31/12/10

Bom Ano Novo… apesar de tudo — ou por isso mesmo



MOULOUDJI - Faut vivre (1973)

Malgré les grands yeux du néant
c’est pour mieux te manger enfant
et les silences et les boucans…
faut vivre


bien qu’aveugles sur fond de nuit
entre les gouffres infinis
des milliards d’étoiles qui rient…
faut vivre…


malgré qu’on soit pas toujours beau
et que l’on n’ait plus ses seize ans
et sur l’espoir un chèque en blanc
faut vivre…


malgré le coeur qui perd le nord
au vent d’amour qui souffle encore
et qui parfois encore nous grise
faut vivre…


malgré qu’on ait pas de génie
n’est pas Rimbaud qui peut pardi
et qu’on se cherche un alibi
malgré tous nos morts en goguette
qui errent dans les rues de nos têtes
faut vivre…


malgré qu’on soit brave et salaud
qu’on ait des complexes à gogo
et qu’on les aime c’est ça le pire
faut vivre…


malgré l’idéal du jeune temps
qui s’est usé au mur du temps
et par d’autres repris en chantant
faut vivre…


malgré qu’en s’tournant vers l’passé
on est effrayé de s’avouer
qu’on a tout de même un peu changé
faut vivre…
malgré qu’on soit du même voyage
qu’on vive en fou, qu’on vive en sage
tout finira dans un naufrage
faut vivre…


malgré qu’au ciel de nos poitrines
en nous sentinelle endormie
dans un bruit d’usine gémit
le coeur aveugle qui funambule
sur le fil du présent qui fuit
faut vivre…


malgré qu’en nous un enfant mort
parfois si peu sourit encore
comme un vieux rêve qui agonise
faut vivre…


malgré qu’on soit dans l’engrenage
des notaires et des héritages
ou le coeur s’écoeure et s’enlise
faut vivre…


malgré qu’on fasse de l’humour noir
sur l’amour qui nous en fera voir
jusqu’à ce qu’il nous dise au revoir
faut vivre…


malgré qu’à tous les horizons
comme un point d’interrogation
la mort nous regarde d’un oeil ivre
faut vivre…


malgré tous nos serments d’amour
tous nos mensonges jour après jour
et bien que l’on ait qu’une vie
une seule pour l’éternité
malgré qu’on la sache ratée….


Faut vivre…

ano novo, nova descida

Quem aprende, aprende (valha isso)



O futuro é dos persistentes, não dos teimosos. A "ensitel" recuou e corrigiu palermices empresariais. Fica aqui um abraço para a Maria João.

Interrupção voluntária de posts e um bom 2011!

Afazeres inadiáveis obrigam-me a uma ausência que, espero, seja o mais curta possível. Voltarei para o ano.
Deixo-vos, entretanto, com a sabedoria de Billy Wilder, o único guru que reconheço como tal: Any world that can produce the Taj Mahal, William Shakespeare, and striped toothpaste can't be all bad.
Boas entradas e melhores saídas!

Re: Aposta entre Simmons e Tierney

O Ecotretas, a propósito disto, evoca agora a aposta entre Matthew Simmons e John Tierney, sobre a evolução do preço do petróleo.

A isso aplica-se exactamente o mesmo que escrevi aqui sobre a aposta entre Julian Simon e Paul Ehrlich: se o preço do petróleo começar a subir, há um maior incentivo, quer para arranjar tecnologias alternativas, quer para procuar novas fontes de petróleo.

O que o Ecotretas está a se esquecer é da especificidade económica da poluição face a fenómenos  como esgotamento de recursos e afins - não há (ou não havia até há pouco tempo) um mercado e preços para poluir, logo não há nenhum mecanismo do género "mais poluição > preço mais elevado para poluir > incentivo para reduzir a poluição".

Sugestão de leitura - Negative externality

30/12/10

Para aliviar a ressaca da embriaguez patriótica imposta aos inocentes pela suprapartidária orgia nacionalista dos vários candidatos a chefe de Estado de um país — como o João Bernardo aqui sugere — afinal caracterizadamente inexistente

Para os efeitos referidos no título, aqui fica na íntegra um texto polémico do João Bernardo, recuperado do Passa Palavra. Discutível? Sem dúvida. Mas saudavelmente ímpio. E sendo, além do mais, um brilhante exercício ensaístico de "síntese histórica".


Portugal não existe

Há três ou quatro anos atrás foi muito comentada uma sondagem em que 27% dos inquiridos era favorável ao desaparecimento de Portugal através da integração na Espanha. Entretanto, um estudo realizado pela Universidade de Salamanca concluiu que 1/3 dos espanhóis aceitaria a união dos dois países. Houve por aí um grande alarido. Espantaram-se uns, indignaram-se outros e a minoria sentiu-se decerto aliviada pelo facto de sermos bastante menos minoritários do que supúnhamos. Todavia, reina uma confusão quando se fala de Portugal, porque se está a dar o mesmo nome a duas coisas muito diferentes.
Uma coisa é o Portugal que terminou em 1580 ao integrar-se nos domínios de um Habsburgo do ramo ibérico; outra coisa é o Portugal onde sessenta anos depois, aproveitando a crise do império dos Filipes, uma pequena conspiração colocou no trono uma dinastia nativa.

Uma recente troca de comentários num artigo publicado neste site, em que eu perdi algum tempo a participar, recordou-me até que ponto a extrema-esquerda padece de uma indiferença à arte quando está fora do poder — porque quando obtém alguma influência sobre os acontecimentos logo descobre que os artistas são os piores inimigos se não forem úteis propagandistas. Mas eu, que considero as artes plásticas o assunto mais importante da vida e também o mais significativo, posso demonstrar rapidamente que se trata de dois Portugais distintos. Vejamos a linhagem da pintura que vai desde o Ecce Homo de um mestre desconhecido, desde Nuno Gonçalves, do mestre da Lourinhã, de Vasco Fernandes até chegar a Gregório Lopes, a Cristóvão de Figueiredo e a Cristóvão Morais. E o Domingos Vieira que em 1635 pintou aquele assombroso retrato de D. Isabel de Moura só se pode entender no contexto amplamente ibérico que o influenciou e formou, não no do Portugal estabelecido cinco anos depois, onde o rei João IV se faria retratar pelo artífice Avelar Rebelo a quem mesmo um fidalgo de província como ele deveria ter tido vergonha de recorrer. Depois do hiato na pintura portuguesa quem veio? Josefa de Óbidos! Não era o mesmo país. Era um país diferente, com o mesmo nome.

O Portugal de antes de 1580 expandira-se por todo o lado, mas, em vez de lhe esgotar a seiva interna, isso como que o renovara. E a par das espoliações e das atrocidades restou uma cultura capaz de reflecti-las, ao mesmo tempo elogiosa e criticamente. Houve Camões e também Fernão Mendes Pinto e a História Trágico-Marítima, e houve Diogo do Couto. Por isso aquele Portugal conta no mundo. Pelo facto de enviar a sua gente desde o Japão até ao Amazonas o país não deixara de existir no ocidente das Espanhas.
Mas o Portugal nascido em 1640, o país dos Braganças, da Josefa de Óbidos e da doçaria freirática, foi incapaz de criar dentro das suas fronteiras uma cultura própria. Enquanto a depauperação de Portugal era consagrada em 1703 com a assinatura do tratado dito de Methuen, o Brasil desenvolvia-se economicamente, e apesar de todo o ouro que João V de lá tirou, foi no Brasil e não em Mafra nem em Lisboa no Largo da Misericórdia que se edificou uma grande arquitectura barroca, foi lá que surgiu uma inventiva escultura barroca, foi lá que se fez ouvir uma corrente original de música barroca. Aliás, o pouco de bom como algum do mau dos edifícios barrocos portugueses foi a arquitectos estrangeiros que se deveu. Já capital económica do império, o Brasil depressa passara a ser também a sua capital cultural. Portugal tinha-se esvaziado de conteúdo, o que havia estava no Brasil. E quando a metrópole quis aproveitar simultaneamente Angola, apesar do engenho e da diligência de Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, foi incapaz de fazê-lo. Portugal não chegava para duas colónias ao mesmo tempo. Até que, fugindo a um general francês que nem marechal era, o monarca foi levado pelos britânicos para o Brasil. E a colónia, que já assumira a hegemonia económica e cultural, converteu-se na cabeça política do império.

O caso Houtart e a "personificação da mediocridade"

A não perder, sobre o caso Houtart, o corajoso post da Joana Lopes, "O Drama de um Homem Bom", e a breve, mas soberba reflexão do João Bernardo na caixa de comentários do mesmo (é difícil dizer tão bem e tanto em tão poucas linhas):

Imaginei um romance, um livro cristão, seria assim. Um homem comete um pecado, arrepende-se e constrói toda a sua vida, de então em diante, em cima desse arrependimento. A sua vida passou a ser aquilo que um grande místico do final do século XVIII, Saint-Martin, Le Philosophe Inconnu, chamou «prece activa», uma prece em acção. E quarenta anos depois alguém lhe quer recusar o que foi o motor e a razão de ser dessa prece. Dostoievsky chegou ao fundo das coisas, num dos sonhos de Ivan Karamazov, ao retratar o Demónio como a personificação da mediocridade.

Não vi o debate entre o bardo e o montanheiro mas só queria dizer uma coisa

Esta campanha presidencial terá dado sono a muitos portugueses, eu incluída.
A coisa provou-se tão pobrezinha que, não fora os monárquicos terem a representá-los aquela figura patética e abigodada que dá pelo nome de Dom Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael de Bragança ("estou muito optimista porque finalmente os governantes decidiram tomar as medidas necessárias", disse recentemente Sua Alteza), a República teria corrido perigo e logo no centenário.
Ceci dit, apenas lamento não ter conhecido Maria Mendes Vieira, a segunda mulher do sogro de Cavaco e que este bufou à PIDE.
Não sei bem porquê, fiquei a simpatizar com a senhora. Talvez até votasse nela. Tal não sendo possível, estou com o Quincas Borba, "ao vencedor, as batatas".

O defensor do come e cala que um dia proclamou alto e bom som a insustentabilidade do país

Certeiro como é seu uso e o talento ajuda, Manuel António Pina, no JN:

O "sensato" conselho de Cavaco Silva para comermos e calarmos de modo a que "os nossos credores" não se zanguem connosco e nos castiguem com juros cada vez mais altos espelha uma cultura salazarenta de conformismo que, sendo muito mais antiga que Cavaco, ele representa na perfeição, até nos seus, só na aparência contraditórios, repentes de arrogância.

Quando Cavaco nos recomenda que amouchemos pois "se nós lhes [aos 'nossos credores'] dirigirmos palavras de insulto, a consequência será mais desemprego para Portugal", tão só repete, adaptada à actual circunstância, a "sensata" e canónica fórmula do "Manda quem pode, obedece [ no caso, cala] quem deve".

Trata-se de uma atávica cultura em que a vida é vidinha, a crítica deve sempre ser "construtiva" e colaborante, os trabalhadores, por suave milagre linguístico, se tornam "colaboradores" (e se colaboracionistas melhor ainda) e servilismo e acriticismo são alcandorados a virtudes cívicas. Porque é assim que se faz pela vidinha, de joelhos.

(publicado também aqui)

29/12/10

Barroso, um “líder da estirpe mais qualificada”?



É o que nos assegura VGM, um dos da estirpe mais servil:

Toda a gente tem consciência de que os horizontes do projecto europeu estão cada vez mais turvos. Há quem diga que é por falta de líderes. Não creio que a razão seja essa. Durão Barroso tem mostrado que ainda é um sobrevivente dessa estirpe mais qualificada, mas resta saber se isso lhe valerá (e nos valerá) de alguma coisa.

(publicado também aqui)

Prémio 2010 "devia dar-te uma caganeira..."

"O povo tem que sofrer as crises como o Governo as sofre”, Almeida Santos

Quando os pequenos crescem e tudo fica na mesma

“E se das restantes candidaturas pouco há a dizer – como se prova pela sondagem do jornal Expresso do último Sábado que dá menos que 5% a Francisco Lopes, Fernando Nobre e Defensor de Moura…”. Quando os pequenos julgam que crescem, têm a mania de começar a falar de alto para os de baixo. E aqui começamos a duvidar se a sua ascensão traz algo de novo. Ou se antes significa que tal ascensão pouco ou nada altera em relação à política vigente. No espaço do BE passa-se a bom ritmo de um culto da minoria (o velho PSR da “minoria absoluta”, lembram-se?) para a simples aceitação da política enquanto jogo de forças eleitorais. O que me espanta é a aparente unanimidade deste processo no interior do partido. Será sinal de unanimismo ou de simples falta de comparência militante?

Prémio 2010 "salazar podia ter dito o mesmo"

"Para ser mais honesto do que eu, tem de nascer duas vezes", Cavaco Silva

A aposta Ehrlich-Simon

O "Ecotretas", a propósito da "aposta Ehrlich-Simon" (que foi na verdade a inspiração para a minha "aposta climática"), escreveu há tempos que "Paul Ehrlich cometeu um erro estratégico verdadeiramente estúpido: resolveu apostar no ambiente!".

Para quem não saiba, há uns 30 anos o ambientalista Paul Ehrlich apostou contra o economista Julian Simon que os preços de um conjunto de matérias-primas iria subir. Simon, que apostou que iriam baixar, venceu a aposta.

Mas isso foi "apostar no ambiente", como escreve o Ecotretas? Não. Independentemente das intenções dos protagonistas, o que isso foi foi uma aposta na economia, não no ambiente. A razão porque Ehrlich perdeu a aposta não foi por qualquer análise errada do funcionamento dos mecanismo naturais, foi porque o progresso tecnológico tende a fazer com que seja necessárias menos matérias primas para produzir uma dada unidade de produto, logo esse efeito tende a reduzir a procura de matérias-primas. Mais - se o preço de uma matéria-prima começar a subir, há um incentivo extra para desenvolver tecnologias que tornem essa matéria-prima desnecessária (ou, no mínimo, menos necessária), logo subidas dos preços de matérias-primas, como as previstas por Ehrlich, tendem a se compensar a longo prazo (preço alto > desenvolvimento de tecnologias alternativas > redução do preço).

Faz sentido fazer um paralelismo com isso e a questão do "efeito de estufa" e do "aquecimento global"? Não e sim.

Primeiro o "não" - porque é que (pelo menos no contexto da economia capitalista) são desenvolvidas tecnologias que reduzem o consumo de matérias-primas? Para cortar custos (exactamente por isso, quanto mais cara uma matéria-prima, maior o incentivo para procurar soluções alternativas). Mas a emissão de CO2 funcionava, até há pouco tempo, segundo as regras do "estádio superior do comunismo": não se pagava nenhum preço por isso, nem havia nenhuma regulamentação a limitar as emissões - logo não havia nenhum incentivo (fosse pelo "mercado" ou pelo "plano") para procurar reduzir as emissões.

Agora o "sim" - essa aposta é relevante para uma coisa: não para refutar os cenários "se não fazermos nada acerca do aquecimento global vai ser uma catástrofe" (como vimos no parágrafo anterior, a aposta Ehrlich-Simon é irrelevante para esse ponto), mas para refutar os cenários "se limitarmos as emissões de CO2 vai ser uma catástrofe"; porque são os que dizem que a redução das emissões vai ser "suicídio económico" que são, nesta questão, os herdeiros intelectuais de Ehrlich (imagino que contra a vontade do próprio...): o raciocínio é o mesmo - assumir uma relação linear entre a produção e o consumo de inputs (bem, "emissões de CO2" não são bem um input, mas na prática funcionam como tal) e portanto concluir que, se os inputs disponíveis são limitados, então há também um limite para produção possivel e vai haver uma catástrofe económica quando se atingir esse limite; pelo contrário, o mesmo mecanismo que levou a que os preços das matérias-primas não subissem (a descoberta e adopção de novas tecnologias que utilizam menos essas matérias-primas) também levará a que, a longo prazo, a redução das emissões de CO2 e outros gases de estufa possivelmente não terá qualquer efeito relevante sobre a economia (simplesmente irão ser inventadas e adoptadas tecnologias menos poluentes).

[Note-se que não estou a excluir categoricamente a hipótese de um colapso económico futuro motivado pela escassez de alguma matéria-prima; afinal, durante as últimas dezenas de milhares de anos essas crises de escassez de recursos foram a norma na Humanidade. No entanto, nos últimos dois séculos - ironicamente, desde o momento em que alguém teorizou sobre a inevitabilidade dessas crises - não têm praticamente existido no "mundo ocidental", logo é plausível que continuem a não existir]

A ensitel é mesmo uma empresa de tótós





Estava-se mesmo a ver (aqui, aqui) no que ia dar. Já vai alto e continua a subir o nível de adesões ao movimento no FB Eu Apoio a Maria João.


Os gestores da treta da “ensitel” podem limpar as mãos á parede pela parvoíce em que se meteram.

28/12/10

Hipótese bondosa: os tipos da Ensitel são uns otários apesar de terem como lema "a tecnologia nas suas mãos"

A novela pode ser lida aqui take por take. Pormenores à parte, na conclusão está tudo: depois de um tribunal ter dado razão à Ensitel, a empresa vem exigir em acrescento que a cliente apague do blogue as suas queixas.
Cá para mim na Ensitel deve viver-se ainda na época dos Flintstones e sem mirrors.

Da ilha do socialismo oxidado

O processo da decadência cubana levanta várias perplexidades. Uma destas é ver o “Granma” transformado em motivador do gosto pela posse de propriedade privada e a criação de uma nova camada de empresários, lá chamados de “cuentapropistas”. Azar dos “cubanistas” seguidistas que ainda vão ter de executar números assombrosos de contorcionismo retórico para explicarem o inexplicável, mais o inaceitável e o caduco.

(publicado também aqui)

O caso Ensitel x Maria João Nogueira

Eu não faço a mínima ideia de quem tem razão no diferendo "comercial" entre a Ensitel e Maria João Nogueira; mas no diferendo sobre o direito de publicar no seu blogue as queixas que tinha da empresa, creio que a razão está toda do lado de Mª J. Nogueira.

Liu Xiaobo: mais um aniversário na prisão

O Prémio Nobel da Paz 2010 passou o seu 55º aniversário numa prisão do nordeste da China, enquanto activistas dos Direitos Humanos renovaram os apelos para a libertação do dissidente.

Questionada sobre a situação, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Jiang Yu, respondeu que «a China é um estado de Direito» e as acções do Governo visam «salvaguardar a soberania judicial» do país.

Liu Xiaobo, um antigo professor universitário e crítico literário, foi condenado em 2009 a onze anos de prisão por «actividades subversivas».

A organização Chinese Human Rights Defenders (CHRD), com sede em Hong Kong, assinalou o 55º aniversário de Liu Xiaobo com um comunicado apelando à «imediata e incondicional libertação» do dissidente.

A CHRD pediu também o levantamento das restrições impostas à mulher do Nobel da Paz, Liu Xia, sujeita a prisão domiciliária desde que o Comité Nobel Norueguês anunciou a atribuição do prémio ao marido, em Outubro passado.

Preso na cadeia de Jinzhou, a cerca de 450 quilómetros de Pequim, Liu Xiaobo foi distinguido «pela sua longa e não violenta luta pelos direitos fundamentais na China».

Para o Governo chinês, que qualificou aquela escolha como «um insulto aos órgãos judiciais da China», Liu Xiaobo «é um criminoso condenado por violar as leis chinesas».

(publicado também aqui)

Não está mal, para tempo de austeridade…





Doze gestores públicos levam 1,6 milhões só em salários.

(publicado também aqui)

Calem-se! (não vá o mercado acordar…)



Crise: Cavaco apoia Durão no apelo à contenção nos discursos.

(publicado também aqui)

27/12/10

Ligação directa para um muito instrutivo post da Diana Dionísio

A conclusão aqui fica, mas é imperioso ler os considerandos:

E se aspiram a ser iguais conquistem a liberdade de não serem idênticos e de poderem atirar as desigualdades à cara um do outro. Ou então…

Dentro das expectativas

O voto obrigatório

No Cinco Dias, Daniel Medina levanta a discussão sobre o voto obrigatório
1º – Seria democraticamente correcto?

2º – Que mecanismos deviam/poderiam ser implementados para esse efeito?

3º – Ganharia a esquerda mais votos?

4º – Tanta foi a luta para que as mulheres, por exemplo, pudessem exercer o direito de voto, porque não torna-lo agora obrigatório?

5º – Quais os entraves que seriam colocados?
Eu sou capaz de escrever mais algo sobre isto, mas só um pequeno exercicio intelectual - no ponto 4, substituir "voto" por "aborto".

Aquecimento global - sugestão de aposta

Proponho um desafio aos que dizem que os factos não comprovam que a Terra esteja a aquecer (parece-me ser o caso de pelo menos alguns "insurgentes", p.ex.).

A NASA publica uma lista de temperaturas médias no planeta (que é o que interessa para a questão do aquecimento global, não se há arrefecimento local em Londres ou aquecimento local no meu sofá quando o Pantufa lá dorme), medida em centésimos de grau Celsius acima da temperatura média entre 1951 e 1980.

Em Maio do ano passado, a temperatura média global era de 64 (isto é, mais 0,64 ºC do que a temperatura média entre 1951 e 1980). Entre 1998 e 2010, a temperatura média em Maio foi de 49 (ou 48 virgula qualquer coisa).

Que desafio proponho? Uma espécia de aposta: se em Maio de 2011 (dados que devem estar disponíveis em Junho) a temperatura média anunciada no site da NASA foi maior que 64 (isto é, a temperatura deste ano), ganho eu; se for menor que 49 (a média de 1998 a 2010), ganham os meus oponentes (seja lá quem forem, já que esta aposta é dirigida "a incertos"); se for entre 49 e 64 (acima da média, mas abaixo da deste ano), teremos um empate.

E qual o objecto da aposta? Simplesmente o (ou os) derrotado publicar um post a dizer que perdeu a aposta, a recapitualar os termos da aposta e a linkar para os vencedores. Se assim o entender, o vencedor poderá também publicar um post a dizer que ganhou (em caso de empate, ninguém terá que publicar post nenhum, mas também poderão publicar um post a dizer que houve empate).

Note-se que isto não implicaria alguém ter que mudar de posição sobre a questão "a Terra está a aquecer?"; afinal, um mês pode perfeitamente ser um outlier (além de que a questão que se discute não é apenas se a Terra está a aquecer, mas também quais as causas disso, possiveis efeitos, etc.); isto pretende ser apenas uma experiência, nada mais.

Questões?

- Porquê o mes de Maio? Porque é suficiente longe do momento presente para haver um certo "vêu de ignorância" e suficientemente perto para eu não me esquecer da aposta; alêm disso, sendo um mês de Primavera/Outono, evita discussões do género "contas feitas em meses de Verão/Inverno não contam - a diferença entre temperaturas máximas e minimas são muito grandes / a volatilidade é muita / etc."; e, fianlmente, porque eu gosto do mês de Maio...

- Porquê ter como comparação a média de 1998 a 2010, em vez de, digamos, 1997 a 2010, ou 1999 a 2010? Porque alguns críticos da teoria aquecimento global têm um fetiche pelo o ano de 1998.

Para aceitar a aposta (ou propor uma reformulação dos termos), inscrevam-se na caixa de comentários (e de preferência publiquem também um post); na primeira semana de 2011, publicarei uma lista de "concorrentes" (não que eu tenha nada contra quem não tenha blogs, mas face aos termos da aposta, só faz sentido ser aceita por alguém que tenha blog, site ou afim).

Promete (mal) a longa ressaca da consoada

Os economistas estimam que a trajectória de subida do desemprego ainda demore mais algum tempo a passar.

Depois de um ano difícil, com os sinais de recuperação da economia ainda fracos (o PIB avançou 0,3% no terceiro trimestre face ao anterior), e sendo o mercado de trabalho habitualmente o último a recuperar de um período de crise, as perspectivas para 2011 não são ainda optimistas.

De acordo com os últimos valores divulgados pelo INE, a taxa de desemprego em Portugal atingiu os 10,9% no terceiro trimestre de 2010, agravando-se dos 9,8% observados em igual período do ano passado.

(publicado também aqui)

26/12/10

Instantâneos Materialistas Históricos: A construção do Homem Novo e os Velhos Generais

Uma citação preciosa, para aqui trazida — uma vez mais — do Passa Palavra:


«As possibilidades de sobrevivência mostraram-se brutalmente dependentes do posto ocupado», escreveu um historiador britânico a respeito do que sucedeu nos campos de prisioneiros aos mais de 90.000 militares do Terceiro Reich capturados no final da batalha de Stalingrado. «Morreram mais de 95% dos soldados e sargentos, 55% dos oficiais subalternos e apenas 5% dos oficiais superiores. […] Todavia, o tratamento privilegiado concedido aos generais constitui um testemunho revelador da noção de hierarquia vigente na União Soviética».

Antony Beevor, Stalingrad, Londres, The Folio Society, 2010, pág. 374.

A "vanguarda dos oprimidos"

Um pensamento de Maurício Tragtenberg (livre-pensador, 1929-1998),via Passa Palavra:

É historicamente sabido que os opressores sempre se julgaram a vanguarda dos oprimidos. Os senhores feudais julgavam-se os paizinhos da sociedade, a burguesia aparecia como vanguarda do povo; por que a burocracia não pode aparecer como vanguarda do proletariado? 

Mexia, o piedoso

Há gente torta que, por vezes, escreve por linhas direitas. Zita Seabra, no JN:

Três dias antes do Natal, assistia calmamente ao Telejornal da RTP1 quando vi a grande notícia da noite. Entre os atentados em Bagdade e as agências de rating, uma voz off anuncia o que as câmaras filmam: o presidente da maior empresa pública portuguesa a levar dois saquinhos de papel com roupa usada e um brinquedinho (usado) para uns caixotes de cartão, cheios de coisas usadas para oferecer no Natal. Fiquei comovida. Que imagem de boa pessoa, que gesto bonito: pegar num fatinho usado do seu guarda-vestidos que deve ter uns 200 e num pequeno brinquedo de peluche, e depositar tudo no caixote de cartão para posteriormente ser redistribuído? À administração da empresa? Não, a notícia explica que é para oferecer aos pobrezinhos, que estão a aumentar com a crise. A RTP, Telejornal à hora nobre, filma o comovente gesto. Em off, o locutor explica o sentido dizendo que alguém vai ter no sapatinho um fato de marca. Olhando para os sacos de papel, percebe-se que esse alguém também receberá umas meias usadas e talvez mesmo uma camisa de marca usada.

Primeiro, pensei que estava a dormir e um pesadelo me fizera voltar ao tempo de Salazar, à RTP a preto e branco ou à série da Rita Blanco «Conta-me como foi».

Mas não, eu estava acordada e a ver o presidente da EDP no Telejornal da RTP 1 (podem ver o filme na net) posar sorridente para as câmaras, a levar um saquinho a um caixote, que não era de lixo, mas de oferta. Por acaso, estava à porta da EDP a RTP a filmar o gesto. Iam a passar e filmaram, certamente, porque para os pobres os fatos em segunda mão de marca assentam como uma luva. Um velhinho num lar de Vila Real vestido Rosa & Teixeira sempre é outra coisa. Ou o homeless na sopa dos pobres com Boss faz outra figura, ou o desempregado com Armani numa entrevista do fundo de desemprego... Mentalidade herdada do Estado Novo, foi a minha primeira análise, teorizando imediatamente que os ricos em Portugal, os que recebem prémios de milhões em empresas públicas e ordenados escandalosos e que puseram o mundo e o país como se vê, são os mesmos com a mesma mentalidade salazarenta. Mas nem é verdade, pois, mesmo nesse tempo, as senhoras do regime organizavam enxovais novos nas aulas de lavores do meu liceu para dar no Natal aos pobres que iam nascer.

Tantos assessores de imprensa na EDP, tantos assessores na Fundação EDP, milhões de euros gastos em geniais campanhas de marketing, tantas cabeças inteligentes diariamente pagas para vender a imagem do presidente da EDP, tudo pago a preço de ouro, e não concebem nada melhor do que mandar (!?) filmar, no espaço do Telejornal mais importante do país, um gesto indigno, triste, lamentável, que envergonha quem vê. Não têm vergonha? Não coraram? E a RTP que critérios usa no Telejornal para incluir uma notícia?

(publicado também aqui)

Castoriadis em 1992: "O verdadeiro espírito do capitalismo é o espírito da fábrica capitalista e na fábrica capitalista não há liberdade alguma"

Entrevista de Castoriadis em 1992: sobre as vertentes social e individual da autonomia.

Uma discussão necessária

Com o propósito simples de incitar ao aprofundamento da discussão do post do camarada João Tunes e a sua "clarificação a pedido"— embora sabendo bem que há alguns para quem discutir o problema só pode ser abominação e sacrilégio — e de convidar, nomeadamente, o camarada Ricardo Noronha a explicitar melhor o seu comentário a esse post, gostaria de citar aqui, uma vez mais, a seguinte passagem de uma entrevista concedida por Castoriadis em 1991, que me parece pôr o problema com suficiente clareza:

" [o PC] está condenado a dizer uma coisa e a fazer o contrário: fala de democracia e instaura a tirania, proclama a igualdade e realiza a desigualdade, invoca a ciência e a verdade e pratica a mentira e o absurdo. É por isso que perde muito rapidamente a sua influência sobre as populações que domina. Mas é também por isso que aqueles que aderem ao comunismo, pelo menos antes da sua chegada ao poder (…) [e]stão possuídos por uma 'ilusão revolucionária', acreditam de um modo geral que o Partido Comunista visa realmente instaurar uma sociedade democrática e igualitária. É por isso que um comunista que descobre a monstruosidade do 'comunismo realizado' pode soçobrar psiquicamente, ou tornar-se social-democrata, oiu manter um projecto de transformação social radical desembaraçado do mmessianismo marxista-bolchevique. Um fascista ou um nazi não pode descobrir, nas suas crenças anteriores, nada que o incite a mudá-las" (C. Castoriadis, Uma Sociedade à Deriva. Entrevistas e Debates, 1974-1997, Lisboa, 90 Graus, 2006, p. 300).

Depois, sublinhando que hoje manteria todas as reservas que aí enuncio em relação ao BE, gostaria também de repetir o seguinte excerto de uma "apelo ao voto no BE", que escrevi em Setembro de 2009 e que o camarada Zé Neves publicou no 5dias, semanas antes de ele próprio e o Ricardo Noronha, com o apoio do Nuno Ramos de Almeida, me terem convidado a integrar a tripulação desse blogue:

"Votarei no BE porque este é o partido que, apesar de tudo, [é] mais aberto a perspectivas de alargamento da cidadania activa, e o horizonte da minha perspectiva política é o governo igualitário e regular dos cidadãos pelos cidadãos – ou, se quiseres, a cidadania governante contra o poder de Estado e o poder político por ele enquadrado que se exerce através e a coberto da esfera económica “despolitizada”. Votaria no BE com mais convicção se este em vez de insistir tanto na conquista por dirigentes de lugares dirigentes na cena política estabelecida, insistisse na transformação dos modos e lugares de exercício do poder, apresentando a possibilidade de ter deputados na Assembleia da República como um passo não para virmos a ter Francisco Louçã (ou qualquer outro militante do BE) no lugar de primeiro-ministro, mas para avançarmos na construção de uma democracia que dispensasse esse cargo; não para virmos a ter o BE no governo, mas para transformarmos o modo de ser e a lógica hierárquica do governo; não para termos outras medidas políticas, mas outra maneira de fazer política. É, de resto, por isso que, admitindo embora a possibilidade e a necessidade de o grosso dos militantes e companheiros de jornada do PCP virem a integrar as fileiras do combate pela cidadania governante, penso que o PCP enquanto tal é, não só irrecuperável, como continua portador de um projecto de sociedade e tipo de regime que qualquer projecto de autonomia terá de remover do seu caminho. Do mesmo modo, é porque no BE – e apesar dos lugares mais ou menos cimeiros que possam ocupar – o contingente de “revolucionários profissionais”, que pretendem deter a consciência, a verdade histórica e o direito à direcção dos trabalhadores (disciplinando por via policial e militar em sendo caso disso as “ilusões” e “erros” da sua mão-de-obra), me parece […] tender a esbater-se, que – tendo também em vista tornar mais instável a hegemonia da cena política e o próprio regime, pondo a democratização das instituições na ordem do dia – darei ao Bloco o meu voto, estando disposto a apoiar muitas das lutas que trava. Haveria por certo muito mais reservas a pôr ao programa do BE, não só no plano das cedências práticas que tem feito à política profissional (a democracia e a classe política, bem como a distinção permanente e estrutural entre governantes e governados, são incompatíveis), mas também no das medidas concretas propostas (e, entre outras coisas, no que se refere à política internacional)".

Reconhecendo que, infelizmente, a profissionalização e funcionarização no BE, ao contrário do que eu esperava, tenderam, entretanto, não a esbater-se, mas a agravar-se, creio que a discussão sobre o tipo de colectivos capazes de introduzirem na ordem do dia, através de vários tipos de intervenção e proposta nas mais variadas frentes, as perspectivas da autonomia democrática só ganhou, de então para cá, em urgência. E tal é a razão porque retomo aqui o meu apelo a que a vamos fazendo. Tanto mais que a quadra do fim/começo de mais um ano é uma ocasião propícia a balanços e perspectivas. Ou não?

25/12/10

As almas gémeas

"Por que o fundo da questão, a saber, será sempre perceber como é que a laboriosa providência indígena nos foi, uma vez mais, madraça & vassala. Explicar como, num único momento, decerto por um formidável e raro prodígio do éter universal, se encontraram essas duas almas gêmeas — o sr. Sócrates & o dr. Cavaco —, será sempre um fenômeno pouco luminoso, mesmo que passional seja."
LER O RESTO S.F.F. AQUI

24/12/10

Natal com 2011 perto

Na mesa de natal: cortes, desigualdades, fomeca

Manuel António Pina, no JN:

De acordo com dados do Ministério das Finanças citados pelo DN, o Governo estará por fim a conseguir reduzir o défice público (assim terá acontecido em Novembro), e isso graças, principalmente, "aos cortes nos apoios sociais a desempregados e crianças".

Entretanto Portugal alcançou já um honroso 2.º lugar no pódio dos países com maiores desigualdades sociais na UE e há hoje mais de 300 000 portugueses (entre eles milhares de crianças, que comem diariamente uma única refeição que lhes é servida na escola) a passar fome e dependendo, para sobreviver, de instituições como o Banco Alimentar, a Legião da Boa Vontade e outras, ou das espontâneas iniciativas de solidariedade que cidadãos anónimos, contando exclusivamente consigo, vêm promovendo um pouco por todo o país.

(publicado também aqui)

Já que andam para aí a desejar boas festas que seja à maneira

Afinal, o que é que dizem as agências de "rating"?

Nos últimos dias tem-se falado das agências de rating terem voltado a descer a classificação de Portugal, com uns a dizerem "estão a ver como temos que fazer mais sacrificios?" e outros "continua a chantagem dos mercados sobre os estados soberanos" (provavelmente ninguém disse isto textualmente, mas muita gente terá expressado pensamentos equivalentes.

Mas, afinal, o que é que as tais agências dizem que pode correr mal na economia portuguesa?

Vamos lá ver a Moody's (via Finantial Times):
The main triggers for the review include:
(1) Uncertainties about Portugal’s longer-term economic vitality, which will be exacerbated by the impact of fiscal austerity;
(2) Concerns about Portugal’s ability to access the capital markets at a sustainable price; and
(3) Concerns about the possible impact on the government’s debt metrics of further support for the banking sector, which may be needed for the banks to regain access to the private capital markets.
 E a Fitch (também via FT):
“A sizeable fiscal shock against a backdrop of relative macroeconomic and structural weaknesses has reduced Portugal’s creditworthiness,” said Douglas Renwick, Associate Director in Fitch’s Sovereign team…

The downgrade reflects significant budgetary underperformance in 2009. The general government deficit in that year was 9.3% of GDP, versus 6.5% of GDP forecast by Fitch last September…

The Negative Outlook reflects Fitch’s concern about the potential impact of the global economic crisis on Portugal’s economy and public finances over the medium term, given the country’s existing structural weaknesses and high indebtedness across all sectors of the economy. Portugal’s GDP per capita and trend growth are significantly below the ‘AA’ median, which reduces debt tolerance relative to other high-grade sovereigns.

(...)

Fitch considers the government’s recently-announced consolidation plans to be broadly credible, incorporating a high level of detail underpinning a largely expenditure-based adjustment and reasonable macroeconomic assumptions. It builds on a track record of public wage bill reduction over 2005-2008 and significant achievements in public pension reform.

However, the planned deficit adjustment is back-loaded and the risk of macroeconomic disappointment (with knock-on effects to the deficit) is significant, particularly in the latter years of the government’s projections (2012-13). Further fiscal and/or economic underperformance in 2010 and 2011 could lead to another downgrade…
Ou seja, parece que os problemas que as tais agências de rating vêm na economia portuguesa até não têm a ver principalmente com "despesa pública excessiva" (nomeadamente no "Estado Social"), como se poderia pensar pelo que dizem os comentadores que costumam aparecer na televisão.

Pelos vistos, os problemas são:

  • Possibilidade de agravamento da recessão (e portanto redução da receita em impostos), perigo esse que está a ser aumentado pelas politicas de austeridade
  • Possibilidade de o Estado ter que gastar ainda mais dinheiro em apoios à banca
  • Aumento dos juros que o Estado paga pela dívida (diga-se que este aspecto é largamente circular - se o aumento dos juros está a por em causa as contas públicas, é também a ideia que o país corre risco de bancarrota que está a fazer subir os juros; ou seja, quando as agências de rating baixam o rating dum Estado dizendo que a sua situação vai piorar devido ao aumento dos juros estão a fazer uma profecia auto-cumprida: em grande medida é exactamente essa descida do rating que vai provocar a subida dos juros)
Já agora, por vezes há quem distinga entre a situação da Irlanda e de Espanha, por um lado, da de Portugal e da Grécia, por outro, dizendo que irlandeses e espanhóis o que têm é um problema nos bancos e que antes disso os orçamentos até iam bem, enquanto que Portugal e a Grécia tem mesmo um problema de despesismo estatal. Mas, pelos vistos, Portugal não está assim tão diferente da Espanha ou da Irlanda - pode não ter gasto ainda muito dinheiro a salvar bancos (ou se calhar já está a gastar, só que ninguém viu...), mas a expectativa de ter que, no futuro, ir gastar esse dinheiro está a assustar "os mercados" e a aumentar o risco do Estado português; como o risco de Portugal aumenta, aumenta a taxa de juro paga e a dificuldade em conseguir empréstimos; para compensar isso, o Governo corta no subsídio de desemprego e no abono de família e agrava a recessão; ou seja, já estamos a contribuir para a  família Espírito Santo e para lá quem for que sejam os donos do BCP, mesmo que não tenhamos consciência disso.

23/12/10

Clarificação a pedido

1. Na "caixa de comentários" deste post, um interpelante (do pelotão dos "anónimos") desafiou-me com a seguinte pergunta:

A existência de um movimento comunista como o que «realmente existiu» trouxe alguma vantagem às classes sociais desfavorecidas do globo? Ou foi sempre uma agremiação de facínoras, criminosos e loucos?

2. Respondo-lhe assim:

O comunismo comporta uma praxis bipolar, consoante intervém na escalada até ao poder ou no exercício do poder. Quando projecto de acesso ao poder, os partidos comunistas fundamentam-se e entranham-se nas desigualdades sociais existentes e geradas pelo capitalismo, invocam os sentimentos mais generosos da humanidade, tornam-se paladinos, pelo menos formalmente e quando o sectarismo não os corrói, da civilização, da cultura, da liberdade, da democracia. Assim, fora do poder, digamos que enquanto pré-poder, e como regra, os partidos comunistas fazem parte das forças democráticas e do progresso, mais ou menos representativas, mais ou menos capazes de se unirem e promoverem a unidade na esquerda social e política. Quando acedem ao poder, na obsessão de o conservarem, os partidos comunistas desenvolvem automaticamente mecanismos paranóicos de tipo elitista e securitário, degradam-se rapidamente na forma de seitas autoritárias incapazes de governarem sem os mecanismos de terror, procedendo a passagens identitárias da classe operária para o partido, depois do partido para a direcção, muitas vezes da direcção para o dirigente máximo, terminando em estados policiais suportando ditaduras e servindo ideologias conformistas e conservadoras, alérgicos à liberdade, à democracia e aos direitos humanos, odiando particularmente a ideia da independência sindical e das autonomias operárias. Como o demonstra todos os casos de poder comunista, os partidos comunistas, ao governarem, transformam-se em “agremiações de facínoras, criminosos e loucos” (para utilizar os termos do meu interpelante). Porque o movimento comunista internacional, desde os tempos do Komintern, juntou partidos nas duas fases do comunismo, tendo de gerir o paradoxo da referida bipolaridade, desenvolveu como componente fundamental da sua propaganda a duplicidade na comunicação quanto aos seus projectos e intenções. Assim, consoante os interesses imediatos (os “interesses do partido”, os quais induzem os comunistas a viverem em paz com a mentira política contumaz), caso a caso, ora são democratas ora viram revolucionários, são patriotas nos intervalos do internacionalismo, contribuem para a unidade quando não são sectários, antiburgueses quando não são defensores da pequena (por vezes, até da média) burguesia, libertários quando não são contraditados. No caso de partidos em pré-poder mas com uma forte marca histórica de laços de subordinação hierárquica aos focos dos antigos poderes comunistas governantes (sobretudo quanto à URSS), como é o caso do PCP, as duplicidades são constantes e gritantes, na medida em que as fidelidades antigas (e que marcam as gerações mais antigas de dirigentes e foram passadas à “nova vaga bolchevique” como tradição caracterizadora e enquanto componente tutelar da vigilância leninista-sobrenatual da alma penada, pontifícia e santa de Cunhal) entram constantemente em colisão com as formulações políticas sobre a situação política interna. Defensor extremo da acção sindical, das garantias democráticas, das mais amplas liberdades, o PCP quando exprime a sua síntese sobre a história do comunismo e fala sobre os últimos bastiões do comunismo ditatorial que sobrevivem, entra em deriva esquizofrénica e defende nos seus “amigos”, “irmãos” e “camaradas” no poder todas as práticas que são exactamente o contrário do que teoricamente diz defender para Portugal e os portugueses. Mostram, assim, que não são sinceros, portanto não são fiáveis. E o PCP é, no panorama político português, independentemente dos quadrantes sociais, políticos e ideológicos em que se situa e exerce a disputa eleitoral, o partido mais falso, mais mentiroso e mais dúplice. Capaz de defender, aqui, os sindicatos, as greves, os direitos e as regalias, enquanto defende os seus confrades que dirigem as formas estatais mais selvagens de capitalismo e da globalização, bem como formas grotescas e monárquicas de perpetuar tiranias. Até que, hipótese sempre em aberto, o PCP seja capaz de se regenerar, democratizando-se e libertando-se da sua matriz “soviética”, sendo evidente que pode morrer da cura.

Quando acedem ao poder, assim foi em todos os casos realmente praticados, os partidos comunistas, depois de recomposições classistas das sociedades e assegurado o seu controlo, instalam um Estado de natureza assistencialista em que se asseguram transversal e igualitariamente a satisfação de necessidades básicas da população (emprego, saúde, ensino, habitação), produzindo então a grande diferenciação da prática estatal comunista face às iniquidades e arbitrariedades capitalistas. Alcançado este estádio, enquanto a sociedade evolui para a concentração do poder num restrito núcleo dirigente e domínio todo poderoso do aparelho policial, degradam-se os padrões de qualidade de vida, a sociedade elitiza-se com predomínio de nomenklaturas, destrói-se o sindicalismo independente e a auto-organização operária, a política e a intervenção cívica ritualizam-se e formalizam-se. Para o poder comunista, um polícia e um delator passam a ser muito mais importantes que um quadro sindical ou um autarca. Os padrões de vida e de participação degradam-se ao nível vegetativo da sobrevivência, muitas vezes arrastando-se pela via da indigência. Não são, nunca foram, padrões atractivos para os trabalhadores vivendo no capitalismo desenvolvido. Não impuseram qualquer mudança fundamental nos direitos e nas regalias dos trabalhadores. Quando havia o "império socialista", eram os trabalhadores destes países que olhavam com admiração e inveja para o nível e condições de vida, bem como direitos e regalias, dos trabalhadores da Europa capitalista rica e não o contrário.

Já nas sociedades em que os partidos comunistas estão na fase de pré-poder, os seus militantes, normalmente dominando os aparelhos sindicais, mobilizando os trabalhadores para a resistência à regressão social imposta pelos capitalistas e impulsionando novos direitos e mais regalias, o que constitui o húmus da ligação do social ao político e portanto da penetração comunista nas suas classes-alvo, são dos paladinos mais acirrados e combativos dos direitos operários. E, aqui, nas sociedades capitalistas, os comunistas sempre foram factores fundamentais para se ter atingido o actual patamar de condições laborais e de vida pelos trabalhadores, pressionando a social-democracia para a sensibilidade social e tentando despegá-la da sua atracção para governar com a direita e dentro do sistema capitalista.

Se os trabalhadores portugueses conservarem a sua velha sabedoria de nunca permitirem que os comunistas passem do contra-poder para o poder, nunca baixando a guarda para evitarem o risco de um dia virem a considerar como muito benévolas - social e politicamente - as passadas décadas de fascismo, sabem que contam com o PCP como factor de progresso, em muitos dos aspectos da vida cultural, social e política. Além de que, para os mais ecléticos, a leitura das manifestações de internacionalismo mumificado e esquizofrénico regularmente difundido pelo “Avante” pode ser uma fonte lúdica semanalmente actualizada de diversão pelo absurdo e enquanto uma das originalidades portuguesas ao conservar em bem entrado século XXI uma relíquia doméstica do estalinismo serôdio que é o quinto partido do arco parlamentar e recolhe à volta de 8% (!) das preferências do eleitorado.

(publicado também aqui)

Boas Festas (2)

À bela reflexão de Natal — ou solstício, para falar como o meu libertário camarada Miguel Madeira — que acompanha o post de Boas Festas do Zé Neves, aqui acrescento, no mesmo espírito, como uma espécie de segundo cartão, estes excertos de um ensaio de Castoriadis que, noutro contexto, já aqui referi.

A armação das racionalizações e das justificações da 'ciência económica' ruiu sob os golpes dos melhores representantes dessa mesma 'ciência' ao longo da década 1930-1940 (Sraffa, Robinson, Chamberlin, Kahn, Keynes, Kalecki, Schackle e vários outros) […] A ['ciência económica'] nada tem a dizer sobre a repartição do rendimento nacional. Nunca poderá explicar, e menos ainda justificar, a diferenciação dos salários e dos rendimentos. Tem de reconhecer que não há, espontaneamente, equilíbrio macro-económico e pleno emprego sob o capitalismo. […] Pressupõe - como Marx - que é possível uma imputação rigorosa do produto aos diferentes "factores" e "unidades" de produção - quando essa ideia é estritamente desprovida de sentido, o que destrói toda a base para uma diferenciação dos rendimentos, que não seja a das situações adquiridas e das relações de força (que regulam, objectivamente, a actual repartição do e dos rendimentos).
[…]
Não é concebível que [uma sociedade autónoma] institua o autogoverno das colectividades […] e que o exclua nas colectividades de produção [… que exclua] a realização da democracia no domínio em que os indivíduos passam metade do tempo da sua vida desperta.
[…]
Devemos dizê-lo mais claramente ainda: o preço a pagar pela liberdade é a destruição do económico como valor central e, de facto, único. […] Quem pode crer que a destruição da Terra poderá continuar por mais um século ao ritmo actual? Quem não vê que essa destruição seria ainda mais acelerada se os países pobres se industrializassem? E que fará o regime quando deixar de poder conter as populações fornecendo-lhes constantemente novos gadgets?
Se o resto da humanidade tiver de sair da sua miséria insuportável, e se a humanidade inteira quiser sobreviver neste planeta num steady and sustainable state, será necessário aceitarmos uma gestão de bom pai de família dos recursos do planeta, um controle radical da tecnologia e da produção, uma vida frugal. […] para assentar as ideias, podemos dizer que já seria bastante bom que pudéssemos garantir 'indefinidamente' a todos os habitantes da Terra o 'nível de vida' dos países ricos em 1929.
O que pode ser imposto por um regime neofascista; mas pode ser também livremente feito pela colectividade humana, organizada democraticamente […] abolindo o papel monstruoso da economia como fim e voltando a pô-la no seu lugar adequado, de simples meio da vida humana. Independentemente de muitas outras considerações […], é nesta perspectiva, e como momento desta transformação de valores, que a igualdade dos salários e dos rendimentos surge como um aspecto essencial.

Cornelius Castoriadis, "Fait et à faire" [1989], em Fait et à faire. Les carrefours du labyrinthe V, Paris, Seuil, 1997.

E não se pode exterminá-los?

Que outra pergunta ocorrerá mais naturalmente a um espírito equilibrado - que o fatalismo económico não tenha ainda minado por completo - ao ler, de preferência na íntegra, este fulminante post da Andrea Peniche, do qual destaco aqui os primeiros considerandos?

Foi assim que, segundo o Tribunal de Contas, o Governo PS aplicou 2.2 mil milhões de euros para combater a crise: 61% para a banca, 36% para as empresas e 1% para o apoio ao emprego. Esta distribuição é tão justa e tem surtido tanto efeito que ainda o ano não acabou e já se anunciam mais 500 milhões de euros para continuar esse desígnio nacional de salvar o BPN. Na verdade, o BPN não deveria sequer ser colocado no mesmo saco dos outros bancos. Afinal, quando um banco nos custa cinco mil milhões de euros a gente acaba por se afeiçoar a ele. Além do mais, este é o banco em que Cavaco Silva nunca meteu um único dedo. E por isso disse de peito feito: «Nunca comprei nem vendi nada ao BPN». É a chamada verdade da mentira. Cavaco Silva nunca comprou nada ao BPN, mas o mesmo não se pode dizer relativamente à SLN, que por acaso até era proprietária do BPN e administrada pelo seu amigo e Conselheiro de Estado José Dias Loureiro. Mas isso são pormenores sem nenhuma importância nenhuma, assim como os 147.500 euros que realizou em mais valias. Há que ser esperto e saber vender a tempo. E deve ser motivo de orgulho ter um presidente esperto.

Boas Festas

A estupidez sociológica e a canalhice política do nacionalismo, que tanto nas suas formas mais doutrinárias como nos seus modos mais banais, da direita à esquerda e do telejornal à academia, não parou de acumular força nestes últimos tempos, essa estupidez e essa canalhice, dizia, dificilmente se revelam melhor do que nesta altura do ano. O actual estado do cavaquismo é, talvez, o que melhor representa uma e outra coisa. Se os intelectuais cavaquistas por um lado criticam o excesso de consumismo dos portugueses e repetem a lenga-lenga de que não se pode gastar o que não se tem (o que é tão verdade como só poder ser vendido o que se compra), por outro bajulam todas as iniciativas da caridadezinha e choram lágrimas (não me importa se de corcodilo se de passarinho) pela fome e pela pobreza que alastram.

E, já agora, em relação à crítica a esta onda de caridade que invade as agendas cavaquistas e as reportanges lamechas dos telejornais (de pronto compensadas por um austero comentário especialista de uns especialistas que são especialistas na especialidade de dizer que consumimos excessivamente), convém dizer que não se trata, aqui, neste post, de simplesmente contrapor elogios à superioridade (técnica e moral) da solidariedade do Estado providência. Não é por isso que julgo ser importante denegrir a piedade da Igreja ou das para-igrejas que por aí andam. Importa denegrir essa piedade religiosa porque ela procura substituir a fábrica de solidariedade do governo estatal por um cuidado artesanal com as almazinhas dos pobrezinhos, por certo, embora essa seja, sobretudo, uma preocupação dos nossos amigos dos Ladrões de Bicicletas, parece-me. Preocupação a que sou sensível mas que não esgota tudo o que há para fazer (e acho que os ladrões estarão de acordo a este respeito).

Mas antes de avançarmos, diga-se que não pretendo extremar a dita crítica a ponto de simplesmente entendê-la como hipocrisia e fenómeno do oculto. E não o pretendo não só porque não censuro as boas vontades dos activistas religiosos - para que saibam, aprendi a meter revistas em envelopes num centro paroquial e toda a gente sabe que um militante comunista precisa de saber meter revistas em envelopes - como porque todo e qualquer modo de governo paternalista não deixa, também ele, de reflectir o próprio poder de quem assim é governado. Um livrinho do senhor E.P.Thompson, que a Antígona traduziu há não muito tempo, é elucidativo a esse respeito. Por que importa então denegir a coisa? Para mostrar que há outros caminhos.

Da politização do conceito de sociedade-providência do Boaventura Sousa Santos à tradição cooperativista e mutualista, passando pela experiência conselhista ou pela história dos centros sociais, há muita coisa que faz caminho enquanto atacamos a piedade da Igreja e defendemos a solidariedade do Estado. Ou seja, trate-se de dar de comer a uns quantos, como faz a Igreja, de dar de comer e de ensinar a pescar a muitos, como pretende o Estado-providência, mas, antes de mais, de construir, já hoje, uma comunidade política de iguais (que só pode ser também uma comunidade económica de iguais). Nada menos simples, nada mais urgente.

E urgente será, então, começar a pensar no seguinte. Que luta contra a economia que temos é esta que dispensa (por dificuldades óbvias mas também por inércias silenciadas) os próprios desempregados? Ou que discurso de esquerda é este que, quando se trata de falar do rendimento garantido, se limita a dizer que as pessoas estão necessitadas, anulando de uma vez, em nome da solidariedadezinha social, a função simultaneamente económica e política de tal rendimento? E que conversa é a nossa que quando vemos confrontos políticos nas ruas de Atenas ou de Londres ou de Roma ou de Maputo nos limitamos a falar do desespero de quem se revolta e só depois tomamos (quando tomamos) partido? Nem pobrezinhos, nem necessitadoszinhos, nem desesperadinhos; nada dessas marginalizações, exotizações, precariedadezinhas; mas sim pessoas comuns que lutem. Imaginemo-las que vamos ver que já existem.

Olhando um dos lados da guerra civil de Espanha

A guerra civil de Espanha (1936-39) foi o conflito internacionalizado que mais incendiou as paixões ideológicas em todo o mundo. Para isso, contribuiu decisivamente o facto de, nesta guerra, a propaganda ter desempenhado uma importância idêntica à da metralha. O Komintern, acabada de inaugurar a fase frentista antifascista e sob a ameaça do nazismo alçado ao poder, superada a fase sectária do “social-fascismo”, vivia uma fase de pujança e tinha refinado o papel da agitação e propaganda como factor de mobilização de quadros e simpatizantes. O fascismo mostrava na Europa uma capacidade notável de expansão e o anticomunismo das burguesias (mesmo as instaladas em regimes capitalistas democráticos), assustadas com o Komintern, empurrava estas para o compromisso preferencial com os regimes de força reaccionários, incluindo os fascistas ou fascizados. Esta divisão dicotómica, polarizada por formidáveis máquinas profissionais de propaganda, provocou um dos grandes factores trágicos da guerra civil espanhola: - o bando combatente do lado da legitimidade democrática (numa ampla frente que incluía republicanos burgueses, nacionalistas bascos e catalães, socialistas, comunistas e anarquistas) viu-se, com as excepções honrosas do governo mexicano e nos primeiros meses da contenda pelo governo francês, apoiado exclusivamente pela União Soviética, a que acrescia o aspecto caricato de, no início da guerra, o PCE ser um partido de expressão muito reduzida e não participante no governo republicano. Enquanto os golpistas, mais tarde aglutinados à volta de Franco, contaram com o apoio substancial e decidido das potências fascistas (Alemanha, Itália e Portugal) e a condescendência das democracias (que, nitidamente, preferiam uma vitória de Franco a uma vitória da república espanhola tutelada militarmente pela URSS). Como consequência, enquanto se combatia nas cidades e nos campos, rios e serras de Espanha, morrendo-se e matando-se, o mundo inteiro foi agitado e motivado por uma formidável disputa propagandística e ideológica, com separação contrastante entre “bons” e “maus”. O antifascismo só repetiria esta orgia propagandística e de recrutamento no final da segunda guerra mundial – a partir de 1943 - com a ofensiva de Exército Vermelho em Estalinegrado e após este ponto de reviravolta na balança bélica e quando seria reeditada a vaga de propaganda antifascista dirigida pelo movimento comunista internacional activada entre 1936 e 1939 à volta de Espanha (como se a "amizade germano-soviética" não tivesse existido e imperado entre 1939 e 1941 e, nos anos 30, Estaline não tivesse assassinado e prendido muitos mais comunistas que Hitler e todos os seus comparsas fascistas). O que não evitou que Espanha tivesse de esperar por 1975 para, pela morte de Franco na cama, retornar à democracia.

A intervenção da URSS e do Komintern em Espanha, abstraindo-se os aspectos épicos e românticos da mobilização antifascista, foi importante (pese embora ter sido limitada face às necessidades, insuficiente para contrabalançar os contributos bélicos de alemães e italianos e ter sido paga até à última peseta em ouro espanhol) e um acumular de absurdos. Importante porque a URSS foi o único fornecedor de material de guerra e especialistas militares ao lado republicano (para além do apoio modesto e longínquo do México) e, através do Komintern, o mobilizador dos brigadistas recrutados pelos comunistas de todos os países e o motor da agitação das opiniões públicas a favor da república espanhola mas como forma disfarçada de alargar a influência comunista (inclusivamente, funcionou também para suportar o enorme aparelho soviético de espionagem, sobretudo em Inglaterra e nos Estados Unidos). Sem este apoio, a República teria caído logo em 1936. Mas todo o apoio de Estaline a Espanha foi também (inevitavelmente?) uma demonstração dos absurdos perversos do regime paranóico comunista então sediado em Moscovo: - enquanto a democracia e o comunismo se batiam em Espanha contra o fascismo, Estaline decapitava o partido comunista soviético dos seus dirigentes leninistas e assassinava em massa dezenas de milhar de comunistas da base até ao topo; - Estaline transportou para a arena espanhola a sua paranóia securitária, dirigindo-a para a perseguição de anarquistas e trotsquistas espanhóis pela NKVD; - terminada a guerra civil em Espanha, com a derrota de Abril de 1939, Estaline fê-la seguir, ainda no mesmo ano da derrota, da assinatura do pacto germano-soviético (!) e da colaboração com a Alemanha na invasão repartida da Polónia, juntando-se aos nazis nos actos inaugurais da segunda guerra mundial; - enquanto se aliava aos nazis e com eles repartia a Polónia, Estaline ordenou a liquidação da maioria dos soviéticos que haviam estado em Espanha (diplomatas, propagandistas, generais, agentes de segurança) contra o nazi-fascismo, bem como dos comunistas de outras nacionalidades que se haviam refugiado na URSS (casos houve de comunistas alemães que transitaram do Gulag para campos de concentração nazi, por colaboração entre a NKVD e a Gestapo); - sempre utilitário, Estaline recrutou em Espanha o agente (o catalão Ramón Mercador) que iria, a seu mando, assassinar Trotski no México. E apesar do profundo envolvimento da URSS, do Komintern e de Estaline em pessoa nos mais variados aspectos da guerra e da governação republicana, quer nos seus aspectos mais heróicos como nos mais sujos e criminosos, o que lhes granjeou uma extraordinária influência, além do crescimento significativo da expressão do PCE, a "linha política" foi sempre de contenção na estratégia de conquista de poder por parte do comunismo espanhol, preferindo-se a condução profissional e disciplinada dos assuntos de guerra e a aliança frentista que suportava o poder republicano, combatendo o radicalismo impaciente, exigindo transformações sociais profundas e aceleração político-revolucionária, sobretudo impulsionado pelos anarquistas. Uma "linha" que Estaline corrigiria com afinco, quanto à "moderação espanhola", quando se repetissem as circunstâncias nos países europeus satelitizados pelo Exército Vermelho no final de segunda guerra mundial.

Os dramas, as intensidades e os absurdos gerados na e pela guerra civil de Espanha, deixaram um legado de continuidade do debate apaixonado sobre as partes e as causas. Daí que este conflito tenha gerado uma imensa bibliografia e provocado intermináveis debates e tomadas de posição. Que está muito longe de chegar ao seu termo. Pela riqueza dos factos e pela multiplicidade das paixões mas, também e sobretudo, pela quantidade impressionante de mitos difundidos para alimento das propagandas das partes e depois como consequência destas. Entretanto, com o assentar da poeira e o ganho da distância, bem como os factos estabilizadores trazidos pela renormalização democrática em Espanha, os historiadores continuam a ter enormes desafios pela frente: contarem a guerra baseando-se nos factos, desmontarem os mitos e a propaganda. Sabendo que aqueles e esta estão enterrados no chão de convicções conflituantes que atravessam várias gerações (e que sobrevive nos tempos actuais com a paixão de uma polémica dos tempos actuais). E aqui, naturalmente, ganha relevo o acesso a novas fontes ou fontes anteriormente interditas á consulta e à investigação. O historiador Stanley G. Payne (um reputado especialista em temas sobre Espanha), tendo tido acesso a arquivos soviéticos, tentou uma clarificação sobre a intervenção da URSS e dos comunistas (espanhóis e do Komintern) na guerra civil de Espanha e que, a nosso ver, resultou plenamente por desembocar numa sistematização interessante e que tardava sobre este aspecto fundamental acerca da guerra mais ideológica do século XX. Razão suficiente para recomendar vivamente a leitura da sua edição portuguesa (*).

(*) – “A Guerra Civil de Espanha, a União Soviética e o Comunismo”, Stanley G. Payne, Editora Ulisseia.

(publicado também aqui)

Com assinatura?



Ó Luís, o gajo atacou outra vez. Pelo visto, tem assinatura para escrever todos os dias baboseiras à volta do imaginado palacete do Medina Carreira.

homo seditiosus..

A não deixar de se ler o post oportuno do Rui Bebiano em que se sublinha:

Combate-se nas ruas como Robin Wood e os seus se batiam nos arrabaldes de Nottingham, como um Zorro ficcional lutava em nome dos fracos e dos oprimidos: procurando mitigar a injustiça e exercendo por vezes o direito de vendetta. Sigo ainda Belpoliti: «Devemos preparar-nos para viver uma época diferente daquela que marcou a vida dos nossos pais e dos nossos avós, uma época que não possui um sentido único, ou pelo menos um destino preestabelecido.» Neste tempo, o homo seditiosus, o homem sublevado, apresenta-se como o campeão de uma humanidade que desce à rua. Hoje, mas igualmente amanhã, e depois de amanhã, para realizar «uma arte sem obra» determinada pelo direito à resistência. Uma perspectiva sobre a qual vale a pena ir meditando nos intervalos da acção.

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Quando Aconteceu uma "manobra contra-revolucionária"

Há quem, passe o tempo que passar, não altere uma vírgula nas observações dogmatizadas sobre a realidade nem na sua catalogação na memória. São os estereotipados que tratam os tiques como estimação sectária, a que chamam, exercitando a auto-estima, firmeza e coerência. Os mais radicais entre estes, os cultivadores do congelamento histórico, não mexem sequer nos meneios da “linguagem de madeira” petrificada enquanto comunicação inter-partidária. Repare-se como passados trinta e cinco anos sobre o triste e célebre episódio do saneamento de jornalistas perpetrado pela direcção de Luís de Barros / José Saramago (e de que este último, pelo menos, se viria a envergonhar e disso dar público testemunho) no “Diário de Notícias” de então, Correia da Fonseca caracteriza (hoje!) o episódio a partir da sua tribuna no “Avante” a propósito do falecimento do jornalista Carlos Pinto Coelho:

Do Diário de Notícias [Carlos Pinto Coelho] foi demitido depois do 11 de Março de 75 por se ter deixado envolver numa manobra contra-revolucionária executada contra o próprio jornal por um grupo de jornalistas desagradados da própria Revolução.

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O Avante como porta-voz do pacifismo da dinastia Kim, a bernardinamente democrática

No texto publicado na íntegra pelo portal vermelho.org, a RPDC esclarece que os norte-americanos colocam todo o tipo de obstáculos e condições «transformando em ilusão as iniciativas de diálogo» e fomentando «o clima bélico». O governo norte-coreano diz que tal impede o país de se concentrar na reconstrução económica do território.

Para Pyongyang, acrescem as «intrigas» e a imputação de responsabilidades à Coreia do Norte, nomeadamente em relação à suspensão do diálogo por alegada violação dos acordos internacionais e acções provocatórias, o que, argumentam, não é verdade.

Foram os EUA quem deslocou material de guerra para a Coreia do Sul, incluindo armas nucleares, «violando flagrantemente o Acordo de Armistício»; quem não implementou a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas que ordena a substituição do armistício por um tratado de paz; quem inviabilizou os textos subscritos pelas partes em 1993, 1994, 2000 e 2005, esclarecem.

Acresce, segundo a RPDC, que os sucessivos governos norte-americanos questionam sem qualquer fundamento o programa nuclear norte-coreano, o qual, insiste Pyongyang, tem fins pacíficos. Tal só adensa o clima de desconfiança e ameaça, para além de ir contra o direito internacionalmente reconhecido de qualquer país desenvolver capacidade nuclear para produção de energia.

«Todos estes factos mostram claramente quem quer o diálogo e a paz e quem deseja a confrontação e o clima de guerra na península coreana. Partindo do desejo de prevenir a guerra e conseguir a desnuclearização da Península Coreana, apoiamos todas as iniciativas de diálogo, inclusive as conversações, mas nunca a mendigaremos», conclui o documento.

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Da nostalgia outubrista de um súbdito de Ceauscescu que omite os crimes cometidos pelos seus

Aurélio Santos, no “Avante”:

Erros, insucessos e derrotas no projecto revolucionário de Outubro não podem fazer esquecer os muitos êxitos alcançados - económicos, sociais, culturais, nacionais - nem a influência decisiva que exerceram no mundo, na consciência social dos povos, no progresso da sociedade humana.

O legado de Outubro confere também maior validade e projecção às lutas deste final de 2010, contra a regressão que o capitalismo quer impôr ao mundo.

E dá-nos âncoras para descobrir não só o que para nós restou mas sim tudo o que para nós ficou, como avanços civilizacionais da nossa época.

O futuro, podem todos estar certos, terá de passar por Outubro: SOS, Outubro!

Tratando-se de um revolucionário-funcionário profissional muitos anos albergado na Roménia do tempo de Ceauscescu, tendo lá trabalhado com rádios e microfones, entende-se na perfeição esta forma nostálgica de lançar SOS através das “ondas” da “imprensa proletária”. Que não esconde uma parcimónia de monta, para mais em quem conheceu por dentro o “socialismo real” e, portanto, o “legado de Outubro” enquanto exercício de poder. É que, repare-se, Aurélio Santos fala de “erros, insucessos e derrotas” cometidos pelas décadas de poder comunista. Mas, com a cumplicidade da omissão camarada, nunca refere "crimes", os crimes a mando das direcções dos partidos comunistas no poder (e foram tantos, aos milhões). Incluindo os cometidos contra as centenas de milhar de camaradas seus, comunistas também mas comunistas desgraçados porque caídos em desgraça perante os tiranos da seita. É obra.

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22/12/10

O proletariado segundo João Miranda

«Entre um trabalhador que custa 500€ e uma máquina com a mesma produtividade que custa 499€, os empresários tenderão a escolher a máquina. Basta que o salário mínimo aumente acima do custo de um meio de produção alternativo para começar a gerar desemprego.»
Na cabeça deste liberal desenfreado, os trabalhadores pouco qualificados são todos substituíveis por máquinas. Os que ainda mantêm empregos devem-no ao facto de os seus salários saírem mais baratos do que o leasing de um aparelhómetro qualquer. Dir-se-ia que este post também foi escrito por um gerador automático de baboseiras, mas enfim.
Faz-me lembrar uma história de há uns anos: um empresário indiano tinha-se lembrado de substituir operários na sua linha de montagem por macacos treinados – causando grande agitação social lá no burgo. Por cá, ao preço a que a fruta anda, não tarda até esta solução saia mais cara do que pagar ordenados mínimos.