26/09/10

É possível haver movimentos sociais auto-instrumentalizados

O Nuno Ramos de Almeida escreveu um post a criticar um post meu. E a dizer que o seu desacordo comigo é total. Mas está enganado. Eu concordo com grande parte das questões que ele colocou. De modo que há aqui um equívoco. Em primeiro lugar, o Nuno diz que o Bloco e o PCP deviam consagrar maior atenção aos movimentos sociais, aos sindicatos e às iniciativas populares. E eu concordo. E a tal ponto concordo que, no que ao BE diz respeito, prometo desenvolver a questão num outro post especialmente dedicado ao tema. O Nuno diz, em seguida, que a divisão entre movimentos e partidos, presumindo que os primeiros visam objectivos corporativos e que os segundos visam objectivos políticos, deve ser liminarmente rejeitada. E eu ainda mais concordo. A porca torce o rabo somente aqui, quando o Nuno diz: “No fundo, o que o Neves propõe é que alguém que milite num partido que acredita na teoria da existência de uma vanguarda revolucionária faça o favor de passar a ter os pontos de vista dele, sobre a inexistência de vanguardas revolucionárias. Acho absolutamente legítimo que o Zé tenha as suas convicções, já me parece mais complicado pretender fazer delas pensamento único em matéria de participação nos movimentos sociais”. Aqui o Nuno mete o pé na poça, atribuindo-me propósitos que eu não tenho. Vamos por partes. O que eu pretendo afirmar é o seguinte:

1) Na actualidade, pelo que conheço de estatutos e programas, tanto o PCP como o BE (este, seguramente) recusam para si qualquer pretensão declaradamente vanguardista, de modo que é legítimo pedir que estejam à altura de si mesmos ou então que discutam o tema de modo a clarificarem posições ou chegarem a novas posições. Foi o que fiz no meu post, no caso em relação ao BE. Disse que, se o BE encontra um problema em certas práticas políticas que o PCP manterá em relação a movimentos e associações, creia ter bons motivos para começar por olhar para si mesmo. Há dirigentes do BE, sei bem, que estão mais do que preocupados com questões deste género, e no PCP, deste há décadas que elas não deixaram de ser discutidas, de modo que a questão não é eu estar aqui a atacar o BE ou PCP ou a atacar os Partidos e a defender os movimentos.

2) Agora, uma coisa é defender a necessidade dos partidos dirigirem as lutas sociais (posição que critico), outra coisa (que não só critico, como julgo dever ser denunciado) é os partidos dirigirem as lutas sociais sem que tal resulte da decisão democrática de quem participa nessas lutas. Foi isso, aliás, pelo que sei, que esteve em causa no debate travado no caso do mayday e no debate do spectrum. Quando eu falo de autonomia dos movimentos sociais em relação aos partidos, ou ao Estado, ou à máfia, ou à prima da tia, é simplesmente disto que falo: os movimentos sociais devem decidir democraticamente, no seu seio, o que querem e o que não querem, de tal modo que, se um conjunto de militantes de um partido se organizar para tomar conta de um movimento, e o fizer democraticamente, no espaço da assembleia do movimento, então poderei opor-me a isso ou não, mas não farei qualquer crítica de fundo, antes se tratando, como disse no post, de forças e suas correlações, sendo que há mais marés do que marinheiros. O que não é admissível, do meu ponto de vista, e julgava que o Nuno me acompanharia neste tipo de cíticas, são algumas coisas concretas que se passam em movimentos e associações – por exemplo, haver um esboço de “serviço de ordem” auto-instituído à margem da assembleia do mayday e à margem (presumo) do “serviço de ordem” da CGTP; ou existirem materiais financiados por um partido sem que a assembleia decida isso mesmo.

O Nuno pergunta-me se é possível movimentos sociais sem instrumentalização, isto é, se há política sem instrumentalização (utilizando esta palavra num sentido positivamente maquiavélico, a que eu também adiro)? Não há, por certo, mas é desejável que essa instrumentalização seja auto-instrumentalização. E o Nuno por certo concordará comigo a este respeito. Por exemplo: não é justo que sejam os membros da CGTP a decidir qual é a sua direcção?

Deixo para depois a relação do BE com os movimentos sociais e a questão da possibilidade ou não de fazer política sem revolucionários profissionais.

4 comentários:

Nuno Ramos de Almeida disse...

Bom, parece-me que estamos de acordo, tirando com a tua posição, expressa em anterior post, que os dirigentes/funcionários partidários não devem participar em movimentos sociais.
Coisa que nada neste teu post justifica.Quer dizer que tu próprio não concordas com o que escreveste no outro dia?

Abraço

Zé Neves disse...

eu não disse participar, ou se disse não queria dizer; disse participar em lugar de protagonismo. por exemplo, acho que não faz sentido que os principais dinamizadores do mayday sejam funcionários do bloco. que conclusões é que eu tiro deste meu "achamento"? que os partidos devem organizar-se de modo a evitar isso; que os movimentos se protejam disso mesmo; que os próprios se enxerguem.

abç

Niet disse...

Tudo isto são grandes questões que mexem com a estruturação( organização),propaganda e agitação de um qualquer tipo de organização dita revolucionária, meus caros . O Trotsky tem na sua Biografia passagens profundas sobre o que ele apelida de " fatalismo socio-revolucionário " em contraponto com a norma rotineira,piramidal e centralista de tipo burocrático do funcionário sem ideologia, modelo típico da social-democracia alemã do início do séc.XX. E onde a oposição maior desembocava na dilemática oposição posta em execução no terreno da luta de classes: Revolução Social ou Reformismo Burocrático? Castoriadis nos anos 60 apontou este conjunto de ideias, que irei desenvolver mais tarde mais profundamente: " A exploração na sociedade contemporânea realiza-se cada vez mais sob a forma de desigualdade na hierarquia; e o respeito do valor da hierarquia, reiterado pelas organizações ditas " operárias ", tornou-se no último apoio ideológico do "sistema" capitalsta. O movimento revolucionário deve organizar uma luta sistemática contra a ideologia da hierarquia sob todas as formas, e contra a hierarquia dos salários e dos empregos nas empresas "(...) Em todas as lutas, a forma como um resultado é obtido é tanto ou mais importante do que o que resulta do combate ". Salut! Niet

Niet disse...

Adenda: Parece-me ser discutível a oposição frontal entre Movimentos Sociais e organização " revolucionária " em geral. Castoriadis nega essa distinção dizendo que o movimento contestatário deve surgir como um "movimento total, sensível por tudo o que os homens fazem e suportam na vida social, e antes de tudo pelo que " passam " no decorrer da sua vida quotidiana real ". A analisar com o que Pannekoek, Korsch e Mattick, entre outros, aconselham, claro. Niet