30/06/10

Empate póstumo a caminho de uma trapalhada




David Villa não foi convocado para a Assembleia da PT e a Telefónica viu o seu negócio na Vivo batido por uma golden share num penalty duvidoso. Cheira-me que vamos ter muita tinta a correr nas secretarias judiciais transeuropeias. Pode uma golden share vetar uma decisão maioritária dos accionistas relativamente à venda de uma participação numa empresa estrangeira e a actuar num mercado estrangeiro? Ou trata-se de uma mera exibição do poder majestático e patrioteiro do São Estado, normalmente do agrado do radicalismo nacionalista que por cá se usa? Cheira-me que o governo, pressionado pelo ultra-liberal PSD e pela Comissão Barroso, comprou mais uma trapalhada.

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Custa ler mas porque não ler?

Luís Januário:

A nossa selecção de futebol é muito inferior à espanhola. A nossa selecção de jornais também. A de colunistas nem se fala, embora seja difícil imaginar com quem se pode comparar um imbecil ilustrado como VPV, um católico ultramontano como César das Neves ou um diletante como MST. Se nos compararmos, perdemos em quase tudo: na poesia, na novela, na viola de gamba, na saúde oral e no tamanho dos narizes. Ontem viu-se, quando as câmaras focavam a assistência: uma mulher guapíssima passando bâton pelos lábios, alternava com um broeiro lusitano, atarracado e hirsuto.
A Espanha teve de tudo e a sério. Teve anarquistas e falangistas, brigadas internacionais e fossas comuns. Na primeira metade do século XX a Igreja Católica em Portugal foi nojentinha. Em Espanha foi mesmo nojenta.
Hoje estamos como sempre fomos - se excluirmos o breve período em que um bruxo brasileiro, com o apoio do Marcelo das bandeiras, fez psicoterapia de grupo à selecção de futebol e hipnose ao País. Condenados ao Sócrates e ao clone barítono, aos socialistas entre a jugular e a estomáquica, aos sociais-democratas revirgens como um rapaz de Blake, aos estalinistas e à esquerda alternativa. Ao senhor Silva e ao comendador Loureiro. Ao fartote, ao rega-bofe, à depressão cortical, ao fado da humanidade imaterial, à maldição insular que atingiu Antero e ainda chega até nós, como um anticiclone que vem dos Açores.


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Afinal, o Miguel de Vasconcelos sobreviveu à queda

Depois de tanta jura de amor pátrio, de inquebrantáveis votos de fidelidade aos superiores interesses da nação, 73% dos votos passaram-se para o lado que prometia bagalhufo: os espanhóis da Telefónica.
Valeu à Pátria o bizarro entendimento de autonomia das empresas participadas que o quase-engenheiro sacou da manga. Pena que não pudesse ontem ter feito marosca similar.

Vasco na unidade dos contrários

A crise económica e financeira, a degradação política e social e o aviltamento das lideranças partidárias empurram muitos cidadãos para a desvalorização da democracia e para o transbordo das margens institucionais do regime, exigindo, antes, soluções fortes, uns de punho fechado e outros com a palma da mão estendida, ambos rivais mas ambos convergindo na pressa em verem a democracia e as liberdades serem suficientemente desvalorizadas pela inépcia de governantes incompetentes, coleccionando e pondo a render juros os mais que justos descontentamentos sociais. Foi sempre assim quando se chega a um ponto em que a democracia não enche barriga.

Vasco da Graça Moura terá direito a ser considerado como o intelectual mais orgânico e mais oportunista do reaccionarismo laranja. E paga com fogosidade escrita as sinecuras com que sempre cobrou as suas fidelidades calculadas. Não se esqueceu de agradecer a Durão Barroso a misericórdia de um lugar de deputado europeu; seguiu Manuela Ferreira Leite como um pajem das letras e das crónicas; insultou os eleitores portugueses pelas suas últimas escolhas que não premiaram as suas (dele); tendo cometido a gaffe de, no afã de entronar Rangel, dizer que a eleição de Passos Coelho seria uma desgraça para o PSD, rapidamente meteu essa viola no saco; agora agarra-se a Cavaco como um partigiani sidonista.

Enquanto os leninistas dúplices salivam pela sempre eminente derrocada do sistema capitalista que engula a democracia portuguesa, cumprindo-se assim e postumamente a profecia de Cunhal de que em Portugal não é possível existir uma democracia burguesa, Vasco – claramente – e outros - pela surdina – , olham para Belém com a esperança dos neo-sidonistas, mostrando já sinais de impaciência:

Enxofrado fico eu, por o Presidente da República ainda não ter posto esta gente no olho da rua.

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Para suturar eventuais feridas anti-hispânicas que tenham ficado de ontem

Ontem à noite, com Madrid sem Metro (parado por uma greve sem serviços mínimos), sob ameaça de chuva, 2.500 madrilenos prescindiram de ver a transmissão televisiva do derby ibérico na África do Sul e não faltaram na Puerta del Ángel para ouvirem a guitarra que Paco de Lucía transforma em magia andaluza feita de flamenco. Levaram rádios a pilhas para seguirem o massacre dos navegadores inocentes e acobardados vindos das praias lusitanas e ali festejaram o desfecho, enquanto o genial guitarrista que Algeciras viu nascer aguentou em espera que passassem vinte minutos sobre a confirmação e festejo da vitória de La Roja para entrar em palco e pegar na guitarra. Depois da lide espanhola dos nove mansos chefiados pelo manso-maioral Queiroz, em que só Eduardo e Fábio destoaram mas não chegaram para as encomendas da bravura que se pedia e esperava, a faena da passada noite madrilena tinha, guardada para climax, a forma de uma guitarra entregue a um deus da música. Assim, como ser-se anti-hispânico? Antes, apetece é ouvir-se um pouco do genial Paco. Para limpar os resquícios da xenofobia peninsular, a de cá e a de lá. E que a música reúna o que o futebol obriga a separar.




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Está descoberto o Carlos Queiroz do sistema judicial

Agora que o futebol nos trouxe de novo à terra, já aí está uma nova alucinação para galvanizar as hostes. Pinto Monteiro acha que «Se corrermos a Europa, não encontramos justiça melhor que a portuguesa.»
Naturalmente, não é preciso ir longe para confirmar os anos-luz que separam este senhor da realidade com que os cidadãos, sobretudo os menos abonados, se deparam quando entram neste reino das maravilhas que seria a Justiça portuguesa. Também só mesmo o Queiroz é que deve ter sentido a alegria do dever cumprido depois da miséria de ontem.

2.ª via

DECLARAÇÃO

Por minha honra declaro que não tenho a menor intenção de tão cedo voltar ao arquipélago da Madeira. Assim sendo, e tendo em vista o declarado apreço que agora em todos suscita o famoso princípio do "Utilizador/Pagador", venho pedir-vos a restituição da fatia dos meus impostos que se destinaria a subsidiar os delírios do soba Alberto João e respectiva camarilha.

Sem outro assunto de momento,

O que está mau pode sempre piorar


Segundo o general David Petraeus, é mesmo o que vai acontecer no Afeganistão. Lembre-se que o seu antecessor foi corrido por ter alegremente emborcado uns copos com o seu staff, perto dos microfones da Rolling Stone. Não sem antes já ter admitido que «We have shot an amazing number of people, but to my knowledge, none has ever proven to be a threat».
Enfim; não se consegue perceber o que esperar desta guerra. Uma guerra que era “contra o terror” mas que hoje parece apostada em espalhá-lo (apesar dos esforços de McChrystal para apertar as rules of engagement). Uma guerra que está cada vez mais afastada do seu alvo original: a al-Qaeda já transferiu as suas armas e bagagens para longe das COINs americanas.

A completa direcção sobre toda a produção e todo o consumo


 O controlo operário exerce-se quer ao nível da fábrica quer ao nível dos serviços. Também aqui os trabalhadores têm que saber donde vêm os lucros, têm que vasculhas nos papéis, tomando assim conhecimento de todos os mecanismos e trafulhices. Será através do controlo operário que a classe operária e o povo poderão exercer a completa direcção sobre toda a produção e todo o consumo. Inserindo-se na luta mais geral que o povo trava, sob a direcção da classe operária, pela sua libertação, pelo fim da opressão, pelo fim da exploração do homem pelo homem, a luta sindical deve contribuir para o avanço da Revolução, devendo o Sindicato enquanto órgão de resistência prolongar-se em todos os locais de trabalho.
“As listas vencedoras (Bancários e Escritórios) falam ao Expresso”, Expresso, 06/09/1975, pp.16-17
No Verão de 1975,  uma lista dinamizada pelo PS e pelo MRPP venceu as eleições do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, defrontando uma lista que representava a direcção anterior, na qual predominavam militantes do PCP e do MDP/CDE. Numa entrevista conduzida por Vicente Jorge Silva, a nova direcção pronunciou-se sobre o destino a dar ao sistema bancário. A luta sindical, diziam eles, devia contribuir para o avanço da Revolução.

DN - «99% dos divorciados mantêm nome do 'ex'»; será mesmo assim?

Segundo o Diário de Notícias,
"Entre os mais de 50 mil portugueses que se divorciaram em 2009, apenas 716 pediram a renúncia do apelido do ex-cônjuge. Um processo que demora 15 dias e custa 2,99 euros, mas que a maioria dos divorciados não leva a cabo por "comodismo", defende o psicólogo Jorge Gravanita. Ou seja, 99% dos divorciados decidem manter o apelido do ex-companheiro ou da ex-companheira.

Apesar de acreditar que a maioria dos casais separados acaba por voltar a usar o nome de solteiro, Jorge Gravanita considera que não pedem a renúncia formal do apelido para "não apagar o valor simbólico do nome adquirido e também de um certo estatuto social que se conquista com o casamento".

O psicólogo lembra que para algumas pessoas manter o nome do ex-marido ou da ex-mulher também ajuda a «dar a ideia de que não houve divórcio e que continua tudo na mesma»"
Eu confesso que acho essa estatística (ou talvez o mal não esteja na estatística...) muito estranha - eu trabalho num serviço de recursos humanos e noto que a primeira ou segunda coisa que as funcionárias fazem quando se divorciam é irem ao nosso gabinete informar que mudaram de nome e já não têm o apelido do marido. Será que trabalho num sítio muito peculiar (bem admito que, logo à partida, as mulheres em questão são mulheres empregadas, o que não as torna representativas do conjunto das mulheres portuguesas).

Mas penso que o mal não está na estatística mas nas conclusões do DN e do psicólogo - pelos vistos, é um facto que apenas 1% dos divorciados muda de nome, mas não se pode concluir daí que "99% mantêm o nome do ex-conjugue"; como é que sabem que eles alguma vez adoptaram o nome do conjugue?!

Em primeiro lugar 716 não são 1% de 50 mil, são 1,4% (essa diferença parece pequena - 0,4 pontos percentuais - mas mais para a frente vai-se ver que é importante); é verdade que os divorciados não foram 50 mil mas "mais de 50 mil", mas mesmo que tivesse havido 60 mil pessoas que se divorciaram, a percentagem seria de 1,2%.

Para começar, se esses 50 mil são mesmo "50 mil pessoas que se divorciaram em 2009" (e não 50 mil divórcios, o que significaria 100 mil pessoas), não seria nunca de esperar que 50 mil pessoas mudassem de nome após o divórcio - provavelmente apenas 25 mil iriam mudar de nome (não sei se já notaram que na maioria dos casamentos apenas um dos conjugues adopta o apelido do outro - aqueles em que os dois trocam de apelidos devem ser muito mais raros do que os em que nenhum adopta apelido), o que subiria a percentagem de divorciados (i.e., divorciadas) que retiram o nome do ex-conjugue para cerca de 2,8%.

Mas mesmo nesses 25 mil não é de esperar que todos (ou todas) tenham adoptado o apelido do conjugue quando se casaram. É o próprio DN que escreve:
Mas se o número de divorciados que renuncia ao apelido é muito inferior ao número total de divórcios, também o número de casais que adoptam o nome do outro é cada vez mais baixo. No ano passado, só 1250 pessoas, das 80 782 que casaram, fizeram o pedido de adopção de apelido.
Ou seja, o título da notícia também poderia ser "98,5% dos casados mantêm nome de solteiro"; ora, se 1,5% (1.250 de 80.782) dos casados adoptam o nome do conjugue e 1,4% dos divorciados muda o nome após o divórcio, a explicação mais simples parece-me a de que grande parte dos 98,6% de divorciados que não mudam de nome provêm dos 98,5% de casados que nunca chegaram a mudar o nome, e não de pessoas agarradas ao "valor simbólico do nome adquirido" e ao "estatuto social" do casamento (é por isso que a diferença entre 1% e 1,4% é relevante - quando tomamos em consideração que 1,4% dos divorciados e 1,5% dos casados muda de nome, vemos que são proporções praticamente idênticas; se fizéssemos o arredondamento à unidade e comparássemos "1%" com "2%", um valor já pareceria o dobro do outro).

Claro que se poderá argumentar que o facto de, este ano, apenas 1,5% dos casados ter adoptado o nome do conjugue não que dizer que, entre as pessoas que se divorciaram este ano, apenas 1,5% tivesse adoptado o nome do conjugue quando se casaram (afinal, suponho que a maioria esmagadora dos divorciados deste ano não se tenham casado este ano...); no entanto, imagino que grande parte das pessoas que se divorciaram este ano se tenham casado numa época não muito distante, pelo que a proporção de casados adoptantes do nome do conjugue já não deveria ser muito elevada na altura.

Feio, muito feio

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29/06/10

Contra a divisão do trabalho político e alguns outros pontos noutros alguns ii

Num comentário ao texto Nem ser nem deixar de ser comunista, aqui publicado há dias pelo Zé Neves, João Valente Aguiar escreve o seguinte: Na minha opinião você não é comunista não por não pertencer ao PCP mas porque não comunga de princípios fundamentais do comunismo e do marxismo: luta de classes, poder operário de base e planificação central, existência de uma organização política de vanguarda, ditadura do proletariado, centralidade da teoria do valor e das classes sociais, etc.
Pois bem, deixando de lado outras questões, considero que poderá ser interessante caracterizar politicamente este tipo de discurso, explicitando como a concepção e as práticas do poder político - incluindo a luta política pelo poder - para que remete continuam prisioneiras das "significações imaginárias centrais" do capitalismo e da organização hierárquica e classista do poder político que pretende contestar.
1. Poderíamos começar por fazer notar que "os princípios fundamentais do comunismo e do marxismo" enunciados são, quando muito, os de certa interpretação leninista do marxismo, deixando de fora boa parte de outras correntes do marxismo, para já nada dizermos de outras correntes "comunistas". Com efeito, nem a luta de classes nem o "poder operário de base", associado à exigência de "planificação central", são concepções exclusivamente marxistas, ao mesmo tempo que , em Marx, a "ditadura do proletariado" não implica, antes exclui explicitamente, um regime de monopólio dos meios de violência e coacção administrativa por instituições ou aparelhos especiais ou com um estatuto hierárquico superior às instituições e dispositivos da auto-organização dos trabalhadores e do conjunto da população, cujo "modelo" clássico é a Comuna de 1871 (cf. Maximilien Rubel, Marx et la démocratie, em Marx critique du marxisme, Paris, Payot, 1974).
2. Do mesmo modo, a "organização política de vanguarda" não implica, em Marx, antes tende a excluir, a concepção do partido de revolucionários profissionais exercendo por representação, e através da subordinação ou supressão das suas formas de auto-organização, o "governo dos trabalhadores".  Em qualquer caso, e independentemente das oscilações que encontramos em Marx e Engels a propósito das formas institucionais do governo revolucionário, encontramos sempre reiterada a exigência democrática que faz depender a sua legitimidade da vontade dos trabalhadores e da sua livre escolha. É "ao poder operário de base" que compete definir a legitimidade do governo revolucionário e escolher o seu programa, sendo excluída por princípio a ideia de que é ao partido de revolucionários profissionais que compete impor o seu programa e concepções, por mais sábios e cientificamente informados que sejam, à vontade dos trabalhadores.
3. Quanto à teoria do valor, se a tomarmos como lei necessária e cientificamente estabelecida,  teremos de reconhecer nela, como nas ambições cientistas de Marx em geral, a parte mais caduca e conservadora do seu pensamento. Basta, para os efeitos da presente discussão, sublinhar que é incompatível com a concepção da determinação da repartição do produto pela luta de classes (sendo que esta determinação pela luta de classes, se for tomada a sério, introduz um elemento de indeterminação radical na teoria económica e impede que consideremos efectivamente consumada a redução que o capitalismo postula, mas sem lograr realizá-la, da força de trabalho a simples mercadoria). Em última instância, como costuma dizer-se, as relações de produção capitalistas são relações de poder, pelo que a instituição do socialismo, ou a transição para o socialismo, depende de uma luta política que prima sobre o desenvolvimento das forças produtivas, sendo essa luta política que, de certo modo, cria como contradição revolucionária a oposição entre a apropriação classista dos meios de produção e do seu produto e a natureza cada vez mais directamente social e colectiva do processo produtivo. Faz toda a diferença politicamente considerar que o desenvolvimento das forças produtivas é o factor determinante da "condenação histórica" do capitalismo e a causa profunda da (aparente) acção histórica (luta de classe) dos trabalhadores, ou considerar que esse desenvolvimento só conta por ser resultado ou efeito de uma acção histórica primeira e mais decisiva, que se inscreve em relações de poder (relações de produção) que são elas próprias criações históricas.
O Marx que se quis cientista e economista científico foi justamente aquele que as correntes aqui exemplificadas pelos pontos enumerados por JVA mais insistiram, combinando essa sua vertente ideologicamente dominada e colonizada pela racionalidade capitalista e hierárquica com o "materialismo dialéctico", síntese de uma filosofia unitária e determinista da natureza e da história, que funcionaria, como escreveu Henri Lefebvre, como "uma teoria do ser que justifica o ser do poder". Apesar da importância da sua contribuição para a análise económica, os grandes temas marxianos da mais-valia, da exploração, etc. limitam-se a reformular em termos eruditos e, por vezes, redutores a leitura política que do seu lugar nas relações de produção faziam os protagonistas dos movimentos radicais e de trabalhadores que o precederam (Cf. a este propósito The Making of the English Working Class de E.P. Thompson, que documentam bem as concepções da "economia moral" desses movimentos).

Satisfação única



Moro longe da raia e, no final, não ouvi vuvuzelas.

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Eu, que nada percebo de futebol, mas tenho umas luzes de marketing, pergunto:

Há algum contrato entre a FPF e os patrocinadores que impeça a substituição de Ronaldo?

LUIS RAINHA NO VIAS DE FACTO

Junta-se à tripulação do Vias o marinheiro Luís Rainha. Com um longo e sempre audaz historial blogoesférico, Rainha é uma aposta segura que muito nos orgulha e à nossa massa associativa. Como disse Jorge Valdano a respeito de Angel Di Maria, é um jogador que alarga o campo. Como a malta não é muito de cerimónias, e mais de abraços e beijinhos, aqui ficam uns quantos à espera da estreia do Luís.

1, 2, 3 experiência


Embora me palpite que os fundadores do estaminé se vão arrepender bem depressa do convite, cá estou eu. Ainda a pensar em formas de ganhar de novo o ritmo e a disponibilidade para isto dos blogues. Mas olhem que é vício que sobrevive até à falta de ciber-habitação. Mesmo desalojado, lá fui arranjando forma de aborrecer os senhores do costume.
Ah; o boneco é uma prova da seriedade das minhas intenções. E uma pequena homenagem ao delirante Breakfast of Champions e ao seu autor, Kurt Vonnegut.

Todas as vias são-no de facto

Não sei nem consigo imaginar o que seja a “ideologia deste blog”, como referiu aqui uma comentadora budista. Com a entrada agora do caloiro Luís Rainha, um experimentado blogger e último reforço desta equipa, provavelmente ainda menos. O que é óptimo, ou, dizendo de outra forma, antes assim. Tanto mais que acrescenta à pluralidade que lixa qualquer arremedo de centralismo democrático, essa luxúria dos monolíticos permanentemente embriagados nas questões correctas, convenientes e centrais. Quanto às calorosas boas vindas da praxe devidas ao novo companheiro, elas ficam aqui exaradas. E venham de lá esses posts.

O doce e melodioso papel das criancinhas que temperam o aço de que é feito um revolucionário competente




(em homenagem a dois posts magníficos e imperdíveis - este e este)

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28/06/10

Hsi Hsuan-wou e Charles Reeve: "A China interessa-nos porque põe a questão social à escala da humanidade inteira". Um ensaio a traduzir

Jorge Valadas, que usa também o nome de Charles Reeve - e cujos ensaios recolhidos em A Memória e o Fogo (tradução e prefácio de Júlio Henriques, Lisboa, Letra Livre, 2008) foram objecto de uma bela recensão do nosso camarada Ricardo Noronha -  publicou em 2008, em colaboração, com Hsi Hsuan-wou um livro sobre o "modelo" ou "via" para a globalização da República Popular da China - Hsi Hsuan-wou e Charles Reeve, China blues. Voyage au pays de l'harmonie précaire (Paris, Gallimard, 2008), cuja leitura não seria muito exagerado declarar indispensável a uma reflexão política séria sobre os tempos que correm. Continuando a alimentar a esperança de que alguma editora da região portuguesa assegure a tradução e edição desta obra fundamental - redigida com simplicidade e exigência simultâneas, levantando menos dificuldades do que um artigo de jornal ao leitor não-especialista ou não particularmente informado sobre a história da China - aqui ficam meia-dúzia de linhas extraídas da apresentação que os dois autores fazem do seu trabalho.

Há mais de dez anos, publicávamos Bureaucratie, bagnes et business (Paris, L'insomniaque, 1997), com a capa ilustrada por uma fotografia do "grande reformador" Deng Xiaoping, manchada de caracteres chineses, a tinta vermelha, que significam: "Nem Imperadores nem Patrões!" (…) mostrávamos [então] o peso da História, o desenraizamento forçado de mais de cem milhões de camponeses à terra e a sua transformação em "proletários flutuantes", hoje conhecidos em chinês como mingongs, o início da conversão da velha classe burocrática numa classe de homens de negócios particularmente ávida e brutal, e a persistência de uma vasta rede de trabalhos forçados indispensáveis aos governantes para fazerem reinar o terror.
(…)
O nosso interesse pelo Império do Meio não data de hoje*. Remonta à época em que, para muitos, esse país figurava a construção de um futuro radioso. Recusando o logro dessa forma totalitária de ruptura com a sociedade tradicional, preferíamos apoiar os que se revoltavam , abalando já o sistema e assinalando os seus limites. O que na época parecia extremista tornou-se hoje uma banalidade para os especialistas da questão chinesa. A China do "socialismo de mercado" é um dos vectores da unificação mundial do capitalismo. A emigração chinesa, consequência da precarização dos trabalhadores chineses, é ela própria uma componente da "globalização" da mão-de-obra à escala mundial.
(…)
Não há notícia que hoje nos chegue da China que deixe de sublinhar as desigualdades entre as camadas sociais, como se estas fossem fenómenos especificamente chineses, sem relação com o nosso quotidiano familiar ou com a sobrevivência dos regimes que reinam no Ocidente. Para nós, a China não é um mundo separado. Por isso recusamos a ideia de "alteridade" defendida por alguns. A China interessa-nos porque põe a questão social à escala da humanidade inteira. No mundo do mercado globalizado, o caso chinês condiciona doravante o futuro do planeta. Um interlocutor lúcido, ele próprio chinês exilado em França, declarava-nos: "Quanto mais conheço os países ocidentais, melhor compreendo a China!" Pelo nosso lado, nós poderíamos dizer que, quanto mais conhecemos a China, melhor compreendemos o Ocidente.

*Charles Reeve é autor de O Tigre de Papel: sobre o desenvolvimento do capitalismo de Estado na China, Lisboa, Spartacus, 1975 [trad. port. de Le tigre de papier. Sur le développement du capitalisme en Chine (1949-1971), Paris, Spartacus, 1972]; Hsi Hsuan-wou é um dos autores de Révo. cul. dans la Chine pop. Anthologie de la presse des gardes rouges, Paris, 10/18, 1974.

Um passado "insustentável"



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Banca e futebol: José Maria Pedroto


Todos nós sabemos que os clubes, consoante a sua dimensão, deviam centenas de milhares de contos. Isto muito antes do 25 de Abril. E se o problema se desnudou repentinamente isso se  deve vai devendo, entre outras razões, à nacionalização da Banca e ao desaparecimento da cena nacional de alguns influentes homens de negócio do tempo da «outra senhora». Pois antes, e de um modo geral, havia grandes facilidades para descontos de letras, de livranças e doutros empréstimos a que os clubes recorriam para pagar ordenados ou quaisquer compromissos imediatos. A verdade é que essa época, de vivência fictícia dos clubes, feita de constantes «balões de oxigénio», já lá vai. A realidade tinha, tarde ou cedo, de se impor. E não me digam que não era visível que as contradições do sistema acabariam por ter mau fim.[...]
Quando eu denunciava abertamente, claramente, todo um estado de coisas relacionado com as pessoas que nessa altura, prepotentemente, haviam tomado atitudes drásticas – atitudes que se enquadravam dentro da vivência desportiva e política da altura – e mais não eram do que filhas de um monopolismo terrível que absorvia quase todas as actividades de uma cidade. Estou, é claro, a referir-me ao emigrado banqueiro Pinto de Magalhães, proprietário de bancos e agências, de múltiplas empresas e imóveis, de casas de penhores, etc., etc., que dispunha de tal força económica e política na capital do Norte que estou em crer que até os urinóis da Avenida dos Aliados lhe pertenciam. Enfim, escrevi sobre ele um longo relatório de factos. Mas tive a surpresa de verificar que as minhas palavras não poderiam vencer a muralha de silêncio que a imprensa criou em redor da dita personagem, considerada então «intocável».
"Pedroto entre o desporto e a política: «O futebol português deve enveredar pelo caminho da cogestão»”, Expresso, 25/04/1975, p.10

A bola não é só bola

Durante o Mundial, certas pessoas acharam que era Kommunist-chiq apoiar a Coreia do Norte. Agora, após a humilhação da selecção norte-coreana, sobretudo com Portugal, o Público traz uma reportagem que inventaria possíveis expiações. Longas temporadas em campos de concentração, trabalho em minas de carvão ou autocríticas públicas são algumas das hipóteses. Há exemplos históricos que fazem temer o pior. Pergunto: não há por aí nenhum daqueles portugueses com relações privilegiadas com o regime de Pyongyang que se assegure da integridade física dos trabalhadores da bola norte-coreanos? Ou que relativize perante Kim Jong-il o excesso de ousadia futebolística da selecção portuguesa?

Cara e coroa da mesma moedinha

Manuel António Pina, no JN:

O pessimista diz que "há bastante tempo que o país se encontrava numa situação económica insustentável". O optimista que "nos primeiros três meses o crescimento da economia portuguesa foi muito positivo, nos primeiros cinco meses a execução orçamental foi muito encorajadora e devemos deixar uma palavra de confiança a todos os empresários e agentes económicos", até porque, se são já 285 mil as pessoas que recorrem diariamente ao Banco Alimentar Contra a Fome, há, desde o ano passado, mais 600 milionários em Portugal, ou, postas as coisas à maneira de Cesariny, "se há gente com fome/assim como assim ainda há muita gente que come".

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O Vias de Facto à escuta: Diego Palácios Cerezales e o 1º de Maio de 1982

Tras la huelga general y la imaginaria conspiración subversiva descubierta por el gobierno, proseguía el pulso entre el gobierno de la AD y la CGTP, en un juego de escalada verbal y provocaciones. Desde el inicio de la democracia, la central sindical comunista había conmemorado el 1º de Mayo ocupando las avenidas principales de Oporto, las mismas calles que había disputado a la policía durante las manifestaciones ilegales contra la dictadura. 
Para la fiesta del trabajo de 1982, el gobierno civil cedió ese espacio a la UGT, minoritaria en el movimiento obrero de la ciudad. La CGTP interpretó esa decisión como una agresión política, anunció que no la acataba, y convocó su fiesta reivindicativa en ese mismo espacio. Como podía haber enfrentamientos, la PSP envió cuatro compañías del Cuerpo de Intervención a Oporto y la comandancia distrital diseñó un dispositivo preventivo. Según las informaciones más alarmistas que manejaba la policía, la UGT podía ser atacada con barras de hierro o cócteles molotov, y el Cuerpo de Intervención acudió preparado para lo peor, dispuesto a usar las armas de fuego.
Diego Palácios Cerezales, Estado, Régimen y orden público en el Portugal Contemporáneo, p.530
Nota: Onde é que já ouvimos a PSP invocar a ameaça de barras de ferro e cocktails molotovs para justificar uma carga policial?

Bento XVI prepara nova ofensiva de "Reconquista" na Península Ibérica

Bento XVI prepara nova ofensiva de "Reconquista", tendo por alvo a Península Ibérica. A campanha terá nomeadamente por teatro Barcelona e Santiago de Compostela:

El próximo mes de noviembre, el Papa Benedicto XVI visitará Barcelona y Santiago de Compostela, motivo por el que un millar de personalidades han suscrito una misiva redactada para conmemorar la segunda visita del pontífice a España.
En la misiva, los firmantes suscriben el ataque a las políticas progresistas asegurando que el "relativismo" es "la fuente inspiradora de iniciativas contrarias al derecho a la vida, a la familia y a los derechos de los padres como primeros responsables de la educación de sus hijos". Ese relativismo "pretende prescindir de las categorías del Bien, la Verdad y la Belleza", asegura la carta.


Creio que não será despropositado deixar aqui, à laia de comentário, um excerto mais do ensaio de Juan Manuel Vera ontem aqui citado.

En España, como en otros países europeos, se ha producido un creciente distanciamiento de significativos sectores de la población respecto de los ritos cristianos, lo que se manifiesta en el aumento del número de no creyentes y la disminución constante del número de practicantes (…) . Estos datos han llevado a algunos a pensar que el único problema religioso en Occidente, en el siglo XXI, se limitaría al creciente peligro del integrismo islámico y de sus ramas terroristas.
Sin embargo, algunos ejemplos inmediatos deben llevarnos a la reflexión sobre las tendencias del cristianismo en el mundo. Pensemos en la eclosión de sectas fundamentalistas en el entorno político que llevó a Bush a la presidencia de los Estados Unidos y en el peso del extremismo religioso en aquel país.
Tengamos también en cuenta la radicalización tradicionalista de la Iglesia Católica durante los papados de Juan Pablo II y Benedicto XVI, que alertan sobre la necesidad de profundizar en el significado político de la evolución de la Iglesia Católica. Juan Pablo II puso en marcha, a partir de 1979, un giro estratégico de la Iglesia para aprovechar el notorio vacío de representaciones creado por el hundimiento del totalitarismo comunista. Ese giro había sido preparado durante el curso final de la guerra fría, que abrió el camino al recurso a la religión como variable geoestratégica. Recordemos el papel (…) del fundamentalismo musulmán en Afganistán o el del judaísmo sionista en Oriente Medio.
A pesar de esta agresividad renacida de la Iglesia Católica y de otras confesiones cristianas resulta sorprendente la ausencia casi completa de análisis político efectivo de su papel social. En la izquierda política ha predominado una visión que relativiza sus efectos sobre la opinión ciudadana y que menosprecia sus riesgos políticos potenciales sobre la evolución de la democracia. Esa errónea tolerancia respecto al significado político real del cristianismo orgánico expresa un conformismo intelectual y una incomprensión profunda del peligro político de las certezas religiosas.
Es frecuente que muchas personas de buena fe consideren que el debate sobre la religión es secundario, o que debe limitarse a algunos aspectos prácticos del laicismo, sin cuestionar en profundidad el deísmo monoteísta ni su sustancia filosófica y política. Incluso muchos no creyentes consideran que el cristianismo es una recopilación de buenos valores a los que se debe reconocimiento social, incluso por quienes no creen que las vírgenes tengan hijos ni que un dios personal sacrifique a su vástago para redimir a los hombres. Otra forma de esta seudo-tolerancia consiste en establecer una divisoria radical entre la religiosidad y el fundamentalismo, cuando la única diferencia es de grado. Finalmente, algunos admiten que el cristianismo es la jerarquía autoritaria de su Iglesia, pero admiran la fe de los millones de pobres del Tercer Mundo, los cuales no creen tener más remedio que buscar esperanza en otro mundo como consuelo a sus males reales en éste.
Ninguna de esas disculpas es realmente poderosa. Todas tienen en común la atribución de elementos deseables a la creencia religiosa y el olvido de que la religión siempre tiene que ver con el poder, que toda religión es política, por definición. Al pensar de esa manera se corre un velo sobre la Historia, ocultando o trivializando la guerra absoluta que la Iglesia ha desarrollado a lo largo de los siglos contra la libertad de expresión y de conciencia, las libertades públicas y la democracia. En fin, no es aceptable la negativa a reflexionar sobre el sentido último de las creencias religiosas, sus aspiraciones latentes o explícitas a una sociedad cerrada. Tampoco deben velarse las terribles consecuencias para la libertad si las ideas religiosas fueran impuestas por un régimen político confesional.

Enquanto não se é, nem se deixa de ser comunista, pense-se a ideia

Idea of Communism. Philosophy and Art is a scientific/artistic conference aimed at considering the concept of “Communism” from a new perspective and including its multiple significations. (...) In 2010 the fall of the socialist regime turns 20 years old and the future of Capitalism –free from the threat of an alternative- seems to be yet to come. Our lives develop under the sign of individual freedoms, democratic opinions and globalised trade, which Marx had already called “the world market”. But is a society organised above all around the rules of competition and maximum profit-making really the only option left nowadays? Are episodes of crisis only the result of actions by irresponsible players in the global business game? Should we not approach the issue from a different perspective to say that all social dynamics based on the interests, desires and needs of individuals are always pathological?


One thing is clear today: socialist regimes have failed. All alternative forms of a state suitable for those wishing to orient their lives by something other than globalised Capitalism have disappeared. Twenty years after the fall of such alternative attempts, the time has come to look for new alternatives. They will not be founded on a nostalgic, melancholic longing for the vanished systems. However, in order to create new alternatives, the failure of past alternatives must be scrutinised. That is the aim and challenge of the conference. Firstly, it is guided by the need to analyse the socialist states from an emancipating perspective. Secondly, it will focus on the possibility of achieving a new orientation out of the analysis: an orientation that may be again called “communist”. Therefore, the idea is to state again, but under new conditions, the question of what could be today a positive meaning of the word “Communism”. Such a new communist orientation cannot forget the experiences made by the vanished states; it will rather have to review all previous attempts, while not giving up the idea of an emancipating approach.

27/06/10

Novas tecnologias no futebol, como pediu Capello


Confirma-se, não existiu segundo golo de Inglaterra. A bola não passou o risco da linha de baliza.

(publicado também aqui)

Juan Manuel Vera sobre a "metafísica política do pensamento religioso" (excertos)

Transcrevo aqui a conclusão de um excelente breve ensaio, "Tradición católica: el peligro político de la certeza religiosa", de Juan Manuel Vera, incluído no livro La Iglesia furiosa (SEPHA, 2008) e também acessível, na íntegra, no site da Fundación Andreu Nin. Um dos aspectos mais interessantes e que tornam muito aconselhável a leitura completa do breve ensaio são as observações introdutórias de JMV sobre a insuficiência da reflexão democrática sobre a questão religiosa: A pesar de esta agresividad renacida de la Iglesia Católica y de otras confesiones cristianas resulta sorprendente la ausencia casi completa de análisis político efectivo de su papel social. En la izquierda política ha predominado una visión que relativiza sus efectos sobre la opinión ciudadana y que menosprecia sus riesgos políticos potenciales sobre la evolución de la democracia. Esa errónea tolerancia respecto al significado político real del cristianismo orgánico expresa un conformismo intelectual y una incomprensión profunda del peligro político de las certezas religiosas. Deixando para ocasiões posteriores o regresso a este problema, penso que, por hoje, os últimos parágrafos do ensaio poderão ser já um salutar incitamento ao debate.

Al pretender un origen extrasocial de las normas de convivencia humana, la Iglesia y otras religiones niegan el fundamento humano de las leyes humanas. Una y otra vez expresan su rechazo a lo que Benedicto XVI ha llamado libertarismo, que “se basa en el supuesto de que el hombre puede hacer de sí mismo lo que quiera” (Discurso de 6 de junio de 2005 en la ceremonia de apertura de la asamblea eclesial de la diócesis de Roma). Frente a ese desorden moral llamado libertarismo, Ratzinger opone una moral de origen divino.
Permítasenos corregirle. La autonomía se basa en el supuesto de que el hombre puede hacer de sí mismo lo que quiera, dentro del respeto a las leyes que establece mediante instituciones democráticas. ¿Está clara la diferencia?
El pensamiento religioso se revela como el adversario más destacado de la autonomía humana. Benedicto XVI es consciente de que en su origen histórico los principios de la razón y la libertad fueron potencialmente letales para el cristianismo ya que en “ambos conceptos clave, razón y libertad, el pensamiento está siempre, tácitamente, en contraste también con los vínculos de la fe y de la Iglesia, así como con los vínculos de los ordenamientos estatales de entonces” (Benedicto XVI, Spe Salvi, 2007).
Una sociedad solo humana, constitutivamente alejada de la creencia divina, desemboca, desde el punto de vista religioso en un final perverso. Nuevamente la conclusión incluye las premisas y las premisas la conclusión. Esa es la metafísica política del pensamiento religioso.
La creencia religiosa no sólo tiene un contenido “informativo” o espiritual sino también performativo (Benedicto XVI, Spe Salvi, 2007). Ratzinger es honesto al afirmarlo claramente. “El hecho de que este futuro exista cambia el presente; el presente está marcado por la realidad futura, y así las realidades futuras repercuten en las presentes y las presentes en las futuras”. No es una cuestión de conciencias individuales en contraste con otras creencias individuales: “La puerta oscura del tiempo, del futuro, ha sido abierta de par en par”. En 1984, la novela de Orwell, se decía “Quien controla el pasado, controla el futuro. Quien controla el presente controla el pasado”. Benedicto XVI dice que quien controla el futuro, por revelación divina, acabará controlando el presente tal y como ha controlado el pasado. La religión, su mensaje de salvación, su creencia en poseer una verdad extrasocial, está destinada a cambiar la realidad, a alterar el presente.
Quienes creemos en el carácter enteramente humano de las instituciones, utilizamos la palabra para defender la sociedad libre frente al peligro de las certezas religiosas. Una palabra democrática que acepta la mortalidad, que se sabe humana y no se pretende divina. Una palabra provisional, relativa, como todo conocimiento, con la que asumimos la posibilidad de dialogar, de aprender, de rectificar. Una palabra para la acción, para participar como ciudadanos en la lucha por el bien común. Una palabra humana que no necesita ni fe en quimeras ni esperanza en milagros.
Benedicto XVI dice que “un mundo que tiene que crear su justicia por sí mismo es un mundo sin esperanza”. Nosotros decimos, que la única esperanza, incierta por ser humana, pero real por serlo, es la que procede del hombre. Para quienes creemos en la autonomía individual y social es preciso sustituir definitivamente la esperanza bíblica por realidades humanas destinadas a disminuir el sufrimiento humano.

"Classe Política" e Democracia

Um pouco por toda a parte, ouvimos falar da necessidade de reformar, melhorar, "dignificar" - o que significa remunerar mais generosamente, conceder mais mordomias, etc. - a classe política, sendo o subentendido que tal seria um grande passo em frente no que se refere à nossa vida política e à qualidade do regime ou à sua transformação. Pois bem, sendo embora evidente que os políticos de profissão que temos na região portuguesa e no mundo não são particularmente brilhantes, esta insistência na necessidade ou importância de uma classe política "de qualidade" é inversamente proporcional à vontade de democratização das instituições e de extensão da cidadania governante que é condição do exercício democrático.
Bem sei que, entre muitos outros, os termos "democracia" e "cidadania" são muitas vezes, ou as mais das vezes, imprópria ou abusivamente usados, o que tem por efeito criar mal-entendidos em torno de pontos que seriam de outro modo evidentes, como é o caso da ideia segundo a qual a democracia efectiva e a cidadania governante implicam o combate imediato contra a reprodução de uma "classe política" dotada de competências hierárquicas próprias e a existência de políticos profissionais.
A democracia é o regime político que tem por princípio a autonomia de seres humanos que se dão, assumindo explicitamente fazê-lo, as suas próprias leis - a sua própria lei - e que, nesse exercício, se criam como cidadãos (co)governantes e (auto)governados. Ou, mais precisamente, a democracia consiste no processo de universalização da cidadania: todos e cada um dos membros da sociedade recebem, a partir do momento publicamente instituído em que sejam considerados adultos, como lei a responsabilidade pelas leis que se dão e pelo exercício do poder político que os governa. O cidadão é, como dizia Aristóteles, aquele que é capaz ao mesmo tempo de governar e de ser governado. A democracia é a universalização - no termo de um processo de formação/socialização definido e igual para todos - desta condição de cidadania.
Tanto basta para que comecemos talvez a ver melhor como a cidadania democrática e a política profissional ou a classe política especializada tendem necessariamente a excluir-se. A política democrática abre, para além da especialização profissional e das diversas competências particulares, um domínio não-profissional, que é o da organização explícita da sociedade e da deliberação sobre ela, em que, ao contrário do que se passa noutras esferas, ninguém é de direito superiormente qualificado ou autorizado. O que tem por pressuposto que promova também qualquer coisa como, para o dizermos nos termos de Hannah Arendt, um tipo de reflexão não-profissional, que, não se confundindo com a filosofia especializada, é condição de toda a interrogação filosófica e crítica, tal como esta pode exercer-se a propósito de todos os fazeres e saberes, e tal como, para tornar possível a cidadania governante de que é solidária, terá de exercer-se sobre o governo da cidade, sobre os seus usos e costumes, movimentos e tensões. Este espaço público de decisão e autonomia, pressupondo e promovendo a capacidade individual de reflexão autónoma e crítica da cada cidadão, condena à partida enquanto antidemocrática a formação de uma classe política profissional, bem como, noutra ordem de ideias, a ideia de uma política científica, ou da invocação de um saber ou doutrina como mecanismo de legitimação de uma divisão hierárquica do poder.
Em democracia a divisão do trabalho político deixa de confirmar e reproduzir a divisão política do trabalho, pois deixa de passar, entre os cidadãos, pela oposição entre governantes e governados, e, na medida em que seja possível falar ainda dela, refere-se à dupla e simultânea condição de governante e de governado que caracteriza os cidadãos que, participando igualitariamente na definição das leis, por elas são, também universalmente, vinculados.
Se voltarmos agora ao início, teremos de admitir que uma classe política mais competente e profissionalizada poderia talvez tornar as medidas da administração mais eficazes do que são, mas não as tornaria mais democráticas. Pelo contrário, qualquer maior eficácia do poder político que se baseie no reforço da sua divisão hierárquica e afaste a cidadania da sua vocação/dimensão governante equivale a um reforço da dominação. A democracia, embora não exclua e até requeira a delegação mandatada, é directa. A ideologia da competência e da profissionalização da política é um caldo de cultura antidemocrático por excelência.
Mas, na actual sociedade, a própria classe política tende a dispor de cada vez menos poder político real em benefício de instâncias e agentes que se apresentam como simples portadores das exigências da economia e das técnicas e métodos de racionalização correspondente. É por isso que a democratização do poder político e a criação de um espaço público de deliberação e decisão da cidadania governante não exige apenas a extinção da política como actividade profissional exercida por um corpo especializado, mas também a restituição explícita à esfera da deliberação e decisão democráticas regulares a instituir do poder político exercido na esfera económica. A organização económica é política, e politicamente articulada de um extremo a outro, como, de resto, os próprios pensadores clássicos da matéria sabiam, chamando "economia política" ao objecto que se propunham estudar. Deste modo, no momento em que a dimensão política explícita e os que dela se ocupam aceitam ser telecomandados por aquilo a que chamam a objectividade ou a racionalidade ou a necessidade da economia, esta última esfera passa cada vez mais a ser, em vez de sua intendência, o lugar central do poder político efectivo, enquanto a classe política se vê tendencialmente reduzida a uma espécie de direcção do pessoal, à escala da sociedade gestorialmente concebida.
O desenvolvimento de cada um destes pontos poderia e deveria levar-nos muito longe. Mas já não será mau que a sua indicação esquemática possa contribuir para fazer ver melhor que a verdadeira política democrática - essa actividade autónoma do cidadão que, como queria Castoriadis, interpela e estipula a autonomia, pelo menos potencial, dos demais na construção das cidades humanas e das suas leis - é um fazer e um fazer-ser muito mais amplo e profundo do que o rotineiro afã de tudo quanto faz uma classe política em vias de subalternização no interior da oligarquia dominante. E para fazer ver melhor também que a luta pela cidadania democrática governante e contra a profissionalização oligárquica da política é condição da restituição à política e a cada um de nós, dentro e fora dela, já não diríamos da sua plena dignidade, mas, na esteira de Orwell, de uma existência decente.


(Versão adaptada de um texto publicado em PREC. Põe, Rapa, Empurra, Cai, Lisboa, número zero, Novembro de 2005)

26/06/10

Sucessão dinástica na Coreia do Norte. Regência à vista no processo da via monárquica de transição para o socialismo?

"El Buró Político del Comité Central del Partido de los Trabajadores decidió convocar a principios de septiembre una conferencia del Partido para la elección de su organismo dirigente", informó la agencia estatal norcoreana KCNA. Los analistas creen que es la primera vez que se convoca este congreso en tres décadas, y será el tercero en celebrarse desde la fundación del Estado norcoreano, en 1948. El anuncio se produce un día después del 60º aniversario del inicio de la guerra de Corea (1950-1953), en un momento de renovadas tensiones entre ambos países.
Kim Jong-il, de 68 años, sufrió un derrame cerebral en agosto de 2008, y su tercer hijo, Kim Jong-un, de 27 años, está considerado como la opción más probable para la sucesión, a pesar de no tener experiencia. A principios de mes, el mandatario norcoreano nombró a su cuñado Jang Song-thaek vicepresidente de la Comisión Nacional de Defensa, responsable del Ejército, y según los analistas, sería el encargado de tomar las riendas del país si Kim Jong-il fallece antes de que su hijo pueda sucederle.
El propio Kim comenzó su labor como sucesor de su padre, Kim Il Sung, fundador del Estado norcoreano, cuando se integró en el PTC en 1980, a los 38 años. Tomó posesión como secretario general 14 años después, tras la repentina muerte de su padre en agosto de 1994.


                       El País,  26.06.2010

Sobre Polina Zhemchuzhina (também a pedido)

Os visitantes-comentadores são o sal de um blogue. E aos cordiais, gosto de lhes fazer as vontades. Depois de, num post ter transcrito uma parte do livro de Laurence Rees (recentemente editado pela Dom Quixote) para comemorar o 65º aniversário do Desfile da Vitória em Moscovo, um anónimo pediu-me mais, curioso sobre a odisseia do Marechal Jukov (corrijo o nome por indicação de um outro comentador, este devidamente identificado, sobre a designação correcta em boa língua portuguesa) e não demorei a fazer-lhe a vontade. Tanto bastou para que o mesmo ou um outro comentador, agora cobrindo o anonimato sob o uso de uma alcunha, me chamar a atenção para o facto de Laurence Rees ser (segundo os ficheiros deste comentador leninista-nazistóide e antisemita) “de modo predominante um empregado na indústria de propaganda ao holocausto (da qual o Sionismo judeu-ortodoxo israelita procura extrair legitimidade)”. Ora esta linguagem é, histórica e politicamente, familiar a todos nós, bastando ler-se o que debitam hoje aqueles que apostam em transformar o internacionalismo proletário numa miséria pós-soviética em que o fascismo islâmico é “amigo” e Israel é a “besta” a extinguir, acabando a obra que Auschwitz-Birkenau não teve tempo de levar até ao fim, até à “solução final”. Ora a “questão judaica” não foi sequer aflorada nos textos que citei de Laurence Rees. Mas como o comentador anónimo de alcunha tem as suas obsessões, em que avulta o seu antisemitismo compulsivo, também uma das paranóias tardias de Estaline (depois de ter usado e beneficiado da solidariedade da comunidade judaica internacional durante a II Guerra Mundial, a sua sede de sangue virou-se para os judeus, isto apesar de um “interlúdio”, em que a URSS foi o primeiro Estado a aprovar a admissão de Israel na ONU), há que fazer-lhe a vontade. E talvez nada melhor para retratar o lado paranóico do estalinismo antisemita, doença muito difundida, que lembrar o que o citado Laurence Rees narra sobre Polina Zhemchuzhina e o seu marido Molotov. Siga então:

“Tendo afastado o homem [Marechal Jukov] que, mais que qualquer outro, ajudara o Exército Vermelho a ganhar a guerra, Estaline assestou então as baterias contra o seu mais próximo camarada político ao longo de todo o conflito, Molotov, atacando a esposa dele, Polina Zhemchuzhina. Havia já muito que Estaline suspeitava dela – era judia e tinha ligações familiares no estrangeiro, com uma irmã na Palestina e um irmão nos Estados Unidos. Em Dezembro de 1948, Estaline avançou contra ela, numa acção que sabia que iria abalar o marido. Apesar de o ministro soviético dos Negócios Estrangeiros ter recebido dos oficiais britânicos a alcunha de “Velho Cara de Bota” devido à sua intransigência e aparente ausência de sentimentos, Molotov estava muito apaixonado pela mulher, e qualquer ataque dirigido contra ela seria também um ataque óbvio e directo contra ele.”
“Como resultado de uma «investigação» da NKVD, foi proposta ao Politburo, em Dezembro de 1948, uma resolução para expulsar Polina do Partido Comunista. Tradicionalmente, este era o primeiro passo no caminho para o Gulag. O Politburo decidiu: «Ficou esclarecido, por verificação da Comissão para o Controlo do partido, que P.S. Zhemchuzhina manteve, durante um período considerável de tempo, ligações e estreitas relações com nacionalistas judaicos, suspeitos de espionagem e indignos de confiança política.» As provas citadas, menos do que convincentes, eram que ela assistira ao funeral de um líder judeu e fora vista a falar com outro destacado judeu soviético. Além disso, «a 14 de Março de 1945» cometera o delito de participar «numa cerimónia religiosa numa sinagoga de Moscovo.» O Politburo concluiu então: « Apesar das advertências feitas a P.S. Zhemchuzhina pelo Comité Central do Partido Comunista de Todos os Russos a respeito da falta de escrúpulos dela nas interacções com indivíduos não merecedores de confiança política, ela infringiu as directivas deste partido e continuou a comportar-se de maneira politicamente imprópria. Em função do acima exposto, P.S. Zhemchuzhina é de hoje em diante expulsa das fileiras do Partido Comunista de Todos os Russos.»”
“A resolução foi assinada por todos os membros do Politburo presentes, com excepção de um. Molotov não conseguiu condenar a sua própria esposa, e por isso absteve-se. Porém, nas semanas que se seguiram, ele debateu-se com as possíveis consequências do que fizera. Após todos aqueles anos de total subserviência à vontade de Estaline, poderia ele realmente tomar posição contra o líder – ainda que num aspecto relacionado com a mulher que amava? Acabou por decidir que não podia e, em Janeiro de 1949, escreveu uma carta a Estaline: «Reconheço haver cometido um erro político quando me abstive do voto relativo à expulsão de P.S. Zhemchuzhina do Partido. Gostaria de informá-lo que reflecti sobre esta questão e apresento agora o meu voto a favor da decisão do Comité Central. A decisão reflecte os interesses do partido e do Estado, e está em consonância com o entendimento correcto da ideologia partidária comunista. Reconheço o meu pesado sentimento de remorsos por não ter impedido Zhemchuzhina, pessoa que me é muito querida, de cometer os seus erros relacionados com judeus nacionalistas anti-soviéticos.»”
“Só se pode imaginar os sentimentos de Estaline ao ler esta desculpa abjecta de um homem que se apercebia agora de que, ao defender a esposa, se colocara a si mesmo em perigo. É bastante provável que Estaline tivesse reconhecido o conteúdo e o espírito da desculpa de Molotov como uma confirmação da sua própria visão da condição humana. Confrontado com a ameaça de sofrimento pessoal, quase ninguém viveria e morreria por princípios. Deste modo ele demonstrou mais uma vez, pelo menos para sua satisfação pessoal, que, perante o derradeiro teste, quase todos os seres humanos eram cínicos e fracos. Polina foi detida em Janeiro de 1949 e enviada para o Gulag. Só foi libertada depois da morte de Estaline [1953].“


(De “Segunda Guerra Mundial – À porta fechada, Estaline, os nazis e o Ocidente”, Laurence Rees, Edições Dom Quixote)

Foto: O casal Molotov-Zhemchuzhina.

25/06/10

Tentação por imitações malvadas




É preciso ser-se muito virtuoso para alguém, ao ler esta notícia, não pense logo na Madeira e em Porto Santo. É o meu caso, mas eu sou uma raridade santificada em questões de patriotismo.


(publicado também aqui)

Ainda sobre o Marechal Zhukov (a pedido)

Atendendo ao desejo cordialmente manifestado por um comentador anónimo neste post, que gostou tanto que pediu mais, acrescento, com mais um naco, a transcrição do ali citado livro de Laurence Rees na parte referente ao “tratamento” dado ao Marechal Zhukov, o homem que comandou o Exército Vermelho quando este obrigou o nazismo a render-se em Berlim.

“ Zhukov teria de pagar o preço da sua popularidade. E o pagamento iniciou-se na sequência da detenção, no começo de 1946, de Alexander Novikov, o comandante da Força Aérea soviética. Este foi pressionado pela NKVD a «confessar» que se «enredara numa teia de crimes» relacionados com a aceitação de «várias mercadorias da frente para meu benefício pessoal». Tratava-se de um «crime» perfeitamente disseminado e tolerado – a menos que, como era o caso, Estaline quisesse um pretexto para punir alguém que, a seu ver, estava a passar-lhe à frente. Novikov confessou também ter tido conversas «politicamente perigosas» com Zhukov. «Em primeiro lugar e mais do que tudo», disse ele, «gostaria de dizer que Zhukov é um indivíduo excepcionalmente ambicioso e narcisista; adora ser tratado de forma honrosa, com respeito e servilismo, e não tolera qualquer oposição.» Além disso, revelou Novikov: «Zhukov não receava exagerar o seu próprio papel na guerra como comandante supremo, chegando ao ponto de declarar que todos os planos fundamentais das operações militares foram da sua autoria.»”
“Mau grado os tratamentos da NKVD, Novikov não conseguiu apontar nenhum exemplo concreto de Zhukov a conspirar contra Estaline. Porém, o retrato de Zhukov que emergia da confissão coagida era a de um homem sequioso de êxito militar e honra pessoal, frívolo, egoísta e intolerante perante o fracasso de outros (uma descrição que também se aplicava a muitos dos mais bem sucedidos comandantes ocidentais). Definido nestes termos, Zhukov contava já com o suficiente para ser mandado para o Gulag – razão pela qual é tão curioso o que veio realmente a acontecer. A princípio, a denúncia de Zhukov seguiu a norma estalinista. Numa reunião no Kremlin, a 1 de Junho de 1946, após a leitura da substância das acusações derivadas da confissão de Novikov, Molotov e Malenkov consideraram Zhukov «culpado» dessas acusações, e Beria acrescentou: «O problema de Zhukov é que ele não é grato, como deveria estar, ao Camarada Estaline por tudo que ele fez. Não respeita nem o Politburo, nem o camarada Estaline, e deve ser posto no seu lugar.» Até aqui, tudo dentro das previsões. Porém, depois interveio o marechal Konev, amargo rival de Zhukov, sobretudo nos últimos meses da guerra. Tinha muito a ganhar com o afastamento de Zhukov, mas, embora declarasse que Zhukov era «uma pessoa muito difícil» com quem trabalhar, «recusou categoricamente a acusação de desonestidade política e de falta de respeito pelo Comité Central. Considero Zhukov alguém leal ao Partido, ao Governo e, pessoalmente, a Estaline.» Este ponto de vista foi apoiado pelo marechal Pavel Rybalko, o brilhante comandante soviético de blindados: «Não é verdade que Zhukov seja um conspirador. Tem os seus defeitos, como toda a gente, mas é um patriota, o que comprovou durante a Grande Guerra Patriótica [Segunda Guerra Mundial].» Significativamente, Rybalko afirmou também acreditar que «chegou a altura de deixar de dar crédito a testemunhos arrancados sob coacção nas prisões.»”
“O corajoso apoio destes dois marechais – e só podemos espantar-nos com a ousadia necessária para falar contra a palavra da NKVD – significava que Zhukov podia constituir com os seus colegas militares uma frente unida contra Estaline. Zhukov disse ao líder soviético que «tais acusações não têm fundamento. Desde que aderi ao Partido que o servi a ele e à Pátria com honra. Nunca estive ligado a qualquer conspiração.» De resto, Zhukov tinha a certeza de que as provas contra si eram «mentiras» obtidas «através de tortura».”
“A decisão ponderada de Estaline no final da reunião não foi que Zhukov fosse levado para as celas da Lubyanka, mas apenas que ele precisava de «sair de Moscovo por uns tempos». Foi destituído do seu posto como governador militar da zona soviética na Alemanha e viu-se de seguida nomeado comandante militar de Odessa, no Mar Negro, bem distante da capital soviética. «Estaline decidiu afastá-lo, mandá-lo para longe, e começaram longos dias de infelicidade», diz Svetlana Kazarova, que com o marido se mantiveram em contacto com Zhukov no seu exílio. «Algumas pessoas, bajuladores, deixaram de imediato de lhe telefonar, mas outras, que eram gente decente, receavam telefonar-lhe porque sabiam que a polícia secreta fazia escutas. Só se podia telefonar fora de casa […]. Ficámos muito magoados por causa de Zhukov. Sentíamos pesar nos nossos corações, mas mantivemo-nos todos em silêncio. Os nossos sentimentos nada podiam alterar […]. Penso mal daquele sistema porque este tratamento cruel era injusto, não tinha justificação, e o país não beneficiou de forma alguma com ele. Perdeu um homem que poderia ter conservado o exército em muito melhor forma.»”


(De “Segunda Guerra Mundial – À porta fechada, Estaline, os nazis e o Ocidente”, Laurence Rees, Edições Dom Quixote)

O separar das águas

A ofensiva da oligarquia global põe na ordem do dia a revolta e torna urgente a multiplicação e extensão das lutas se queremos evitar o pior. Mas a urgência do combate não nos dispensa de ter presente que é de combater criando democracia, defendendo a igualdade e a liberdade que se trata. Dois testemunhos concretos, de dois resistentes que pegaram em armas contra o fascismo - um deles, em Espanha, durante a Guerra Civil; o outro, em França, durante a Segunda Guerra Mundial, a Ocupação e o regime de Vichy - poderão ajudar a tornar mais sensível a necessidade do separar das águas.

Comecemos pelo testemunho de George Orwell, que combatia integrado nas milícias do POUM: Um dia de madrugada, outros homens e eu fomos armar uma emboscada aos fascistas nas suas trincheiras, fora de Huesca (…) Foi então que um homem (…) saltou por cima da trincheira e correu pelo parapeito diante dos nossos olhos. Estava meio vestido e segurava as calças com as duas mãos enquanto corria. Eu abstive-se de disparar sobre ele. Primeiro porque sou um péssimo atirador e seria pouco provável que atingisse um homem a correr à distância de cem jardas (…) Também não disparei por causa do pormenor das calças. Estava ali para disparar sobre os "fascistas", mas um homem que segura as calças não é um "fascista", é visivelmente uma criatura semelhante a ti, e não te sentes com a coragem de disparar sobre ele.
George Orwell, Recordando a Guerra Espanhola, Lisboa, Antígona, 1984.


O segundo testemunho é de Jean-Marie Domenach: O comandante de uma unidade FFI (…) regressava [clandestinamente] de comboio em direcção ao Sudoeste. Perto de Limoges, o maquis mandou parar o comboio. O nosso amigo viajava em primeira classe e reconhecera o chefe da Milícia, Darnand, que ia sentado diante dele. Depois de ter chegado, contou-nos a sua hesitação: "Bastava uma palavra minha e Darnand seria detido pelo maquis; mas não pude fazê-lo; não quis denunciar (…)  [H]oje penso que gestos como este (…) são um testemunho contra o absoluto da violência, e [que] essa atitude (…) adquire um outro sentido (…); talvez mesmo tenha dado uma outra dimensão ao nosso combate. Não era só a eliminação do inimigo que estava em causa, mas a própria denúncia. Nessa época, milhares de franceses tinham denunciado muitos dos seus compatriotas à polícia alemã, por vingança, por cupidez, ou simplesmente por paixão da ordem que, em época de crise, se torna histérica e assassina. A recusa de denunciar um homem que devia grande parte do seu abominável poder à denúncia, era a consciência de que o inimigo podia contaminar-nos no próprio momento em que estávamos certos de o vencer; significava afastarmo-nos dele, distinguirmo-nos dele em absoluto.
Jean-Marie Domenach, O Retorno do Trágico, Lisboa, Moraes Editores, 1968.

24/06/10

A bófia que trate dos pedófilos de sotaina que empestaram, há muito, a Igreja Católica com o abuso e o crime


É isso. E sigam as rusgas nas capelas e nas sacristias.

(publicado também aqui)

Versão Zézinha sobre a origem dos novos milionários

O número de milionários aumentou em Portugal, que seguiu a tendência mundial, mesmo em ano de crise e recessão, revela um estudo mundial feito todos os anos realizado pela Cap Gemini e pela Merrill Lynch e relativo a 2009.
De acordo com este estudo, há 11 mil pessoas com uma fortuna acima de um milhão de dólares, ou seja mais de 800 mil euros, mais 5,5 por cento que em 2008, ano em que foram contabilizadas menos de 10500 fortunas desta dimensão.
(
notícia da TSF)


Ao longo dos últimos anos, Portugal tornou-se um país de dependentes. Um número crescente de pessoas usufruiu de subsídios e a falta de acompanhamento e avaliação das situações levou a uma espécie de "turismo" da falsa pobreza pelos meandros do sistema, acumulando prestações dentro do mesmo agregado e conseguindo viver de expedientes, ou seja, à custa de todos nós. Em flagrante e ofensivo contraste com a classe média e média baixa que trabalhava, pagava os seus impostos e não tinha um único almoço grátis.
(
Deputada Maria José Nogueira Pinto, no DN)


(publicado também aqui)

Um Desfile que faz hoje 65 anos de idade

“Estaline não sentia apenas desconfiança relativamente aos estrangeiros – tinha também ciúmes dos seus camaradas. Queria, em particular, impedir que os seus generais ficassem com os louros do êxito do Exército Vermelho durante a guerra. Desde a Conferência de Teerão, onde se apresentara em uniforme militar, que se esforçara para recuperar a sua imagem de génio militar que triunfara na guerra pela União Soviética. Foi uma representação que culminou dezoito meses depois, em Potsdam, quando Estaline surgiu resplandecente no trajo branco de Generalíssimo da União Soviética. Todavia, ele e os que lhe eram mais próximos conheciam a verdade. Não só a sua clarividência militar não vencera a guerra, como também só depois de ele passar a interferir menos nas decisões tácticas de pormenor dos seus generais é que o Exército Vermelho começara a sua caminhada para a vitória.”

“No desfile da Vitória soviético, realizado na Praça Vermelha a 24 de Junho de 1945, correu a notícia de que Estaline pretendia consolidar essa falsa impressão de brilhantismo militar recebendo pessoalmente, montado a cavalo, a continência das massas de soldados em formatura. Contudo, depois de cair do cavalo enquanto ensaiava para o desfile, fora obrigado a desistir da ideia. Daí que o marechal Zhukov tenha assumido a posição central em lugar dele e tenha cavalgado com confiança diante das tropas reunidas. «O Desfile da Vitória foi um acontecimento brilhante na vida da União Soviética», diz Svetlana Kazakova, que era então oficial de comunicações no quartel-general de Zhukov e conheceu pessoalmente o marechal. «Ainda vejo aquilo na minha imaginação. Estava um dia de Verão e chovia, mas a Praça Vermelha estava decorada com estandartes vermelhos. As pessoas exibiam medalhas e condecorações, e estas brilhavam tanto que a sua luz se reflectia por toda a praça. Quando os ponteiros do relógio se aproximaram das dez horas, toda a gente ficou em sentido e depois ouviram-se os carrilhões, os carrilhões do Kremlin, e nesse momento, Georgy Zhukov, três vezes herói da União Soviética, entrou na praça montado num cavalo branco. Apresentou-se com tanta elegância como quando era um jovem tenente.» Forçado a ficar apenas a olhar para a figura fascinante de Zhukov no seu cavalo a trote para cá e para lá, Estaline, como seria de esperar, sentiu a inveja a correr-lhe nas veias. Mais do que isso, observou Zhukov com um sentimento crescente de inquietação. Estaline, um ávido estudioso de história, estava bem ciente do enorme poder popular que podia gerar um general triunfante – não usara Napoleão as suas vitórias no campo de batalha para usurpar a Revolução Francesa e arrebatar o poder aos políticos?”

“Zhukov teria de pagar o preço da sua popularidade. E o pagamento iniciou-se na sequência da detenção, no começo de 1946, de Alexander Novikov, o comandante da Força Aérea soviética.”


(De “Segunda Guerra Mundial – À porta fechada, Estaline, os nazis e o Ocidente”, Laurence Rees, Edições Dom Quixote)

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Polícia em todo o lado, justiça em lado nenhum


Os relatos das agressões a que foram sujeitos dois jovens da Cova da Moura, na madrugada de Domingo, às mãos da PSP da Amadora,  e algumas discussões que deles resultaram, parecem-me passar ao lado da questão mais importante. Abusos, agressões, insultos, são coisas comuns nos subúrbios de Lisboa e poucos serão os que nunca foram mal tratados pela polícia por estarem sentados num banco de jardim à noite, fumando tranquilamente a sua ganza e/ou bebendo a sua litrosa.
Mas o caso aqui é distinto e bastante mais significativo. Hezzbolah e LBC são dois militantes e activistas da luta contra a repressão polícial. Não se limitam a lamentá-la ou a sofrê-la em silêncio: denunciam, lutam, organizam, produzem conflito social. Organizaram uma manifestação quando foi assassinado Edson Sanches no ano passado. Dinamizam a Plataforma Gueto. Acompanham a situação política e assumem uma posição face a ela. Não por acaso, desceram a Av. da Liberdade a 29 de Maio, integrados na manifestação da CGTP, como o fizeram outras pessoas que acorreram à concentração anti-capitalista. 
E é por isso mesmo que já há algum tempo relatam a perseguição a que são submetidos pela polícia no sentido de os intimidar e dissuadir de lutar. O que aconteceu  Domingo na Amadora não foi um «incidente» mais, que se possa colocar na longa lista de abusos policiais. É um sinal político de que a mobilização de pessoas das classes sociais mais pobres e subalternas assusta os responsáveis pela repressão e os leva aos mais desesperados actos de crueldade. Eles foram torturados numa esquadra para que se deixem de «políticas». Para que fiquem no seu canto. Para que parem de lutar. Não houve nenhum equívoco na actuação daqueles polícias. Tratou-se de uma operação táctica. Eles batem porque têm medo e  têm razão em ter medo.