da estimativa de Elliott declarações de cientistas como Jonathan A. Foley, no sitede Mark Lynas, onde afirmou que «pode dizer-se que os sistemas orgânicos precisam de mais terra do que os seus congéneres convencionais», o que Lynas reforçou escrevendo que «no que diz respeito ao uso da terra, a agricultura orgânica é consideravelmente menos eficiente do que a convencional». E Tomek de Ponti et al. admitiram igualmente que «alimentar o mundo com a agricultura orgânica pode exigir mais terra do que com a agricultura convencional» (pág. 1). Os pesticidas são um dos factores indispensáveis à obtenção de um maior volume de produção agrícola por área.
A estratégia usada pelos ecologistas contra os pesticidas é a mesma já empregue pelo Clube de Roma em The Limits to Growth — insistir nos efeitos negativos das técnicas, esquecendo os problemas que essas técnicas vieram solucionar e escamoteando a acção dos laboratórios científicos para corrigir os problemas existentes e abrir novos campos de actuação. Os ecologistas encontram sempre os mais variados pretextos para recusar quaisquer técnicas que aumentem a produtividade e o resultado, neste caso como em todos os outros, é um único — rebaixar as condições de vida da população e fazer-nos transitar de um mundo onde em boa medida vigora o modelo exposto por Malthus nos Principles of Political Economy para um mundo que se aproxima sombriamente de An Essay on the Principle of Population.
O mesmo se passa com outro dos factores económicos centrais, a energia. Das épocas históricas que estudei, não conheço nenhuma que tivesse recorrido a uma tão grande diversidade de fontes de energia como a sociedade industrial contemporânea, o que contribui para a segurança e a estabilidade das condições gerais de produção. Aliás, a falsidade da noção de que a natureza tem limites revela-se aqui de maneira patente, porque estão em uso várias fontes de energia inesgotáveis, algumas a que a humanidade recorre desde há muito, como o movimento das águas e do vento, aproveitadas hoje com uma produtividade incomparavelmente superior, e outras de uso humano recente, como a energia solar.
Ainda na esfera da energia, além da pluralidade de fontes estão hoje também disponíveis técnicas com uma extraordinária capacidade multiplicadora, como é o caso da energia nuclear. A respeito de uma das principais preocupações dos ecologistas,The Limits to Growthconsiderou que «se as necessidades energéticas da humanidade forem algum dia supridas pela energia nuclear em vez de combustíveis fósseis, acabará por se pôr termo a este aumento de CO2 na atmosfera, esperemos que antes de ter tido quaisquer efeitos ecológicos ou climatológicos perceptíveis». Mas este excelente argumento não levou os autores do relatório a apoiar o uso daquele tipo de energia, porque acrescentaram que «a energia nuclear produzirá, no entanto, um poluente de outro tipo — resíduos radioactivos» (pág. 86). Quando uma nova técnica resolve um problema, os ecologistas concentram-se nos seus efeitos secundários negativos, em vez de desenvolverem a pesquisa científica no sentido de anular tais efeitos, neste caso investindo nos projectos de fusão nuclear para substituir a fissão. O objectivo da crítica dos ecologistas é invariavelmente travar o progresso técnico e encetar o decrescimento económico.
Referências
O livro de Bjørn Lomborg é: The Skeptical Environmentalist. Measuring the Real State of the World, Cambridge: Cambridge University Press, 2001. O relatório do Clube de Roma é: Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers e William W. Behrens III, The Limits to Growth. A Report for the Club of Rome’s Project on the Predicament of Mankind, Nova Iorque: Signet, 1974 (a primeira edição data de 1972). O artigo referido de Ehud Keinan é: «Gloomy Forecast for the Prophets of Apocalypse and Bright Forecast for Chemists», Angewandte Chemie International Edition, vol. 52, nº 10, 2013. O artigo de Isaac Asimov é: «Visit to the World’s Fair of 2014», The New York Times, 16 de Agosto de 1964. A citação de Anaxágoras encontra-se em Jean-François Revel, Histoire de la Philosophie Occidentale de Thalès à Kant, Paris: Nil, 1994, pág. 79. O cálculo de Ray Elliott encontra-se em Sarah Houlton, «Feeding a Growing World»,Chemistry World, Junho de 2012. O artigo de Tomek de Ponti et al. é: Tomek de Ponti, Bert Rijk e Martin K. van Ittersum, «The Crop Yield Gap between Organic and Conventional Agriculture», Agricultural Systems, nº 108, 2012 .

09/10/13

Jacques Brel — 8 de Abril de 1929-9 de Outubro de 1978 — Mon père disait

"Forças revolucionárias" em parlamentos da União Europeia

Portugal:
PCP (14/230)
BE (8/230)
PEV (2/230)

Espanha:
Esquerda Plural (11/350)
Amaiur (7/350)
talvez a Esquerda Republicana da Catalunha (3/350)
talvez o Bloco Nacionalista Galego (2/350)

França:
talvez a Esquerda Democrática e Republicana (15/577)

Luxemburgo:
A Esquerda (1/60)

Holanda:
talvez o Partido Socialista (15/150)

Alemanha:
talvez Die Link (64/630)

Dinamarca:
Aliança Vermelha-Verde (12/179)
talvez o Partido Socialista Popular (15/179)
talvez a Comunidade do Povo da Gronelândia (1/179)

Suécia:
talvez o Partido da Esquerda (19/349)

Finlandia:
talvez a Aliança de Esquerda (12+2 / 200)

Reino Unido:
Sinn Féin, embora não assumam o cargo (5/650)
Respect (1/650)

Irlanda:
Sinn Féin (14/166)
ULA + os seus dissidentes (5/166)

República Checa:
Partido Comunista da Boémia-Morávia (26/200)

Croácia:
talvez Partido Trabalhista (6/151)

Gécia:
SYRIZA (72/300)
KKE (12/300)

Chipre:
talvez o AKEL (19/59)

Alargando para "países que só não estão na UE porque não querem", talvez contem a Esquerda Verde da Islândia (7/63), a Esquerda Socialista da Noruega (7/169), a Comunidade do Povo (11/31) e Partido do Povo (2/31) da Gronelândia e o Partido Republicano das Faróe (6/33) - isto contando os dois últimos como "países" (a natureza exacta da sua relação com a Dinamarca é muito sui generis).

Claro que este post comporta um certo exercício de adivinhação de tentar saber quais destes movimentos Luís Amado consideraria "revolucionário", o que aliás explica o grande número de "talvez".

Leitura adicional: Contemporay Far-Left Parties in Europe - from Marxism to the Mainstream?[pdf], por Luke March