Tendo lidado e muito com jornais, por dentro e por fora, não sou nem nunca fui jornalista (pena minha). Gosto de jornalistas mas tento topá-los porque sei que têm um poder muito poderoso que, vezes demais, é mal utilizado segundo a bitola altíssima que associa a classe à dos padres e à dos juízes. Percebo, pois, que têm objectivos a atingir e, aí, o impacto vale muito, tanto que é recorrente ser obsessão. E o pior que lhes pode acontecer é um período arrastado em que as notícias, por mais que se esprema, simplesmente não existem.
Para o jornalismo e os jornalistas, Saramago foi perfeito no timing do seu passamento ao “escolher” a sua (má) data em intervalo prolongado da prestação dos “navegadores” no Mundial, numa altura de tédio e impaciência na espera do próximo jogo contra a alegria de Kim Jong-Il, o decisivo. E a depressão gerada por esta triste selecção, com a ideia adquirida de que “com estes gajos não vamos longe”, até criou um ambiente propício ao de luto vaidoso e grandiloquente com as cerimónias fúnebres que raiou a obscenidade papalva. Depois, o nosso escritor que foi o mais polémico enquanto escritor e cidadão, já deitado e sem vida, ainda deu pano para mangas à polémica e às paixões. Incluindo, pasme-se, com apostas, conjunturas e mudanças de propósitos quanto à eventual repartição e destino das suas cinzas. Saramago, que foi um experimentado jornalista, sabia tanto da poda que não quis, mesmo deixando de respirar, de dar matéria farta para os seus colegas mais jovens e a procurarem sobreviver na selva do trabalho precário. Oxalá o Sindicato dos Jornalistas, esquecendo a cansada e velha questão do DN, lho reconheçam de forma apropriada.
Entretanto, Sócrates, esse tão mal amado pelos jornalistas, vá-se lá saber porquê, não quis estragar o banquete jornalístico deixado como herança funerária por Saramago. Pois se amanhã temos os apaniguados de Kim Jong-Il pela frente, volta a vez de Cristiano Ronaldo e o sortilégio da tômbola que nos ditará esperança ou desespero. E Saramago volta aos seus livros, de onde, se calhar, nunca devia ter saído. Sócrates foi sábio e amigo dos jornalistas, permitindo-lhes engrenar as agendas e as notícias. O luto nacional foi, assim, bem estudado, nem menos nem mais que os dois dias deste fim-de-semana. Porque amanhã há futebol, tempo de arrumar os livros e esquecer os escritores e a literatura. Tinha algum jeito Portugal enfrentar os coreanos do norte, esses budistas marxistas-leninistas, carregados com o luto deprimido pela perda de Saramago? Sabendo-se, como se sabe que os livros não marcam penalties e fintas só as sabem fazer com os sonhos, os nossos sonhos. E esses não foram à África do Sul. Ou se foram, voltaram cedo com e como a clavícula do Nani.
(publicado também aqui)
20/06/10
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