30/11/11

Os guerrilheiros desiludidos do Nepal

Michèle Bernard: Je t'attendais ainsi qu'on attend les navires



Je t'attendais ainsi qu'on attend les navires
Dans les années de sécheresse, quand le blé
Ne monte pas plus haut qu'une oreille dans l'herbe
Qui écoute apeurée la grande voix du temps

Je t'attendais, et tous les quais, toutes les routes
Ont retenti du pas brûlant qui s'en allait
Vers toi que je portais déjà sur mes épaules
Comme une douce pluie qui ne sèche jamais

Tu ne remuais encore que par quelques paupières,
Quelques pattes d'oiseaux dans les vitres gelées
Je ne voyais en toi que cette solitude
Qui posait ses deux mains de feuilles sur mon cou

Et pourtant c'était toi, dans le clair de ma vie
Ce grand tapage matinal qui m'éveillait
Tous mes oiseaux, tous mes vaisseaux, tous mes pays
Ces astres, ces milliers d'astres qui se levaient

Ah, que tu parlais bien quand toutes les fenêtres
Pétillaient dans le soir, ainsi qu'un vin nouveau,
Quand les portes s'ouvraient sur des villes légères
Où nous allions tous deux, enlacés, par les rues

Tu venais de si loin derrière ton visage
Que je ne savais plus à chaque battement
Si mon cœur durerait jusqu'au temps de toi-même
Où tu serais en moi, plus forte que mon sang

René-Guy Cadou
(Piano Voix, 2008)

29/11/11

Perguntas sobre violência policial

Algumas perguntas sobre os tempos que correm:

1 - O facto de vários jornalistas terem reportado uma situação em que o tribunal teria deixado em liberdade um perigoso terrotista procurado pela Interpol diz-nos o quê sobre o estado do jornalismo?

2- Por que razão falam os jornalistas de "alegada violência policial" a propósito dos acontecimentos do dia da greve geral? Qual a razão do alegada? A própria polícia diz que teve que recorrer ao uso da força aqui e ali. Polícia não é contrário de violência, mas de monopólio da violência.

3 - A censura recomendada por João Duque à RTP Internacional também se aplica à RTP nacional? Por que razão não mostram as imagens que têm dos acontecimentos do dia 24 de Outubro?

4 - Por que razão ninguém pede a demissão de José Manuel Anes? Diz ele hoje em declarações à TSF e à rádio que a política deve respeitar a lei mas ser eficaz. Este "mas" é todo um programa. E é vergonhoso que alguém que entende que a lei é um travão à eficácia (e não condição da eficácia e definição do que é e não é eficácia) ocupe a posição que ocupe.

27/11/11

Couves e ruminantes

O Daniel Oliveira acordou muito preocupado com a capa imbecil que o "i" fez sair no dia da greve geral. Para caracterizar o jornal como "folha de couve", ele trata de recorrer ao ponto de vista que lhe é mais natural: o do seu umbigo. Vai daí, importa salientar não a isenção, rigor ou qualidade de conteúdos informativos, mas sim o facto de ali os colunistas escreverem à borla. 
Compreende-se a aflição: se pega a moda de não dar grande valor a uns comentários mais ou menos bem alinhavados mas que na sua maioria não passam de homólogos de anódinas conversas de café... ainda se acaba o ganha-pão ao mais verborreico dos nossos opinadores a metro. 
E o conhecimento do que é uma folha de couve é natural em quem se limita, semana após semana, a mastigar lugares-comuns e ruminar de forma inofensiva e sem surpresas a vulgata certinha de uma certa esquerda bem comportada, incapaz de sair das suas baias mentais. Quanto pagaria eu por semelhante serviço? "Nada" parecer-me-ia uma verba justa. 
Há uma atenuante: servir de enfeite "esquerdalhudo" a um grupo empresarial é tarefa dura, a exigir  boa compensação. Não deve ser fácil para o denunciante Daniel fazer vista grossa a minudências como vermos a "sua" SIC Notícias a descrever agressões de polícias a uma mulher com uma pérola do calibre de "por vezes a distância entre provocação e vitimização é extremamente curta". Mas, desde que os colunistas por ali sejam bem pagos, coisas assim até podem parecer perfeitamente aceitáveis.

26/11/11

Segundo revelaram os jornais e as autoridades políciais, a maioria dos membros da Troïka que foram detidos durante a manifestão de apoio às medidas de austeridade são de nacionalidade estrangeira.



 A PSP já anunciou a abertura de um inquérito interno de

Infiltrado

É certo que há infiltrados nos movimentos. Infiltrados da polícia e infiltrados de movimentos fascistas. Sobretudo os primeiros, é certo que há. Mas sobre isso vale a pena estar atento, ter cuidados, etc., mas não entrar em pânico e histeria. Porque a consequência é gerar uma cultura de desconfiança em relação a tudo e todos que não tem fim. O equilíbrio entre cautela e descontração foi algo que vários movimentos em condições de clandestinidade souberam cultivar. No actual contexto, não pode ser mais difícil.

25/11/11

Será que a greve o incomodou?...



Quando o rosto do Poder nos diz que o seu governo "respeita escrupulosamente o direito à greve", ficamos com a certeza que a greve (geral), a propósito da qual tal afirmação foi feita, pouco incomodou esse Poder. Parece óbvio, mas talvez valha a pena relembrar tendo em conta as afirmações destes senhores: o êxito duma greve não se mede em número de grevistas, mas sim até que ponto conseguiu impedir que sejam postas em prática as políticas que pretende contestar. Esperemos que as próximas movimentações sociais mereçam menos condescendência por parte do Poder. Será sinal da sua eficácia.

A Demonização da Classe Operária

Hoje, uma conversa imperdível!, com Owen Jones, na Livraria Pó dos Livros.
Mais info aqui.

Vontade de Não Trabalhar

o meu texto no i de ontem, dia de greve geral



A maior parte dos trabalhadores não trabalha. Alguns ficam a arrumar casa, outros aproveitam para passear. E não falta quem se reúna em assembleias e manifestações.




Um dia assim é uma oportunidade rara. Em primeiro lugar é uma oportunidade para perdermos a vergonha de dizer que não gostamos de trabalhar. O trabalho é uma fonte de infelicidade. Obriga a imensa maioria a fazer o que não quer e impede-a de fazer o que quer. Às críticas de que os trabalhadores grevistas serão objecto pela hora do telejornal, avisando-nos que é tempo de metermos mãos à obra e que os portugueses deveriam trabalhar mais e não menos, deveremos responder quer com a violência necessária para fazer ouvir que não é verdade que trabalhemos pouco, quer com a clareza que afirme que trabalhamos mas não por vontade própria. Não devemos nunca deixar de frisar este segundo ponto. Porque se a escravatura acabou, o trabalho continua a ser forçado. Trabalhamos porque não temos outra alternativa. Possamos ir buscar os géneros onde os houver – que os há – e não trabalharemos.



Dir-me-ão que exagero na crítica do trabalho. Que existem muitos trabalhos que não são forçados. Existem, por certo, trabalhos que não são forçados. Não só não o nego como confesso pertencer a um grupo profissional que bem merece o que Karl Marx designou por “trabalhos agradáveis”. Ocupo os meus dias de trabalho entre aulas na universidade e investigação em biblioteca, tendo ainda a sorte de poder ensinar e investigar os temas que mais me interessam. Mas sei bem que não é assim com a esmagadora maioria dos meus concidadãos. A maioria de nós vende a sua força de trabalho apenas e só porque precisa de dinheiro para viver.



Creio que foi Diego Armando Maradona, esse mesmo, quem um dia disse que os futebolistas eram privilegiados e que a prova estava no facto de, caso não recebessem moeda em troca, ainda assim continuariam a reunir-se aos domingos para jogarem à bola. Esta lição maradoniana, com a sua simples distinção entre um “bem” e uma “mercadoria”, esta tendo como finalidade a comercialização, aquele tendo-se a si próprio como fim, é hoje fundamental. À beira do abismo, a hora é mais que certa para começar a construir politicamente uma nova comunidade económica, em que o bem impere sobre a mercadoria, tendo a vontade de não trabalhar como uma das suas condições fundamentais.



Tamanho desafio há mais de um século que foi lançado e nós rapidamente, demasiado rapidamente, eu diria, arrumámo-lo na gaveta das utopias. Sobretudo, acreditámos que a vontade de não trabalhar implicava o fim da economia, quando na verdade implica apenas o fim desta economia em que a democracia serve para tudo menos para formular respostas às questões mais importantes: quem produz, como se produz, para quem se produz, de quem é o olival, o que é a propriedade.


Estas foram questões que a crítica feminista da economia recolocou recentemente em cima da mesa. Foi no dia em que uma mulher chegou a uma casa e disse a um homem que hoje não tinha feito o jantar. Nesse momento, o homem atirou a louça ao chão, todos os alarmes soaram e ainda rebateram os sinos das igrejas, anunciando que o fim estava próximo, que a idade da fome regressava, que sem comida feita era a própria possibilidade de repartir o que fosse que se desvanecia. O desafio que colocamos só pode estar á altura do que foi colocado por aquela primeira feminista. Não estarmos dispostos a construir uma comunidade económica que tenha a escravatura como mínimo aceitável. Não escolhermos entre morrer à fome ou ser escravos enquanto não forem retalhadas todas as barrigas de todos os senhores. Não optar entre precariedade ou desemprego e não aceitar, de igual modo, a chantagem de quem nos diz que mais vale um emprego de que não se goste a não ter emprego nenhum. Não construir as cidades para os outros.

24/11/11

Sobre um post do Paulo Granjo

Discordo deste post do Paulo Granjo. Uma Greve Geral não tem donos. É aliás por isso que se diz geral. Eu fiz greve e a greve que eu fiz não foi "feita" pela CGTP mas com a CGTP. Tenho bastante respeito por muitas componentes do trabalho da CGTP, mas é um respeito de igual para igual, não de ovelha para pastor. A greve pode ser convocada pelo Manuel Carvalho da Silva, pela direcção nacional da CGTP, por quem for. Mas é de todos os que a fazem. Já há demasiadas coisas que têm dono, não é preciso inventarmos mais uma. Dizer, como faz o Paulo, que pessoas ou que grupos andam às cavalitas do movimento sindical por participarem numa manifestação convocada pela CGTP sem porém subordinarem a sua conduta aos termos impostos pelo serviço de ordem da CGTP (um corpo cuja legitimidade não foi caucionada por ninguém, talvez até nem pela própria direcção da CGTP, e cuja única caução democrática é a que resulta de trabalhar com a polícia...) é tão descabido como dizer que a CGTP, ao convocar uma greve geral, anda às cavalitas das dificuldades e do descontentamento da população portuguesa. Acabo, aliás, de ouvir na televisão as declarações de Carvalho da Silva e de João Proença sobre os pequenos confrontos em frente à AR. João Proença exprimiu uma opinião muito parecida à que é defendida pelo Paulo. Carvalho da Silva disse que os confrontos foram depois do comício da CGTP ter terminado mas logo acrescentou que o governo tem que ter noção de que as medidas que está a tomar geram um aumento de intolerância. Dir-se-ia, seguindo a lógica do Paulo, que o Manuel Carvalho da Silva estava a encavalitar-se nos confrontos para zurzir no governo... Concluindo, encavalitemo-nos à vontade, com diferenças de método, de estratégia, discutindo-as, aliando-nos aqui mas não ali, e por aí fora; mas sem argumentos de autoridade nem sentimento de posse. A greve geral não tem nem dono nem autor.

Quando os governos faziam greve, tinha muito mais graça...

Ataques a anarquistas podem ter vindo das finanças

Não, espera é ao contrário....

À atenção do professor Mamadu

Uma amiga minha usa as suas excursões à Baixa de Lisboa como barómetro socioeconómico. E assevera que a “rua” anda a emitir maus agouros: já nem droga se tenta vender por ali, apenas anéis roubados. O ouro, tradicional valor de refúgio, conseguiu destronar até os psicotrópicos no mercado das ofertas ilegais. 
Como bom sociólogo diletante, também tenho as minhas fontes: os panfletos dos videntes. Colecciono os papéis manhosos que recebo à saída do metro, aguardando que ali se cristalizem tendências, rumos futuros de valores bolsistas, sei lá. Não riam – ao preço actual das perdizes, quem poderá dedicar-se seriamente à aruspicação? Mas até este oráculo anda em crise. Continuo a ler estafadas promessas de cura para “doenças espirituais”, “frieza sexual” e maleitas quejandas. 
Um “Grande Médium Vidente” a sério teria um reclamo mais actual. Algo como “Afaste a maldição da troika. Recupere os subsídios fugitivos. Desvie o espectro do despedimento para o colega do lado. Fuja do azar ao jogo da bolsa, do mau-olhado das Finanças e da maldição dos governos de medíocres”. 
É que faz falta uma qualquer forma de influenciarmos o nosso futuro. O voto já deu o pouco que tinha a dar: o governo segue as deixas de uns funcionários estrangeiros e exigir acção à malta eleita é o mesmo que decidir espremer uma pedra até que dela jorre vinho. A greve geral, abarcando sobretudo funcionários públicos, ainda é capaz de poupar dinheiro ao Estado. 
Se até o sobrenatural nos falha, estamos bem tramados. 
 
Também publicado aqui.

Greve exemplar



Há pouco mais de um século, com início a 18 de Novembro de 1918, teve lugar uma das mais importantes greves gerais que já ocorreram em Portugal. Essa greve foi convocada não apenas para protestar contra o governo de então, liderado por Sidónio Pais, mas para conseguir, se não a reversão das políticas até então seguidas, então a queda do próprio governo. Não sendo assim concebível o seu término voluntário sem que esses objectivos fossem atingidos. E por isso durou mais de uma semana, até ter sido brutalmente esmagada pelo regime. Obviamente, não se limitou a um apelo ao não-trabalho, integrando manifestações, ocupações e acções de desobediência civil, com o intuito de paralisar a economia e demonstrar a indispensabilidade do trabalho assalariado na sustentação do Estado e na reprodução do Capital. Temos muito a (re-)aprender com essa notável e corajosa mobilização de trabalhadores.

‎"If I can't dance I don't want to be in your revolution"

23/11/11

Euro imperial

O Alexandre Abreu escreveu um texto muito interessante, onde procura demonstrar que o euro foi construído como instrumento de domínio e expansão da oligarquia financeira sediada nos países do centro da Europa. Sob este ponto de vista, o entusiasmo de certa Esquerda com o surgimento do euro, do qual era esperado substituir o dólar como moeda-referência internacional e assim sabotar o financiamento da economia dos EUA, revela-se como uma grande ingenuidade.

Um poema de Ruy Belo

Morte ao meio-dia

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

Que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

Ruy Belo, Boca Bilingue, 1966

Coisas simples [numa palavra, democracia]



What gives you the right to dictate to the Greek and Italian people?

22/11/11

Um post do Júlio Henriques: Do sistema prostitucional

Por dificuldades técnicas, não é possível ao Júlio Henriques publicar directamente este post no Vias cuja tripulação doravante integra, para grande proveito dos restantes factual-viandantes e seus amigos, conforme anunciámos há semanas que viria a acontecer.


Do sistema prostitucional

«Quando a última árvore for cortada, o último rio for envenenado e o último peixe for pescado, sabereis então que o dinheiro não é comestível.» (Provérbio dos Cree, índios do Canadá)

Não é fácil nem simples abordar os problemas levantados pela prostituição sexual. Mas esta, pelas cintilações simbólicas que faz incidir sobre as relações salariais num mundo que pretende reduzir-se a um único denominador comum (o dinheiro), pode ser a lupa através da qual se vê melhor todo o sistema prostitucional.
Num livro recentemente editado pela Almedina (Andar na Vida – Prostituição de Rua e Reacção Social, de Alexandra Oliveira), reitera-se mais uma vez, a partir da perspectiva da inevitabilidade da prostituição sexual, a ideia de que esta constitui um trabalho como outro qualquer. Esta posição, invariavelmente exposta como um pragmatismo lúcido e humanista, corresponde à assunção ideológica do statu quo nesta modalidade de relações sexuais e, através dele, de toda a prostituição inerente ao sistema político e económico vigente. (Não esquecer que um dos grandes lemas actuais deste tão civilizado sistema é o famoso «Saiba vender-se», já objecto de manuais de gestão para a coisa ser apreendida em toda a sua aplicabilidade.)
Aceitando-se que a prostituição sexual é um trabalho como outro qualquer, isso tende a significar que no regime mercantil qualquer trabalho é uma prostituição. Seria uma proposição estimulante, a remeter-nos para o que de mais avançado o movimento operário radical formulou nos anos 70, mas os defensores da banalização da prostituição sexual não extraem da sua postura esta ilação lógica, constatável na prática de diversas actividades de carácter mercenário, tais como a publicidade comercial já integrada organicamente na propaganda política mais moderna, que a mercadoria exprime em discurso directo. E não tiram essa ilação porque admitir a fatalidade de relações sexuais prostituídas (com um sempre concomitante aggiornamento legal) se apresenta hoje como um prolongamento ideológico da impossibilidade (imaginária) de abolição do salariato, ou seja, como a continuidade do nebuloso magma doutrinário segundo o qual entre os seres humanos só podem vigorar (realisticamente) relações capitalistas.
Da defesa (contrafeita?) da prostituição sexual – perspectivando-lhe sempre um quadro melhorado, com dignificação de estatuto e melhores condições de trabalho) – decorre necessariamente que ela seja encarada como uma profissão normal e certificada. Ora, assim sendo, esta deverá ser alvo, na sua particular dinâmica, dos trâmites comuns à generalidade das profissões: enquadramento legal e ensino – e portanto escolas, cursos, diplomas, estágios. E, tal como em relação às outras profissões, objecto de promoção junto dos jovens como mais uma carreira de futuro.
Isto, que pode parecer absurdo, já começou a deixar de o ser. E é sem dúvida por isso que a posição política pragmática em defesa da prostituição sexual se tem tornado tão operante e legitimada em múltiplos estudos levados a cabo por universitários na Europa, nas Américas e noutras paragens, estudos de que o livro de Alexandra Oliveira é um bom exemplo. A tal ponto que até pode parecer ser esta, nos nossos dias, a única posição possível e defensável.
Quando referem a problemática da abolição da prostituição sexual, os autores a que aludo (sobretudo sociólogos e psicólogos) declaram que esta é defendida por sectores reaccionários ou ultrapassados, a que chamam «moralistas», mas não sublinham o facto de haver sectores, nomeadamente associações e colectivos envolvidos desde há muito na defesa das prostitutas ou dos prostitutos (como o Nid, movimento criado em França nos anos 30, que evoluiu de posições cristãs para posições feministas não religiosas), que lutam pela abolição da prostituição tal como no passado houve movimentos que lutaram pela abolição da escravatura – num tempo em que esta também parecia inevitável e inamovível. Do ponto de vista libertário, a abolição da prostituição sexual impõe-se com a mesma exigência ética e política que qualquer outra forma de relação alienada, que qualquer outra forma de miséria espiritual.
Após esta ressalva, que é uma discordância fundamental, o livro de Alexandra Oliveira, adaptação da sua tese de doutoramento em psicologia pela Universidade do Porto, contém partes documentais úteis para o conhecimento da prostituição sexual na sociedade portuguesa contemporânea. A ele voltarei noutra oportunidade.

EM DEFESA DA DIGNIDADE, DO TRABALHO E DO ESTADO SOCIAL, APOIAMOS A GREVE GERAL

O Paulo Granjo fez chegar ao Vias de Facto o texto do manifesto que a seguir se transcreve:

O último ano tem sido marcado por uma catadupa de decisões políticas atentatórias das condições de vida dos cidadãos e dos serviços e apoios sociais arduamente conquistados ao longo da história, criando uma situação que é tão mais gravosa quanto ocorre num quadro de progressivo desemprego e recessão económica.
É o caso dos cortes unilaterais nos salários dos trabalhadores do Estado, da apropriação fiscal de grande parte do subsídio de Natal dos trabalhadores e pensionistas, do corte dos subsídios de Natal e de férias dos trabalhadores do sector público e dos pensionistas que, tal como o aumento do horário laboral no sector privado, estão previstos para o próximo ano, da substancial diminuição do financiamento ao Serviço Nacional de Saúde e à educação pública, ou da restrição do acesso ao subsídio de desemprego e a outras prestações sociais.
No entanto, estas opções políticas não se limitam a agravar as condições de vida dos trabalhadores, pensionistas e suas famílias, fazendo até perigar a própria subsistência de muitos deles em condições minimamente dignas.
Essas decisões são tomadas em nome do reequilíbrio das contas públicas e da necessidade de servir a dívida. No entanto, devido à recessão que já provocam e irão aprofundar, não permitirão sequer atingir esses objectivos. Dessa forma, ao sofrimento imposto a milhões de pessoas e à injustiça na repartição dos custos, vem somar-se a consciência da inutilidade de tais sacrifícios.
Mais ainda, as medidas tomadas no âmbito das políticas de “ajustamento” constituem uma brutal subversão do contrato social que permitiu à Europa libertar-se, após a II Guerra Mundial, da endémica incerteza e insegurança de vida dos seus cidadãos e, com base nisso, assegurar vivências mais dignas, uma maior equidade e níveis de paz social e segurança colectiva sem paralelo na sua história.
Ao subverterem a credibilidade e a segurança jurídica da contratação laboral e sua negociação, ao esvaziarem e restringirem os elementos de Estado Social implementados no país (pondo com isso em causa o acesso dos cidadãos à saúde, à educação e a um grau razoável e expectável de segurança no emprego, na doença, no desemprego e na velhice), essas opções políticas, apresentadas como se de inevitabilidades se tratasse, reforçam as desigualdades e injustiças sociais, abandonam os cidadãos mais directamente atingidos pela crise, e criam as condições para que a dignidade humana, os direitos de cidadania e a segurança colectiva sejam ameaçados pela generalização da incerteza, do desespero e da ausência de alternativas.
Por essas razões, os cientistas sociais signatários reafirmam que os princípios e garantias do Estado Social e da negociação consequente dos termos de trabalho não são luxos apenas viáveis em conjunturas de crescimento económico, mas sim condições básicas da dignidade e da existência colectiva, que se torna ainda mais imprescindível salvaguardar em tempos de crise. São, para além disso, elementos essenciais de qualquer estratégia credível para ultrapassar a crise e relançar o crescimento económico.
Num quadro de fortes limitações orçamentais, esse imperativo societal requer a reversão das crescentes assimetrias na distribuição de riqueza entre capital e trabalho, designadamente através da utilização de uma substancial e mais equitativa tributação dos lucros e mais-valias como fonte do reforço de financiamento dos serviços e prestações sociais.
Sendo as opções governativas em curso (e em particular a proposta de OGE 2012) contrárias a estas necessidades e atentatórias da dignidade humana e da segurança colectiva, os cientistas sociais signatários apoiam a Greve Geral convocada pela CGTP-IN e a UGT para o próximo dia 24 de Novembro, apelando aos seus concidadãos para que a ela adiram.
Tratando-se embora de uma acção a nível nacional, os signatários saúdam também esta Greve Geral como um momento do combate europeu contra as políticas de austeridade e de regressão social, a favor de mudanças na política europeia que coloquem no centro os cidadãos, o crescimento económico, o desenvolvimento e a defesa da Europa Social e da democracia.

Os cientistas sociais:


Alan Stoleroff (ISCTE-IUL), Alexandre Abreu (CEG-UL), Amanda Guapo (IELT-UNL), Ambra Formenti (ICS-UL), Ana Benard da Costa (ISCTE-IUL), Ana Benavente (ULHT), Ana Cordeiro Santos (CES-UC), Ana Costa (ISCTE-IUL), Ana Cristina Ferreira (ISCTE-IUL), Ana Cristina Santos (CES-UC), Ana Delicado (ICS-UL), Ana Horta (ICS-UL), Ana Margarida Esteves (Tulane Un.), Ana Paula Guimarães (FCSH-UNL), André Gago (IELT-UNL), Anne Cova (ICS-UL), António Brandão Moniz (FCT-UNL), António Carlos Santos (UAL), António Galamba (antr.), António Monteiro Cardoso (CEHCP-IUL), António Teodoro (ULHT), Brian O’Neil (ISCTE-IUL), Britta Baumgarten (CIES-IUL), Carlos Augusto Ribeiro (FCSH-UNL), Carlos Pedro (antr.), Carlos Rodrigues (UA), Catarina Casanova (ISCSP-UTL), Cícero Pereira (ICS-UL), Clara Saraiva (FCSH-UNL), Cristina Santinho (CRIA), Domingos Morais (IELT-UNL), Dulce Simões (INET-UNL), Elisabete Figueiredo (UA), Elísio Estanque (CES-UC), Elsa Peralta (ICS-UL), Emília Margarida Marques (CRIA), Fátima Sá M. Ferreira (ISCTE-IUL), Francisca Alves-Cardoso (FCSH-UNL), Frédéric Vidal (CRIA), Giovanni Alves (CES-UC), Gonçalo Santinha (UA), Graça Videira Lopes (FCSH-UNL), Guilherme Fonseca-Statter (CEA-IUL), Guya Accornero (CIES-IUL), Helena Lopes (ISCTE-IUL), Henrique Sousa (FCSH-UNL), Hermes Costa (CES-UC), Hugo Dias (CES-UC), Inês Godinho (antr.), Inês Sachetti (UCLA), Irene Flunser Pimentel (hist.), Isabel Cardigos (FCSH-UA), João Areosa (soc.), João Edral (IELT-UNL), João Estevão (ISEG-UTL), João Ferrão (ICS-UL), João Leal (FCSH-UNL), João Luís Lisboa (FCSH-UNL), João Paulo Dias (CES-UC), João Pedroso (FE-UC), João Pina Cabral (ICS-UL), João Rodrigues (CES-UC), João Seixas (ICS-UL), João Teixeira Lopes (FL-UP), João Vasconcelos (ICS-UL), Jorge Bateira, Jorge Carvalho (UA), Jorge Malheiros (IGOT-UL), José António Fernandes Dias (FBA - UL), José Carlos Mota (UA), José Castro Caldas (CES-UC), José Gabriel Pereira Bastos (CRIA), José Manuel Cordeiro (ICS-UM), José Manuel Pureza (CES-UC), José Manuel Rolo (ICS-UL), José Manuel Sobral (ICS-UL), José Mapril (CRIA), José M. Leal da Silva (IELT-UNL), José Neves (FCSH-UNL), Lourenzo Bordonaro (CRIA), Luís Silva (CRIA), Luís de Sousa (ICS-UL), Luís Souta (ESSE-IPS), Luísa Lima (ISCTE-IUL), Luísa Oliveira (ISCTE-IUL), Luísa Schmidt (ICS-UL), Luísa Tiago de Oliveira (ISCTE-IUL), Manuel Carlos Silva (ICS-UM), Manuel Couret Branco (UE), Manuel Loff (UP), Manuela Ivone Cunha (UM), Margarida Paredes (CRIA), Margarida Pereira (FCSH-UNL), Margarida Perestrelo (ISCTE-IUL), Maria Cardeira da Silva (FCSH-UNL), Maria Clara Murteira (FE-UC), Maria Eduarda Gonçalves (ISCTE-IUL), Maria Fátima Ferreiro (ISCTE-IUL), Maria Inácia Rezola (IHC-UNL), Maria Inês Amaro (FCH-UCP), Maria João Freitas (LNEC), Maria José Casa-Nova (UM), Maria Luís Pinto (UA), Maria da Paz Campos Lima (ISCTE-IUL), Mário Vale (IGOT-UL), Marlene Rodrigues (CPES-ULHT), Marta Prista (FCSH-UNL), Marzia Grassi (ICS-UL), Mauro Serapioni (CES-UC), Michel Binet (CL-UNL), Micol Brazzabeni (CRIA), Miguel Cardina (CES-UC), Miguel Vale de Almeida (ISCTE-IUL), Mónica Truningen (ICS-UL), Nuno Domingos (ICS-UL), Nuno Martins (UCP), Oriana Alves (IELT-UNL), Patrícia Alves Matos (CRIA), Paulo Castro (ISCTE-IUL), Paula Godinho (FCSH-UNL), Paulo Alves (ISCTE-IUL), Paulo Castro Seixas (ISCSP-UTL), Paulo Granjo (ICS-UL), Paulo Mendes (UTAD), Paulo Peixoto (FE-UC), Paulo Raposo (ISCTE-IUL), Pedro Aires Oliveira (FCSH-UNL), Pedro Hespanha (CES-UC), Raquel Rego (ISEG-UTL), Raúl Lopes (ISCTE-IUL), Renato Carmo (ISCTE-IUL), Ricardo Sequeiros Coelho (CES-UC), Ricardo Paes Mamede, Rita Poloni (ICS-UL), Rosa Maria Perez (ISCTE-IUL), Rui Bebiano (CES-UC), Rui Tavares (hist.), Ruy Blanes (ICS-UL), Sanda Samitca (ICS-UL), Sara Falcão Casaca (ISEG-UTL), Sílvia Portugal (CES-UC), Sofia Aboim (ICS-UL), Sofia Sampaio (CRIA), Sónia Bernardes (ISCTE-IUL), Sónia Ferreira (FCSH-UNL), Sónia Vespeira Almeida (CRIA), Susana Boletas (ICS-UL), Susana Durão (ICS-UL), Teresa Albino (IICT), Teresa Carvalho (UA), Teresa Santos (ICS-UL), Tiago Correia (CIES-IUL), Tiago Saraiva (ICS-UL), Vera Borges (ICS-UL), Virgílio Amaral (CES-UC), Vitor Ferreira (ICS-UL), Vitor Neves (FE-UC)

... e fora da zona de conforto...



Imagens indigestas [aqui não se distribuem "abraços"]

21/11/11

A verdadeira revolução



Este fim-de-semana teve início a segunda fase da revolução egípcia, que poderá levar a uma verdadeira revolução na distribuição de poder no país. Após a queda da face do regime, Hosni Mubarak, abre-se uma janela de oportunidade para o desmantelamento do aparelho fortemente hierárquico e repressivo que sustenta a oligarquia egípcia.

Em resposta ao João Vasco

No blogue Esquerda Republicana, o João Vasco publicou nos últimos dias vários textos em que reflecte sobre as eventuais vantagens e problemas associados a um sistema político assente na eleição de representantes, habitualmente conhecido por Democracia Representativa. Segundo a argumentação apresentada, este sistema tenta conciliar Aristocracia (governo dos sábios) com Democracia (governo dos cidadãos), de modo a minimizar quer os erros por parte interessada dos primeiros quer os erros por ignorância dos segundos. Tal aconteceria através da selecção de representantes pelos cidadãos, os quais tenderiam a escolher aqueles ("sábios") que demonstrassem maior sabedoria na defesa do interesse comum. Na prática, sabemos que o sistema de Democracia Representativa não funciona da maneira descrita. As razões são aparentemente muitas, mas na essência resumem-se a apenas uma: opacidade. Esta decorre não só da dissimulação de informação relevante para a escolha em questão, ou até do fornecimento deliberado de informação falsa (por exemplo, quando alguém promete sabendo que não cumprirá), mas também da falta de capacidade por parte dos cidadãos para processar mesmo apenas a informação disponível. Esta última resulta, em parte, do enorme diferencial existente entre o esforço necessário para desenvolver e aplicar essa capacidade, e o impacto que um único voto tem na definição das políticas que serão efectivamente implementadas pelo conjunto dos "sábios representantes" (em particular, devido à desinformação atrás referida). E no que se refere a este último aspecto, importa ainda referir a frequente ausência de total liberdade na escolha dos representantes, quer porque há votos que efectivamente não contam para essa escolha, quer porque nem todos podem ser eleitos. A consequência de tudo o que foi mencionado é o desinteresse e alienação dos cidadãos quando colocados perante o processo de eleição dos seus pretensos representantes.

Existem vias para amenizar os problemas acima descritos, as quais permitem, por exemplo, assegurar que todos os votos contam na eleição dos representantes, relembrar continuamente a estes o quão representativos realmente são, desincentivar o recurso à mentira antes da eleição, e impedir a aplicação de políticas sem apoio maioritário entre os cidadãos. No entanto, acabam por ser sempre remendos, que tentam limitar tanto quanto possível os (muitos) erros por parte interessada acima mencionados, cometidos pelos representantes (deficientemente) eleitos. Aceitando que tais remendos são necessários, parece-me que a conclusão lógica é a substituição completa dos representantes eleitos por cidadãos aleatoriamente seleccionados (e portanto estatisticamente representativos). Acabariam então de vez os erros por parte interessada, sobrando potencialmente apenas os erros por ignorância. No entanto, a evidência que decorre de inúmeras experiências com júris de cidadãos sugere que qualquer que seja a composição duma assembleia de cidadãos, desde que estes tenham tempo, acesso a toda a informação relevante e uma estrutura de apoio, os erros por ignorância não são mais frequentes do que numa típica assembleia de representantes eleitos.

20/11/11

O regime de ferro das caricaturas?

O filme "Tintin", de Spielberg parece-me um marco relevante. Pela primeira vez, acedemos com inteiro realismo a uma modalidade representativa algures entre o mundo e a sua caricatura; esta alcandora-se nesta obra a um patamar de verismo e detalhe nunca antes visto. Deslumbramo-nos agora com cartoons que obedecem às leis da refracção, da cinemática e da física em geral. Quando logo no arranque do filme deparamos com um retrato paródico mas hiperdetalhado de Hergé a desenhar um retrato em modo "linha clara" do protagonista (que ele criou), resultando a sua obra num desenho "infantil" e infra-real, o diagnóstico fica traçado: a animação já transcendeu a realidade e até o seu genoma BD; para nada precisa dessa ascendência, agora. Opera para lá das suas origens, longe da obediência aos velhos modelos. Tudo isto é old news. E só me subiu agora ao entendimento porque acabo de perceber que outros dispositivos de reflexo do mundo já há muito adoptaram este regime: basta ver as estátuas de Hafez al-Assad para reparar no óbvio paralelo. O nariz desmesurado, o formato grotesco da cabeça, o bigode cómico. A ditadura do novo sistema de imagens começou por ser instaurada na menos previsível das paragens. E parece ter deparado com um público aquiescente; em Damasco, como em muitos milhares de salas de cinema.

18/11/11

O sentido maternal das ministras [não sei se é disto que se fala quando se fala das vantagens do feminine touch na política]

"Façam sopa em casa", Ana Jorge, ministra da Saúde de José Sócrates
"As crianças devem voltar a comer fruta em estado natural", Assunção Cristas, ministra da Agricultura de Passos Coelho

Razão tem a Shakira: "The worst mistake of a woman is to go to the kitchen, because then she never gets out of there"

Merkel propõe uma "solução portuguesa" para o conjunto da UE

O governo alemão de Angela Merkel quer uma "solução política sólida" para a Europa — tão sólida que, de facto, entregue a política aos mercados, a fim de estes readquirirem a "confiança" em si próprios.

La Unión solo funcionará, (…) [segundo Merkel], si los miembros "ceden más competencias a las instituciones comunes". Este sería un "paso definitivo hacia una nueva Europa". Repitió ayer Merkel que los instrumentos con los que cuentan las autoridades europeas no bastan para obligar al cumplimiento de los criterios de estabilidad, de modo que es necesario ampliar su capacidad de sanción y regulación. Quiere que los países que incumplan sistemáticamente sus compromisos de déficit puedan verse obligados a responder ante el tribunal de Justicia de Luxemburgo. Merkel considera que así se podrá recuperar "la confianza de los mercados".

Trata-se, no fundo, de aplicar à zona euro, primeiro, e, depois, ao conjunto da UE, a solução portuguesa: primeiro o acordo (para-)constitucional que decide da linha geral; depois, as eleições, que de nada decidem. Ou, como há dias dizia Van Rompuy, outra das cabeças da oligarquia da UE, primeiro as reformas, depois as eleições — eventualmente já "reformadas" e que, se assim for, permitirão apenas a participação dos cidadãos cujas performances económicas os tornem da confiança dos mercados, ou somente terão lugar nas regiões "cumpridoras" dos objectivos do plano soberanamente fixado para a UE.

A estupidez grotesca deste programa de eliminação completa das formalidades democráticas, efectivas ainda que precárias, que restam aos cidadãos da Europa através da sua redução ao simples ritual decorre do facto — bem assinalado, ainda que noutros termos por José Manuel Pureza — de a cajadada com que pretende matar a democracia ter simultaneamente por efeito inevitável a liquidação/fragmentação/balcanização da Europa. E a verdade parece bem ser que, se as oportunidades de preservação da democracia, para já não falarmos do seu desenvolvimento, se tornarão ainda mais precárias sem "mais Europa", só a democracia, como escreve José Manuel Pureza, pode salvar a Europa.

Não há tempo a perder.

17/11/11

Marxismo-khomeinismo

George Orwell descrevia do seguinte modo, em 1941, o modo como a hipnose totalitária se sobrepunha, no espírito dos ideólogos estalinistas de serviço da época, ao exercício da reflexão racional do juízo político: "Não há muita liberdade de expressão em Inglaterra; logo, não há mais liberdade em Inglaterra do que na Alemanha. O desemprego é uma experiência horrível; logo, as câmaras de tortura da Gestapo não são piores do que o desemprego. Em tese geral, duas pretas valem uma branca, e ter metade de um pão ou pão nenhum vem a dar no mesmo".

Mas nem Orwell previu a brilhante vitória da lógica totalitária sobre o exercício racional do juízo político com que deparamos, a propósito de Israel, na seguinte afirmação: A ironia histórica é hedionda. As principais vítimas do Holocausto estão prontas para superar o mestre —ou seja, Hitler.

Esta identificação entre os pacientes do extermínio de Hitler e os agentes da opressão exercida sobre os palestinianos, que sustenta que uns e outros são os mesmos, e piores do que Hitler, tem evidentes vantagens do ponto do anti-semitismo militante e dos piedosos regimes que o patrocinam. Se as principais vítimas do Holocausto se esforçam por superar Hitler e fazer pior do que ele, o nazismo adquire retrospectivamente uma justificação inegável, pelo menos a título de mal menor, uma vez que se limitou a eliminar aqueles que estavam prontos a superá-lo. É certo que é difícil conciliar racionalmente esta justificação retrospectiva com essa outra tese fundamental do marxismo-khomeinismo que atribui aos sionistas e/ou a Washington a invenção do Holocausto. Mas que importa a razão, esse preconceito ímpio de democratas descrentes, incapazes de apreender a identidade dialéctica dos Princípios do Leninismo e das interpretações khomeinistas do Corão?

João Martins Pereira, o seu, nosso tempo

Organiza o CES, em Lisboa, e dificilmente poderia ser em melhor hora, um colóquio que tem como título "João Martins Pereira - o seu, nosso tempo". O programa aqui.

Pessoas boas, a tua tia ó Kröger!

O alemão Jürgen Kröger, um dos representantes da troika que nos calhou em sorte, é um querido.
Em Lisboa, onde fiscaliza o bom comportamento do governo (?) português, não só nos garantiu que Portugal não é a Grécia (what a relief, man!) mas também que somos "gente boa".
Como é que ele terá concluído tal coisa?
Andou a reler o Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas do Gobineau ou terá tido tempo de ir medir narizes para o Rossio?

Hoje!


Hoje poderão ter lugar desenvolvimentos importantes na luta revolucionária em curso, nos Estados Unidos, onde manifestações e greves estudantis tentarão perturbar o funcionamento do sistema financeiro, e na Grécia, onde são esperadas grandes manifestações que, comemorando o levantamento estudantil de 1973 que levou ao derrube da ditadura então existente, não deixarão de reflectir a ira do povo grego perante a constituição de mais um governo subserviente perante a oligarquia financeira. Entretanto, a Occupy London foi notificada da intenção das autoridades da City de Londres em acabarem com o protesto junto à catedral de St. Paul.

Inadmissível, aberrante e estupidificante

Que alguém que se acha de Esquerda seja capaz de afirmar que o 25 de Abril, que assinala o fim da ditadura em 1974, e o 1.º de Maio, que é o Dia do Trabalhador, “são a mesma coisa” (defendendo que se acabe com um deles) denota a desorientação que atingiu algumas mentes mais sensíveis ao acelerar da História. A resposta é óbvia.

16/11/11

Contra o voto censitário: às armas, cidadãos!

Segundo se lê em El País: Ante la creciente gravedad que está adquiriendo la crisis del euro los líderes europeos han respondido hoy con propuestas de más disciplina fiscal, más Gobierno económico y más integración de la UE. El presidente del Consejo Europeo, Herman Van Rompuy, ha propuesto a los diputados debatir "nuevas medidas para reforzar la disciplina fiscal. "¿Deberíamos disponer en casos extremos, de nuevas sanciones como la suspensión del derecho de voto, o la suspensión de los fondos estructurales u otros pagos o conceder poder a una autoridad central para intervenir en los procedimientos de los presupuestos nacionales?"

As medidas de reforço do "governo económico" como as propostas por Van Rompuy, que já há pouco opusera a urgência das reformas como argumento para o adiamento de eleições, apontam para o reforço e extensão do governo da economia, pela economia e para a economia, à custa dos direitos e liberdades de tradição democrática. Embora, Van Rompuy fale na circunstância de relações entre Estados, enuncia claramente um princípio cuja adopção conduzirá ao restabelecimento do voto censitário ou privar do direito de voto, e outros direitos e garantias afins, os cidadãos "incumpridores" das suas obrigações económicas, ou economicamente "passivos". Em vez de ser a cidadania e tendencialmente a vontade democrática a decidir da distribuição dos rendimentos e da riqueza e dos critérios dessa distribuição, teremos, segundo essa lógica, e à falta da "insurgência democrática" q.b., o acesso aos e o gozo das liberdades e garantias subordinado à e condicionado pela pertença a um determinado patamar da pirâmide dos rendimentos sob a forma que a direcção oligárquica da economia política estabelecida considerar mais conveniente, segundo os seus próprios critérios.

A resposta democrática só pode ser uma: À greve, às ruas e às armas, cidadãos!

O Mercado e os seus videntes

Quando superstições mais primitivas governavam as nossas vidas, dávamos rostos e nomes às forças da natureza, sonhando-lhes vidas, amores e desavenças.
Hoje, a mitologia dominante funciona ao contrário: somos vassalos da entidade omnipresente a que chamamos “Mercado”. Esquecemos que se trata apenas de um agregado de comportamentos humanos e começamos a imaginá-lo como coisa sujeita a leis, previsível aos olhos dos sábios. Vivemos medrosos sob o jugo de um leviatã cego, capaz de fazer brotar tormentas sobre divisas, países, multidões esfaimadas.
Como sempre, não faltam acólitos à nova divindade. Os devotos reúnem-se em think tanks e comités. Depois, “baixa o santo”; entram em transe colectivo e desatam a orar ao que julgam ser o supremo objectivo humano: facilitar a vida à Mão Invisível.
Assim desabrocham coisas como o dito “Grupo de Trabalho”, com a sua doutrina de que a TV, a Rádio e a Informação devem ser entregues apenas ao Mercado. Este, na sua infinita sabedoria, não precisa de regulação exterior – extinga-se a ERC. Tem sempre fome de mais receitas – fim à publicidade nos canais do Estado. Dá-se melhor com cidadãos dependentes do que ele lhes diz – minimize-se a informação oriunda de outras paragens. É alérgico à diversidade – corte-se uma das irritantes e heterogéneas antenas da RDP.
Eles nem fazem por mal; estão apenas ansiosos por servir o seu deus. Esperando, claro, que deles venha a ser o reino dos céus.


Publicado também aqui.

Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde

Roubado aqui.

It takes one to know one

Diz Tayyp Erdogan, presidente da Turquia, que o futuro da Líbia "não pode ser construído sobre o sangue dos oprimidos". Provavelmente, o senhor desconhece o tratamento que o seu país tem dado aos seus curdos. O descaramento não tem limites, mesmo entre os vampiros.

15/11/11

Para isto, minhas senhoras e meus senhores, é preciso coragem e o resto é conversa

Chama-se Aliaa Elmahdy e é egípcia. A poucas semanas das eleições, publicou uma série de fotografias no seu blogue que a fizeram tornar-se notícia em todo o mundo. Não faltará quem ache que a jovem quer é visibilidade, quiçá ganhar uns dólares. A esses, recordo apenas que há países onde toda a nudez será castigada. A sério.

13/11/11

Não é um protesto, é um movimento.


Decerto que (o)s leitores deste blogue já repararam que é agora que as coisas vão ser bem encaminhadas. Agora que banqueiros e economistas tomam conta do Estado grego e italiano. Gente de confiança, que, já se sabe, não tem nada a ver com o estado a que isto chegou. Gente que sabe que a crise do capitalismo (porque é que se fala tanto da crise sem especificar a sua natureza histórica ?) é uma oportunidade para que os ricos fiquem ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres. Estes acontecimentos podem bém ser sinais da decadência das classes políticas tradicionais, perdidas no nevoeiro. Eles revelam também a crise da democracia representativa, que de democracia têm cada vez menos. Depois de terem posto de lado a ideia destabilisadora do referendo e das eleições, os funcionários do poder capitalista (que outros chamam a “Troïka”) acabaram por abrir as portas do Estado grego aos fascistas... Outra bicharada de confiança ! A dar razão, mais uma vez, aos Indignados espanhois que não se cansam de repetir que, “A democracia não existe” e que, por isso mesmo, “Eles não nos representam”.
Por enquanto, o pessoal vai acompanhando a procissão, vergando as costas, protestando com muito juizinho, a pedido dos chefes responsáveis. Acreditando nesta democracia doente. Enquanto a maioria espera, sentada em frente da televisão, pela próxima greve geral sindical que vai preceder o próximo plano de recessão que o Sr. Gaspar and Co está a preparar, atrevo-me a sugerir a leitura deste texto sobre o que se passa do outro lado do mar. O movimento Occupy, nos Estados Unidos. Trata-se de uma entrevista de Ken Knabb, personagem da esquerda revolucionária implicado no movimento Occupy Oakland. Ken Knabb, foi membro do grupo situacionista norte-americano nos anos 1960, é tradutor das obras de Guy Debord. Para mais informações e debates pode consultar-se o seu blogue : http://www.bopsecrets.org
A entrevista é de Serge Quadruppani, na revista parisiense Article 11, (http://article11.info), do dia 10 de Novembro de 2011.

Não é um protesto, é um movimento.

Que s’est-il passé le mercredi 2 novembre ?
Durant la journée, plus de 50 000 personnes sont passées par la Frank Ogawa Plaza (lieu où s’est installé Occupy Oakland depuis trois semaines), certaines par simple curiosité, mais la majeure partie manifestant une vive sympathie pour le mouvement. Entre 20 et 30 000 personnes ont pris part aux marches vers le port (il y a eu deux marches séparées, l’un commençant à 16 h, la seconde à 17 h), qui a été bloqué jusqu’au lendemain. Durant la journée, il y a aussi eu plusieurs petites marches dans les quartiers proches pour faire des blocages ou tenir des piquets devant des bâtiments (notamment des banques) ; à ces occasions, un petit nombre de personnes ont provoqué un peu de casse. Enfin, tard dans la soirée, des gens ont occupé un immeuble vide des environs - dans le but de le transformer en bibliothèque et lieu de rencontre de Occupy Oakland. La police a attaqué, a pris l’immeuble, et a arrêté environ 100 personnes - dont beaucoup n’étaient pas impliquées.
Y a-t-il des dissensions internes au sujet de la casse des vitrines ?
Le « vandalisme », ainsi que les actes de quelques dizaines de personnes tentant d’édifier des barricades dans la rue, a provoqué un large débat à l’intérieur du mouvement. Une grande majorité des manifestants estime que de telles tactiques ne sont pas avisées, qu’elles ne réalisent rien, qu’elles sont dans certains cas l’œuvre de provocateurs et que, dans tous les cas, elles semblent avoir le même résultat que si elles étaient l’œuvre de provocateurs (discréditer le mouvement, distraire l’attention d’actions en cours beaucoup plus significatives). En même temps, beaucoup de gens ont de la sympathie pour les émotions qui sont derrière de telles actions, et ne souhaitent pas dénoncer en tant que telle la simple casse des biens. Ils ne sont donc pas très sûr de ce qu’il faut faire.
Est-ce que le campement perdure ? Combien de personnes sont impliquées de manière permanente ?
À Oakland, des assemblées générales se tiennent presque chaque jour, et Occupy Oakland est plus vaste que jamais. Le campement a été rétabli moins de 48 heures après sa destruction par la police (le 25 octobre). Il y a peut-être deux cents personnes qui y vivent en permanence. Beaucoup d’autres viennent en visite, interviennent aux assemblées ou participent de diverses manières.
Comment analyses-tu la composition sociale du mouvement ? Est-ce qu’il y a un noyau qu’on peut situer socialement ?
C’est très varié. Occupy Oakland comporte peut-être 50 % de Noirs et de Latinos, alors que des occupations dans d’autres régions du pays peuvent être principalement le fait de Blancs. Certaines occupations sont avant tout le fait de gens très pauvres, de SDF, etc., d’autres incluent des employés. Il est certain que les jeunes précaires sont parmi les participants les plus répandus.
En France, on ne se rend pas compte de l’importance et de la profondeur du mouvement. Peux-tu nous dire où il en est aujourd’hui dans l’ensemble des États-Unis ?
Il y a des occupations effectives dans plusieurs centaines de villes, et des occupations en projets dans mille autres, y compris dans des régions considérées comme plutôt réactionnaires. Ces occupations rassemblent de quelques dizaines à plusieurs centaines de personnes, mais elles sont aussi soutenues par des centaines d’autres qui apportent de la nourriture, du matériel, etc., et qui prennent part aux assemblées et aux manifestations. Ce mouvement ne cesse de grandir. Les mois d’hiver pourraient rendre les choses plus difficiles, mais les occupations vont certainement continuer, même si elle devront, dans certaines régions, se déplacer dans des bâtiments. Il y a un esprit et une détermination qui font penser au mouvement des Droits civiques il y a cinquante ans : peu importe le harcèlement de la police, nous sommes en train de gagner. Nos opposants réagissent, mais ne comprennent pas du tout ce qui arrive. Ils ne comprennent pas qu’il ne s’agit pas d’une série de protestations, mais d’un mouvement. Et au risque de sembler extravagant, je dirais que c’est le début d’un mouvement implicitement révolutionnaire.
Peux-tu nous donner une idée de ce qui est discuté dans les assemblées ou en dehors des assemblées, des idées générales qui circulent ?
Les gens discutent de toute sorte de choses. Par dessus tout : 1) de questions pratiques particulières concernant les occupations. C’est-à-dire comment s’organiser pour les tentes, la nourriture, le reste du matériel ; comment organiser les assemblées (généralement avec un facilitateur, avec consensus, ou « consensus modifié » : le soutien de 90 % de l’assemblée est nécessaire pour passer une proposition) ; comment réagir face à la répression ou harcèlement policier ; comment réagir face aux exigences de la municipalité sur le respect de différents règlements, etc. 2) des questions externes de politique : est-ce qu’il faut manifester ou tenir des piquets devant telle banque ou telle entreprise, est-ce qu’il faut intervenir en soutien sur certaines questions (concernant l’économie, les SDF ou prisonniers, l’environnement, les guerres et une centaine d’autres questions) ?
Est-ce que l’idée d’une autre société possible se précise ? Est-ce que des propositions sont avancées sur les moyens d’y arriver ?
L’idée d’un autre type de société est implicite dans tout cela. La plupart du temps, les gens n’en parlent pas parce qu’ils comprennent qu’il est beaucoup plus important de prêter attention à ce qu’ils font maintenant. Ils saisissent que ce processus est la partie principale de toute solution ultime. Selon moi, il est à peu près sans importance que les gens disent qu’ils sont pour ou contre le « capitalisme » ou « l’État » ; il est beaucoup plus important qu’ils soient dès maintenant engagés dans un processus non-hiérarchique et non-capitaliste. Je crois qu’ils développeront ainsi des projets bien plus efficaces que s’ils se préoccupaient de débattre entre diverses nuances du radicalisme.
Le reste de la population est-il hostile, indifférent ou sympathisant ?
Une bonne partie du reste de la population se montre relativement sympathisante, en partie parce que – justement - la plupart des occupations évitent la rhétorique radicale (Oakland est un peu exceptionnel à cet égard), se présentant plutôt comme une façon simple et de bon sens de s’attaquer à des problèmes dont chacun a conscience, d’une manière qui correspond bien aux premières traditions américaines (se rassembler dans des assemblées de ville pour débattre de ce qui est peut être fait pour résoudre divers problèmes pratiques). Presque tous ceux que je connais éprouvent beaucoup de sympathie pour le mouvement, même s’ils n’ont pas encore commencé à y participer.
D’après ce que j’ai compris, les médias ont d’abord été hostiles ou indifférents, mais une certaine sympathie s’y exprime maintenant. Qu’en est-il exactement ? Et quelle est l’attitude du mouvement vis-à-vis des médias ?
Il cherche surtout à construire ses propres canaux. De façon générale, les médias restent relativement hostiles, mais le mouvement est si étendu et suscite tant de sympathies qu’ils sont obligés de ne pas trop le montrer. Quant à l’attitude des occupations envers les médias, elle varie. Certaines les rejettent, d’autres s’efforcent d’être amicales, d’accueillir les médias et de leur organiser des visites.
Il faut surtout souligner que ce mouvement ne dépend plus des médias dominants parce qu’il s’est d’abord répandu par le moyen de médias interactifs, participatifs, tels que les sites web, les blogs, les mails, Facebook, Twitter, les vidéos YouTube, etc. De même, une grande partie de la population s’informe sur le sujet à partir des vidéos qui circulent sur le web ou via facebook.

Es-tu heureux comme en 1968 ? Ou comme dans d’autres grands moments de rupture que tu as pu vivre ?
Ces six dernières semaines ont été de loin les jours les plus heureux de ma vie ! J’ai vécu tous les événements des années 1960, mais rien de ce qui s’est déroulé alors n’est comparable à ce qui est en train de se passer ici et maintenant. La propagation de ce mouvement a été absolument stupéfiante, cela dépasse mes rêves les plus fous. Chaque jour, il y a des développements nouveaux et étonnants, la plupart positifs.
Par exemple, ce matin-même, un énorme rassemblement s’est tenu à l’université de Berkeley, suite a quelques violences policières au campus hier soir, et les étudiants parlent déjà de la possibilité d’une grève dans les universités...

Est-ce que la référence aux mouvements arabes est présente ?
Bien sûr, le Printemps arabe est vu comme l’une des inspirations majeures, ainsi que certaines des occupations menées en Europe, notamment en Grèce et en Espagne. Mais le mouvement s’appuie principalement sur ses propres expériences : l’exemple d’une occupation conduite dans une ville américaine, une fois propagé presque instantanément via Facebook et YouTube, peut être imité dans cent autres. Cela concerne aussi bien les slogans et les pancartes, qui font preuve d’une créativité comparable aux graffitis de mai 1968, que les tactiques et stratégies.



12/11/11

Última hora - Rodrigo Moita de Deus defende gestão dos locais de trabalho pelos sindicatos

A ideia é essa, não é? (de acordo, aliás, com a tradição autogestionária do 31 da Armada)

Ainda o Messias e não se fala mais nisso...

Embora a contragosto, devo confessar: enganei-me! As notícias vindas a público acerca do facto de o camarada Jorge Messias, cronista do PCP, não gostar de judeus são manifestamente exageradas, como bem explicou, aliás, Jerónimo de Sousa: “Nós gostamos de toda a gente, excepto do Drº Mário Soares” (citação apócrifa).
Tudo começou quando Messias resolveu rivalizar, nas páginas do “Avante”, com Dan Brown e José Rodrigues dos Santos.
“A rede conspirativa que se vai instalando na terra tem claramente origem em formações capitalistas proclamadamente religiosas. Basta olhar-se para o esquema organizativo que vai chegando ao conhecimento público para nele se reconhecer a mãozinha sinuosa dos jesuítas e dos illuminati maçónicos”, escreveu logo a abrir.
No intuito de corroborar a sua tese, o cronista ignorou As 7 Profecias Maias, As Profecias de Nostradamus, o Manual Prático do Vampirismo (Paulo Coelho), ou mesmo The Threat Revealing the Secret Alien Agenda, do conceituado especialista em raptos alienígenas David Michael Jacobs, preferindo fundamentar-se no Protocolos dos Sábios de Sião.
Os judeus — que, desde que lhes aconteceu o que lhes aconteceu, se tornaram, vá lá saber-se porquê, sensíveis a certos temas — resolveram vir lembrar duas coisas.
Uma delas, sabida pelo menos desde 1921 (Jorge Messias ainda não teria nascido…), é que os Protocolos… são uma refinada treta, criação da polícia secreta do Czar Nicolau II para liquidar certos problemas internos; uma espécie de “arma de destruição maciça” avant la lettre.
A segunda é que, enquanto “arma de destruição maciça” a coisa resultou muito bem, com Hitler a citá-los no Mein Kampf e a usá-los como (mais um) pretexto para a “Solução Final”.
Assim sendo, termino apenas com um conselho a Jorge Messias: a próxima vez que quiser explicar o estado do mundo aos leitores do “Avante”, é preferível ficar-se pelo conceito de “luta de classes”.
Será um conceito problemático, mas Marx (outro judeu, caraças!) já não está entre nós para lhe dar chatices.

Pela "insurgência democrática dos cidadãos europeus" (2)

Na edição de hoje (12-11-2011) de El País, podem ler-se estas palavras de Rafael Argullol:

"el hundimiento del proyecto europeo sería lo peor que le podría pasar al mundo, al menos desde el punto de vista de la libertad (…) el único camino posible por parte de Europa es desplazar la centralidad del omnipresente mercado -protagonista espectral, pero absoluto- para devolver el eje de gravedad a la democracia (…) Por contra, la definitiva disolución del proyecto europeo dejaría vía libre a opciones totalitarias que gozan de un prestigio, históricamente inesperado, como eficaces antídotos frente a la crisis. Para Putin, para el Partido Comunista Chino o para los jeques árabes la libertad es un estorbo para la buena salud del mercado".

Suponho que nenhum democrata, cujos sentidos se mantenham sóbrios, poderá deixar de concordar com o juízo do ensaísta, ainda que, desde o primeiro momento, se sinta obrigado a introduzir uma reserva ou condição na sua aquiescência. É que, com efeito, também no interior da Europa e nomeadamente para os que ocupam os postos de comando do seu governo efectivo, "a liberdade é um estorvo para a boa saúde do mercado". E é cada vez mais explícita a vontade por parte da oligarquia da UE de consagrar constitucionalmente este "princípio", estabilizando assim o seu regime e as relações de poder que o definem. É o que cabalmente demonstram as declarações "leninistas" de Van Rompuy, que já citei num post anterior, identificando a vontade e as esperanças dos mercados como expressão e interpretação superiores dos "verdadeiros interesses" da "Europa real", e a prioridade dos mercados sobre as "representações" imediatas e ilusórias que os cidadãos comuns possam fazer desses mesmos interesses.

Assim,  se são as perspectiva de mundialização da liberdade e da igualdade democráticas de que é portador que legitimam o "projecto europeu" de que fala Argullol, esse projecto, apesar das aparências imediatas, seria tão mal servido pelo soberanismo de um novo Reich alemão, que procurasse impedir a desagregação da região impondo-lhe o seu governo, como pelo catastrófico cenário da reactivação, contra a democracia, das soberanias nacionais e das prerrogativas dos Estados-nação rivais da zona euro e da UE.

É por isso que, para podermos aprovar Rafael Argullol, quando este escreve:

Y esta precisamente no debe ser la apuesta de Europa, si quiere ser fiel a lo mejor de sí misma. Como patria histórica de la democracia, su vitalidad depende de su predisposición a proponer la libertad como la medida que siempre debe prevalecer sobre las demás reglas del juego, en especial las leyes que quiere imponer el gran Moloch de la especulación a todos los ciudadanos del mundo, incluidos, por supuesto, los adormilados, pusilánimes y egoístas europeos

teremos de identificar — embora plenamente conscientes de que uno de los aspectos más deprimentes de los últimos desastres europeos es la indiferencia con que los ciudadanos contemplan los acontecimientos — a aposta da e na Europa como a aposta na "insurgência democrática". Ou seja: na abertura de um caminho que passaria, por exemplo, pela "integração" política, orçamental e fiscal, por meio da eleição no mais breve prazo possível de uma assembleia constituinte da UE, e por um governo federal provisório - processo acompanhado por referendos e revisões dos tratados (…) [e] que exigiria sobretudo — do lado das chamadas "condições subjectivas" - uma reanimação, que não parece fácil de promover, da vontade política democrática por parte dos cidadãos e movimentos de cidadãos europeus, de modo a vincular o avanço da federação à extensão do exercício da sua cidadania activa e à reivindicação explícita da "democratização da economia" e do conjunto das instâncias políticas de decisão.

11/11/11

Pela "insurgência democrática dos cidadãos europeus"

Hoje, em Florença, o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, afirmou que a Itália devia satisfazer as esperanças dos mercados, sem perder tempo com formalidades democráticas: "O país necessita de reformas, e não de eleições". Não querendo deixar de passar a ocasião de fazer doutrina em vista das reformas necessárias, Van Rompuy identificou depois o que esperam os mercados com o que espera a "Europa real". Trata-se, nada menos, do que de propor como orientação política para o governo (a reformar) da UE, da zona euro, da Itália e restantes regiões europeias um novo princípio "constitucional": devem ser os mercados e não o voto ou decisões democráticas dos cidadãos a dizer o que espera a "Europa real" — ou seja, para nos servirmos dos exemplos de Van Rompuy: "uma avó em Madrid, um pequeno empresário em Viena, um empregado no Luxemburgo ou na Estónia", em suma "os europeus" e "não os funcionários de Bruxelas". Digamos que a "vontade popular" deverá ser traduzida e exprimir-se em última instância através da vontade dos mercados e não pela opinião, deliberações, votações e escolhas políticas dos cidadãos.

Como se tivesse antecipado estas declarações de Herman Van Rompuy — que, prefigurando embora um verdadeiro golpe de Estado, significativamente não despertaram grande interesse nos órgãos de comunicação social nem os alertas democráticos que se justificariam — Rui Tavares escrevia dois dias antes, a dia 9 do corrente, as linhas que a seguir transcrevo, sublinhando, por um lado, a sua conclusão e insistindo que, no imediato, acompanhando a "insurgência democrática", às medidas que o Rui enuncia deveriam acrescentar-se os passos, também insuficientes, mas úteis de eleições gerais europeias, assembleia constituinte, governo provisório da UE até à elaboração de uma Constituição, tudo isto combinado com o esforço de reanimação e criação de movimentos e organizações empenhados simultaneamente na democratização e na federação da UE.

Apresentei ontem um desafio ao primeiro candidato às eleições para presidente do Parlamento Europeu, o socialista Martin Schulz (apresentarei o mesmo desafio a todos os outros candidatos). Chama-se “um pacto democrático para a UE” e tem apenas três pontos.

“1. Que o próximo presidente da Comissão Europeia, chefe do executivo da União, tenha de ser um candidato ou candidata que se tenha apresentado ao eleitorado europeu expressamente para esse cargo e que para tal tenha pessoalmente feito campanha em todos os países da União, incluindo debates pan-europeus com os outros candidatos ao mesmo cargo;
2. Que este presidente da Comissão Europeia só possa ser nomeado após conseguir reunir o apoio da maioria dos grupos do Parlamento Europeu após as próximas eleições europeias;
3. Que o Parlamento Europeu não aprove nenhuma Comissão Europeia cujo presidente, indigitado pelo Conselho, não preencha os critérios definidos pelas condições acima.”

A ideia deste pacto — que será aberto, no futuro, às assinaturas de todos — é garantir que nunca mais um presidente da Comissão seja escolhido às escondidas dos cidadãos, e que num momento de crise a legitimidade de 500 milhões de europeus não seja superada pela autoridade de líderes que não escolhemos.

É a minha tentativa de resposta. Mas, sinceramente, precisamos de ir além. Os representantes valem pouco, e as palavras no papel valerão nada, sem uma verdadeira insurgência democrática dos cidadãos europeus.

11-11-11 : o dia de todos os perigos [post dedicado a Jorge Messias]

Aprovado Orçamento de Estado para 2012

10/11/11

Sindicalismo Metropolitano

o meu artigo no i desta quinta-feira:

No Verão de 1994 uma barreira de veículos de todo o tipo – camiões, carros e furgonetas – interrompeu a circulação rodoviária sobre a Ponte 25 de Abril.

Naqueles dias, milhares de pessoas travaram a sua própria marcha em direcção ao emprego, contestando assim o aumento do preço das portagens. Se hoje recordo tamanha revolta, é porque ela permite debater questões que resultam particularmente interessantes no momento em que um governo prepara uma política de restrição da mobilidade urbana e em que sindicatos e outros movimentos sociais preparam uma greve geral.
A revolta da ponte não decorreu no lugar clássico das grandes lutas sociais da contemporaneidade, a fábrica. E a importância que as populações da margem sul do Tejo atribuíram em 1994 à luta contra o aumento das portagens da ponte pode mesmo ser tida como sintoma da crise da instituição fábrica: falida, desmantelada, abandonada, a fábrica entrou em crise, como nesses anos foi exemplificado pelo encerramento das instalações da Lisnave na zona da Margueira, em Almada.
O que significou esta crise da instituição fabril?
Tida como o lugar da produção por excelência, e por isso valorizada por governos e patrões enquanto fonte da sua riqueza, a fábrica foi também, durante muitas décadas, o foco da conflituosidade político-social, temida por governos como factor de desordem pública e por patrões como fonte da crítica à propriedade. A debandada das fábricas deve ser por isso compreendida como debandada de patrões para países e continentes onde a mão-de-obra era mais barata e estava politicamente desorganizada, ma também enquanto fuga dos trabalhadores à pena da disciplina fabril: quem na ponte lutava contra o bloqueio era também quem por esses anos multiplicava esforços para financiar a educação universitária, sua ou dos seus filhos, ousadia que parte das elites deste país ainda continua a censurar, com o aristocrático argumento de que nem todos teremos nascido para ser doutores.
A crise da instituição fabril não significou, contudo, que o reino da produção se tenha evaporado. Sempre que nos falarem da necessidade de o país voltar a produzir, é preciso recordar que a população nunca deixou de produzir. Porventura o equívoco está em tomar como produtores apenas e só a figura do operário fardado de azul da Lisnave, quando deveríamos falar de uma multiplicidade de produtores: do estudante que se qualifica em universidades que se limitam, cada vez mais, a preparar mão-de-obra formatada à medida das necessidades imediatas das empresas ao precário que se move nos transportes públicos da metrópole, de biscate em biscate, impulsionado pela mesma necessidade que faz o operário circular no interior da “sua” fábrica; do trabalhador doméstico, como a dona-de-casa, empresária de si e dos seus cuja actividade produtiva, ontem ainda objecto de uma parca remuneração graças aos apoios de um Estado social, se arrisca hoje à completa invisibilidade, até ao graffiter suburbano cujas pinturas, legais ou ilegais, decoram a cidade que o turista estrangeiro vem consumir.
Se olharmos de frente para esta multidão de produtores, fácil é, quando recordamos os acontecimentos da ponte, sermos tentados a rebaptizá-los como experiência de um novo tipo de piquete, já não realizado à porta do edifício de trabalho, mas da cidade dos produtores, a metrópole em que todos os habitantes são produtores de uma economia capitalista que fez da vida e da sociedade em geral uma imensa fábrica de dívidas para uns e lucros para outros.
Aos governos poderíamos então perguntar se restringir os transportes públicos é um simples corte na despesa ou é também a paralisação de uma economia que se fundamenta na vida de uma cidade que já não sabe nem quer distinguir onde começam e acabam a cultura, a economia e a sociedade, tão pouco a produção, a distribuição e o consumo. E aos sindicatos e movimentos sociais poderíamos perguntar se deverão os piquetes ser feitos apenas à porta dos edifícios de trabalho ou também noutros pontos da cidade, lançando o apelo: à greve, cidadãos!