03/11/11
Vermes
por
Pedro Viana
Durante bem mais de um ano, dirigentes e deputados do PASOK, partido dito socialista que detém a maioria parlamentar na Grécia, não hesitaram (com muito poucas excepções) em aprovar sucessivas medidas altamente lesivas para a esmagadora maioria da população grega, às quais se opôs ferozmente. Agora, quando finalmente o primeiro-ministro grego decide fazer algo que tem apoio popular, a convocação dum referendo sobre as últimas medidas de austeridade acordadas com o triunvirato EU/BE/FMI, eis que altos dirigentes do PASOK, incluindo o ministro das finanças, e vários deputados, decidem retirar o apoio ao primeiro-ministro grego. Efectivamente, tendo em conta a reduzida maioria parlamentar que o PASOK possui e o voto de confiança marcado para amanhã, esta atitude levará ao derrube do governo e à convocação de eleições legislativas antecipadas. As quais resultarão, sem qualquer sombra de dúvida numa vitória do partido conservador da Nova Democracia. Que obviamente, apesar de todo o seu discurso anti-austeritário, irá implementar com muito gosto toda e qualquer medida preconizada pelo triunvirato EU/BE/FMI. Já vimos o mesmo filme passar aqui. Ou seja, há uns vermes no PASOK que não se importam de inflingir todo o tipo de sofrimento ao povo grego, nem se importam mesmo em perder os seus lugares de ministro ou deputado no seguimento do que será uma profunda derrota eleitoral do PASOK, para que o sistema, político e sócio-económico, não seja posto em causa através da convocação dum referendo. Não são mais do que vermes sob o comando dos realmente poderosos, que não deixarão de os alimentar e premiar pelo seu bom comportamento. Já não terão de recorrer ao plano B.
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9 comentários:
Olha mais um que prefere ser "cozinhado" em lume brando, como se não houvesse mais soluções, ou como se o capitalismo fosse uma fatalidade para todo o sempre...realmente há pessoas com gostos esquesitos!
Não percebo o seu comentário, A. Silva. O que pretendo é que os gregos possam pronunciar-se directamente, através dum referendo, sobre a política austeritária e neo-feudalista que os oprime. Referendo esse que será um precedente que tornará politica e socialmente mais difícil a implementação do mesmo tipo de políticas na Grécia ou em qualquer outro país, como Portugal, sem uma consulta prévia directa da população. Ou prefere que os gregos façam eleições legislativas, permitindo assim ao sistema re-legitimizar-se e aos poderosos substituir os seus actuais lacaios no poder por uns "mais frescos"?...
Caro Pedro,
como sempre, concordo com os teus pressupostos - mas parece-me que se aplicam mal ao caso do referendo em causa.
Os termos em que este foi proposto são viciados e absolutizam a falsa alternativa: ou o regresso ao soberanismo, ao dracma, etc., ou o regime da actual UE. Ora, o que procurei demonstrar no meu post sobre o assunto (http://viasfacto.blogspot.com/2011/11/sobre-proposta-de-referendo-na-grecia.html) foi justamente a urgência de mais Europa (federação) através da democratização ou pelo menos extensão da liberdades e direitos sociais da Europa existente. E isto, acrescento, tanto no interesse dos europeus como daquilo a que poderíamos chamar a afirmação de uma "mundialização democrática" como alternativa à economia política globalmente governante.
Abraço para ti
miguel(sp)
Olá Miguel, não duvido que a pergunta do cada vez mais improvável referendo seria completamente viciada, de modo a assustar os gregos com o abismo caso o recusassem. Como já tive ocasião de manifestar, prefiro júris de cidadãos aleatoriamente escolhidos como meio preferencial de tomada de decisão, sendo o referendo apenas um instrumento complementar. Mas, no sistema viciado em que vivemos, a efectivação do referendo grego permitiria abalar os pressupostos desses sistema, segundos os quais aos povos não pode ser permitida qualquer hipótese de tomar decisões radicais e anti-sistémicas. Seria um exemplo, uma brecha que se criaria.
Ola,
Modesta addenda ao reparo do Miguel Serras Pereira.
E' que o problema não é, nem nunca foi, impedir quem quer que seja de dizer que esta tudo mal. Isso sempre foi posssivel, e mesmo encorajado por todos os conservadores cinicos, com grandes aplausos e tudo.
Ou vosselências ja se esqueceram do consenso universal que existia, ha dois anos atras, para dizer que o sistema financeiro, e também o sistema bancario, era todo ele, completamente, redondamente, mau ?
A questão é antes saber se é possivel existir outra coisa. Ora bem, a esta questão, não ha referendo que responda... So mesmo com eleições legislativas.
Ora ai mesmo é que reside, caro Pedro Viana, a falacia do seu texto : todo ele esta logicamente construido sobre o postulado de que o referendo é mais democratico do que eleições legislativas (o que é um absurdo, não digo que as eleições legislativas sejam a panaceia, mas menos democraticas que um referendo é que elas não são com certeza).
E o problema das eleições legislativas ou, melhor dizendo, o problema DA ESQUERDA com as eleições legislativas, é que elas hoje em dia funcionam exactamente como um referendo !
A hegemonia da direita conservadora da nisto.
Mas, mais uma vez, a culpa é dos outros...
Pronto ! Venham mais cinco referendos para sermos autorizados a protestar alto e bom som. "E o povo pa !".
Talvez apareça um banco disposto a conceder-nos um empréstimo na expectativa de ganharmos a Eurovisão um bocadinho mais cedo do que seria de esperar de acordo com a ciência probilistica.
Qual "talvez" qual carapuça. DE CERTEZA que um banco desses vai aparecer por ai. Ja o vejo no horizonte...
Abraços democraticos.
Caro João Viegas,
não duvido que se a "governação económica" exercida por organismos não controlados eleitoralente se opõe ao referendo, não é por este ser insuficientemente democrático, mas porque põe em causa a sua legitimidade. Daí que muitos, como o Pedro, intuindo acertadamente os temores antidemocráticos e autoritários dessa "governação económica", incorram quanto a mim no erro de considerar que é mais democrático sujeitar a referendo a alternativa ou aceitação do statu quo, ou recusa da UE.
Ora, o que se passa - e creio que concordará comigo - é que, no imediato, a alternativa democrática de combate ao sistema instaldo passa por "mais Europa" e mais democracia. Não basta dizer que não às condições ditadas pela "governação económica" da UE - é preciso e, desde já, adiantar o que se quer, e democraticamente não vejo o que se possa querer senão federação e democratização, articuladas e conjuntas, reivindicadas em uníssono. Tal é a batalha a travar quer tendo em vista as condições de um projecto global de mundialização da democracia, quer, no plano imediato, de defesa, no conjunto da UE e em cada um dos países que a integram, das liberdades políticas e direitos sociais ameaçados.
Abraço federalista e democrático
msp
Caro João Viegas, está errado ao afirmar que eleições legislativas não são menos democráticas do que um referendo, sendo até melhores porque possibilitam dizer o que se pretende e não só, como no referendo em causa, o que não se quer. E está errado pelo simples facto de sistematicamente quem vence tais eleições quebra, por vezes imediatamente após serem conhecidos os resultados, as promessas feitas em campanha eleitoral e por vezes até escritas num pretenso "programa elitoral ou de governo". Veja-se o que por cá se passou. Ou seja, as eleições legislativas apenas servem efectivamente para dar um ar de democracia, para brincar à democracia, sem consequências: coloca-se um voto numa urna, o qual pretensamente significa a escolha não só de representantes **mas também dum programa politico** e depois...., bem depois outras políticas são implementadas. Tal não é Democracia. Democracia não consiste em deixar ao povo exprimir a sua opinião, mas sim em permitir ao povo efectivamente DECIDIR. Ao menos num referendo o povo decide alguma coisa. Nem que seja apenas dizer NAO. É pouco, muito pouco, mas é um passo, um precedente.
Caro Miguel,
Concordância total.
Caro Pedro Viana,
Concordância parcial : parece que concordamos ao menos num aspecto : o que tira grande parte dos méritos pretendidos pelas eleições legislativas consiste precisamente no facto de que, na pratica, elas têm funcionado como simili-referendos.
Sera isso razão para lhes preferir um referendo ? Francamente não sei. Diz v. que num referendo, pelo menos, o povo decide mesmo. Ora bem, o que é que o povo decidiu ao certo quando disse não ao TCE ? Acabar com a Europa politica e restabelecer as pautas aduaneiras ? Construir uma Europa politica com outras bases ? Quais ?
Abraços
Caro João Viegas,
O que certos povos decidiram quando disseram não ao TCE foi isso mesmo, não ao Tratado da Constituição Europeia. Ou seja, disseram que preferiam a situação em que estavam, ao que lhes era proposto como futuro. É perfeitamente legítimo, e muitas vezes desejável, optar por manter o status quo em vez de mudar (em particular, numa dada direcção). Poder optar dizer não seja ao que fôr é sempre melhor do que não poder optar seja porque fôr. Obviamente, o ideal seria poder escolher, entre todas as possibilidades, o caminho a seguir. Enquanto não nos fôr permitido isso, há que aproveitar todos os momentos em que verdadeiramente nos deixam decidir, nem que seja entre saltar para a frigideira ou para o fogo.
Cumprimentos
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