23/11/11

Euro imperial

O Alexandre Abreu escreveu um texto muito interessante, onde procura demonstrar que o euro foi construído como instrumento de domínio e expansão da oligarquia financeira sediada nos países do centro da Europa. Sob este ponto de vista, o entusiasmo de certa Esquerda com o surgimento do euro, do qual era esperado substituir o dólar como moeda-referência internacional e assim sabotar o financiamento da economia dos EUA, revela-se como uma grande ingenuidade.

7 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
o texto é muito inteligente e bem argumentado, mas exclui a consideração de uma alternativa decisiva: o aprofundamento democrático da Europa, acompanhado de uma moeda única que funcionasse num sentido oposto ao da hegemonia presente. Parece-me claro que a integração fiscal, orçamental e "social" da UE se fará mais facilmente com uma moeda única do que através do regresso a um statu quo ante que hoje alguns - não será o teu caso nem o do Alexandre Abreu - tendem a mitificar um pouco.
"Mais democracia" dificilmente poderá deixar de significar também "mais Europa"; "mais descentralização" e "mais participação local" dificilmente poderão deixar de significar também menos "soberania nacional" e mais federalismo.

Abraço

miguel(sp)

Pedro Viana disse...

Caro Miguel,

Não sei se é assim tão evidente que "a integração fiscal, orçamental e "social" da UE se fará mais facilmente com uma moeda única". Este post João Pinto e Castro no Jugular,

http://jugular.blogs.sapo.pt/3005727.html

mostra que a integração que mencionas, e que também considero um objectivo desejável, foi proposta várias vezes como antecedendo a constituição duma moeda única. Ou seja, esta por si só não facilita a integração fiscal, orçamental e social da Europa. O que pode acontecer é a oligarquia finaceira dar-se conta que se não apoiar tal integração, então perderá a moeda única que tanto "jeito" lhe dá. Aliás, tal já está a acontecer, mas em termos extremamente gravosos para as economias periféricas como Portugal, pois em troca de passos na direcção da integração fiscal e orçamental, é exigida uma austeridade brutal. Por isso, tendo a concordar com o Alexandre Abreu, quando implicitamente defende que dada a total captura das rédeas do poder a nível europeu pela oligarquia financeira, será mais fácil combatê-la fragmentando a extensão do seu poder do que tentar desalojá-la dos corredores da UE e BCE, ainda para mais sabendo que basta a essa oligarquia financeira manter as rédeas do poder sobre alguns governos nacionais para bloquear qualquer reforma significativa da natureza do euro (ou seja do BCE).

Eu percebo a tua preocupação pelo re-centramento da luta social e política nos estados nacionais, mas acho que na época actual, caracterizada pela interconexão social trans-fronteiriça, esse re-centramento não será feito à custa da perda da concertação a nível europeu (e mesmo planetária, como vamos assistindo). Sempre achei que a contestação ao poder vigente e construção de alternativas é tanto mais eficaz quanto mais localizada fôr, por várias razões que agora não tenho tempo de explanar. Diria apenas que a mais evidente é que se torna muito mais fácil identificar quem detém o poder e o que é necessário fazer para o re-distribuir pela comunidade. Dessa constestação local, parece-me que naturalmente emerge a necessidade e o interesse na exploração de sinergias entre movimentos de modo a alcançar objectivos a uma escala territorialmente mais alargada.

Um abraço,

Pedro

joão viegas disse...

Ola,

O Euro é um instrumento, nada mais. E' dificil conceber uma união economica e social sem ele. Mas não é um fim em si nem é legitimo que se lhe sacrifique tudo e um par de botas.

O que se diz no texto citado, e de forma ainda mais clara nalguns comentarios, é que a cedência aos interesses do capital (que estão ai e que nunca avançaram escondidos, que eu saiba) foi uma ingenuidade, pretensamente porque o processo nunca vai permitir o acrécsimo de direitos politicos que dara aos povos europeus um verdadeiro poder. Dai, conclui-se que o que protege melhor a democracia e os direitos dos trabalhadores é manter os Estados nações.

Realmente, não sei quem é que esta a ser mais ingénuo... Mas julgo saber como podemos avançar no debate. Alguns pontos :

1. Havera mesmo retrocesso dos direitos dos trabalhadores europeus, até hoje (globalmente falando), devido à integração europeia ? Mesmo tratando-se dos seus direitos sociais, gostaria de ver isto demonstrado... Um debate interessante que deveria começar por esclarecer o que se entende por "direito", uma vez que se se entende por isso um pedaço de papel sem efectividade, então talvez...

2. Podemos afirmar que os Estados do sul, que estão hoje a pagar caro a hipocrisia do capital (que procura travar o processo agora que isto vai começar a doer), se teriam safado melhor no âmbito do Estado Nação ? Lembro, para não ir mais longe, que o primeiro parceiro comercial de Portugal antes de 1985 era... os Estados Unidos ! Em termos de dependência externa, sera que estamos mesmo pior ? Fica a pergunta...

3. Pode realmente dizer-se que o projecto europeu, com os seus achaques e os seus retrocessos, não tenha sido objecto de um largo debate e que não corresponda, nas suas grandes linhas (espaço economico e social integrado, com uma união politica que deixe lugar a poderes descentralizados), aos anseios da maior parte dos trabalhadores europeus ?

4. Qual é, hoje, o principal obstaculo para o aprofundamento da Europa politica, a ingenuidade dos que sempre defenderam que se trata de um corolario da integração economica, ou a aliança tatica entre os arrependimentos tardios (nos criticos de hoje, quantos entusiastas dos projectos de ontem, na altura em que teria sido necessario reflectir ?) e os interesses capitalistas, que começam a realizar que isto vai ter um preço ?

Isto, claro, não retira nada às criticas legitimamente dirigidas à situação actual. Apenas pretende sublinhar que fazer de conta que temos de escolher entre "esta" Europa que esta ai (como se a construção não estivesse a meio) e uma Europa das nações bastante mais idealizada e poética do que o sonho europeu, é falsear o debate.

Debatamos então...

Abraços democraticos e de esquerda.

Anónimo disse...

Apesar do charme e alto tecnicismo( juridico)patente sobretudo no discurso de João Viegas entendo- com o peso das dificuldades, aporias e estrangulamentos políticos e teóricos da hora que passa...- que não podemos afastar e protelar o advento de um processo autogestionário total que lance os alicerces para a construção de uma nova sociedade igualitária, que não uniformize toda a gente, e que, como frisou Castoriadis,projecte colocar as diferenças inter-individuais para lá do controlo e do salário. " Não existem pequenos vexames, pequenas faltas. Na mais ínfima ferida se infiltra a grangena.As crises que sacodem o Mundo não se diferenciam fundamentalmente dos meus conflitos onde os meus gestos e os meus pensamentos se confrontam às forças hostis que os travam e os desviam.(...)À força de dividir os vexames e de os multiplicar, é ao átomo de realidade invisível que nos temos que defrontar, mais cedo ou mais tarde,libertando de repente uma energia nuclear que não imaginávamos sobre tanta passividade e morna resignação. O que produz o bem geral é sempre terrível "( R. Vaneigem). Salut! Niet

joão viegas disse...

Viva Caro Niet,

Obrigado e desculpe o tecnicismo (acredite que foi sem querer).

Quanto ao resto, é sempre o mesmo problema : por um lado, o imperativo de termos os pés bem assentes na terra, por outro o de termos sonhos suficientemente grandes para não os perdermos de vista quando os procuramos alcançar.

Abraços e Salut !

Anónimo disse...

Artigo de Emmanuel Todd no Mediapart- A não perder amanhã no site Mediapart. fr um artigo/ entrevista do geografo e politologo E. Todd, onde é caracterizada a actual conjuntura económica e social( política, claro,da Europa comunitária. " O libre-échange apresentado como um doce comércio entre os povos, é, na realidade, uma declaração de guerra de todos a todos. Criou este estado de selva, de relação-de-força que está em vias de destruir a Europa. Conduziu a uma hierarquização das nações em função da sua situação económica ". Niet

Ricardo disse...

Realmente em teoria mais federalismo não implica menos democracia mas na prática a concentração do poder nas mãos de não eleitos e imposto pelos estados mais fortes leva a que resultado??Agora reparem bem no que está para sair da cimeira de dia 9,mais perda de soberania dos estados(já pouco democraticos)para um centro de poder que pode ser Bruxelas(poderes não eleitos com um parlamento a fazer de conta)ou o eixo Paris-Berlin!Portanto cuidado quando se pede mais europa para salvar a economia e o euro sem pensar no que pode sair disso,a não ser que se acredite na tal teoria que os povos acabam por aceitar tudo(eu não) em troca do pão garantido!