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A intervenção da URSS e do Komintern em Espanha, abstraindo-se os aspectos épicos e românticos da mobilização antifascista, foi importante (pese embora ter sido limitada face às necessidades, insuficiente para contrabalançar os contributos bélicos de alemães e italianos e ter sido paga até à última peseta em ouro espanhol) e um acumular de absurdos. Importante porque a URSS foi o único fornecedor de material de guerra e especialistas militares ao lado republicano (para além do apoio modesto e longínquo do México) e, através do Komintern, o mobilizador dos brigadistas recrutados pelos comunistas de todos os países e o motor da agitação das opiniões públicas a favor da república espanhola mas como forma disfarçada de alargar a influência comunista (inclusivamente, funcionou também para suportar o enorme aparelho soviético de espionagem, sobretudo em Inglaterra e nos Estados Unidos). Sem este apoio, a República teria caído logo em 1936. Mas todo o apoio de Estaline a Espanha foi também (inevitavelmente?) uma demonstração dos absurdos perversos do regime paranóico comunista então sediado em Moscovo: - enquanto a democracia e o comunismo se batiam em Espanha contra o fascismo, Estaline decapitava o partido comunista soviético dos seus dirigentes leninistas e assassinava em massa dezenas de milhar de comunistas da base até ao topo; - Estaline transportou para a arena espanhola a sua paranóia securitária, dirigindo-a para a perseguição de anarquistas e trotsquistas espanhóis pela NKVD; - terminada a guerra civil em Espanha, com a derrota de Abril de 1939, Estaline fê-la seguir, ainda no mesmo ano da derrota, da assinatura do pacto germano-soviético (!) e da colaboração com a Alemanha na invasão repartida da Polónia, juntando-se aos nazis nos actos inaugurais da segunda guerra mundial; - enquanto se aliava aos nazis e com eles repartia a Polónia, Estaline ordenou a liquidação da maioria dos soviéticos que haviam estado em Espanha (diplomatas, propagandistas, generais, agentes de segurança) contra o nazi-fascismo, bem como dos comunistas de outras nacionalidades que se haviam refugiado na URSS (casos houve de comunistas alemães que transitaram do Gulag para campos de concentração nazi, por colaboração entre a NKVD e a Gestapo); - sempre utilitário, Estaline recrutou em Espanha o agente (o catalão Ramón Mercador) que iria, a seu mando, assassinar Trotski no México. E apesar do profundo envolvimento da URSS, do Komintern e de Estaline em pessoa nos mais variados aspectos da guerra e da governação republicana, quer nos seus aspectos mais heróicos como nos mais sujos e criminosos, o que lhes granjeou uma extraordinária influência, além do crescimento significativo da expressão do PCE, a "linha política" foi sempre de contenção na estratégia de conquista de poder por parte do comunismo espanhol, preferindo-se a condução profissional e disciplinada dos assuntos de guerra e a aliança frentista que suportava o poder republicano, combatendo o radicalismo impaciente, exigindo transformações sociais profundas e aceleração político-revolucionária, sobretudo impulsionado pelos anarquistas. Uma "linha" que Estaline corrigiria com afinco, quanto à "moderação espanhola", quando se repetissem as circunstâncias nos países europeus satelitizados pelo Exército Vermelho no final de segunda guerra mundial.
Os dramas, as intensidades e os absurdos gerados na e pela guerra civil de Espanha, deixaram um legado de continuidade do debate apaixonado sobre as partes e as causas. Daí que este conflito tenha gerado uma imensa bibliografia e provocado intermináveis debates e tomadas de posição. Que está muito longe de chegar ao seu termo. Pela riqueza dos factos e pela multiplicidade das paixões mas, também e sobretudo, pela quantidade impressionante de mitos difundidos para alimento das propagandas das partes e depois como consequência destas. Entretanto, com o assentar da poeira e o ganho da distância, bem como os factos estabilizadores trazidos pela renormalização democrática em Espanha, os historiadores continuam a ter enormes desafios pela frente: contarem a guerra baseando-se nos factos, desmontarem os mitos e a propaganda. Sabendo que aqueles e esta estão enterrados no chão de convicções conflituantes que atravessam várias gerações (e que sobrevive nos tempos actuais com a paixão de uma polémica dos tempos actuais). E aqui, naturalmen
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(*) – “A Guerra Civil de Espanha, a União Soviética e o Comunismo”, Stanley G. Payne, Editora Ulisseia.
(publicado também aqui)
1 comentários:
O Komintern, acabada de inaugurar a fase frentista antifascista e sob a ameaça do nazismo alçado ao poder, superada a fase sectária do “social-fascismo”(...)
Depois de ler isto tenho que dar um salto ao E Deus Criou a Mulher, ou pegar no meu trabalho.
A ciência é bela, as mulheres são belas, a política é o esgoto mais fedorento ao cimo da Terra.
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