26/09/10

Do patriotismo da esquerda

O Tiago Mota Saraiva tem razão em afirmar que nem tudo o que enfraquece o estado nacional e a identidade nacional deve ser saudado por um comunista internacionalista. Mas a opção entre a democracia existente à escala da nação e uma escala global existente sem democracia é uma opção que não temos que fazer; temos sim que lutar por uma democracia à escala global. Neste sentido, o princípio do jovem Marx, nem proteccionismo nem livre-cambismo, pode ser actualizado com justeza: nem democracia nacional nem globalismo anti-democrático. A esquerda, no contexto dos debates em torno da união europeia, tem abdicado de ter uma reflexão crítica sobre a forma nacional. O cúmulo disso mesmo foi o referendo em torno do tratado constituinte e a afirmação então recorrente de que o que mais importa é se é uma política de esquerda ou de direita e não se é uma política à escala global ou à escala nacional. Esta ideia é equivocada. (De outro modo, seria indiferente para um comunista ser internacionalista ou ser nacionalista, pois seria apenas uma questão de forma). A questão é esta: é também na questão de forma que, a partir de uma perspectiva comunista, se decide se uma política é de esquerda ou de direita.

Quanto ao resto, a questão é mais complicada ainda. O Tiago critica os que tendem a confundir o patriotismo do PCP com os nacionalismos mais à direita e, pondo assim as coisas, eu também critico. Agora, é importante ter noção do seguinte: 1) existem elementos de continuidade em todos os tipos de nacionalismos políticos; 2) quando o PCP sente necessidade de definir o seu projecto como patriótico é também porque pretende dirigir-se a algo mais do que a "classe" e estabelecer pontos de contacto com culturas políticas mais vastas - isto é, o PCP, com esta campanha, não só não desdanha, como quer comprar, votos de quem está bem para lá dos limites da esquerda (e neste jogo há uma troca, dá-se algo, perde-se algo).

6 comentários:

Anónimo disse...

Afirma o José Neves :

«(...)quando o PCP sente necessidade de definir o seu projecto como patriótico é também porque pretende dirigir-se a algo mais do que a "classe" e estabelecer pontos de contacto com culturas políticas mais vastas - isto é, o PCP, com esta campanha, não só não desdenha, como quer comprar, votos de quem está bem para lá dos limites da esquerda (e neste jogo há uma troca, dá-se algo, perde-se algo).(...)

Feita a citação, só duas perguntas :

Mas José Neves,não é verdade que há pelo menos sete décadas que o PCP, inclui na sua definição identitária muito mais que «a classe» e reclama para si uma aptidão ou responsabilidade de representação política muito mais ampla ?

E o que é isso de «votos de quem está para além dos limites da esquerda» (seja lá o que isso fôr socialmente) num país onde com grande probabilidade para não dizer certeza a maioria da classe operária não vota no PCP e antes votará no PS e também uma parte não desprezvel no própio PSD ?

Zé Neves disse...

vítor dias,

em relação à primeira questão, parece-me que o PCP de hoje é um partido em que a questão patriótica assume maior preponderância do que antes. mas tem razão numa coisa: em relação às últimas décadas, falou um pouco "de cor". responda-me o vítor: há quanto tempo o PCP não fazia uma campanha pela produção nacional (não estou a perguntar há quanto tempo não mencionava isso no programa, mas há quanto tempo não fazia disso a palavra de ordem de uma camapanha)? e há quanto tempo é que o pcp, no caso o seu candidato presidencial, não resumia o seu projecto a estas duas ideias, "patriota" e "esquerda"?

em relação à segunda questão: eu uso a categoria esquerda a partir do facto do PCP usar essa categoria para se definir. Isto é, o patriótico, em relação à palavra esquerda (as duas aparecem conjugadas nos cartazes do momento), quer dizer uma de duas coisas ou as duas coisas ao mesmo tempo: 1) o PCP entende que para além de ser de esquerda é também patriota, dirigindo-se aqui a ideia de pátria a um universo mais amplo do que a de esquerda; 2) o PCP entende que há uma esquerda que não é patriota.

Estou errado?

Anónimo disse...

José Neves:

Quanto ao seu primeiro parágrafo, creio não errar na minha dedução se lhe disser que, no fundamental, as duas coisas acontecem agora porque estamos numa conjuntura em que, face às enormes pressões ideológicas adversas em torno da crise, mais importa pôr em destaque duas ideias:

- a primeira é que (isso, no mínimo, já estava escrito preto no branco em «A Revolução Portuguesa- o passado e o futuro, de A. Cunhal, de 1976)o problema mais estrutural do país é a insuficiência da produção nacionale que, sem a solução desse problema, não há nenhum solução duradoutra ou eficaz para os problemas da dívida externa e do défice orçamental;

- e a segunda é que, mais de nunca, Portugal precisa de conquistar margem de manobrar para afirmar os seus interesses e adoptar uma política de esquerda em vez de ficar cada vez mais amarrado às formatações impostas seja pela UE seja por essa fabulosa e misteriosa entidade ( que não tem cartão de eleitora) a quem dão o nome de «mercados».

Por fim, sinceramente, e com a autoridade de alguma experiência autoral, creio que é inútil entrar por exegeses muito miudinhas de slogans eleitorais, o que me leva o obsercar o seguinte:

1. o adjecivo «patriótica» não se dirige necessariamente «à ideia de pátria», é mais certo que se diriga à ideia de uma política de afirmação e defesa dos interesses nacionais, o que, como muito bem se perceberá soa logo de uma meneitra muito diferente da fórmula («ideia de pátria»)que usou.

2. Quem elabora slogans de campanhas ou de candidaturas preocupa-se sobretudo em escolher uma identificação que considera adequada às suas listas ou ao seu candidato e não necessáriamente, por via dela,em estar a afirmar o que outros são ou não são, isto sem prejuizo de eu entender que é óbvio que não falta quem se reclame
(tem dias) de euerda e seja protagonista destacado do sacrificio dos interessses nacionais do altar da integração europeia e da globalização.

Anónimo disse...

O texto anterior tem uma série de erros dactilográficos pelos quais peço desculpa aos leitores, ai a vista.

Anónimo disse...

Patriota e de esquerda. Não são sinónimos, não há vantagem em amalgamar os conceitos ou em estabelecer relações de ordem (de inclusão) entre eles.

Anónimo disse...
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