21/09/10

Boicote ao Estado de Israel no Festival de cinema Queer Lisboa 14


Na sexta-feira 17 de Setembro, dia da inauguração do festival de cinema Queer Lisboa 14, um grupo de activistas manifestou-se frente ao cinema São Jorge contra o facto de este festival ter aceitado um apoio da embaixada israelita.
Desde 2005, Israel encontra-se sob uma campanha internacional de boicote, à imagem do que aconteceu com a África do Sul no tempo do apartheid. Os êxitos desta campanha são numerosos, sendo um dos mais recentes a decisão do ministro dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos de cancelar a visita de uma delegação de autarcas israelitas, depois de ter descoberto que essa delegação integrava autarcas de vários colonatos da Cisjordânia.
As organizações promotoras* desta acção de protesto reuniram-se com os organizadores do festival, não conseguindo convencê-los a devolver o apoio recebido, como têm feito outros festivais de cinema em vários países. A aceitação do patrocínio de um Estado de ocupação colonial visado pela campanha BDS – Boicote-Desinvestimento-Sanções - é uma atitude política que torna a direcção do festival cúmplice do apartheid israelita.
Ao tomar conhecimento deste facto, o realizador canadiano John Greyson, distinguido no festival do ano passado com o prémio do melhor documentário, retirou o seu novo filme, que deveria ser exibido hoje no âmbito do festival. Abaixo, segue a carta  (traduzida por nós) que Greyson enviou à direcção do Queer Lisboa 14.
*Comité de Solidariedade com a Palestina - UMAR, União Mulheres Alternativa e Resposta - SOS Racismo - Panteras Rosa, Frente de Combate à LesBiGayTransfobia - Pobreza Zero – GCAP - Portugal Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque - Colectivo Múmia Abu Jamal - Ass. Amizade Portugal-Sahara Ocidenta


Caro João

escrevi-te há uns dias, manifestando as minhas preocupações sobre o financiamento que o vosso excelente festival Queer Lisboa recebe da Embaixada israelita (bilhete de avião, envio de material impresso, etc.). Como sublinharam activistas queer, tanto palestinianos como portugueses, este financiamento viola o apelo de 2005 da sociedade civil palestiniana, que pede aos artistas e académicos para boicotarem o Estado israelita, em protesto contra a ocupação que prossegue.

Respondeste-me (e aprecio o teu esforço, sabendo como certamente estás ocupado!), que este financiamento é usado apenas para apoiar a participação de realizadores de filmes israelitas no vosso festival - não é usado para turismo ou branqueamento, ou para promover de qualquer modo o Estado israelita.
E no entanto ... não é precisamente isso que a PACBI (Palestinian Academic and Cultural Boycott of Israel) identifica como a cortina de fumo da "normalização", a ilusão do business-as-usual -- intercâmbio cultural "inocente" com o Estado israelita como forma de desviar as atenções da sua guerra em Gaza, do seu massacre da flotilha, da sua construção de novos colonatos? Receamos que o Estado israelita continue a proceder como um energúmeno pária, ignorando toda a pressão internacional, enquanto um intercâmbio cultural desse tipo continuar a recompensá-lo, emprestando-lhe verniz à sua alegação de ser um Estado pró-queer.
Dizes tu que simpatizas com as questões levantadas - e, na verdade o Queer Lisboa é a justo título reconhecido como um dos mais respeitados festivais queer do mundo, com a vossa notável programação passada e presente a atestar a vossa esclarecida visão do cinema queer, que destaca as nossas diversas vozes, as lutas globais e as aspirações de activistas.
Dizes que não há tempo para tratar agora desta questão - que a tua equipa se debruçará sobre ela uma vez que tiver acabado o festival deste ano. E, no entanto (embora eu possa certamente imaginar as circunstâncias específicas que vocês vivem), parece-me que do ponto de vista logístico é possível recusar HOJE o patrocínio da Embaixada israelita e encontrar uma fonte alternativa para pagar ainda o bilhete de avião em causa (Tel-Aviv-Lisboa, ida e volta, anda pelos 600 dólares).
Podemos trabalhar juntos para encontrar uma solução. Lembra-te que ninguém te pediu para cancelares a presença do filme ou do realizador - exactamente o contrário. O que te pedimos para cancelares é o financiamento do próprio Estado israelita. Isto é o que Ken Loach pediu ao Festival de Edimburgo em 2007, quando soube que eles tinham aceitado 33 libras do consulado israelita. Depois da devida ponderação, o festival concordou com ele e recusou o financiamento, encontrando outras fontes para cobrir os custos e alojar os seus realizadores israelitas. Não poderás tu fazer a mesma coisa'.
Eu senti-me muito honrado quando o meu filme Fig Trees recebeu o prémio para o melhor documentário no ano passado. Senti-me muito honrado quando vocês escolheram o meu filme Covered para o vosso festival deste ano. E contudo, não posso em boa consciência participar de um festival que (passivamente) ajude a branquear o Estado israelita, mesmo que indirectamente. Se para vocês não é possível recusarem este financiamento da Embaixada, então é com grande tristeza que tenho de retirar o filme Covered do vosso festival.
Este último ano foi palco de uma notável vaga de solidariedade queer para com a Palestina. Activistas queer como Judith Butler, Zackie Achmat, Sarah Shulman e Haneen Maikey pronunciaram-se, juntando as suas vozes às de grupos em Madrid, São Francisco, Toronto, Israel, na Margem Ocidental e agora em Lisboa, todos eles levando a cabo acções em apoio ao movimento de base BDS (boicote, desinvestimento e sanções), que é cada vez mais visto como a nossa maior oportunidade de contribuir para uma paz justa e duradoura na região. Junto com muitos outros, eu tenho a firme convicção de que nós, realizadores queer (e festivais queer) temos de cerrar fileiras e responder ao apelo dos nossos irmãos e irmãs da Palestina, protestando contra a violência de uma ocupação que atinge toda a gente, sejam gays ou heteros. Recusem o financiamento. Façam passar o chapéu para cobrir o preço do bilhete. Juntem-se a nós.
Sinceramente,

John Greyson

2 comentários:

Diogo disse...

O ex-ministro de Estado americano, Alexander Haig, descreveu Israel como o maior e o único porta-aviões americano que é impossível afundar.

Nalguns aspectos claramente demarcados, o actual apoio dos Estados Unidos ao governo israelita corresponde aos interesses próprios americanos. Numa região onde o nacionalismo árabe pode ameaçar o controle de petróleo pelos americanos assim como outros interesses estratégicos, Israel tem desempenhado um papel fundamental evitando vitórias de movimentos árabes, não apenas na Palestina como também no Líbano e na Jordânia. Israel manteve a Síria, com o seu governo nacionalista que já foi aliado da União Soviética, sob controlo, e a força aérea israelita é preponderante na região.

Como foi descrito por um analista israelita durante o escândalo Irão-Contras, onde Israel teve um papel crucial como intermediário, "É como se Israel se tivesse tornado noutra agência federal [americana], uma que é conveniente utilizar quando se quer algo feito sem muito barulho."

O alto nível continuado de ajuda dos EUA a Israel deriva menos da preocupação pela sobrevivência de Israel mas antes do desejo de que Israel continue o seu domínio político sobre os Palestinianos e que mantenha o seu domínio militar da região.

Na realidade, um Estado israelita em constante estado de guerra - tecnologicamente sofisticado e militarmente avançado, mas com uma economia dependente dos Estados Unidos, está muito mais disposto a executar operações que outros aliados considerariam inaceitáveis, do que um Estado Israelita que estivesse em paz com os seus vizinhos.

FPM disse...

Estou longe de ser um defensor da política expansionista de Israel. Estou longe de considerar os Estados Unidos um exemplo de política externa. Aliás, por isso, sempre critiquei a forma como Israel impedia a movimentação dos palestinianos e condicionava as acções de promoção da Palestina. E, por aquilo, sempre critiquei as sanções que os EUA impunham a países com os quais simplesmente discordavam. E é por ter sempre pensado assim que considero este protesto apenas e só uma parvoíce.