20/09/10

Grupo sócio-profissional de psicólogos internacionalistas chilenos solidário com a candidatura patriótica de Francisco Lopes?

Como se pode ler neste aterrador post do nosso camarada e espelho de libertários Miguel Madeira, a equipa de psicólogos incumbida de apoiar e defender o equilíbrio mental dos mineiros chilenos soterrados tem-se visto obrigada, dado o estado mental perturbado dos pacientes, a impor-lhes o tratamento mais adequado condicionando o seu acesso à televisão, a revistas, a imagens do mundo exterior, à aceitação da terapia — ou a puni-los, privando-os dessas recompensas, quando recusam o tratamento que, no seu próprio interesse, lhes é oferecido.

Será demasiado aventuroso pensar que os psicólogos talvez sejam um grupo sócio-profissional chileno de solidariedade internacional com a candidatura patriótica de Francisco Lopes? Pelo menos, a lógica é a mesma. Com efeito, se "«os dirigentes cubanos têm todo o direito de pensar em cada momento quais são as formas de organização do seu Estado e dar resposta aos interesses do povo» — e, por conseguinte, "todo o direito de se substituírem ao povo na defesa dos seus interesses" —, por que não hão-de os psicólogos, conhecedores dos verdadeiros interesses dos mineiros, impor-lhes a resposta que decidam ser a mais conveniente perante os seus problemas?

19 comentários:

xatoo disse...

hoje resolveu fazer uma caldeirada sem receita estrutural; é o costume.
Efectiv/ a libertação dos mineiros depende de externalidades, cuja compreensão está limitada quando vista de dentro do grupo. Da mesma forma um camponês de Arronches, através do voto secreto e universal, estará habilitado a pronunciar-se com conheimento válido sobre a execução, ou não, do TGV ou do plano nacional de transportes?... duvida-se

quando à habitual diatribe sobre Cuba e as analogias meio-desapardaladas com a candidatura de Francisco Lopes... nota-se que MSP e o grupo de que pensa estar rodeado, precisa de auto-ajuda para entender a aplicação da psicologia de massas sem que este processo seja de cariz reaccionário:

espero que ajude para perceber do que escreve, quando sobre isso escreve:

No processo eleitoral em Cuba o voto não é obrigatório. A votação é secreta, em cédulas de papel e podem votar todas as mulheres e homens acima dos dezesseis anos de idade. As eleições são periódicas (a última foi em Junho de 2010) e o regime é parlamentarista, isto é, tem um primeiro ministro eleito por um Parlamento, cujos membros são eleitos pelo povo, como ocorre na Inglaterra

O processo de construção da representação e da selecção políticas do país começa logo nos bairros, o equivalente às nossas Freguesias. Em cada um dos inúmeros CDRs (Comités de Defesa da Revolução) espalhados pela ilha, os moradores indicam nomes para serem candidatos a candidatos ao posto de representantes dos bairros nas Assembleias Municipais das suas respectivas cidades. Ou seja, é o povo quem escolhe os candidatos a candidatos. Bem diferente, portanto, do que ocorre por aqui, onde os candidatos são indicados pelos directórios de partidos. Com esse método, em tese, ficam excluídos da disputa tipos comprados por interesses ocultos, pois o passado de cada candidato a candidato é julgado pela população dos bairros, que lhes permitirá ser candidatos ou não. Desse modo, a qualidade ética das eleições é garantida.

Uma vez escolhidos os candidatos a candidatos a delegado do bairro, os moradores de cada bairro passam então a seleccionar, em votação directa, aquele dentre os escolhidos que representará o bairro na instância reivindicativa e legislativa municipal. Trata-se da filtragem da filtragem. Processo semelhante acontece na escolha dos deputados que formarão as assembléias provinciais, sempre de forma secreta e directa, como em qualquer democracia digna deste nome.

o Partido Comunista de Cuba não participa do processo eleitoral, uma vez que o seu papel é organizar a sociedade (nos termos da Constituição) e não disputar cargos representativos. Portanto, os candidatos e os eleitos não serão necessariamente membros filiados ao Partido. Outro detalhe que merece destaque é que os eleitos não recebem salário pelo cargo que passam a ocupar. Mesmo na condição (para nós) de vereadores e deputados, continuam a receber o mesmo salário que recebiam antes nas suas profissões de origem. Por outras palavras, um deputado médico continuará a auferir o seu salário de médico, um vereador metalúrgico continuará a receber o mesmo salário que recebia quando era metalúrgico. Em Cuba, ser um representante do povo não é exercer uma profissão, mas sim um cargo cívico, cuja recompensa é a honra de representar os interesses da população junto do poder legal, bem diferente, portanto, do que ocorre com grande parte dos vereadores e deputados de países como Portugal, Brasil e EUA. E se a população julgar que um ou outro desses representantes não está a cumprir bem o seu papel, este pode perder o seu mandato automaticamente, antes mesmo do término legal do seu mandato.

sempre em prol da verdade
cumprs
x

rafael disse...

uma pequena nota a acrescentar à (boa) sintese do xatoo sobre o processo eleitoral cubano. O numero de candidatos a apresentar às assembleias municipais é, por lei, limitado a um minimo de 2 e um máximo de 8 (se nao estou em equivoco). Nenhum deputado pode ser eleito se nao obtiver 50%+1 dos votos expressos.

Miguel Serras Pereira disse...

xatoo,

sobre as liberdades em Cuba remeto-o para o post da Joana Lopes e para os links que indica.
Quanto ao resto, chamo-lhe a atenção que a ideia de hierarquizar os cidadãos atriubuindo, mediante a invocação de competências, a uns funções de decisão e a outros de aplicação daquelas é o denominador comum da maior parte do pensamento antidemocrático tradicional.
Só não percebi bem se está de acordo com as sessões de psicoterapia coercivas no caso dos mineiros. Se leio bem o que escreveu, creio que sim. Revelador.

msp

Luis Rainha disse...

Para se entender bem a ampla liberdade eleitoral de que os cubanos gozam, só falta mesmo explicar que a sujeição a escrutínio de projectos políticos não condizentes com o do partido no poder
é... proibida.
No Estado Novo também tínhamos umas eleições muito giras, onde quem mandava saía sempre legitimado.

rafael disse...

Luis, podia-me facultar o artigo do código civil ou penal de Cuba onde se expressa essa proibiçao? Ou o artigo da Constituiçao? Mas onde figure mesmo essa proibiçao, nao que se intuia...

Grato

Eduardo M. Santos disse...

Os meus intermináveis aplausos, entremeados de «Bravos!», a este «post» certeiro que nem aquela seta que acertou na maçã em cima da cabeça do rapazinho.

Na verdade, o que Francisco Lopes devia ter declarado é que o governo cubano não tinha legitimidade para decidir coisíssima nenhuma, NEM SEQUER AQUELA LIBERTAÇÃO DA CADEIA DOS CUBANOS QUE DEPOIS FORAM PARA ESPANHA.

Se bem repararmos, é muito esclarecedora a comparação com a situação portuguesa. Aqui foi uma Assembleia – Geral de utentes do SNS, reunida no Pavilhão Atlântico, que aprovou o recente corte nas comparticipações do Estado nos medicamentos. E, como todos sabem, também foi uma Assembleia-Geral de desempregados que, reunida no Palácio do Cristal no Porto, aprovou as gravosas alterações ao regime de atribuição do subsídio de desemprego.

Noutro tom, já quanto à transferência de trabalhadores do sector público para o sector privado, em relação aqueles bloggers que já tinham idade para tomarem posições públicas (como a Joana Lopes), não me lembro nada de nenhuma sua especial indignação quando, NA MUDANÇA DO «SOCIALISMO REAL» PARA O REALÍSSIMO CAPITALISMO, MILHÕES DE CIDADÃOS PERDERAM EMPREGOS E REGALIAS SOCIAIS (CRECHES, EDUCAÇÃO E SAÚDE GRATUITAS,ETC), OU QUANDO A QUADRILHA DO IELTSIN DECRETOU UM BRUTAL AUMENTO GERAL DE PREÇOS QUE INSUSPEITOS ECONOMISTAS OCIDENTAIS VIERAM A CONSIDERAR UMA PURA E SELVÁTICA FORMA DE «ACUMULAÇÃO PRIMITIVA» DE CAPITAL.

Querem dizer que o governo de Cuba é o de uma ditadura ? Então, repitam-no mais uns milhares de vezes mas escusam de se pôr a contestar que possa tomar estas ou aquelas decisões concretas.

(comentário colocado também no «entre as brumas da memória»)

Luis Rainha disse...

Rafael,
Enquanto procuro, apresente-me também um caso em que uma organização hostil ao partido se apresentou a votos em Cuba.

rafael disse...

Hostil, nao lhe apresento, mas a UNEAC foi responsavel através da sua critica pelo encerramento dos campos de trabalho em 1968 e pela aboliçao progressiva da legislaçao homofobica (1975, 1979)

rafael disse...

ps: existe uma reportagem da bbc america latina sobre a eleiçao de delegados pela assembleia municipal onde se apresentou um auto-denominado dissidente. Creio que tenho linkado a partir de um texto que escrevi sobre cuba. está no 5 dias e no meu blog pessoal

Miguel Serras Pereira disse...

Eduardo M. Santos,

pelo que me toca, não me tenho cansado de denunciar a dominação oligárquica e a economia política governantes nesta parte do mundo - tanto no plano de uma análise geral como no da denúncia concreta de casos ou situações concretas, bem como do que me parecem pseudo-alternativas e mistificações.
Por exemplo, ultimamente tenho publicado mais posts e comentários denunciando a deportação dos ciganos ou a inadequação democrática da candidatura de Manuel Alegre do que sobre a variante cubana dos regimes ditatoriais arcaico-familiares da América Latina (aquilo de democracia socialista tem tanto como o domínio do "Barranco de Cegos" do Redol) ou sobre a candidatura de Francisco Lopes. Mas, como hoje publiquei dois pequenos textos (um deles que é pouco mais do que uma citação) marcando a distância irredutível que me separa, não menos do que da de Alegre, da candidatura de Francisco Lopes, vai você e desta a gritar que eu não ataco o governo de Sócrates, que aprovo uma versão endurecida do PEC, que sou cúmplice do lugar destacado que a "economia criminosa" exerce no governo da Rússia e sabe-se lá que mais ainda. Fica-me sempre a suspeita de que quem se exalta tanto o faz movido por uma dúvida que não quer assumir acerca do que diz - um pouco à semelhança desses guardas a cavalo que, segundo Brecht, carregam sobre uma multidão que protesta, cheios de medo de que os manifestantes se dêem conta do poder que está ao seu alcance de lhes tratar da saúde.

msp

Luis Rainha disse...

E claro que a Lei eleitural cubana é uma maravilha:

ARTICULO 68. Las Comisiones de Candidaturas se integran por representantes de la Central de Trabajadores de Cuba, de los Comités de Defensa de la Revolución, de la Federación de Mujeres Cubanas, de la Asociación Nacional de Agricultores Pequeños, de la Federación Estudiantil Universitaria y de la Federación de Estudiantes de la Enseñanza Media, designados por las direcciones nacionales, provinciales y municipales respectivas, a solicitud de las Comisiones Electorales Nacional, Provinciales y Municipales.
ARTICULO 87. Las Comisiones de Candidaturas Provinciales y Nacional, preparan las proposiciones de precandidatos a Delegados y a Diputados a las Asambleas Provinciales y Nacional, respectivamente, teniendo en cuenta las propuestas de las Comisiones de Candidaturas Municipales y las que ellas mismas elaboran. Deberán además para ello, tanto como sea posible, consultar el parecer de cuantas instituciones, organizaciones y centros de trabajo estimen pertinentes, así como los criterios de los Delegados a las Asambleas Municipales del Poder Popular.
(...)

Ou seja, comissões nomeadas por organismos oficiais "têm em conta" as propostas de base antes de preparar as listas ao parlamento nacional. Ouvindo, de caminho, mais umas quantas organizações.
E onde esta a menção à estruturação em organismos políticos de projectos políticos alternativos? Se só se pode votar dentro do âmbito da mesma concepção de sociedade, temos um regime mesmo parecido com o que a nossa Revolução mandou para o caixote do lixo...
Caramba; até o Estado Novo ia autorizando alguma oposição organizada.

rafael disse...

Luis
tinha de si uma ideia diferente, comparar estado novo à revoluçao cubana...

rafael disse...

ps: já agora leia a parte da possibilidade dos cidadaos proporem referendos à constituiçao...

Luis Rainha disse...

Não se estique, homem: só comparei procedimentos eleitorais.
Mas uma coisa é certa: até nos EUA se podem apresentar a sufrágio partidos fortemente antagónicos à situação...

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Rafael,

independentemente do que diz a Constituição, não acha que deduzir daquela a realidade política efectiva é um pouco arriscado?
A Constituição salazarista - de 1933 - era má, mas nem por isso deixava de conter todo o tipo de garantias que as autoridades violavam constantemente, o que, de resto, fazia com que a oposição não menos constantemente invocasse o texto constitucional em sua defesa. E, em parte nenhuma, proibia explicitamente os partidos políticos, consagrava os monopólios, etc., etc.
A Constituição da União Soviética redigida em grande parte por Bukharine foi apresentada como a mais democrática do mundo e o seu texto brandido como prova dos direitos e liberdades garantidos e aprofundados por um regime que, no mesmo momento histórico, condenava à morte Bukharine e os elementos mais destacados da "velha guarda" bolchevique, reprimia por meio de deportações e fomes organizadas o seu povo, concentrava nas mãos de Estaline, do seu séquito imediato e da polícia política um poder praticamente ilimitado…
Enfim, para bom entendedor…

Cordialmente

msp

Anónimo disse...

O pluripartidarismo português acabou com a tecnocracia? Se a solução não é apenas essa, por que insistir em condenar Cuba com esse argumento?

Anónimo disse...

"Não se estique, homem: só comparei procedimentos eleitorais.
Mas uma coisa é certa: até nos EUA se podem apresentar a sufrágio partidos fortemente antagónicos à situação..."

LR: no fundo, você sabe o que isso implicaria. A permitir-se a organização de grupos políticos com ideias nocivas à do governo cubano (ou à "Revolução", como preferir) estar-se-á abrindo espaço para partidos financiados pelo exterior. Partidos esses que podem até ter causas legítimas - p.ex. vontade genuína de restaurar o capitalismo, não há-de ser um direito? - ou simplesmente desestabilizar o país a troco de dinheiro (coisa que nem conviria aos Estados Unidos, afinal Cuba é o falhanço total do socialismo, ainda vivo e ali ao lado, com viagens baratas para quem quiser visitar). A outra face resulta naquilo que estamos fartos de saber, que aconteceu na jovem URSS quando se instaurou o partido único: a morte do debate interno, o afrouxar do debate no meio académico, etc.
Da minha parte, não duvido que a abertura de Cuba ao multi-partidarismo teria já resultado na queda do regime.

Entretanto, estes novos acontecimentos fazem-me acreditar numa repetição da via chinesa, ascenção de uma casta burocrática efectivamente rica (coisa mais comum na China que na Cuba actual) e consolidação do partido único de um modo efectivo, já que hoje manda o poder, e depois mandará o dinheiro no poder. Em alternativa, a criação de novas cooperativas auto-geridas, a terem algum sucesso, poderiam ensinar algo de novo ao mundo. Mas na verdade creio que seriam aniquiladas pelo Estado, por exemplo, através de impostos.

rafael disse...

Miguel,

o que discuto aqui é a realidade e o sistema cubano. Parece-me que tentar fazer analogias com a URSS e os seus periodos negros configura uma extrapolaçao um pouco desonesta intelectualmente, até pq o Miguel saberá melhor que eu que o PCC teve um período brevissimo de dogmatismo sectario que foi criticado duramente pela sua propria estrutura no 3º congresso. E, inserido, na sua realidade geografica, a republica socialista de Cuba parece-me um dos países, sem sequer atender às condiçoes do bloqueio, que conseguiu um maior nivel de real e efectiva participaçao popular, acompanhado de um desenvolvimento extraordinario e progressivo do respeito pelos direitos humanos (em todas as suas vertentes) além do facto de ter sido fonte de inspiraçao, exemplo e até ajudante material para a libertaçao do colonialismo e do imperialismo na africa, na asia e na america latina.

se fosse realmente efectiva a separaçao entre dirigentes e povo, Nao seria de estranhar que em tantos anos de revoluçao nao haja imagens, relatos de repressoes massivas ou de manifestaçoes de descontentamento significativas?

Ou muito estou enganado, ou já vi no Portugal pós 25 de abril muito mais repressao policial do que em Cuba e esse mero facto a mim diz-me muito.

Luis, sei que provoquei mas nao era intençao ofender. Se nao estou em erro, durante as ultimas eleiçoes cubanas, houve grupos opositores que tentaram fazer eleger delegados em vários bairros, pode aqui encontrar a noticia de que lhe falei:

http://www.bbc.co.uk/mundo/america_latina/2010/03/100312_0021_cuba_disidentes_elecciones_gz.shtml

e nao é uma noticia do granma...

Miguel Serras Pereira disse...

Mas, Rafael, eu só quis dizer que não podemos tomar à letra a constituição de um país quando descrevemos as suas realidades sociais e políticas.
Quer outro exemplo? Pense na actual Constituição da República Portuguesa e na realidade social e política ambiente…
Os atropelos às garantias e direitos cívicos elementares têm sido repetidamente denunciados por organizações insuspeitas de simpatias imperialistas - como a Amnistia Internacional.
Que diria você de quem afirmasse que, antes de 25 de Abril de 1974, Portugal não era uma ditadura, uma vez que, durante as campanhas eleitorais - ainda que com limitações e condições restritivas inegáveis - alguns adversários do regime podiam fazer-se ouvir?

Cordiais saudações republicanas

msp