O Miguel Noronha responde ao Luis Rainha, argumentando que a culpa da crise irlandesa não é da austeridade, mas das elevadas despesas resultantes da dívida dos bancos.
Em primeiro lugar, parece que os liberais só chegaram a essa conclusão agora - há uns meses a conversa era que a Irlanda ia no bom caminho, que as medidas de austeridade tinham sossegado os mercados, e até que já tinha saído da crise! Pelos vistos, também não davam grande importância a esse problema que agora acham determinante (ou sejam, aplaudiam entusiasticamente a redução nas despesas com salários sem perderem tempo o gigantesco aumento na despesa para salvar os depositantes dos bancos).
Mas será que a culpa da actual situação irlandesa é mesmo da elevada divida que o Estado irlandês assumiu (com a nacionalização de alguns bancos há cerca de dois anos)? Em primeiro lugar, demos que ver de qual crise estamos a falar - da crise económica (com a redução do PIB e o aumento do desemprego) ou da crise orçamental (com o Estado irlandês a pagar juros cada vez mais altos pela sua dívida)? É que, sendo problemas bastante ligados, não são exactamente o mesmo problema.
A respeito da crise económica, não vejo como o endividamento do Estado a possa ter causado directamente; claro que a causou (ou agravou - a causa em si foi mais uma bolha imobiliária ao estilo dos EUA e Espanha) indirectamente - o aumento da dívida pública levou a medidas de austeridade, que contribuíram para agravar a crise, mas de qualquer maneira será a austeridade a causa imediata da crise (outro possivel mecanismo seria, mesmo que o governo não tomasse nenhumas medidas de austeridade, os consumidores e investidores, face ao montante da dívida, assumirem que essas medidas iriam acabar mais tarde ou mais cedo por ser tomadas e começarem já a agir em conformidade - no entanto, mesmo assim, seria a austeridade - ou a sua ameaça - o razão imediata da crise). Mas, de qualquer maneira, não estou a ver como esse endividamento pode ser o responsável pelo recente agravamento da crise irlandesa: afinal, se o problema é a dívida dos bancos, esse problema existe quase há dois anos - como pode ser o responsável pela contracção da economia há 4 meses?
A respeito da crise orçamental - aí claro que as enormes dividas contraídas pelo Estado irlandês são a causa da crise orçamental, mas a mesma situação se aplica: essas dívidas existem há cerca de dois anos; como são responsáveis pelo agravamento dos juros e do risco orçamental irlandês nos últimos tempos?
A única forma que eu vejo que permita explicar, não só a má situação financeira irlandesa, mas o também o agravamento constante dessa situação, é por via dos efeitos da austeridade: ao fazer reduzir o produto, a austeridade aumenta o peso da divida externa em percentagem do produto nacional, tornando os empréstimos mais arriscados e por isso fazendo subir os juros (o que por sua vez obriga a mais cortes na despesa interna para compensar o aumento do juros, levando a uma maior contracção da economia, num ciclo vicioso - mais ou menos a situação que falei aqui).
Aliás, nem é preciso seguir a teoria económica keynesiana (para não falarmos na marxista) para chegar a esta conclusão - mesmo que aceitemos a teoria defendida por grande parte dos economistas liberais, segundo a qual politicas contracionárias não originam uma redução significativa da produção real, mas pouco mais que uma queda dos preços, o fenómeno que referi acima aconteceria: a dívida do Estado irlandês está denominada em euros (e talvez também em dólares e/ou libras esterlinas), não em unidades do índice de preços irlandês, logo mesmo que austeridade levasse apenas a uma redução dos preços sem afectar a produção e o emprego, levaria a um aumento real da dívida (já que o valor nominal da dívida mantinha-se o mesmo, com os preços e salários a descerem).
26/09/10
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3 comentários:
Se não tivesse havido o plano de austeridade a Irlanda estaria mil vezes pior.
MM, que me recorde, os tais liberais também aturdiram contra os planos de salvamento da Banca!!
Portanto, para essa criatura quem percebe mesmo do assunto é quem andou um mês a berrar que a Irlanda estava nos melhores dos caminhos. Sim senhora...
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