Provavelmente, estamos à beira de uma grave crise política motivada não pela crise económico-financeira mas por um jogo de equívocos que se apoderou da discussão política e que, pela forma como se banalizou, tornou incomunicável a comunicação. E os equívocos assentam em que ninguém quer assumir o todo com as suas partes nem as sub-partes arrastadas por cada parte. Fala-se em "redução do défice e da dívida" mas não se quer "aumento de receita" por isso arrastar aumento de impostos. Contrapõe-se a “redução da despesa” mas esconde-se o que isso necessariamente implica para a função pública. E quando este jogo de equívocos alastrou ao baile interpartidário, não sobra um inocente, incluindo o árbitro, para amostra. As oposições querem que o governo e o PS aumentem os impostos e ataquem a função pública mas que se queimem eles e só eles, PS e governo, com a impopularidade das medidas. O governo e o PS tentam sacudir o peso do ónus e pretendem o compromisso do partido alternante para que não se dê a alternância e dando mostras do seu velho estrabismo que o faz sempre olhar para a sua direita quando necessita de alianças ou compromissos. Entretanto, o CDS assobia a música do “nim” e pede mais câmaras de vigilância e sentenças de julgamentos em 24 horas. Quanto às esquerdas radicais, estas persistem no mais clássico equívoco histórico da esquerda e que arrasta uma idade à beira do centenário e se mostrou resistente aos constantes desmentidos: festejar cada novo desempregado como mais um sério candidato à militância na luta e cada agravamento social como uma janela de oportunidade para aproximar a revolução. Esta fuga colectiva, desordenada mas convergente, do problema e do contexto, da crise, subjectivando o objectivo, empurra a realidade política, económica e social para a esfera da esquizofrenia, cujo primeiro sintoma é a ilusão de que é controlável e que se pode operar o regresso ao real quando bem se entender. Sendo assim, o que há mais a temer é que a alienação procurada começando por ter motivações eleitoralistas, tentando enganar responsabilidades no julgamento dos eleitores, acabe por contaminar os próprios manipuladores, negando-lhes a lucidez de controlo do jogo perverso em que embarcaram a vida política e degradaram o debate. Esta passagem do objectivo para o subjectivo, em que os termos e os propósitos não são o que se diz mas uma outra coisa qualquer, afastando de imediato os eleitos dos eleitores, provocando a deserção destes pelo protesto do azedume, fazendo alastrar o pessimismo e a inacção, desacreditando qualquer solução que passe pelo incremento da cidadania, leva directamente aos contextos da saturação e das condições favoráveis ao punho forte e aos homens providenciais. A chamada a Belém dos partidos é, neste aspecto, um sinal preocupante de que a peça está a acelerar a cadência dos actos.
(publicado também aqui)
24/09/10
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4 comentários:
Respeito o pluralismo do blog - e essas coisas politicamente correctas que devem ser registadas - mas vejo no João Tunes um personagem absolutamente deslocado do mundo que o rodeia, apesar de certos rasgos de lucidez. Repare-se na coragem que é necessário para escrever:
"quanto às esquerdas radicais, estas persistem no mais clássico equívoco histórico da esquerda e que arrasta uma idade à beira do centenário e se mostrou resistente aos constantes desmentidos: festejar cada novo desempregado como mais um sério candidato à militância na luta e cada agravamento social como uma janela de oportunidade para aproximar a revolução"
O que pensa o João Tunes do PEC e dos impactos que essas políticas têm na redução de poder de compra das classes mais desfavorecidas? Um PS sem vergonha que já nem no keynesianismo se apoia, pode ser apelidado de "esquerda"?
Os restantes membros do blog não terão coragem de dar um pontapé no cu deste sujeito, que mais parece um agente infiltrado?
Anónimo,
o que o João Tunes faz é criticar a tese do "quanto pior, melhor", que tem tido efeitos devastadores e historicamente eloquentes (veja-se, por exemplo, o que se passou na Alemanha nos anos imediatamente anteriores à conquista do poder por Hitler, quando se via, na perspectiva do PC alemão, na força crescente dos nazis um sinal de agonia do capitalismo, ao mesmo tempo que se declarava a "soccial-democracia" e, sobretudo, a sua "ala esquerda", o "inimigo principal", sendo os social-democratas e outras forças não-alinhadas rotulados como "social-fascistass", "nazi-trotskistas", etc.).
Por outro lado, ver apoio à política seguida pelo PS no post é lê-lo completamente ao contrário.
Finalmente, seria o camarada João Tunes que teria o direito de pontapear para fora da caixa de comentários um post que o insulta, acusando-o de parecer um "agente infiltrado". Com efeito, há uma disposição do "estatuto editorial" do blogue que estipula a eliminação de comentários que "sejam abertamente insultuosos ou de natureza difamatória, sobretudo se encobertos pelo anonimato ou equivalente".
Estamos entendidos?
msp
Atão qual é o cargo que queres?
mIGUEL SERRAS pEREIRA,ÉS MESMO BUÉ DA INTELIGENTE E A TUA RETÓRICA INVENCIVEL.sE O oBUSH TE CONHECER VAIS LOGO PARA UM THINK TANK DE MERDA!
Antes de mais, sou o anónimo do primeiro comentário (e não o do terceiro).
MSP e João Tunes, sintam-se à vontade para apagá-lo se o acharem indecente. Se eu comentei foi mesmo porque acho a sua análise indecente.
Eu não vi no post um apoio ao PS por parte do João Tunes. Ao interpelá-lo sobre o PEC, pretendo apenas fazê-lo reflectir sobre as propostas alternativas da tal "esquerda radical", essas sim, com vista à criação de emprego (reabilitação urbana, por parte do BE, por exemplo). Aliás, os partidos radicais com assento parlamentar perdem até demasiado tempo em tentar dar respostas reais a um sistema que pretendem derrubar; e sim, tenho bem a noção do que estou a dizer. Ver nessa postura algum contentamento face ao aumento do desemprego é que é algo para mim incompreensível.
De resto até concordo com a conclusão de que esse "equívoco" se mostra resistente aos ciclos económicos menos bons. Da minha geração, os que ficaram com diploma e não encontram emprego só votam à esquerda do PS em sinal de protesto, e nunca com verdadeira consciência de classe ou coisa que o valha, porque isso morreu tudo em 89, não foi?
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