16/09/10

Seis

Em breve, vamos eleger um novo governo para Portugal. A direita está em boas condições para tomar a sede de poder mais relevante do país. Em nome da defesa do Estado Social, talvez seja boa ideia para a Esquerda aplanar instintos fratricidas. Mas quem será o homem capaz de dar luta à Direita e impedi-la efectivamente de arrastar por quatro anos a dinâmica política para o seu lado? Sócrates, claro. Pode haver alguém em melhores condições para impedir tal assalto. Mas não se lobriga quem.

E que tal este “raciocínio” para levar ao voto massivo dos eleitores de Esquerda no PS que agora temos? Absurdo? Mas não menos que a noção de que Alegre é o único caminho para um mirífico futuro mais solidário, humano e decente.
O princípio basilar das duas recusas é o mesmo: não se combate um inimigo dando força a outro. A única coisa que assim garantimos é a derrota.
Tal como Sócrates não é de Esquerda e nem é sequer uma pessoa recomendável, também Alegre tem dado mostras de seguir um só credo: o que o proclama como o futuro Pai da Pátria. Ele só votou contra leis iníquas do seu partido depois de, com toda a manha, coreografar ausências de outros críticos; ele abandonou os fiéis à sua sorte, longe dos lugares elegíveis para a AR, mal algum cálculo partidário lhe prometeu bons lucros; ele declarou a sua vontade de criar um novo partido e no dia seguinte surgiu de mãos dadas com Sócrates. Etc., etc. Para ele, ser de "Esquerda" é proclamar com tom grave e olhos marejados uma série de chavões imponentes; na prática, ser um sonolento títere do PS tem-lhe bastado.

Alegre não é um mero sapo a engolir em nome de bens maiores. É um réptil venenoso que iria despertar bem a meio da nossa digestão, pronto para dar cabo de nós sem o mínimo sobressalto moral. Se Sócrates é intragável pela mera falta de qualidades morais, cívicas, culturais e de carácter, Alegre surge como o seu parceiro ideal: obcecado com a elevação da sua pessoa a monumento vivo, disposto às maiores pantominices para fingir que não é apenas mais um cúmplice da horda pseudo-socialista que nos desgraça.
Mais: se Cavaco é um provinciano timorato (e uma vergonha nacional cada vez que sai de Portugal) sem uma ideia política ou cultural própria, Alegre seria um Presidente hiperactivo: com o objectivo de fazer do seu mandato um vero reinado, suceder-se-iam as interferências, os recados, as dissoluções, os executivos “de iniciativa presidencial”. Antes o Xico Lopes, que pelo menos não é um mitómano desenfreado.
Em resumo, não voto em Alegre pelas mesmas razões por que não voto em Sócrates. Não os tenho como sendo de Esquerda, não confio neles enquanto pessoas de bem, não aceito que a ideia de “mal menor” me faça violentar os meus princípios e ideais.

12 comentários:

menvp disse...

Manifesto: NÃO QUEREMOS POLÍTICOS PAIZINHOS - Fim da Cidadania Infantil!

Os cidadãos não podem ver os políticos como um 'paizinho'... devem, isso sim, é exigir maior fiscalização e controlo sobre a actividade política!
De facto, quem paga - leia-se, contribuinte - tem de ter um maior controlo sobre a forma como é gasto o seu dinheiro!
EXPLICANDO MELHOR: todos os gastos do Estado que não sejam considerados de «Prioridade Absoluta» [nota: a definir...] devem estar disponíveis para ser vetados durante 72 horas pelos contribuintes [nota: através da internet].
Para vetar [ou reactivar] um gasto do Estado deverão ser necessários 100 mil votos [ou múltiplos: 200 mil, 300 mil, etc] de contribuintes.

Resumindo e concluindo: não se queixem do facto de estar a ser mal gasto dinheiro do Estado: abram os olhos... e vetem!

Ricardo Alves disse...

Luís Rainha,
a eleição presidencial é unipessoal. Só há lugar para um senhor (não se candidataram senhoras, ainda). Nas legislativas, elegemos 230 deputados. Uns mais isto e outros mais aquilo. Uns mais à esquerda e outros menos. Uns mais pessoas de bem e outros não. Na eleição presidencial não temos tanta escolha. É Cavaco ou não Cavaco.

Luis Rainha disse...

Ricardo,

Nas legislativas, tratamos de lá meter,mesmo que indirectamente, um fulano que vai mandar no governo durante uns anos.
NAs presidenciais, a bem da verdade, vai mesmo ser Cavaco.
E não vislumbro onde é que Alegre seria assim solução tão superior e mais "de esquerda" do que a múmia de Boliqueime. Com Sócrates, iria ser um pau-mandado, com o PSD, ou seria fonte de ingovernabilidade ou um monumento aplacado por convenientes actos de reverência.

E olha que já se candidataram senhoras: até votei numa, com gosto, em 86.

Anónimo disse...

"E que tal este “raciocínio” para levar ao voto massivo dos eleitores de Esquerda no PS que agora temos?"

É diferente. Presidente da República é só um, deputados na assembleia são vários e podem convergir pontualmente.

Anónimo disse...

Peço desculpa por não ter lido os comentários antes e ter repetido o argumento do Ricardo Alves

Vincent Amos disse...

Uau. É Cavaco ou não Cavaco.
Aqui logo se vê o rol de virtudes do candidato Alegre, bem patentes em "não Cavaco".
Essa dicotomia só difere da dicotomia Passos Coelho - não Passos Coelho por já sabermos o que o Não Passos Coelho é (Sócrates). Com essa lógica, a reeleição socretina está mais que garantida.

Ricardo Alves disse...

Luís Rainha,
não há qualquer evidência de que uma vez eleito Alegre seria um «pau-mandado» de Sócrates. O próximo mandato presidencial terminará em 2016. Duvido que o líder do PS nesse futuro ainda se chame Sócrates. E será com ele que Alegre, se for eleito (não é, de todo, impossível) terá que lidar para uma recandidatura.

Alegre está bem mais à esquerda do que Cavaco. Tem um discurso sobre os serviços públicos que o coloca à esquerda, aliás, da socrática figura. E sobre a União Europeia também. Sobre os direitos dos cidadãos, idem. E em história pessoal, nem se fala.

Se querem baixar os braços e oferecer um passeio na avenida a Cavaco, assumam-no. As lutas que se recusam estão sempre perdidas à partida.

Luis Rainha disse...

Isso dos "discursos" também nos levaria a crer que Sócrates é mesmo de Esquerda. Alegre, quando a coisa se torna séria, alinha com o PS ou coordena o espalhafato inofensivo dos votos contra sem efeito prático.
Se a história pessoal de Alegre tem fases bem positivas, as 3 últimas décadas dão-nos o retrato de um bonzo acomodado e inactivo.
Quanto a lutas, estaríamos bem tramados se elas se resumissem a escolhas entre males menores. E lutar por um saco de vento solipsista... deixo isso para a Edite Estrela.

Ricardo Alves disse...

Alegre tem «discurso» porque não exerce o poder (tirando a AR, onde ainda de demarcou do PS em algumas ocasiões). De Sócrates conhecemos o discurso e a prática. E a campanha de 2006 foi tudo menos um acto de «acomodamento» e «inactividade».

Luis Rainha disse...

As minhas "3 décadas" eras as seguintes à Revolução. Mas de qualquer forma, não confundamos a luta por políticas efectivamente de Esquerda com a busca de poleiro. Nisso o homem é mesmo imbatível.
Quanto às demarcações, temos motivos para crer que foram encenadas com o partido para permitir aprovações, e manter a imagem de rebelde de Alegre.

Ricardo Alves disse...

Se Alegre quisesse poleiro provavelmente já seria ministro...

Luis Rainha disse...

Brincas, Ricardo? Isso dá um trabalhão, atrai críticas diárias e nem dá direito a lugar nos manuais de História.
Um monumento vivo como Alegre tem sempre objectivos bem mais elevados. De preferência sem envolver grande esforço diário.