14/06/10

Para que se quer ver sangue?


É preciso resistir ao simplismo que consiste em julgar que quanto mais chocantes são as imagens do sofrimento e da morte, mais eficaz será o modo como através delas se denuncia a acção dos perpetradores da violência. É que se a denúncia tem – deve ter – um sentido político, ela não pode recorrer simplesmente ao terror da imagem.

Certas imagens dizem mais do que muitas palavras. Sem dúvida. Mas é imprescindível não confundir um “mostrar” que impede que se esqueça o que aconteceu ou um outro que garante que não se branqueie o que está a acontecer, de um “mostrar” posto ao serviço de uma “chamada às armas”. Não é desta ou daquela imagem, em última instância, que se trata, mas do seu uso, da sua instrumentalização.

Uma coisa é a violência da imagem que mostra a violência do real para a denunciar; outra, a violência da imagem que, mostrando a violência do real, preconiza implicitamente mais violência – chocar, indignar, revoltar, incitar a mais violência.  É este o terror da imagem: a imagem posta ao serviço de uma escalada de violência.

A denúncia, se tem uma dimensão política, não pode ser um mero apelo a uma resposta patológica – à vingança.

O “terror da imagem” não é uma questão de mau gosto. O “terror da imagem” – admitindo que a intenção que lhe subjaz é a de denunciar a violência e a contradição entre opressores e oprimidos – é contraproducente e perverso: contraproducente, em virtude de se poder sempre multiplicar as imagens chocantes, num exercício cuja ineficácia argumentativa se afere pelo facto de muitas dessas imagens – como as de uma criança morta – não provarem rigorosamente nada; perverso porque, incitando ao ódio, se aposta no círculo vicioso da violência que se denuncia; a termo, poderão inverter-se os papéis, sem que nunca, porém, se desmantele a lógica que preside ao círculo vicioso.

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