30/09/10

Julgam que serão só eles?

Os cortes nos salários da função pública são também um sinal para os patrões: esqueçam o aumento do salário mínimo nacional e estejam à vontade para diminuir os salários dos vossos trabalhadores. Quem vê com indiferença, ou até com aberta satisfação, alguém a bater nos funcionários públicos, devia perceber que a próxima vítima será ele.

Ilusão Capital

Num regime Capitalista manda o Capital. Será que existe algum néscio que ainda acredite no rótulo "Democracia" que afixaram na frontaria da plutocracia que existe em Portugal?

Porque Portugal está condenado ao colapso.

O principal problema de Portugal, mais do que o deficit, é o quase nulo crescimento económico; e esse baixo crescimento é o resultado de nos últimos 10 anos os preços (e salários nominais) terem crescido muito mais depressa em Portugal (e na periferia da UE - Grécia, Espanha, Irlanda) no que no resto da Europa (suponho que o principal incentivo para isso tenham sido os juros baixos propiciados pela moeda única).

E o resultado desses preços altos é que os sectores que estão em competição com o exterior (seja porque exportam, seja porque competem com as importações), como a indústria ou a agricultura, perderam "competitividade" e deixaram de ser viáveis, ficando o país largamente reduzido aos sectores que tem que ser produzidos no lugar onde são consumidos, como o comércios, serviços e imobiliário, uma situação que não é sustentavel a prazo.

E há solução para isso? Não. Mesmo que fosse possível deflacionar (seja por uma deflação mesmo, seja saido do euro e desvalorizando o "novo escudo"), o resultado disso seria um aumento enorme do valor da dívida - p.ex., se tivessemos uma deflação de 30% (um número que costuma ser sugerido), isso significaria um aumento de 43% no valor real da dívida.

Desta forma, estamos entre a morte lenta do "não produzir nada" e a morte rápida da deflação e falência total; ou seja, acho que não há solução dentro do sistema.

Vamos poupar a sério? Imitemos a Costa Rica

No dia 1 de Dezembro de 1948, a Costa Rica aboliu as suas Forças Armadas, no Día de la Abolición del Ejército. E que tal devolvermos o Tridente, reformarmos os barulhentos e queixosos generais, retomarmos a posse de quartéis, paióis e carreiras de tiro? Fiquemos apenas com uma Guarda Costeira bem equipada, incluindo meios anfíbios, algumas aeronaves e fuzileiros. Tomamos conta do nosso mar, dissuadimos uma verosímil invasão marroquina e mais nada. Quem não tem dinheiro não tem palhaços.

Aníbal Alegre vs. Manuel Cavaco


«Não estou a combater nenhum governo, o meu combate é com Cavaco». Há frases aparentemente inócuas que são todo um programa político. O que Alegre nos diz com esta tirada é que se está nas tintas para a forma como somos ou não governados por este ou por outro governo. O seu adversário não é a pobreza, a desigualdade, o desemprego ou um primeiro-ministro troca-tintas e sem pingo de ética. Não; a batalha de Alegre é com o indivíduo que quer ocupar o poleiro que o poeta acha que lhe é devido.
Sempre que elenca as suas prioridades e os seus grandes valores, emite uma névoa de banalidades que em absolutamente nada o distingue do inimigo. O tal «melhor aproveitamento do mar» é lugar-comum há muito navegado pela múmia de Boliqueime (Alegre acrescenta-lhe o cómico «mas também da terra», deixando de fora apenas a atmosfera). O chavão de querer «que os centros de decisão continuem em mãos nacionais» já anda na mala de Cavaco há anos. A «sustentabilidade do próprio Estado Social» idem. Nem o exorcismo ao FMI traz qualquer novidade.
Mas pode ser que até às eleições alguém me apresente uma razão para votar neste saco cheio de vento.

Uma excelente razão para comemorarmos com infinito júbilo a implantação da República

Este fulano podia hoje ser o nosso chefe de Estado.

Espero que os submarinos metam menos água que o ministro

Teixeira dos Santos lembrou-se de apresentar como motivo para a derrapagem orçamental o custo dos submarinos. Como se se tratasse de uma despesa de última hora, imprevista e imprevisível.

Uma terapia de choque alternativa

Luís Januário em A Natureza do Mal sobre o novo pacote de medidas de combate ao défice:

Recomendação e adenda

Ligação directa e urgente para este post de Ana Cristina Leonardo. Branco é…
Com uma adenda interrogativa, todavia: a omissão da estrela internacional do BE, do paladino da primeira hora da louçã campanha de Alegre, dever-se-á, na pastelaria, ao défice de meditação ou, como prefiro conjecturar, ao de bolas de Berlim, decorrente da crise?

29/09/10

A promoção britânica da delação como política securitária e a guerra de todos contra todos

L'Etat britannique -qu'il soit de gauche, de droite ou au centre- continue sa croisade anticriminalité en n'hésitant pas à développer un climat de suspicion et de méfiance entre ses citoyens — lemos no final de um artigo de Elisabeth Blanchet, publicado na Rue89. E, na realidade, tudo o que poderíamos dizer, considerando os elementos que o artigo nos fornece, é que a conclusão peca, quando muito, por defeito. O "clima de suspeita e de desconfiança" entre os cidadãos legitima o autoritarismo antidemocrático do Estado oligárquico, ao mesmo tempo que, visa instaurar entre os dominados, sempre em proveito de uma oligarquia cada vez mais fechada e bem armada, a guerra de todos contra todos. Senão vejam-se os seguintes excertos da reportagem referida:

Pratiquer la délation fait partie des mœurs des citoyens de Sa Majesté. (…) La police britannique n'hésite pas à encourager la pratique de la dénonciation pour faire justice.
Le succès de Crime Stoppers, organisation non-gouvernementale (ONG) dont le but est d'aider la police à attraper des criminels, en est un bon exemple. Des avis de recherches sont diffusés sur le site internet de l'ONG et l'on est encouragé à « combattre le crime, sans révéler son identité », moyennant récompenses.
L'émission Crimewatch de la BBC, diffusée tous les mois en prime time, lance elle des appels à témoins sur la base de reconstitutions des affaires criminelles non-résolues. Elle réunit des millions de téléspectateurs-justiciers, et est aussi un exemple du succès de la culture de la dénonciation au Royaume-Uni.
Mais en Grande-Bretagne, informateur ne rime pas seulement avec justicier, comme le précise Ed West :
«Aujourd'hui, de plus en plus de gens sont prêts à dénoncer des délits mineurs, tels que la fraude aux allocations par exemple. Le gouvernement encourage cette pratique. C'est là que le système va trop loin».
La dénonciation est devenue d'autant plus facile qu'il existe, depuis plusieurs années, des hotlines gratuites, ouvertes tous les jours de 7 heures à 23 heures, et qui garantissent l'anonymat du dénonciateur.
Certaines mairies poussent le bouchon jusqu'à offrir des récompenses si la personne dénoncée est effectivement coupable. Les résultats sont impressionnants : un tiers des bénéficiaires d'allocations en Grande-Bretagne sont -à tort ou à raison- dénoncés par des voisins.
Il y a encore une dizaine d'années, dénoncer était tabou, notamment dans les milieux ouvriers. Duncan Campbell, journaliste au Guardian, raconte : «Il y a quelques années, dans un quartier populaire de Liverpool, j'ai vu le nom d'un mouchard (…) peint sur un mur, c'était une façon d'humilier les mouchards. Je n'arrive pas à me rappeler la dernière fois avoir vu ça à Londres… Les temps ont changé».
Pire, on tailladait le visage des mouchards et en prison, ils étaient incarcérés dans des cellules isolées car on ne donnait pas cher de leurs peaux. Cette perception de la dénonciation était surtout ancrée dans les mileux populaires où, par principe, on se méfiait de la police. Aujourd'hui, à coup de matraquage publicitaire et de récompenses, la dénonciation est une habitude britannique qui se développe et touche de plus en plus de domaines. 

Kim Jong-un, o “Brilhante Camarada”

Um tirano decrépito que herdou o poder absoluto das mãos do seu pai prepara as coisas para que o seu filho com 27 anos comece a partilhar o comando dos cordelinhos da paródia paranóica que é o regime norte-coreano (que, nas Festas do Avante, tem e sempre teve direito a uma barraquinha solidária para debitar a propaganda deste “partido irmão” do PCP). Para já, Kim Jong-un, já com direito ao cognome de “Brilhante Camarada”, o premiado neto de Kim Il-sung e filho de Kim Jong-il (o ditador em exercício, que tenta esconder a baixa estatura com saltos altos nos sapatos e uma farta e alta cabeleira), ascendeu ao posto de general das Forças Armadas e passou a integrar o Comité Central do Partido Comunista e tomou uma vice-presidência da Comissão de Defesa Nacional - CDN (num país, lembre-se, dotado de armas atómicas). Mas dados os verdes anos de Kim Jong-un para tamanhas responsabilidades, uma sua tia, Kim Kyong-hui, e o marido desta, Jang Song-taek, foram igualmente promovidos a generais e a vice-presidentes da CDN.

Praticamente todas as notas sobre o regime norte-coreano e as suas soluções extravagantes, como as que vão ser desencadeadas agora com a ascensão do neto de Kim Il-sung, prestam-se a explorar humoristicamente a inesgotável fonte de ridículo proporcionado por esta aberração comunista. Mas acontece que estamos a falar de um país e de um povo. Concretamente, de vinte e quatro milhões de pessoas prisioneiras de um poder de manicómio, relegados para a miséria e a fome, sujeitas a uma repressão implacável (250.000 prisioneiros em campos de trabalhos forçados). Sim, por muito que pareça, aquele manicómio, arvorado de um “poder de vanguarda” que degenerou para um comunismo com tara monárquica, não é uma companhia de comediantes que ali está para nos distrair e divertir. Espolia, oprime e reprime. E anda com armas atómicas na algibeira.

(publicado também aqui)

A crise começa aqui

Luís Campos e Cunha, Pedro Ferraz da Costa, Ernâni Lopes, Francisco Sarsfield Cabral, Luís Delgado, Nogueira Leite, Helena Matos. Foram estas as pessoas que até agora tiveram lugar na TV para comentar as duras medidas de austeridade do governo. E ainda falta João Duque, Medina Carreira e César das Neves. Sim, a crise começa aqui.

Dona Heloísa já vai a Belém e agora quer “entrar nas negociações”…

Lê-se e contem-se o espanto:

«Se o Governo parte deste pressuposto de que há partidos na Assembleia da República com quem não vale a pena negociar, é o Governo que se está a pôr à margem», lamentou, manifestando a disponibilidade de Os Verdes para também entrar nas negociações.

Por dever para com o formalismo regimental, Cavaco alimentou essa ficção e das mais grotescas trapaças partidárias que se chama “Os Verdes” (uma ficção inventada e alimentada pelo PCP para esconder a "foice e o martelo" dos boletins de voto) e recebeu a Dona Heloísa nas sessões de consulta presidencial aos partidos. Perante o convite, e por decência, Dona Heloísa devia esquivar-se a evidenciar de forma máxima o embuste, disfarçando a vergonha pelo engano partidário de que fez modo de vida. Mas Dona Heloísa é uma verdadeira funcionária profissional (uma "camarada de confiança") e vai daí, embalada pela honra da entrevista, quer ser parceira de “negociações” com o governo (!). Em nome de quê? Sim, com quantos eleitores conta este fingimento chamado “Verdes”? Mais ou menos que os recolhidos por Dona Carmelinda ou pelo Doutor Garcia? Nunca o saberemos porque não se arriscam à vergonha monumental de, a solo, irem a votos. Pois, são verdes, não coram.

(publicado também aqui)

Quem é ele, quem é?

«He was born in 1957 and spent his early years in the city of Covilhã. At the age of 18 he went to Coimbra, where he earned a degree in civil engineering. He received an MBA in 2005 from the Lisbon University Institute.»

Aposto que ninguém adivinhou. Este delírio faz parte do CV do nosso PM, o quase-engenheiro Sócrates. Fresquinho, acabado de chegar à Columbia University.

Convenhamos que este post é um pouco repugnante

«Têm a certeza que há desemprego? Seiscentas mil pessoas nessa situação? Cerca de 11% da população activa? Verdade? É que vi há pouco na tv uma manif de trabalhadores dos hipermercados a protestar pela possibilidade de vir a trabalhar aos domingos à tarde.»
Não sei o que passa pela cabeça do Eduardo Pitta quando ele coloca o chapéu de acólito do governo. Mas postular que um trabalhador agora deve aceitar tudo, mas tudo, o que lhe quiserem impor... já me parece de mais. Não tarda, temos aí o regresso da escravatura sob a desculpa do "com o desemprego que aí anda, até não estão mal. Sempre têm tecto e comida."

Leitura obrigatória

Vital Moreira:

Pela profundidade da sua análise e pela pertinência das suas propostas, o Relatório da OCDE deveria constituir leitura obrigatória para políticos, empresários e dirigentes sindicais, comentadores e jornalistas.

(publicado também aqui)

29/9


WILEBALDO SOLANO (1916-2010): "La crítica radical de la experiencia estalinista y de las nuevas tendencias del capitalismo imponen un poderoso renacimiento de los valores auténticos del socialismo"

Do boletim electrónico da Fundación Andreu Nin, que assinala a morte de Wilebaldo Solano no passado dia 7 de Setembro, publica-se aqui, como homenagem ao velho revolucionário, a nota biográfica que o site da mesma fundação lhe consagra:

Wilebaldo Solano nació en Burgos el 7 de julio de 1916. Terminó los estudios secundarios en el Instituto Balmes (Barcelona). A la caída de la dictadura de Primo de Rivera fue uno de los organizadores de la primera agrupación de estudiantes de Bachillerato y, más tarde, uno de los fundadores de la Federación Nacional de estudiantes de Cataluña. Estudió medicina en la Universidad Autónoma de Barcelona y fue discípulo de August Pi i Sunyer y de Josep Trueta. En 1932 se incorpora a las Juventudes del BOC y animó la Asociación de Estudiantes Revolucionarios de Barcelona. Siendo miembro del Comité Ejecutivo de las Juventudes del BOC, comenzó a trabajar como periodista en 1934, en Adelante, diario dirigido por Joaquín Maurín. Participo en los hechos de Octubre de de 1934 como miembro del Comité de la Alianza Juvenil de Cataluña.

A principios de septiembre de 1935, fue elegido secretario general de la Juventud Comunista Ibérica en una conferencia general celebrada en Barcelona, tras una estancia en Valencia como delegado del C.E. del POUM en el País valenciano, donde fundo el semanario El Comunista . Durante la Revolución y la guerra civil representó a la JCI en el Comité Ejecutivo del POUM y dirigió el semanario Juventud Comunista . Fue uno de los promotores del Frente de la Juventud Revolucionaria, formado en 1937 por la JCI, las Juventudes Libertarias y otras agrupaciones juveniles. En Noviembre de 1936 fue elegido, en una conferencia celebrada en Bruselas, secretario general del Buró Internacional de las Juventudes Socialistas Revolucionarias, en el que figuraban organizaciones de jóvenes de Inglaterra, Alemania, Italia, Suecia, Grecia y otros países de Europa. Escapó al golpe policiaco stalinista del 16 de junio de 1937 contra el POUM. Con Molins i Fábrega, Gironella, Josep Rodes y Joan Farré Gassó constituyó el segundo Comité Ejecutivo del POUM, organismo que organizó en condiciones muy difíciles la resistencia a la represión contra el POUM y la campaña internacional en favor de Andreu Nin y los demás dirigentes encarcelados. Durante ese período, dirigió el semanario clandestino Juventud Obrera. Fue detenido en abril de 1938 y encarcelado en la Prisión del Estado de Barcelona (ex-convento de Deu y Mata) con los demás dirigentes del POUM (Andrade, Gorkin, David Rey, Gironella). Fue incluido, con Rodes, Farré y otros, en el segundo proceso del POUM, que no llegó a celebrarse a causa de la caída de Barcelona. Evacuado a la prisión de Cadaqués con los otros dirigentes del POUM, pasó a Francia en febrero de 1939. Vivió unos meses en París y en Chartres, en residencia vigilada,, y formó parte del CE del POUM que trató de reorganizar el partido en el exilio y en España, y mantener las relaciones con las organizaciones afines de Francia y otros países de Europa y América. Detenido en Montauban en febrero de 1941, fue juzgado y condenado a 20 años de trabajos forzados por un tribunal francés al servicio de los nazis. Fue liberado el 19 de julio de 1944 tras el asalto al presidio de Eysses efectuado por un grupo de guerrilleros de la Resistencia francesa. Permaneció en el maquis que le liberó hasta que pudo organizar, con militantes de la CNT y del POUM, una unidad de guerrileros españoles, el Batallón Libertad. Pidió y obtuvo la desmovilización en abril de 1945 para consagrarse a la reorganización del POUM y a la publicación de La Batalla .

En 1947, tras un viaje clandestino a Madrid y Cataluña, fue elegido secretario general del POUM en una conferencia general del partido celebrada en Toulouse (Francia), con representantes de la organización ilegal española y de los grupos del exilio en Francia, Africa del Norte y América Latina.

En su largo exilio en Francia, además de dirigir La Batalla , considerada como una de las mejores publicaciones españolas de la emigración, Solano fundó y animó Tribuna Socialista en 1960, revista que alcanzó una notable difusión en España en una época en que la resistencia a la dictadura franquista cobró un nuevo auge esperanzador. Por lo demas, Solano participó en numerosas actividades internacionales y, en particular, en la creación del Movimiento por los Estados Unidos Socialistas de Europa, una de las primeras organizaciones europeistas después de la guerra, y del Congreso de los Pueblos contra el imperialismo, en el que se agruparon la mayor parte de los movimientos de emancipación nacional de Africa y de Asia .El POUM estuvo en primera línea con esos movimientos, aumentando así su prestigio en el movimiento anticolonial.

Profesionalmente, trabajó en la Agencia France Presse entre 1953 y 1981. Fue jefe del Servicio Features en lengua española. En 1975-76, cuando se produjo la crisis del POUM, se opuso a la disolución del partido y al ingreso en la socialdemocracia. Animó Tribuna Socialista como revista del POUM y se pronunció por el reagrupamiento de los grupos que se inspiraban en el marxismo revolucionario.

Solano es autor de una biografía de Nin, de una historia de la JCI y de numeroso ensayos sobre el POUM, el exilio español en Francia y los problemas que plantea el naufragio de la URSS y el desmoronamiento del stalinismo, colaborando intensamente en la preparación y la realización de films como Tierra y Libertad de Ken Loach, Operación Nikolai (investigación en Moscú sobre el asesinato de Nín) y La Esperanza como memoria de Jorge Amat. Ha colaborado en numerosas publicaciones de España y de Francia. A finales de 1999 apareció su libro El POUM en la Historia. Andreu Nin y la Revolución española, Ed. Libros de la Catarata y Fundación Andreu Nin, Madrid, 1999.
Desde mediados de los años 80, fue uno de los fundadores y animadores de la Fundación Andreu Nin, que se fijó como objetivo la rehabilitación total del eminente revolucionario y la aclaración definitiva de su secuestro y asesinato, al propio tiempo que la defensa del socialismo revolucionario y el diálogo con todas las tendencias del movimiento obrero.

En octubre de 2006 fue objeto de un homenaje en el Congreso de los Diputados al que se adhirieron y en el que participaron las principales organizaciones de la izquierda parlamentaria (PSOE, IU, ERC).

Wilebaldo Solano falleció en Barcelona el 7 de septiembre de 2010 a los 94 años de edad.

BIBLIOGRAFÍA
— Andreu Nin, ensayo biográfico (1970). Este ensayo se publicó como introducción al libro Els Moviments d'emancipació nacional por Ediciones Catalanas de París. Editado como folleto en castellano, catalán, francés e inglés (The life of Andres Nin, Ediciones del ILP, Leeds 1974). La última edición de este texto, acompañada de otros trabajos suyos sobre Nin es Biografía breve de Andreu Nin (Sepha, 2006).
— La Revolution Espagnole, por Pierre Broué, Wilebaldo Solano y Gérard Bloch. Etudes Marxistes, París, 1969.
— Dialegs a Barcelona, Wilebaldo Solano-Llibert Ferrí, Ayuntamiento de Barcelona,1994.
El POUM en la Historia. Andreu Nin y la Revolución española , Ed. Libros de la Catarata y Fundación Andreu Nin, Madrid, 1999.
— Le POUM: Révolution dans la guerre d´Espagne, Syllepse, Paris, 2002

Sakineh Ashtiani

A hipocrisia e a cobardia mais vis conjugam-se com a obstinação clerical-totatlitária mais exasperada na reciclagem da sentença que acaba de confirmar a condenação de Sakineh Ashtiani à morte, ao mesmo tempo que substitui a forca ao apedrejamento como método de execução. Mediante um expediente sem escrúpulos, as autoridades iranianas deixam cair a lapidação, receando as repercussões que poderia causar no plano internacional, mas fazem-no salvando a face, na medida em que mantêm o princípio do apedrejamento como punição do adultério, e não poupando a morte a Sakineh, condenada agora à forca na sequência de uma acusação de homicídio. Com o que contribuem, também e à escala global, para a legitimação e defesa da pena de morte.
O duplo cálculo é que 1) a opinião pública iraniana e internacional aceitará mais facilmente a aplicação da pena de morte por enforcamento do que através da lapidação, do mesmo modo que 2) não contestará a execução de uma homicida tão radicalmente como contestou até aqui a perspectiva da execução de uma mulher incriminada por adultério — ou que, em todo o caso, a audiência dos protestos que continuem a exprimir-se será menor. O mais inquietante é que o cálculo das autoridades iranianas resulte e que a campanha contra os aspectos mais odiosos da sua actuação (manutenção da pena de morte em geral e do apedrejamento como punição do adultério em particular, tortura legal utilizada como meio de recolha de provas, absoluta arbitrariedade do poder político e judicial legitimado por meio da invocação religiosa, etc.), em vez de se intensificar perante esta manobra e os sofismas que a acompanham, acabe por extinguir-se à medida que os dias passam.
Quanto ao resto, este breve resumo, publicado por El País, da actuação das autoridades judicial-clericais iranianas é suficientemente esclarecedor:

después de que el poder judicial respaldara ayer la versión del Gobierno iraní, según la cual Sakineh habría sido condenada a muerte por el asesinato de su padre (…) [s]u portavoz y fiscal general, Gholamhosein Mohsení-Ejeí afirmó que Sakineh va a morir en la horca "porque ha sido encontrada culpable de asesinato [de su marido] y esa condena precede a la de adulterio", según la agencia semioficial Mehr. Esta reinterpretación del caso no se corresponde con los hechos conocidos.
Sakineh fue condenada a morir lapidada por un presunto delito de adulterio. Sin embargo, la movilización internacional contra ese castigo inhumano ha llevado a las autoridades a reescribir su caso. Desde del verano, la diplomacia iraní defiende que la mujer no está condenada a morir apedreada y que se estaba investigando su complicidad en la muerte de su marido. Sin embargo, "nunca ha habido un juicio en el que Sakineh haya sido acusada de asesinato", recuerda un comunicado de la Campaña. El responsable de ese delito fue condenado a muerte por un tribunal de Tabriz y luego perdonado por los hijos del matrimonio.

28/09/10

Como surge uma nova linha de negócio

Pela nova lei dos abonos de família, é necessário declarar os valores que se tinha em contas no banco a 31/12/2009.

Face à maré de gente que está a ir aos bancos para pedir essa informação, alguns deles estão a cobrar 30 euros para a darem.

Irlanda, os mitos e as realidades (II)

Miguel Noronha responde ao meu post sobre o assunto.

Realmente é verdade que os liberais também foram (talvez até mais que grande parte da esquerda) bastante criticos dos bailouts à banca. O que eu queria dizer era:

a) A Irlanda gastou muito mais dinheiro que Portugal/Espanha/Grécia a salvar bancos (bem, tecnicamente talvez não tenha gasto muito dinheiro liquido, mas assumiu o passivo de bancos mais ou menos falidos, o que vai dar ao mesmo)

b) A Irlanda fez um bocadinho mais de poupanças na despesa pública corrente do que P/E/G

E o certo é que no ultimo ano havia montes de artigos escritos por liberais (admito que não pelo colectivo dos liberais) elogiando os cortes irlandeses em contraponto com os países da Europa do Sul (sobretudo Portugal), o que me parece uma valorização de b) face a a) - afinal, se o dinheiro gasto/empatado com a salvação da banca irlandesa foi muito maior que o poupado com os cortes na despesa, o lógico não seria escrever artigos dizendo "É assim que se corta na despesa" mas algo do género "Como fingir que se corta na despesa: gastar uma enormidade em X e reduzir um bocadinho em Y" (um pouco como aliás alguns fizeram a respeito dos bónus dos gestores das empresas bailoutadas nos EUA).

Já agora convém recordar que o entusiasmo liberal e "liberalizante" pela Irlanda não nasceu nos últimos meses - há uns 15 anos que esses sectores apresentam a Irlanda como o modelo a seguir (e creio que é sempre o país da zona euro no topo dos rankings de "liberdade economica" da Heritage Foundation).

E quanto ao argumento que "Se não tivesse havido o plano de austeridade a Irlanda estaria mil vezes pior"? Bem, provavelmente não estaria muito melhor, mas será que estaria muito pior?

Em primeiro lugar, penso que não há grandes dúvidas que uma politica de austeridade tende a reduzir o PIB nominal (creio que a polémica entre os economistas é mais se o efeito principal é diminuir o PIB real ou os preços, não que a diminuição ocorra). E uma diminuição do PIB (seja real ou nominal) leva também a uma redução dos imposto cobrados. Assim temos:

Déficit orçamental= Despesa primária + Juros da dívida - Impostos

Deficit em % do PIB = (Despesa primária + Juros - Impostos)/PIB

Uma politica de austeridade, em principio, deixa os juros na mesma e leva a uma redução (pelo menos em termos nominais) da despesa primária (isto é, da despesa que não o serviço da dívida), dos impostos recebidos (a menos que parte dessa austeridade também seja um aumento de impostos, mas isso tem também os seus problemas) e do PIB. Ou seja, determinar se uma politica de austeridade vai ou não reduzir o deficit depende de vários factores (penso que, por regra, quando mais endividade e "en-jurado" um país estiver mais dificil é reduzir o deficit pelos cortes na despesa); e, mesmo que a austeridade reduza o deficit absoluto, pode aumentar o deficit (e o endividamento) em percentagem do PIB.

Note-se que dizer "a austeridade não é solução" não equivale a dizer "a não-austeridade é solução" - a minha opinião é que, com ou sem austeridade, o caminho mais provável da Irlanda/Portugal/Grécia é, ou a bancarrota (com o default - provavelmente temporário - de parte da dívida), ou tornarem-se um protectorado financeiro do resto da UE (que assumiria parte da dívida - a troco, claro, do fim real da independência e até certo ponto da democracia); é verdade que qualquer dessas hipoteses também irá implicar austeridade, mas ao menos será uma austeridade com uma saída previsivel a prazo.

Semana Finkelstein

Não é fácil movermo-nos na floresta de factos, interpretações e mal-entendidos que assombram o chamado conflito israelo-palestiniano. Norman Finkelstein é um dos nomes que nos pode auxiliar nessa tarefa. O académico norte-americano tornou-se conhecido com A Indústria do Holocausto, publicado inicialmente em 2000, onde analisa criticamente os aproveitamentos políticos e financeiros em torno do extermínio de judeus levado a cabo pelos alemães. Editado já este ano, o seu último livro - This Time We Went Too Far - analisa a invasão israelita de Gaza, ocorrida entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009. Crítico declarado da política de guerra israelita, Finkelstein procura não perder do horizonte a expectativa de uma paz justa. Vai estar em Portugal esta semana, para dar conferências em Lisboa, Porto e Coimbra.


Programa de Conferências de Norman Finkelstein em Portugal

Um Alegre catavento

Na sexta-feira, Manuel Alegre garantia que se fosse com ele, já teria reunido com os partidos. Na mesma ocasião, ainda apelou a Cavaco para que tivesse um papel moderador. Dois dias depois, já descobriu que «quem decide [sobre o OE2011] são os partidos políticos», denunciando «um excesso de dramatização», culpa de «alguns sectores perto do Presidente.» Ia ser bonito se algum dia ele se visse em Belém, ia.

Na guerra dos sapatos, o império contra-ataca?

Surgiu há dias a notícia de que o líder das FARC teria sido localizado graças a um chip inserido à socapa num dos seus sapatos. Mas já há quem garanta que querem é tirar o brilho ao ataque e colocar "em risco" futuras operações similares. O que se pode concluir disto é que fez bastante falta um chip mais preciso no sapato da foto acima...

Afinal, há vida para lá da poupança

Alguém me explica para que é que uma empresa quase monopolista como a EDP precisa de uma campanha institucional destas? Mais: como é que uma empresa de capitais maioritariamente públicos se pode dar a tal luxo uma vez por ano? Qual o objectivo deste investimento mediático? Dissuadir os consumidores de comprar electricidade à Iberdrola? Convencê-los a deixar as luzes ligadas a noite toda?
Ainda por cima, estas campanhas não passam de amontoados de lugares-comuns e de banalidades já mil vezes vistas. Mas deve haver alguma explicação. De preferência, uma que não passe pelo ego do Presidente do Conselho de Administração Executivo da EDP.

Os movimentos sociais à escala mais capilar

Quem frequente os comboios da linha de Cascais tem hoje motivo de susto nos jornais. Ao que parece, a anulação do concurso para a compra de 36 novas composições vem colocar os passageiros em risco.
«O porta-voz da Comissão de Utentes da Linha de Cascais, Filipe Ferreira, considerou que com a anulação do concurso, "o Governo está a pôr em causa a segurança dos utentes".» Isto porque «a segurança continua a ser esquecida. É óbvio que a linha necessita de novo material circulante e, mais uma vez, é o 'utilizador-pagador' que é prejudicado"». Vai daí, a atenta comissão «repudia completamente mais uma tomada de posição que, com a desculpa da crise, vem piorar o serviço do contribuinte e dos portugueses".»
Francamente, não consigo entender o óbvio de tal necessidade. E ainda menos entendo a invocação da segurança, a não ser num quadro de terrorismo verbal; numa manobra que visa apenas atacar o governo apondo-lhe o labéu de criminalmente irresponsável. Por fim, ignoro também como é que a degradação do serviço prestado na linha de Cascais será consequência inevitável do adiamento daquela compra.
Mas, no fundo, até entendo bem. Em dias de agitação social, ver os noticiários da TV na companhia de um militante comunista de longa data traz sempre uma diversão acrescida: a cada representante dos utentes disto e daquilo, lá surge mais uma identificação de um camarada.
Ignoro se aquele Filipe Ferreira é o mesmo que foi candidato da CDU à junta da Parede há uns anos. Nem isso é muito importante. Revelador é a ligeireza com que se brande a segurança de dezenas de milhares de pessoas como ferramenta em mais uma ofensiva contra a austeridade nas empresas estatais. Um evento microscópico destes não encerrará por certo grandes complexidades ideológicas para escalpelizar. Mas em termos tácticos, revela bem a instrumentalização sem vergonha que rege a acção de alguns destes organismos – em detrimento da sua credibilidade e dos objectivos bem concretos que deveriam tentar alcançar.
No fundo, ficamos todos a perder quando uma comissão de utentes, o Mayday ou seja lá que movimento for se reduz à corrida atrás de microfones e de câmaras para fazer coro com partidos políticos.

Da pedra para a corda



E agora, Sakineh Mohammadi Ashtiani, cadê indignação e protesto ? Ou o problema estava nas pedras ?

(publicado também aqui)

Resultados das eleições venezuelanas

PSUV - pró-Chavez
MUD - oposição de direita
PPT - oposição de esquerda

Ou as virtudes dos sistemas eleitorais maioritários.

27/09/10

Movimentos


Este  debate, despoletado por este post, desviou-se, parece-me, das duas questões substanciais que estiveram na origem das discussão, ao caminhar num sentido progressivamente mais abstracto, em que tanto a natureza do movimento social como a do partido político em questão, foram evacuados
Pode-se evidentemente ter, da organização de trabalhadores precários e das diferentes opções políticas que ela convoca, as mais variadas opiniões. Mas quando se integra uma dinâmica de mobilização à escala internacional, que teve uma determinada origem e parte de certas premissas relativamente ao seu funcionamento interno e objectivos, é avisado tê-lo em conta. O Mayday Lisboa (e Porto e Coimbra) pode e deve fazer um percurso próprio e em nada deve «obedecer» a uma tradição ou seguir as pegadas de outros. Mas não deve ignorar que a dinâmica que deu origem a este movimento caminha num sentido outro que não o da escolha de porta-vozes, a fugaz ocupação do tempo de antena ou a vaga de fundo para esta ou aquela proposta legislativa.
Acontece que o Bloco de Esquerda se caracteriza precisamente  - e não me parece estar a ser injusto ao afirmá-lo - por uma estratégia  assente no pressuposto de que em políticasó existe aquilo que a opinião pública sabe que existe. O corolário dessa estratégia é a formatação de toda a acção segundo o critério da sua visibilidade mediática. No meu modesto entender, esta é uma forma que escolhe o seu próprio conteúdo e que privilegia a selecção de rostos e vozes capazes de protagonizar esse tipo de intervenção. Para além disso, como Francisco Louçã não se tem cansado de repetir, o Bloco deseja operar as transformações que ambiciona para a sociedade portuguesa (e, imagina-se, mundial) a partir do exercício da governação, pondo em prática uma política socialista. É por isso natural que subordine a sua intervenção política  a esse objectivo e avalie os movimentos sociais a partir desse prisma -  e que os seus militantes, bem assim como os seus funcionários, sejam convidados a fazê-lo.  É um assunto que diz respeito aos militantes do Bloco de Esquerda e, numa outra escala, aos seus eleitores. Ninguém põe em causa a legitimidade dessas opções.

Muito próximo do “homem novo” e que já tardava ao fim de 50 anos de socialismo



Agora acelerada por via chicotada social, a da “cuentaproprista”.

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A democracia dos campos (sem flores...) e do "estado de urgência".

 Na manifestação parisiense contra as recentes medidas repressivas e as acções de limpeza étnica do governo francês podia-se ler numa faixa : « Somos todos um descampado! ». Dias depois, aquando da primeira grande manifestação contra a nova lei das pensões de reforma, um grupo de operários da Peugeot desfilava com um cartaz « Não são os Roms que devem ser expulsos mas os banqueiros ».
As sucessivas mobilizações de rua contra a nova lei têm vindo a cristalizar um profundo descontentamento social. Um sinal que não engana é a importância das manifestações em todo o país. Vários são os exemplos de cidades de província com 40 000 / 50 000 habitantes, onde metade da população vem à rua protestar. As motivações ultrapassam o terreno da nova lei, para exprimir uma insatisfação geral das condições de vida, do rumo da política oficial e das sinistras perspectivas de futuro. Os manifestantes contestam também as políticas repressivas, vistas como uma derivação contra a incompetência, ou a incapacidade, do governo para afrontar os problemas sociais da crise económica. Como é sabido, o medo é hoje uma táctica de governação. O conceito de “insegurança” é assim laboriosamente reduzido aos ladrões de supermercado e de sacos de velhas senhoras. Deixando de lado a insegurança social engendrada pelo sistema. Mais ainda, a grande delinquência da qual faz parte a corrupção da classe política. O extraordinário folhetim Bettencourt tem vindo a mostrar a que ponto os políticos são servidores bem remunerados dos proprietários do sistema económico.
Assim, não é estranho que os sectores mais combativos do mundo assalariado continuem a radicalizar-se politicamente no decurso destas movimentações contra a nova lei das pensões. Confirmação de que os valores de justiça e igualdade social permanecem profundamente enraizados na memória social da sociedade francesa. Uma sociedade que aceita mal a justificação de sacrifícios em nome do chamado « interesse geral » que se revela ser o interesse de uma classe capitalista, cada vez mais rica, numa sociedade que nunca foi tão rica. A propósito tinha eu já feito algumas considerações no texto « Reflexões em tempo de gripe permanente » (17 de Março de 2010), publicado em Passa Palavra, (http://www.passapalavra.info/).

Hans Rudolf Merz, o ministro literalmente sincero no ridículo do uso do pretexto da crise





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Alguém me empresta este CD?


Algures nos anos sessenta, Morton Feldman recebeu a dedicatória do poema Wind, de Frank O'Hara. Em 1982, compôs Three Voices, que descreveu como sendo uma elegia dedicada à memória de O'Hara e do pintor Philip Guston. A obra, uma das poucas de Feldman que integra recursos electrónicos, foi dedicada a Joan La Barbara, cantora e compositora já então famosa pelas suas gravações de obras de John Cage.
Embora a execução ao vivo por três cantoras fosse também autorizada pelo compositor, o seu modo de execução predilecto era por uma só cantora, posicionada à frente de duas colunas de som, de onde emergiam as restantes vozes, pré-gravadas. As colunas lembravam-lhe tumbas, mensageiros das vozes dos mortos, o que lhe parecia adequado ao carácter elegíaco da composição.
As harmonias subtis desta peça destinada a ser ouvida em volume reduzido conseguem ser emocionantes sem nunca recorrerem ao sentimentalismo fácil nem à ginástica vocal. Às sílabas abstractas do início junta-se a partir do quarto andamento (se bem me lembro) a presença etérea de alguns versos do poema de O'Hara. O resultado é uma composição literalmente assombrosa no seu recato introspectivo. Uma obra-prima do século XX. Existe uma versão de 90 minutos, ainda hoje ocasionalmente executada por La Barbara, mais extensa do que a edição em CD.
Por mais que tente, apenas consigo encontrar a versão de Marianne Schuppe. Da primeira versão, só tenho MP3, o que não é bem a mesma coisa. Anda por aí alguma alma caridosa que me facilite o acesso a este disco só por uns minutitos?

A natureza do "Partido Socialista"

A respeito deste post de Daniel Oliveira, eu diria que a principal peculiaridade do PS português (que, por sua vez, afecta todo o sistema político nacional) é que nem sequer nas suas raizes é um partido socialista - o PS é o herdeiro "orgânico" do Partido Republicano Português (do "racha-sindicalistas" Afonso Costa), não do movimento socialista do século XIX e principio do século XX.

Desta maneira, diria que o PS acaba por ter mais a ver com partidos como o antigo Partido Radical francês ou alguns partidos liberais que se posicionaram no centro-esquerda (como os Liberais canadianos ou os Liberais/Liberais Democratas britânicos pré-Nick Clegg) do que com os seus parceiros da Internacional Socialista - não é um partido com raizes na classe operária estruturado à volta de reivindicações sociais; é um partido da burguesia liberal/democrática/republicana/anti-clerical que acabou por adoptar um programa "social" menos por convicção original do que por ser o espaço político disponível.

Aí está a "contenção" que Bibi pediu aos seus colonos

Horas depois do pedido, os bulldozers dos colonatos já estão a terraplanar mais terra palestiniana.

Um homossexual não gosta de Israel? Que vá para a Palestina!

O Pedro Mexia tem uma recomendação a fazer ao cineasta que faltou ao Festival Queer como protesto contra o apoio de Israel ao mesmo: que vá organizar um festival similar em Ramallah, onde, ao que parece, os homossexuais são tratados à pedrada.
Esta ideia é indigna do Pedro, parece-me. Implica que o protesto face aos desmandos inconcebíveis dos opressores tem de equivaler a um apoio sem condições a tudo o que os oprimidos façam. Esquece que o ocupante é em grande medida responsável por actos de barbárie intolerante que por ali se cometam. Ignora tudo o que Israel faz quotidianamente para impedir qualquer tipo de vida digna aos palestinianos dos territórios ocupados. Faz de conta que a tolerância tende a florescer quando esmagada pela brutalidade.
Por este caminho, nem os martirizados de Auschwitz mereceriam solidariedade; isto tendo em vista o que por lá se passava entre os prisioneiros.

Dizem que é uma espécie de quase crise política



Mas a sensação que se vai banalizando é que eles não tiveram tempo para "crescer e só depois aparecer"...

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Cuba com fronteiras

Yoani Sánchez:

São duas da tarde no Departamento de Imigração e Estrangeiros (DIE) na Rua 17 entre J com K. Dezenas de pessoas aguardam por uma permissão de saída do país, essa autorização de viagem que chamam de “carta branca”, seria ainda melhor dizer “salvo-conduto”, “a carta de liberdade” ou a “ordem de soltura”. As paredes estão descascadas e um anúncio de “cuidado, perigo de queda” exibe-se numa parede da enorme casa do Vedado. Várias mulheres - que já esqueceram de sorrir e serem amáveis – vestem seus uniformes militares e advertem o público que deve esperar disciplinadamente. De vez em quando gritam um nome e o convocado regressa minutos depois com o rosto jubiloso ou com uma contida cara de tacho.
Finalmente me chamam para anunciar a oitava negativa de viagem em apenas três anos. Especialistas em despojar-nos do que poderíamos viver, experimentar e conhecer fora das nossas fronteiras, os funcionários do DIE me comunicam que não estou “autorizada a viajar no momento”.


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26/09/10

Do patriotismo da esquerda

O Tiago Mota Saraiva tem razão em afirmar que nem tudo o que enfraquece o estado nacional e a identidade nacional deve ser saudado por um comunista internacionalista. Mas a opção entre a democracia existente à escala da nação e uma escala global existente sem democracia é uma opção que não temos que fazer; temos sim que lutar por uma democracia à escala global. Neste sentido, o princípio do jovem Marx, nem proteccionismo nem livre-cambismo, pode ser actualizado com justeza: nem democracia nacional nem globalismo anti-democrático. A esquerda, no contexto dos debates em torno da união europeia, tem abdicado de ter uma reflexão crítica sobre a forma nacional. O cúmulo disso mesmo foi o referendo em torno do tratado constituinte e a afirmação então recorrente de que o que mais importa é se é uma política de esquerda ou de direita e não se é uma política à escala global ou à escala nacional. Esta ideia é equivocada. (De outro modo, seria indiferente para um comunista ser internacionalista ou ser nacionalista, pois seria apenas uma questão de forma). A questão é esta: é também na questão de forma que, a partir de uma perspectiva comunista, se decide se uma política é de esquerda ou de direita.

Quanto ao resto, a questão é mais complicada ainda. O Tiago critica os que tendem a confundir o patriotismo do PCP com os nacionalismos mais à direita e, pondo assim as coisas, eu também critico. Agora, é importante ter noção do seguinte: 1) existem elementos de continuidade em todos os tipos de nacionalismos políticos; 2) quando o PCP sente necessidade de definir o seu projecto como patriótico é também porque pretende dirigir-se a algo mais do que a "classe" e estabelecer pontos de contacto com culturas políticas mais vastas - isto é, o PCP, com esta campanha, não só não desdanha, como quer comprar, votos de quem está bem para lá dos limites da esquerda (e neste jogo há uma troca, dá-se algo, perde-se algo).

É possível haver movimentos sociais auto-instrumentalizados

O Nuno Ramos de Almeida escreveu um post a criticar um post meu. E a dizer que o seu desacordo comigo é total. Mas está enganado. Eu concordo com grande parte das questões que ele colocou. De modo que há aqui um equívoco. Em primeiro lugar, o Nuno diz que o Bloco e o PCP deviam consagrar maior atenção aos movimentos sociais, aos sindicatos e às iniciativas populares. E eu concordo. E a tal ponto concordo que, no que ao BE diz respeito, prometo desenvolver a questão num outro post especialmente dedicado ao tema. O Nuno diz, em seguida, que a divisão entre movimentos e partidos, presumindo que os primeiros visam objectivos corporativos e que os segundos visam objectivos políticos, deve ser liminarmente rejeitada. E eu ainda mais concordo. A porca torce o rabo somente aqui, quando o Nuno diz: “No fundo, o que o Neves propõe é que alguém que milite num partido que acredita na teoria da existência de uma vanguarda revolucionária faça o favor de passar a ter os pontos de vista dele, sobre a inexistência de vanguardas revolucionárias. Acho absolutamente legítimo que o Zé tenha as suas convicções, já me parece mais complicado pretender fazer delas pensamento único em matéria de participação nos movimentos sociais”. Aqui o Nuno mete o pé na poça, atribuindo-me propósitos que eu não tenho. Vamos por partes. O que eu pretendo afirmar é o seguinte:

1) Na actualidade, pelo que conheço de estatutos e programas, tanto o PCP como o BE (este, seguramente) recusam para si qualquer pretensão declaradamente vanguardista, de modo que é legítimo pedir que estejam à altura de si mesmos ou então que discutam o tema de modo a clarificarem posições ou chegarem a novas posições. Foi o que fiz no meu post, no caso em relação ao BE. Disse que, se o BE encontra um problema em certas práticas políticas que o PCP manterá em relação a movimentos e associações, creia ter bons motivos para começar por olhar para si mesmo. Há dirigentes do BE, sei bem, que estão mais do que preocupados com questões deste género, e no PCP, deste há décadas que elas não deixaram de ser discutidas, de modo que a questão não é eu estar aqui a atacar o BE ou PCP ou a atacar os Partidos e a defender os movimentos.

2) Agora, uma coisa é defender a necessidade dos partidos dirigirem as lutas sociais (posição que critico), outra coisa (que não só critico, como julgo dever ser denunciado) é os partidos dirigirem as lutas sociais sem que tal resulte da decisão democrática de quem participa nessas lutas. Foi isso, aliás, pelo que sei, que esteve em causa no debate travado no caso do mayday e no debate do spectrum. Quando eu falo de autonomia dos movimentos sociais em relação aos partidos, ou ao Estado, ou à máfia, ou à prima da tia, é simplesmente disto que falo: os movimentos sociais devem decidir democraticamente, no seu seio, o que querem e o que não querem, de tal modo que, se um conjunto de militantes de um partido se organizar para tomar conta de um movimento, e o fizer democraticamente, no espaço da assembleia do movimento, então poderei opor-me a isso ou não, mas não farei qualquer crítica de fundo, antes se tratando, como disse no post, de forças e suas correlações, sendo que há mais marés do que marinheiros. O que não é admissível, do meu ponto de vista, e julgava que o Nuno me acompanharia neste tipo de cíticas, são algumas coisas concretas que se passam em movimentos e associações – por exemplo, haver um esboço de “serviço de ordem” auto-instituído à margem da assembleia do mayday e à margem (presumo) do “serviço de ordem” da CGTP; ou existirem materiais financiados por um partido sem que a assembleia decida isso mesmo.

O Nuno pergunta-me se é possível movimentos sociais sem instrumentalização, isto é, se há política sem instrumentalização (utilizando esta palavra num sentido positivamente maquiavélico, a que eu também adiro)? Não há, por certo, mas é desejável que essa instrumentalização seja auto-instrumentalização. E o Nuno por certo concordará comigo a este respeito. Por exemplo: não é justo que sejam os membros da CGTP a decidir qual é a sua direcção?

Deixo para depois a relação do BE com os movimentos sociais e a questão da possibilidade ou não de fazer política sem revolucionários profissionais.

Irlanda, os mitos e as realidades

O Miguel Noronha responde ao Luis Rainha, argumentando que a culpa da crise irlandesa não é da austeridade, mas das elevadas despesas resultantes da dívida dos bancos.

Em primeiro lugar, parece que os liberais só chegaram a essa conclusão agora - há uns meses a conversa era que a Irlanda ia no bom caminho, que as medidas de austeridade tinham sossegado os mercados, e até que já tinha saído da crise! Pelos vistos, também não davam grande importância a esse problema que agora acham determinante (ou sejam, aplaudiam entusiasticamente a redução nas despesas com salários sem perderem tempo o gigantesco aumento na despesa para salvar os depositantes dos bancos).

Mas será que a culpa da actual situação irlandesa é mesmo da elevada divida que o Estado irlandês assumiu (com a nacionalização de alguns bancos há cerca de dois anos)? Em primeiro lugar, demos que ver de qual crise estamos a falar - da crise económica (com a redução do PIB e o aumento do desemprego) ou da crise orçamental (com o Estado irlandês a pagar juros cada vez mais altos pela sua dívida)? É que, sendo problemas bastante ligados, não são exactamente o mesmo problema.

A respeito da crise económica, não vejo como o endividamento do Estado a possa ter causado directamente; claro que a causou (ou agravou - a causa em si foi mais uma bolha imobiliária ao estilo dos EUA e Espanha) indirectamente - o aumento da dívida pública levou a medidas de austeridade, que contribuíram para agravar a crise, mas de qualquer maneira será a austeridade a causa imediata da crise (outro possivel mecanismo seria, mesmo que o governo não tomasse nenhumas medidas de austeridade, os consumidores e investidores, face ao montante da dívida, assumirem que essas medidas iriam acabar mais tarde ou mais cedo por ser tomadas e começarem já a agir em conformidade - no entanto, mesmo assim, seria a austeridade - ou a sua ameaça - o razão imediata da crise). Mas, de qualquer maneira, não estou a ver como esse endividamento pode ser o responsável pelo recente agravamento da crise irlandesa: afinal, se o problema é a dívida dos bancos, esse problema existe quase há dois anos - como pode ser o responsável pela contracção da economia há 4 meses?

A respeito da crise orçamental - aí claro que as enormes dividas contraídas pelo Estado irlandês são a causa da crise orçamental, mas a mesma situação se aplica: essas dívidas existem há cerca de dois anos; como são responsáveis pelo agravamento dos juros e do risco orçamental irlandês nos últimos tempos?










A única forma que eu vejo que permita explicar, não só a má situação financeira irlandesa, mas o também o agravamento constante dessa situação, é por via dos efeitos da austeridade: ao fazer reduzir o produto, a austeridade aumenta o peso da divida externa em percentagem do produto nacional, tornando os empréstimos mais arriscados e por isso fazendo subir os juros (o que por sua vez obriga a mais cortes na despesa interna para compensar o aumento do juros, levando a uma maior contracção da economia, num ciclo vicioso - mais ou menos a situação que falei aqui).

Aliás, nem é preciso seguir a teoria económica keynesiana (para não falarmos na marxista) para chegar a esta conclusão - mesmo que aceitemos a teoria defendida por grande parte dos economistas liberais, segundo a qual politicas contracionárias não originam uma redução significativa da produção real, mas pouco mais que uma queda dos preços, o fenómeno que referi acima aconteceria: a dívida do Estado irlandês está denominada em euros (e talvez também em dólares e/ou libras esterlinas), não em unidades do índice de preços irlandês, logo mesmo que austeridade levasse apenas a uma redução dos preços sem afectar a produção e o emprego, levaria a um aumento real da dívida (já que o valor nominal da dívida mantinha-se o mesmo, com os preços e salários a descerem).

24/09/10

Aquilo que se sussura


Este livro é assinado com o nome de um colectivo imaginário. Os seus redactores não são os seus autores. Limitaram-se a pôr um pouco de ordem nos lugares-comuns da época, naquilo que se sussurra nas mesas dos bares, por detrás das portas fechadas dos quartos. Não fizeram mais do que fixar as verdades necessárias, cujo recalcamento universal enche os hospitais psiquiátricos e os olhares de mágoa. Fizeram-se escribas da situação. É um privilégio das circunstâncias radicais que o rigor conduza logicamente à revolução. Basta falar daquilo que temos à frente dos olhos e não nos esquivarmos às conclusões.
Comité Invisível, A insurreição que vem, Edições Antipáticas, Lisboa, 2010

Sugaram o sangue e outra coisa qualquer ao Queirós

«Sugaram-me não só o sangue, mas também a dignidade», queixa-se a criatura, pouco antes de se comparar a Cristo, num linguajar remotamente parecido com o Português. A sério: «é uma história em que no final aparecem os soldados romanos para crucificar aquele que em determinado dia no templo perdeu a paciência com os mercadores na defesa exclusiva dos interesses da selecção e dos seus jogadores que era a responsabilidade primeira deste homem». Tudo isto seria cómico se não fosse grave: já se tornou claro que daqui a uns meses o Estado vai ter de pagar uma grossa maquia ao seleccionador mais incapaz das últimas décadas.

O olho desfocado, de Turner a Richter

No meio de um artigo razoavelmente desinteressante da última New Scientist (Windows to the mind), surge uma pequena e interessante revelação. A ideia de que a paixão popular pelo Impressionismo pode ter origem na forma como o nosso cérebro decodifica a informação visual parece-me fascinante. A amígdala cerebelosa é uma estrutura dedicada ao processamento de emoções, «funcionando como um sistema de alarme antecipado, em busca de ameaças desfocadas, escondidas na nossa visão periférica, tendendo a reagir mais fortemente a coisas em que ainda não reparámos conscientemente.» Ela tenderá a reagir com mais energia a faces desfocadas do que a versões bem definidas das mesmas.
Em suma, imagens desfocadas e indistintas teriam um acesso privilegiado às nossas emoções. Enquanto a mente consciente aguarda por respostas racionais a estas imagens, já o subconsciente está a emitir a sua aprovação.
Por alguma razão a retina é a única parte do nosso cérebro directamente exposta ao mundo exterior; mas que tal acarretasse consequências para os nossos gostos artísticos é ideia provocadora e algo... iconoclasta.

William Turner, Peace - Burial at Sea, 1842
Claude Monet, Mulher com um Pára-sol, Madame Monet e o seu Filho, 1875
Mark Rothko, Red, Orange, Tan and Purple, 1954
Gerhard Richter, Atlas Sheet 15, 1964

Sobre "uma velha frase de José Casanova"

É de presumir que os sábios responsáveis supremos do Partido, pondo embora as suas dirigentes complacências no reforço da estalinização ideológica do Avante!, desaconselhem o órgão oficial do PCP de citar menos cautelosamente José Estaline — o que poderia perturbar alguns espíritos menos bolchevizados, ou mais vulneráveis aos argumentos da razão simplesmente democrática, entre os seus simpatizantes havidos ou a haver. Como é óbvio, uma directiva semelhante não poderia deixar de ser cumprida, em primeiro lugar, pelo director do jornal, José Casanova. Assim, o pobre, ao sentir a necessidade de estalinizar em grande, ver-se-ia forçado a citar-se a si próprio em vez de recorrer à transcrição do verbo do outro genial José.
Com efeito, é a explicação que se impõe se dermos crédito à conclusão deste comentário de José Manuel Faria, deixado na caixa dos mesmos do post de um ex-esquerdista, cujas estridentes proclamações  de apoio ao PCP disfarçam mal o processo de fascização caracterizada a que sucumbiu,  e que naturalmente rejubila com o desprezo — claramente ao arrepio da inspiração fundamental de Marx — pela argumentação racional e com a prática das bulas de excomunhão adoptada por José Casanova:

Comentário de José Manuel Faria
Data: 24 de Setembro de 2010, 10:56
“São assim os média dominantes: enquanto propriedade dos grandes grupos económicos e financeiros, servem, exclusivamente, os interesses do patrão.”
Esta é uma velha frase de José Casanova: ” O único Jornal isento e que todos devem ler é o Avante, todos os outros estão ao serviço do capital” Conferência Nacional do PCP.

Q.E.D.

Mais um tiro nos pés dos nossos liberais

Quem se lembra dos encómios com que o Blasfémias cobriu os cortes que a Irlanda levou a cabo nas suas despesas? Agora, é ver o resultado: uma contracção "inesperada" no segundo trimestre. Parece mesmo boa receita para aplicar aqui, claro.

A subjectivação do objectivo, isto é, da crise

Provavelmente, estamos à beira de uma grave crise política motivada não pela crise económico-financeira mas por um jogo de equívocos que se apoderou da discussão política e que, pela forma como se banalizou, tornou incomunicável a comunicação. E os equívocos assentam em que ninguém quer assumir o todo com as suas partes nem as sub-partes arrastadas por cada parte. Fala-se em "redução do défice e da dívida" mas não se quer "aumento de receita" por isso arrastar aumento de impostos. Contrapõe-se a “redução da despesa” mas esconde-se o que isso necessariamente implica para a função pública. E quando este jogo de equívocos alastrou ao baile interpartidário, não sobra um inocente, incluindo o árbitro, para amostra. As oposições querem que o governo e o PS aumentem os impostos e ataquem a função pública mas que se queimem eles e só eles, PS e governo, com a impopularidade das medidas. O governo e o PS tentam sacudir o peso do ónus e pretendem o compromisso do partido alternante para que não se dê a alternância e dando mostras do seu velho estrabismo que o faz sempre olhar para a sua direita quando necessita de alianças ou compromissos. Entretanto, o CDS assobia a música do “nim” e pede mais câmaras de vigilância e sentenças de julgamentos em 24 horas. Quanto às esquerdas radicais, estas persistem no mais clássico equívoco histórico da esquerda e que arrasta uma idade à beira do centenário e se mostrou resistente aos constantes desmentidos: festejar cada novo desempregado como mais um sério candidato à militância na luta e cada agravamento social como uma janela de oportunidade para aproximar a revolução. Esta fuga colectiva, desordenada mas convergente, do problema e do contexto, da crise, subjectivando o objectivo, empurra a realidade política, económica e social para a esfera da esquizofrenia, cujo primeiro sintoma é a ilusão de que é controlável e que se pode operar o regresso ao real quando bem se entender. Sendo assim, o que há mais a temer é que a alienação procurada começando por ter motivações eleitoralistas, tentando enganar responsabilidades no julgamento dos eleitores, acabe por contaminar os próprios manipuladores, negando-lhes a lucidez de controlo do jogo perverso em que embarcaram a vida política e degradaram o debate. Esta passagem do objectivo para o subjectivo, em que os termos e os propósitos não são o que se diz mas uma outra coisa qualquer, afastando de imediato os eleitos dos eleitores, provocando a deserção destes pelo protesto do azedume, fazendo alastrar o pessimismo e a inacção, desacreditando qualquer solução que passe pelo incremento da cidadania, leva directamente aos contextos da saturação e das condições favoráveis ao punho forte e aos homens providenciais. A chamada a Belém dos partidos é, neste aspecto, um sinal preocupante de que a peça está a acelerar a cadência dos actos.

(publicado também aqui)

A diferença entre uma ditadura terrorista e a terra dos livres

Sakineh ainda vive. Teresa Lewis morreu. É nestas ocasiões que se percebe melhor aquele velho aforismo de Nietzsche sobre monstros e abismos.

O vírus da peste (4)

Excerto de uma crónica de Manuel António Pina:

Mas o racismo não raro contamina as próprias vítimas, tornando-as também em algozes. O mais inquietante exemplo é talvez aquilo que Steiner chama o "ódio de si", ou "autoproscrição", do judeu, que explicaria o desconcertante anti-semitismo ou rejeição do próprio judaísmo que, desde Paulo de Tarso, é notório em numerosos intelectuais judeus (mais perto de nós, alguns houve que chegaram a aprovar Hitler). Que sentir senão repugnância com uma resposta que o presidente da Câmara de Torres Vedras, cigano, deu ao "Expresso" a propósito da expulsão de França de ciganos romenos e búlgaros: "Os ciganos portugueses vêem com apreensão a chegada dos 'novos ciganos'. Sentem que os seus comportamentos desviantes ou bizarros podem pôr em causa a integração"?

23/09/10

Casa Nova do Estalinismo

«José Casanova, director do Avante!», são nome e alcunha do autor de uma peça dada à luz no Avante! e onde se pretende insultar o jornalismo e quem nele trabalha. Pretensão desde logo condenada ao fiasco, já que tais insultos, vindos de quem vêm, constituem, isso sim, um rasgado elogio aos insultados.

Trata-se de uma peça confeccionada com os ingredientes de uso recorrente pelos jornalistas-tipo da nova ordem estalinista, de que o Casanova é um triste exemplar. Trata-se, por isso, de uma peça que em nada se distingue, na forma como no conteúdo, das prosas que o autor habitualmente assina – a confirmar que os efeitos da desinformação veiculada pelos média estalinistas não são menores nos que a produzem do que nos leitores que constituem o seu alvo.

São assim os média estalinistas: enquanto propriedade dos burocratas e carreiristas profissionais do aparelho, servem, exclusivamente, os interesses da direcção.

São, por isso, uniformes na opinião divulgada e gémeos na desinformação organizada (podendo dar-se ao luxo de, num gesto «plural», abrir as portas a uma ou outra voz do Partido Ecologista os Verdes ).

Chegam todos os dias a todo o lado, num eficiente serviço combinado, tendo como objectivo principal fabricar a «desinformação burocrática» através da palavra de ordem muitas vezes publicada.

São «isentos» e «imparciais» - patranha que, por efeito de repetição exaustiva, vão transformando em «verdade»...

Para serem o que são, exigem fidelidade canina a quem os serve. E quem os serve – os «novos cães de guarda» da seita, na feliz designação dos cidadãos comuns - cumpre festivamente a tarefa. Por sectarismo e amor à promoção no aparelho.

(há, também, os jornalistas – os que para isso estudaram e isso desejam ser – mas que para assegurar o emprego têm que se sujeitar à «verdade a que temos direito» partidária expressa na já celebrizada declaração de princípios: «no Avante!, os jornalistas têm toda a liberdade de escrever o que o camarada Albano pensa»)

Com os seus nome e alcunha, «José Casanova, director do Avante!» integra a turba canora que, à frente dos média estalinistas, entoa, em coro síncrono, o vasto reportório do casa nova do sectarismo e da estalinização que é o conteúdo dos média do PCP.

Daí o que escreve.

O vírus da peste (3)

Ver o vírus da peste nacionalista, cuja proliferação no segundo quartel da primeira metade do século teve por desfecho a Shoah, alimentado pelo regime que governa Israel - que outro sinal de alarme poderia dar expressão mais clara a ameaça mortal que o alastrar dessa peste paradoxalmente globalizada continua a fazer pender sobre as nossas cabeças de cidadãos e simples seres humanos?

O assalto do Exército israelita contra as embarcações que transportavam activistas e ajuda humanitária a caminho da Faixa de Gaza foi “desproporcionado” e de “uma violência incrível e desnecessária”, diz a missão de inquérito do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Segundo o relatório desta equipa nomeada pelo organismo das Nações Unidas, há “provas claras” que poderiam fundamentar “diligências legais” contra Israel por causa do ataque em que morreram nove activistas turcos no fim de Maio.
“A missão chegou à conclusão firme de que a 31 de Maio existia uma crise humanitária em Gaza. A quantidade das provas provenientes é tão avassaladora que não é possível ter uma opinião diferente, e uma das conclusões que se retira daqui é que o bloqueio a Gaza é completamente ilegal”, afirmam ainda os investigadores a propósito do raide. A flotilha de navios, na sua maioria turcos, queria levar ajuda e protestar contra o bloqueio terrestre e marítimo que Israel impõe ao território palestiniano.
O relatório dos três peritos nomeados pela ONU assegura que “não houve tempo para compilar uma lista total dos abusos cometidos [pelos soldados israelitas], mas há provas claras para apoiar acusações dos seguintes crimes de acordo com o artigo 147 das Convenções de Genebra”, seguindo-se a lista das possíveis acusações: “assassino premeditado, tortura ou tratamento desumano, ou causar de propósito grande sofrimento ou feridas graves”.
(…)
Israel já reagiu ao relatório, qualificando-o de “parcial” e afirmando que “como se espera de um país democrático, Israel investigou – e continua a investigar ainda – o incidente da flotilha de Gaza”. “O relatório publicado é parcial e partidário, como o organismo que o produziu”, afirmou ainda em comunicado o Ministério Israelita dos Negócios Estrangeiros.

Ainda bem que o senhor director não usa kalash

Sentença de um director de jornal sobre uma jornalista e o jornalismo que escapa à disciplina do seu cartão de partido:

Com os seus nome e alcunha, «Fernanda Câncio, jornalista» integra a turba canora que, à frente dos média dominantes, entoa, em coro síncrono, o vasto reportório do cancioneiro da mediocridade e da abjecção que é o conteúdo dos média dominantes.

Tente-se procurar no Acordão de Casanova um argumento ou contra-argumento face ao “pecado” de Fernanda Câncio, decerto grave para "merecer" tão odiosa resposta. Mas nem vestígio dessas “ninharias” segundo os critérios do director-controleiro. Apenas o vómito do insulto, feito sentença, perante quem “pisou solo sagrado”.

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Eleições venezuelanas - o meu endorsement


Vamos ver quantos milhões de votos o meu apoio vai valer nas eleições na Venezuela (eu até tenho uma profunda ligação ao país - o meu avô ainda trabalhou muitos anos numa padaria em Maracaíbo ou coisa parecida...).

O homem a quem aconteceu não se sabe bem o quê

José Casanova, no Avante!, queixa-se das malfeitorias da Fernanda Câncio. Esquece-se é de explicar como é que a senhora o ofendeu tanto. Se calhar, convém não deixar por ali fragmentos de prosas espúrias, não vá algum camarada ceder ao vício burguês da curiosidade...

Sim à Revisão Constitucional

O PCP vai apresentar um projecto próprio de revisão constitucional. É uma jogada acertada, por várias razões. Entre elas, duas. Em primeiro lugar, é do mais elementar dever democrático que as constituições sejam revistas e cada geração (seja isto o que for) deve ter direito à sua própria constituição (já nem falo daquela coisa de uma constituição que não seja constituída e seja apenas poder constituinte). Em segundo lugar, a posição de "defesa" da constituição, em que o PCP tanto tem insistido, não só não faz jus ao que foi dito no primeiro ponto, como ainda peca por um desfasamento entre (eu sei que isto é simplificador, mas entendam-me) o texto da lei e a realidade social. Com efeito, se é compreensível "defender" a constituição de um país em que política e socialmente as coisas caminham pelo melhor, não o é fazer o mesmo no caso de um país em que os "de baixo" têm, sobretudo, motivos para contestar o actual estado de coisas (neste sentido, a jogada de revisão constitucional que parece ter saído algo furada a Passos Coelho, pretendendo dar um certo tom de ruptura com o status quo, não era assim tão idiota, mesmo se, e felizmente, acabe mal e pior).

A questão, aliás, não é muito diferente (embora em parte seja) no que se refere ao tema do patriotismo. A "defesa" da constituição e da pátria podem fazer sentido "tacticamente", no sentido em que se trata de defender esta constituição contra as políticas liberais de PSD e PS e no sentido em que se trata de defender a soberania democrática da nação contra uma globalização económica, diagnóstico em relação ao qual difiro do PCP. Mas estrategicamente não há muito cabimento para uma tal "defesa". O PCP, creio, sabe isso, embora nem sempre consiga combinar bem a "defesa" e a luta contra a "ofensiva" e a sua própria retórica de "ataque", dificuldade que, se por um lado se explica pelos acontecimentos históricos das últimas duas décadas, por outro reflecte uma certa desorientação, que só seria positiva se servisse para que os camaradas da direcção percebessem que as coisas estão mais em aberto do que por vezes se julga.

Daí que eu abomine mas compreenda o facto do camarada Estaline ter instigado o patriotismo quando era ele o represetante do estado e da pátria, mas não que isso seja feito quando a pátria é aquilo em nome do qual outros (como o candidato Manuel Alegre) falam contra a ideologia e o divisionismo (o qual, diga-se, em parte deve ser louvado enquanto condição de antagonismo social). Não compreendo, mas, é claro, nem por isso creio que este patriotismo seja menos criticável.

Deslocação em serviço



Jorge Briceño, El Mono Jojoy, foi infernizar o inferno.

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Mas quem é que nos meteu dentro do carocha?


Há quem se surpreenda com as sondagens que dão conta de um empate entre PS e PSD. Os tele-bonzos laranjas abrem a boca de espanto e depois usam-na para dizer... coisa nenhuma. O que faria de diferente o PSD, hoje? Que planos concretos oferece para lá de nebulosas proclamações de "reduzir o Estado" e mais uma mão-cheia de lugares igualmente comuns?
Acontece que os eleitores não são tão idiotas quanto as cúpulas partidárias sonham. Eles sabem bem que não vivemos apenas «15 anos de socialismo»; sabem quão pouco separa PS de PSD. Alguém imagina que nos dias da cavacal múmia como PM o défice sumiu? Claro que não.
Se a economia portuguesa se encarquilhou desta forma mal colidiu com a crise internacional, o que é que isso nos diz sobre a forma como a conduziram nas últimas décadas?
Em termos tristemente realistas, e excluindo a eclosão na realidade de um qualquer modelo outro, talvez só nos safemos quando toda a nossa soberania, em termos financeiros, for transferida para paragens mais competentes e menos parlapatonas.