30/06/11

Não há coincidências?

Sentei-me em frente ao computador e activei o Windows Media Player, que está configurado para tocar aleatoriamente uma lista de dezenas de músicas; ele começou com Pios Den Mila Yia Ti Lambri, de Mikis Theodorakis.

29/06/11

Racismo e Precariedade

Não me parece grande avanço que os negros deixem de ser precários por serem de cor, se os precários passarem a ser de cor — sejam ou não brancos.

Fernando Rosas contra Fernando Rosas

A Joana Lopes chama a atenção para um breve, mas bastante claro artigo de Fernando Rosas sobre a crise no BE. Recomendada a leitura, passo a resumir as questões que o texto do FR me parece levantar. Digamos que, se, como sublinha a Joana, a voz de Fernando Rosas é uma das poucas, de entre as mais emblemáticas do BE, que não se tem envolvido naquilo a que ela chama as "tristes guerrilhas" pós-eleitorais das últimas semanas, também é verdade que, no artigo que a Joana publica, essa voz se faz ouvir em aceso conflito e clara contradição consigo própria, obrigando-nos a estar não sabemos bem, se, contra Fernando Rosas, com Fernando Rosas — se, com Fernando Rosas, contra Fernando Rosas…

Sem dúvida, um movimento que se proponha animar — ou contribuir para — uma "mudança histórica" e numa alternativa ao "monopólio da oligarquia", terá, entre outras coisas, de "recriar o espaço político e ideológico dos muitos que se não reconhecem nem na rendição do PS à “terceira via”, ao blairismo e ao neoliberalismo, nem na ortodoxia de um PCP que ainda não matou o pai, que continua a identificar-se com os paradigmas da ex-URSS e a chamar de “irmãos” os partidos e regimes da China ou da Coreia do Norte".

As dúvidas surgem quando a "mudança histórica" acaba por ser identificada por Rosas como uma "alternativa de governo ao monopólio da oligarquia rotativa que, do “centrão” à direita populista, tem gerido o país praticamente desde 1976", constituída por um partido-movimento cujo governo será o da "esquerda grande". Com efeito, identificar um partido que constitua uma alternativa de governo ao rotativismo e ao "bloco central" oligárquicos é muito pouco para uma "mudança histórica" e arrisca-se a configurar um modelo de "evolução na continuidade" do regime e da sua divisão/organização/concepção hierárquica e classista (oligárquica) do poder político efectivo.

Um movimento apostado em "recriar o espaço político e ideológico" na linha do que começa por sugerir o Fernando Rosas terá de apostar, muito mais do que em constituir-se em "alternativa de governo", na criação das formas e órgãos de um "governo alternativo", de um exercício democraticamente alternativo do poder político exercido através da direcção dos aparelhos de Estado e das alavancas de comando da economia. Não se proporá governar, mas promover — e contribuir para instituir — o governo dos muitos, o autogoverno regular dos cidadãos organizados a todos os níveis que, para além da existência de cada um e na salvaguarda da sua autonomia individual, relevam de decisões colectivas. Ou, parafraseando uma divisa célebre, a democratização igualitária das condições colectivas de existência há-de ser obra da colectividade mesma — e não de uma variedade ou outra de governo representativo, ainda que, de algum modo, sufragado e temperado pela prática dos sufrágios correspondentes.

Mais simplesmente ainda, a alternativa não passa por ser este ou aquele partido ou coligação de partidos a deter o poder de governar, mas pela democratização radical do exercício desse poder, através da participação igualitária do conjunto dos cidadãos, independentemente da sua qualidade de membros ou militantes deste ou daquele movimento, nas deliberações e decisões que lhes dizem respeito. Pelo que, alternativos, serão tão só os partidos ou movimentos e outras formas de associação voluntária que se disponham a promover, como alternativa — em vez de meras "alterntivas de governo"-, esta democratização instituinte.

Revolta

Parece que o governo grego conseguirá O governo grego conseguiu hoje a aprovação, pelo parlamento grego, das medidas de austeridade que a União Europeia exige para que liberte o resto do primeiro empréstimo que fez ao estado grego. Os gregos não vão ficar sentados. Prevejo que, talvez ainda hoje, muito provavelmente nos próximos dias, será instaurado o estado de emergência na Grécia como resultado de revoltas por todo o país. Será o retorno a dias de muito má memória. Podem acompanhar a situação aqui ou aqui.

27/06/11

A "democracia industrial" ou a lição dos "wobblies"

Assinalando mais um aniversário da constituição, em Junho de 1905, dos wobblies, aqui fica um breve excerto de IWW. Le syndicalisme révolutionnaire aux États-Unis, ensaio de Larry Portis, publicado em francês pela editora Les amis de Spartacus, Paris, 1985.

Os wobblies referiam-se frequentemente aos trabalhos de Karl Marx, a fim de alimentarem as suas análises e de garantirem a coerência necessária à expressão dos fins do seu movimento. Foram muitas vezes desprezados pela esquerda reformista e foram numerosos os políticos que os anatematizaram chamando-lhes "anarquistas" e "anarco-sindicalistas". "Anarquistas" ou "marxistas"? Os IWW não aceitavam a cisão operada entre o anarquismo e o marxismo, que, aos seus olhos, se baseavam ambos numa crítica do sistema capitalista e na luta de classes, opondo-se à dominação do Estado.
Antiautoritários, os IWW opunham-se à manipulação dos trabalhadores por uma elite, mas recusavam a ideia de uma "ditadura do proletariado". Desconfiando tanto dos partidos reformistas como dos partidos revolucionários, os IWW [Industrial Workers of the World] foram criticados pelos socialistas parlamentares, pelos anarquistas e, mais tarde, pelo Partido Comunista.
Ao definir as grandes linhas do manifesto, William Trautmann declarava em Janeiro de 1905 [meses antes da constituição explícita do movimento]: "Este texto baseia-se nos mesmos princípios que os movimentos europeus — quer dizer, os princípios do sindicalismo revolucionário".
A expressão "sindicalismo revolucionário", embora fosse óbvia para Trautmann e os IWW, acabará por ser ocultada pelo termo "anarco-sindicalista". Utilizado pelos anarquistas (…), o termo era igualmente usado pela propaganda capitalista e pelos adversários das relações sociais e políticas não-hierárquicas, que receavam a proliferação de acções autónomas iniciadas pela classe operária e não associadas a partidos políticos. Os IWW não se consideravam "anarco-sindicalistas", mas identificavam-se antes com os sindicalistas da CGT [francesa] anterior à Guerra de 1914-1918, e designavam a sua organização como um "sindicato industrial" ávido de "democracia industrial". Tratava-se de uma forma de democracia revolucionária, pois implicava o desaparecimento do modo de produção capitalista e exigia a criação de relações sociais igualitárias.

Terão sido os judeus os inventores da extrema-esquerda? [a pergunta é retórica]

"Deux juifs russes se retrouvent sur le quai de la gare.
Où vas-tu? dit l'un.
Je vais à Nijni-Novgorod.
L'autre marque un long temps de silence, puis, furieux:
Comment?! Si tu me dit que tu vas à Nijni-Novgorod, c'est que tu veux que je croie que tu vas à Odessa; et si tu veux que je croie que tu vas à Odessa, c'est que tu vas vraiment à Nijni-Novgorod. Alors, pourquoi mens-tu?"

Lido em L'Humour Juif, Adam, ilustrações de Thomas Gleb, 1966, Editions Denoël, Paris, comprado na minha livraria preferida: a Galileu de Cascais.

Realismo democrático

Mais ou menos directamente, tenho procurado, em vários posts recentes, denunciar a ilusão de que a resposta democrática à crise e à sua exploração pela oligarquia passa pela criação de um novo partido vocacionado, no interior do regime e por via essencialmente representativa, para participar num novo governo.

A denúncia dessa ilusão passa por uma série de pontos fundamentais que não vou aqui retomar — cf. Que movimento por que democracia e Que democracia? —  e entre os quais indicarei apenas os dois seguintes: 1. a insuficiência democrática da representação e da política profissional e a sua transformação em obstáculo ao exercício pleno da cidadania, à sua extensão tendencialmente governante,  e 2. a inadequação das formas de organização de tipo representativo, estipulando a reserva do essencial do exercício do poder político aos representantes, para quem tenha em vista a extensão e intensificação da participação democrática de base como alternativa de regime e via de democratização instituinte das actuais relações de poder.

Mas esta denúncia necessária dos limites da representação não passa pela renúncia ou menorização do imediato ou à intervenção visando marcar, ao mesmo tempo que a possibilidade de transformação da cena política, a sua agenda quotidiana. Se, dentro do horizonte previsível, é improvável (embora devamos estar sempre preparados para a irrupção do improvável) que a extensão do exercício igualitário da deliberação e da decisão democrática se torne propriamente governante, isso não significa que um movimento de oposição organizado numa base semelhante esteja condenado à impotência prática e não possa introduzir transformações decisivas na sociedade em cujo interior age. Digamos até que é mais realista apostar que estas se vão fazendo por esta via do que pela da renúncia "possibilista" à exigência da "democracia já". É através da capacidade de ser uma oposição cada vez mais efectiva e consequente às formas institucionais (políticas e "económicas") que a negam — e não através da participação governamental nos termos em que a determinam essas formas que a excluem determinam — que a democracia mostra e aumenta a sua força e pode, assim, inscrever a sua diferença e abrir caminhos novos, desde já, na vida e na realidade política do dia a dia.

Disfunção cognitiva europeia [antes fosse eréctil que assim talvez os gregos não se fodessem e pardon my french]

"THE European Union seems to have adopted a new rule: if a plan is not working, stick to it."
Ler o resto AQUI [em The Economist, perigoso pasquim da extrema-esquerda]

26/06/11

Sobre o cheque-educação

Este post de Ana Cássia Rebelo (via Esquerda Republicana e Arrastão) fez-me lembrar está já velhinho de Pedro Magalhães (Margens de Erro):
Disto isto, um ponto adicional sobre o cheque-escolar. Independentemente da minha opinião sobre o assunto - que confesso ainda não sei bem qual é - suspeito que a ideia tem muito menos receptividade entre os proprietários e dirigentes das melhores escolas privadas portuguesas do que aquilo que os defensores da ideia imaginam.

Primeiro, porque a introdução do cheque-escolar poderia levar ao que acabou por suceder na Suécia, ou seja, a proibição de cobrança, pelas escolas privadas, de mensalidades adicionais acima do valor do voucher (em moldes semelhantes, por exemplo, aquilo que defende o Partido Conservador no Reino Unido). Para as melhores escolas privadas portuguesas, que têm procura muito superior à oferta e cobram mensalidades muito superiores àquilo que o valor do "cheque-educação" alguma vez poderá ser no contexto português, uma medida destas seria um desastre.

Segundo, a introdução do voucher quase certamente obrigaria a regulação e monitorização dos critérios de admissão. Tal como sucedeu na Suécia, as escolas inscritas no esquema deixariam de poder recusar a admissão de alunos menos qualificados. Isto seria igualmente desastroso para as melhores escolas privadas portuguesas. Por um lado porque, como já vimos, é altamente provável que a homogeneidade das turmas "por cima" seja um factor favorável não só - como é óbvio - para o desempenho "agregado" das escolas (que essas escolas querem manter a altos níveis de forma a preservarem altos níveis de procura) como também para o desempenho individual de cada um dos alunos. Por outro lado, uma das maneiras como as melhores escolas privadas colocam um "premium" adicional ao produto que estão a vender consiste em restringir os critérios de admissão através de "cunhas". Como qualquer pessoa de classe média-alta que tenha filhos em idade escolar (ou que tenha amigos nessas condições) sabe perfeitamente, são raríssimos os casos de alunos que entram nos melhores colégios privados em Portugal sem "cunha" (talvez o St. Julian's seja a excepção, mas nem disso estou certo). Isto cumpre uma função essencial: preservando a homogeneidade social dos colégios através de um recurso às redes sociais dos pais, estes ficam a saber que, ao colocarem o filho no colégio, estão também a dar-lhe acesso a uma rede de relacionamentos que traz consigo uma coisa simples mas fundamental: capital social. Os vouchers colocariam isto em risco, e isto é algo que nenhum bom colégio privado (nem os pais que os procuram) querem realmente perder. É triste? Talvez. Mas é assim.

25/06/11

Possíveis desfechos da crise grega - revisitado

Há um ano e tal eu escrevia sobre os possíveis desfechos da crise grega:
A) Reina a ordem em Atenas: as medidas de austeridade vão em frente e o governo consegue travar o crescimento da divida grega (o que implica transformar um deficit de 13% num superavit). Tal implicará uma brutal redução das despesas e/ou aumentos de impostos (mais do que os tais 13%, já que como a economia vai retrair-se, a receita também vai diminuir), falências em cadeia e um desemprego altíssimo durante anos.

B) Solução "nacionalista burguesa": a Grécia suspende os pagamentos da divida externa, congela as contas bancárias durante alguns meses e abandona o euro, desvalorizando o "novo dracma" para estimular as exportações. Também irá haver austeridade neste caso mas talvez menos intensa, já que a suspensão do pagamento da dívida reduz logo o deficit orçamental; com a desvalorização da moeda, a crise económica pode ser menor, já que a contração na procura interna será em parte compensada pelo aumento das exportações.

C) Solução social-democrata pan-europeia: a UE assume a dívida e a direcção da politica orçamental grega (e, a média prazo, do conjuntos dos países da zona euro). Pouco provável devido à oposição alemã (mas quando os dominós - Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda, Itálias e uma carrada de bancos comerciais - começarem a cair, pode ser que isso se altere)

D) Solução (mais ou menos) revolucionária: com a crise económica, o poder cai na rua e grande parte das empresas à beira da falência são ocupadas pelos trabalhadores que as repõem a produzir.Haverá também uma contracção da economia, mas compensada por uma melhor distribuição. Este hipótese em estado puro é pouco provável, mas já me parece mais expectável uma mistura entre esta hipótese e a "solução nacionalista burguesa" atrás referida (no fundo, foi o que aconteceu na Argentina).

Após um ano, a re-análise:

- A hipótese A parece posta de parte

- A hipótese B (em maior ou menor grau) continua a ser uma hipótese possivel, sobretudo a partir do momento em que a oposição de direita também já defende a renegociação dos acordos com a UE/FMI e parece inclinada a votar contra novas medidas de austeridade. Aliás, convém dar uma olhada à biografia política do actual lider conservador grego, Antonis Samaras: nos anos 90, fez cair o governo do seu partido e criou outro durante alguns anos (até voltar à "Nova Democracia") porque achava-os muito "brandos" na questão (do nome) da Macedónia; ou seja, parece-me o típico "nacionalista burguês"

- A hipótese C parece avançar dificilmente, mas ao mesmo tempo está a avançar, logo ainda é uma saída possivel

- As perspectivas da hipótese D estão a melhorar: é verdade que parece não haver uma situação pré-revolucionária a nível dos locais de trabalho (como ocupações), mas já há sinais de estar a nascer uma democracia directa paralela à "democracia burguesa"; também é um sinal promissor a existência de movimentos radicais com alguma implantação entre o povo grego (pelo menos dois dignos de nota - o forte movimento anarquista, sobretudo entre os estudantes; e, dentro do jogo parlamentar, a SYRIZA / Synaspismos)

Está tudo bem. Keep shopping

Nos good old days of capitalism, a top-model Linda Evangelista proferiu uma frase que se tornaria tão famosa como a cor (variada) dos cabelos dela: “Não me levanto da cama por menos de dez mil dólares”.
Martin Amis descreveu esses anos loucos no celebrado Money, e Money foi também um tema dos Pink Floyd da década de 70; muito tempo antes, Karl Marx passaria a vida a farejar-lhe o rasto.
O melhor retrato do capitalismo não me chegou, porém, pela voz do velho filósofo. Li-o no jornal Expresso e levava a assinatura do Robert Wyatt (músico que, por acaso, chegou a tocar com Syd Barrett na curta fase pós-Pink Floyd).
Dizia o Robert ao Rui (Tentúgal): “[ao capitalismo] não interessa que toda a gente morra à fome porque aí desaparecem os consumidores. Basta que as pessoas tenham dinheiro para comprar Coca-Cola, hambúrgueres e discos da Britney Spears”.
Descontadas ou substituídas as mercadorias citadas, a ideia faz sentido: um sistema que vive de vender coisas não pode, ao mesmo tempo, empobrecer demasiado a malta porque, afinal, alguém terá de ir às compras.
Mais: se o modo capitalista é comparável a uma bicicleta – alguém o comparou e não fui eu – ou seja, se pára cai, onde nos levará a fixação consumista quando todos os chineses tiverem carro e, pelo menos, um micro-ondas?
Irão os nossos bisnetos comerciar para Gliese 581d? (para quem não sabe, é uma espécie de planeta do Principezinho mas maior que uma equipa de astrofísicos garante ter condições para suportar vida humana).
Andarão muitos a reflectir sobre isto. Os mercados, os bancos, as agências de rating, a Bundeskanzlerin Angela Merkel e o monsieur Sarkozy, sem esquecer os BRICs e os desgraçados dos PIGS. Provavelmente, a resposta estará em algum livro de ficção científica da colecção Argonauta.
Entenda-se este post, pois, como um singelo desabafo. Já lá dizia João Pinto, “prognósticos, só no final do jogo” ou, numa versão anterior, Mark Twain: “a profecia é um género muito difícil, sobretudo quando aplicado ao futuro”.

24/06/11

Aposta climática - resultado

Em dezembro de 2010, eu propus a seguinte aposta:
Proponho um desafio aos que dizem que os factos não comprovam que a Terra esteja a aquecer (parece-me ser o caso de pelo menos alguns "insurgentes", p.ex.).

A NASA publica uma lista de temperaturas médias no planeta (que é o que interessa para a questão do aquecimento global, não se há arrefecimento local em Londres ou aquecimento local no meu sofá quando o Pantufa lá dorme), medida em centésimos de grau Celsius acima da temperatura média entre 1951 e 1980.

Em Maio do ano passado, a temperatura média global era de 64 (isto é, mais 0,64 ºC do que a temperatura média entre 1951 e 1980). Entre 1998 e 2010, a temperatura média em Maio foi de 49 (ou 48 virgula qualquer coisa).

Que desafio proponho? Uma espécia de aposta: se em Maio de 2011 (dados que devem estar disponíveis em Junho) a temperatura média anunciada no site da NASA foi maior que 64 (isto é, a temperatura deste ano), ganho eu; se for menor que 49 (a média de 1998 a 2010), ganham os meus oponentes (seja lá quem forem, já que esta aposta é dirigida "a incertos"); se for entre 49 e 64 (acima da média, mas abaixo da deste ano), teremos um empate.

E qual o objecto da aposta? Simplesmente o (ou os) derrotado publicar um post a dizer que perdeu a aposta, a recapitualar os termos da aposta e a linkar para os vencedores. Se assim o entender, o vencedor poderá também publicar um post a dizer que ganhou (em caso de empate, ninguém terá que publicar post nenhum, mas também poderão publicar um post a dizer que houve empate).

Note-se que isto não implicaria alguém ter que mudar de posição sobre a questão "a Terra está a aquecer?"; afinal, um mês pode perfeitamente ser um outlier (além de que a questão que se discute não é apenas se a Terra está a aquecer, mas também quais as causas disso, possiveis efeitos, etc.); isto pretende ser apenas uma experiência, nada mais.

Nos comentários, acabei por fazer uma semi-aposta com o Ecotretas:
Isto, se a temperatura for maior que 64, claro que não terá que fazer nada (afinal, você disse que não queria apostar).

Mas se for menor que 49, eu faço o tal post a dizer que você ganhou.
Há uns dias pensei em ir ver os resultados, mas depois pensei "Este mês de Maio foi quentíssimo (e se foi quente em Portimão, claro que foi quente no mundo inteiro!), logo ganhei a aposta; como só era para publicar caso perdesse, nem vale a pena pensar no assunto"; ainda pensei em publicar um post dizendo algo como "se os negacionistas do aquecimento global não fossem uns medricas com medo de apostar (mesmo a feijões) eu teria derrotado-os". Note-se que em nenhum momento eu fui ver a temperatura efectiva!

Bem, eu (convencido do meu triunfo) não fui, mas o Ecotretas foi, e afinal a temperatura média em Maio foi de... 42, das mais baixa deste século.

Ou seja, o Ecotretas ganhou a aposta!

23/06/11

Re: "Udêpêdização" do BE ?

Na verdade, suspeito que a UDP é a sensibilidade do BE mais prejudicada pelo hábito de decisões a nível de cúpula no partido.

Numa organização politica que verdadeiramente se auto-dirigisse democraticamente e em que os plenários de militantes mandasse mais que a Comissão Política, muito provavelmente a UDP (que fornece grande parte dos coladores de cartazes e distribuidores de panfletos, mas poucas das figuras televisivas) teria muito mais importância.

"Udêpêdização" do BE ?

Na caixa de comentários de um post da Joana, no Brumas, escreve o Miguel Teotónio Pereira:

a udêpêdização do BE faz o seu caminho, tranquilamente... os outros há muito que perderam o pé; a geometria a régua e esquadro dos órgãos dirigentes e dos cargos (por enquanto...) é uma peneira que apenas serve para obscurecer aquele percurso, que segue livre e sem reacção de quem devia e podia e não quis, e agora, em querendo, já não pode.
Os resultados eleitorais do BE serviram às mil maravilhas aquele propósito. Estou convencido, arriscando enganar-me, que muita gente no BE festejou (em privado) esses resultados.
(…)
Tudo isto mostra à evidência que o BE vem desperdiçando o capital de esperança que despertou em sectores da esquerda não-alinhados. E que os sectores do BE que poderiam "alavancar" essa esperança foram já comidos, mastigados, engolidos, digeridos e evacuados.


Se — até mesmo para quem, como é o meu caso, está longe de a subscrever na íntegra — os pontos sublinhados por esta análise têm um mínimo de pertinência, então, o "começar de novo" de que falava aqui há dias o Zé Neves torna-se ainda mais urgente e exigente para todos os que, dentro e fora do BE, entendem que o que faz falta para animar a malta é uma (ou mais do que uma) organização política que se auto-dirija democraticamente no plano interno, antecipando ou actualizando assim a transformação das formas de governo, de exercício do poder político, de direcção da economia e de auto-organização democrática da sociedade para cujo desenvolvimento se propõe contribuir e em cujo processo quer participar, tal sendo a sua razão de ser.

O mandato de Rui Tavares

O Bloco de Esquerda teve 382.667 votos nas eleições para o PE; se o partido tivesse tido 379.786 votos, teria sido a CDU (com 379.787) a eleger o 3º deputado.

Ou seja, menos 2.881 votos e o Bloco não teria eleito o 3º deputado (por outras palavras, bastaria que 1 em cada 125 eleitores de BE não tivesse votado assim, para que este só tivesse 2 representantes). Ora, Rui Tavares é uma figura conhecida, o ele ser candidato foi várias vezes referido na comunicação social e na campanha creio que houve alguns discursos do género "vamos ver se levamos o Rui Tavares a Bruxelas!".

Assim, é bastante provável que algumas pessoas terão votado BE por lá estar o Rui Tavares; será que a hipótese de pelo menos 1 em cada 125 votantes do BE ter sido influenciado pela sua presença é assim tão descabida?

Por outras palavras, atendendo ao perfil público de Rui Tavares e à margem estreitissima pelo qual o Bloco elegeu o 3º candidato, parece-me possível que tenha sido mesmo ele a trazer efectivamente os votos que permitiram a sua eleição.

22/06/11

Um Abraço para o Jorge Palinhos

A propósito deste post que o Jorge Palinhos publicou anunciando a sua saída do 5dias, quero deixar-lhe aqui um abraço - que, de resto, tentei deixar na caixa de comentários da sua despedida, mas que continua à espera de moderação, depois de vários outros comentários posteriores terem sido já editados. Talvez, depois de o pôr aqui, sob a forma de post, o comentário acabe por ser aprovado à semelhança do que tem acontecido noutras ocasiões. É lamentável que uma minoria tenda a fazer com que a censura arbitrária se torne uma prática cada vez mais frequente na casa — e não, não sou só eu que o digo.

Mas adiante e aqui fica o abraço anunciado:

Caro Jorge,
não o conheço pessoalmente, mas não quero deixar de o cumprimentar vivamente pela sua atitude.
Deixando de parte o tipo de apoio ou intervenção que o RT, você, o Miguel Portas e a Marisa Matias, o Pedro Viana ou eu próprio, possamos ter considerado na altura, ou considerar agora, a melhor forma de solidariedade com os insurrectos líbios - e que, decerto, não era esta nem assim orientada -, a verdade é que chamar "carrasco do povo líbio" (e olhe que não foi a primeira vez) a quem tomou a atitude que o RT tomou, insinuar que a sua ruptura com o BE na sequência de uma insinuação difamatória pública por parte de FL é motivada pela vontade de ganhar dinheiro, etc., etc. são métodos que devemos repudiar absolutamente, pois pervertem, também absolutamente, a luta política.

Abraço solidário

msp

Descomprimir

Para descomprimirmos todos um pouco, e o Rui que não me leve a mal, mas com a passagem para os Verdes europeus pergunto-me se o PAN não acaba por conquistar na Europa o deputado português que não conseguiu em Lisboa...

Começar de novo a discutir o BE

A entrevista ao Miguel Portas feita pelo Nuno Ramos de Almeida é um excelente ponto de partida para voltarmos a discutir o BE depois destes últimos dias penosos. A ler aqui. Só não gostei mesmo da expressão "lançar movimentos"; e acho que o Bloco tem que perceber que os seus militantes não podem ser ao mesmo tempo líderes de movimentos e dirigentes da comissão política, como sucede agora com o Tiago Gillot.

21/06/11

Trocar Marx por Coelho

Já aqui escrevi: acho que o Rui Tavares devia renunciar ao seu mandato. E já escrevi em variadíssimas ocasiões um conjunto de posts e outros textos criticando as posições e propostas políticas do Rui Tavares e do Daniel Oliveira em relação a inúmeros temas. Não tenho pachorra, porém, para comentários e críticas cretinas, como as que acusam o Rui de querer mas é segurar o tacho e de ser oportunista e tudo o mais. Estas críticas dizem muito mais da miséria político-intelectual de quem as faz do que outra coisa qualquer. Miséria porque revelam a completa incapacidade de pensar fora da lógica economicista dominante. O único critério que conseguem encontrar para tudo e mais alguma coisa é a vil corrupção induzida pelo dinheirinho. Em alternativa celebram os heróis que serão incorruptíveis, é claro. Subsituíram a crítica política pela sobranceira moralista. Trocaram Marx por José Manuel Coelho.

Rui Tavares

Sou amigo do Rui Tavares e estou certo de que o que escrevo neste post não alterará esse facto. Mas escrevo enquanto eleitor que nas últimas eleições europeias votou na lista do BE encabeçada por Miguel Portas. Lamento muito que o Rui Tavares tenha decidido abandonar o grupo do BE no Parlamento Europeu. A nota de Francisco Louçã no facebook, que aliás tive a oportunidade de criticar neste blogue, foi o pretexto, dirão uns, a gota que fez transbordar o copo, dirão outros. Não me interessa perder um segundo a discutir se foi pretexto ou se foi a gota decisiva. A única coisa que me custa é perceber por que raio um conflito com Louçã leva Tavares a desvincular-se de Miguel Portas e de Marisa Matias, assim como de todo o Grupo Unitário de Esquerda, em que se encontram vários outros deputados, da Ilda Figueiredo e dos deputados do PCP a alguns outros bem mais próximos, político-ideologicamente, do Rui, como aliás ele e o Daniel Oliveira fizeram questão de relembrar ainda recentemente a propósito da situação na Líbia.
Mas, pronto, a ruptura está feita e sobre isto nada a dizer, a não ser, de novo, que lamento.

Além das lamentações, porém, há outra coisa que quero dizer. É que se reconheço ao Rui toda a legitimidade para protagonizar aquela ruptura, não lhe reconheço nenhuma legitimidade para mudar para os Verdes. Levar esse mandato para outro lado é inaceitável. Nas próximas eleições, assim o entendesse, o Rui poderia apresentar-se nas listas de um outro partido ou até de um novo que entretanto formasse. Neste mandato, nunca. Eu votei numa lista de um partido dirigido por Francisco Louçã e seus pares de direcção e que é simultaneamente composta por homens e mulheres concretos, como o Miguel Portas, a Marisa Matias, o Rui Tavares e outros tantos. Não vou discutir se votei mais por ser o partido do Francisco ou por ser a lista da Marisa. Porque, na verdade, votei sobretudo numa lista com um determinado programa. E este programa não é o dos Verdes (por várias razões que o Rui conhece bem).

O Rui Tavares deveria renunciar ao mandato para que foi eleito. Até porque não me importava nada de o ver mais perto de nós, de lhe pagar uma imperial num café de Lisboa ou de com ele subir as escadas em direcção ao terceiro anel da Luz, que para o ano é que é.

20/06/11

Game of chicken

Zona euro falha acordo sobre ajuda de curto prazo à Grécia

Vários governos europeus estão empenhados em jogar o jogo da covardia (game of chicken) com o povo grego. Veremos quem pestaneja primeiro.

Raios partam Lenine

Poucas discussões podem ser mais entediantes do que aquela em que dois istas discutem qual dos dois é mais verdadeiramente ista. São discussões certamente muito passionais mas que são chatas até mais não. Sei-o bem porque já perdi algumas noites desta vidinha a tentar provar, sentado nos bancos de pedra plantados à frente do Califa, que o meu benfiquismo era mais ardente do que o de um dado interlocutor. E posso garantir que ainda assim no dia seguinte o Porto se manteve no primeiro lugar do campeonato. Mas eis senão quando chega à nossa já farta mesa uma discussão que tem tudo para ser ainda mais absurda do que aquelas. É o que sucede quando um ista acusa alguém que não é do mesmo ismo de não ser do mesmo ismo (sim, isto mesmo). Neste post a Raquel Varela diz que eu e o seu colega de blogue Carlos Vidal destratamos Lenine. Ora sucede que eu estou a mais nesta história. Podem a Raquel e Carlos Vidal discutir entre si, com inteligência, fulgor e paciência, quem trata melhor e quem destrata pior o pobre ou o rico do Lenine. Será um debate que acompanharei, na medida das minhas possibilidades, mas um debate que não me faz descer da bancada lateral ao relvado. Posto isto (e tentando não mandar por água baixo tudo o que anteriormente escrevi), devo dizer que já me faz alguma comichão não conseguir explicar à Raquel Varela a minha posição em relação ao tal do Lenine. A Raquel diz que eu acuso “Lenine de ter semeado estalinismo com a concepção de Partido Revolucionário”, mas não encontro em nada do que alguma vez tenha escrito o que quer que seja que induza tal leitura. Essa tese, que em boa medida é a de, entre outros, historiadores como François Furet, incorre naquilo a que poderíamos chamar a teoria da escalada; um gajo começa por dizer que ganha pouco, no dia seguinte faz uma greve, no dia seguinte faz ainda mais um dia de greve, na semana seguinte vai pregar a greve para outras freguesias, passado um mês faz uma revolução, meio ano depois está a mandar para o gulag tudo o que mexe contra o sabor da sua corrente. Eu não subscrevo a teoria da escalada. (Na verdade escrevi uma tese de doutoramento que em parte resultou contra isso mesmo). Isto não significa, porém, que eu tenha alguma reserva em colocar em cima da mesa de discussão a seguinte questão: como foi possível que a revolução do proletariado se tornasse ditadura sobre o proletariado? Colocar esta questão não significa dizer que qualquer revolução termina em ditadura. Ou sequer que eu entenda que se deve deixar de tentar ser revolucionário para não se correr o risco de acabar em ditador. Colocar esta questão significa dizer sim às revoluções e não às ditaduras. O meu problema com o leninismo enquanto estratégia que advoga a existência de um partido vanguardista não é simplesmente saber se o leninismo possibilita que se chegue a um Estado ditatorial. O meu problema é, fundamentalmente, que tal concepção afirma a necessidade de existir quem dirige e quem seja dirigido. Neste sentido preocupa-me que a concepção vanguardista de partido seja tão propícia à ditadura como conforme à democracia representativa. Tanto me preocupa que Lenine seja compatível com Estaline como com Wilson. Os extremos podem, de facto, tocar-se e no século XX tocaram-se mais do que uma vez. Isto poderia ser subscrito tanto por Nolte como pelo José Manuel Fernandes. Mas os extremos tocaram-se frequentemente pelo centro e não pelas costas. É esse centro, que é o coração da Razão de Estado (ou de Partido), que interessa superar.

Que democracia?

1. Nada mostra melhor os limites da concepção representativa de democracia de Daniel Oliveira do que o seu post sobre os "caloiros" do novo governo. Não há uma linha deste post em que, de uma maneira ou de outra, não se afirme que o governo deve ser confiado a políticos profissionais experientes e/ou que os governantes devem ter qualificações técnicas especializadas que os distinguem do comum dos cidadãos e os qualificam para o seu papel de condutores. O que é o mesmo que adoptar na íntegra o princípio da  distinção entre governantes e governados, que a razão de Estado formula, e todas as suas consequências classistas e hierárquicas.  E o mesmo que excluir esse direito de todos a uma igual participação organizada e regular nas deliberações e decisões que política e economicamente os governam pelo qual classicamente se define a democracia. Esta, com efeito, não é mais — nem pode ser menos — do que a universalização da participação governante no seu próprio governo através da qual Aristóteles definia a cidadania.

2. Uma limitação homóloga onera também a distinção que Boaventura Sousa Santos propõe — e me surpreende, apesar de tudo, que o Rui Bebiano celebre pondo de lado o sentido crítico que noutras ocasiões exibe — entre "luta pela democracia" e "anticapitalismo", ao declarar que "«neste momento a questão fundamental não é o capitalismo, é a democracia» e "a sobrevivência da democracia". Na realidade, se podemos dizer, como eu próprio tenho feito, que a vontade de democracia é mais ampla e fundamental do que o anticapitalismo, sendo este uma conclusão subsidiária — mas nem por isso menos necessária — da exigência de democracia, não vejo que sentido político possa fazer a oposição ou distinção entre uma coisa e outra, nos termos em que BSS a formula.  "Lutar pela democracia", entendida, nos termos acima indicados, como recusa da divisão hierárquica entre as condições de governado e governante de cada cidadão, pondo entre parênteses ou deixando para mais tarde a exigência de democratização dessa instância fundamental do governo que é a direcção da economia e a organização do trabalho e do mercado, só pode significar, de facto, pôr entre parênteses ou deixar para mais tarde a conquista da cidadania governante — da participação igualitária e regular dos homens e mulheres comuns nas deliberações e decisões por que se governam - que é condição instituinte e necessária da própria democracia.

A "síntese" fascista

Será difícil encontrar melhor ilustração da mescla entre o hilariante e o arrepiante tão característica do fascismo do que estas apologias que Renato Teixeira, esse difamador profissional do BE, e Carlos Vidal, esse pregador da "autenticidade" antidemocrática de Estaline, fazem da atitude de Francisco Louçã versus Rui Tavares que aqui se referiu ontem. Dir-se-á que são episódios marginais que só merecem desprezo. Merecem, sem dúvida, desprezo. Mas faríamos mal em esquecer que foram igualmente grotescos os primeiros esgares da "síntese revolucionária" dos fascismos históricos e até mesmo, à escala monstruosa que se sabe, os traços distintivos da sua máscara da maturidade.

A esquerda e o FMI/troika

Ontem Francisco Louçã declarou que tinha sido um erro a recusa de negociar com a troika. Uns dias antes, também alguém do BE (que, sinceramente, não me lembro quêm) fazia qualquer referência a se ter sobrevalorizado a oposição popular à troika e subvaloriza as esperanças nela.

Até certo ponto, isso talvez seja uma situação em que uma estratégia desenhada para outra época foi levada demasiado longe no tempo.

No principio da Internacional Comunista, foi adoptada a estratégia que "o caminho para Londres passa por Cartoun" (ou algo parecido) - que a luta contra o colonialismo era um primeiro passo na luta pelo socialismo (creio que parte da chamada "ultra-esquerda" se opôs a essa linha, considerado que as lutas de libertação nacional - tal como as lutas pela "democracia burguesa" em países que ainda não tivessem lá chegado - eram um desvio face ao que interessaria, a luta dos trabalhadores contra o capitalismo).

O discurso anti-FMI, que a esquerda até usou com algum sucesso em sítios como a América Latina, é um bocado um herdeiro dessa estratégia - basicamente, a ideia é que a melhor maneira de agitar as massas contra a classe dirigente local é dirigir a pontaria ao FMI ou a instituições similares e assim levar a burguesia nativa a assumir o papel de colaboracionista dos inimigos da independência nacional (ou seja, embrulhar a luta anticapitalista em vestes anti-imperialistas).

Se calhar o que se passou em Portugal em que o povo já está divorciado da sua classe dirigente (pelo menos da classe dirigente politica; ainda não totalmente da económica) pelo que a "estratégia anti-imperialista" talvez já não faça sentido. Por outras palavras, grande parte do povo não sente razão para achar o seu governo melhor que a troika, logo não se revê em atitudes de não discutir com a troika (e ainda menos em atitudes de "Portugal tem um governo, logo é a esse governo que vamos apresentar as nossas ideias, não à troika").

Como reconhecer a Esquerda?

António Guerreiro publicou neste passado fim-de-semana, no jornal Expresso, um artigo de opinião cuja leitura recomendo, intitulado "Como reconhecer a Esquerda?"

"A esquerda tornou-se tão permeável ao discurso e à lógica da política de direita que se tornou incapaz de se apresentar com um pensamento crítico e resistir à lógica meramente gestionária da política nas sociedades liberais e do espetáculo."

19/06/11

Uma estalinada de Francisco Louçã, uma nota de Rui Tavares e o processo de degenerescência em curso no BE

Uma eloquente Nota que o Rui Tavares acaba de publicar documenta um processo de degenerescência avançado no interior do BE e a deriva estalinista de certa "esquerda da esquerda", que, seguindo o exemplo de ruidosos elementos de certas franjas do trotskismo lusitano — estilo Renato Teixeira/Raquel Varela, etc. — Francisco Louçã parece agora apostado em protagonizar. Ler na íntegra a Nota do Rui Tavares clicando aqui. Se é esta a alternativa à via "governamental" do Daniel Oliveira e outros, e se são estes os métodos políticos da "esquerda" do BE, estamos conversados.

18/06/11

Maxime Le Forestier: Comme un arbre dans la ville (1973)




Comme un arbre dans la ville
Je suis né dans le béton
Coincé entre deux maisons
Sans abri sans domicile
Comme un arbre dans la ville

Comme un arbre dans la ville
J'ai grandi loin des futaies
Où mes frères des forêts
Ont fondé une famille
Comme un arbre dans la ville

Entre béton et bitume
Pour pousser je me débats
Mais mes branches volent bas
Si près des autos qui fument
Entre béton et bitume

Comme un arbre dans la ville
J'ai la fumée des usines
Pour prison, et mes racines
On les recouvre de grilles
Comme un arbre dans la ville

Comme un arbre dans la ville
J'ai des chansons sur mes feuilles
Qui s'envoleront sous l'œil
De vos fenêtres serviles
Comme un arbre dans la ville

Entre béton et bitume
On m'arrachera des rues
Pour bâtir où j'ai vécu
Des parkings d'honneur posthume
Entre béton et bitume

Comme un arbre dans la ville
Ami, fais après ma mort
Barricades de mon corps
Et du feu de mes brindilles
Comme un arbre dans la ville

Maré Alta para o Unipoppers

Não será razão — também era só o que faltava — para se deixar de ler o Vias. Mas ficaria bem entalado quem, num desses inquéritos sobre o que importar clandestinamente para a cela de um estabelecimento prisional, fosse intimado a escolher um só blogue e, assim, tivesse de optar entre este e o esplendor da liberdade do Unipoppers. Tenho dito, camaradas. Maré alta!

17/06/11

A repressão sexy de Kadhafi (Sexo perigoso — continuação)

Numa inspirada premonição prática da ruptura teórica do vale tudo de Renato Teixeira, que advoga que os indignados ripostem às provocações dos polícias que lhes plantam droga nos bolsos, plantando sexo no meio das forças militarizadas, Kadhafi dá-nos mais uma prova das potencialidades sexy da repressão. Com efeito, noticia o Passa Palavra:


Estupro eficaz

O promotor-chefe da Corte Penal Internacional, Luis Moreno-Ocampo, afirmou ter provas de que Muamar Khadafi ordenou o estupro em massa de mulheres ligadas às forças rebeldes. Moreno-Ocampo disse ainda que sua equipe de investigação encontrou elementos que confirmam a compra de medicamentos do tipo Viagra pelo governo líbio. Ao que tudo indica, contêineres de medicamentos contra impotência sexual foram adquiridos para ampliar a possibilidade e a eficácia dos estupros (fontes: Reuters e BBC).

Sexo perigoso

Atenção, camaradas! Se "a resistência é sexy", a repressão não deixa a coisa por menos. Prova? Por exemplo, a pedofilia dos "poderófilos" (Maria Velho da Costa dixit) nos internatos religiosos e alhures, as sessões de tunga-tunga multiculturalista de Berlusconi e Kadhafi, ou, a talhe de foice, essa "resistência islâmica" cuja "vitória militar" é antecipada, no registo de uma fixação libidinal compulsiva, pelo autor do post linkado — talvez por prometer aos seus piedosos combatentes viris uma orgia eterna, devidamente fornecida de concubinas, é certo que pouco resistentes, mas não menos devidamente excisadas.

16/06/11

Ideologia (2)

Falei aqui da malvada da ideologia. Antes de continuar, faço apenas uma ressalva: os embaraços provocados pela noção de ideologia não se limitam, por certo, ao campo político. Não é assim tão raro que um historiador critique o trabalho de um colega acusando-o de ter abandonado as elementares regras científicas e de ter cedido às suas paixões ideológicas. Mas a questão da ideologia tem especificidades a nível do debate político. Concentro-me nos partidos de que estou próximo. E que por isso tenho mais vontade de criticar, o PCP e o BE. No campo do PCP a ideologia é um problema na medida em que parece só poder haver espaço para uma. Corre-se assim o risco de reduzir a ideologia a uma doutrina. A redução chegou a tal ponto que já não chega ser comunista para ser militante do PCP. Nem tão pouco marxista. Nem sequer marxista e leninista. É preciso ter sido abençoado pelo hífen do marxismo-leninismo. Dir-me-ão que nada disto é muito relevante quotidianamente. Que há uma cultura política que abrange a questão teórica mas que a ela não se restringe. Que quando um militante faz uma proposta não há quem vá confirmar se é ou não conforme ao que reza o hífen. E eu em parte concordo. Mas só em parte. Porque a questão não é simplesmente a inexistência de condicionamento ao desvio ideológico. Mas é preciso, sim, haver um clima que estimule esse desvio. Ideologia sem desvio é culto identitário. E isto em nada obriga que o PCP renegue a sua história ou os seus princípios. História não é igual a identidade. E, quanto aos princípios, o Partido pode e deve continuar a ser fiel ao princípio comunista (e não apenas como um horizonte, mas também como início de qualquer prática) sem, porém, obrigar-se a muitos mais ismos (os defensores da doutrina podem não acreditar mas já havia comunismo antes de Marx). Quando falo de criatividade ideológica, não falo, aliás, do filósofo X ou Y que apresenta uma tese assim ou assado. Mas a de um partido feito por homens e mulheres que se reúnem em múltiplos espaços de debate e que fazem dessas reuniões momentos de experiência política teórico-empírica. Quanto ao BE, fica para o próximo post. Aí a questão é outra, não sei se melhor, se pior.



também publicado nos unipoppers

Direcção, Organização e Hierarquia

Ao contrário do que dizem a Raquel Varela, em termos bastante precisos, e o Renato Teixeira, em termos que me dispenso de comentar, a questão política fundamental do ponto de vista democrático não é a presença ou a ausência de direcção ou organização, mas a do tipo de organização e direcção que se tem em vista.

Do ponto de vista da R. e do R. - como do ponto de vista da Rubra, mas também de vários militantes de BE e da direcção do PCP -, o que faz falta é aproveitar a ocasião fornecida pela animação da malta, a fim de empreender a tarefa, que urge, como nunca, de criar uma organização de esquerda que dê corpo democrático, eficaz, politicamente sem compromissos, e centralizado a esta forçaem vista de (…) uma solução unificada e unitária (…). A tarefa é essa porque se pressupõe que, à falta da "organização de esquerda", o movimento se limita a ser uma agitação sem fins nem sentido consistentes, não podendo constituir uma alternativa ao regime.

Trata-se de um ponto de vista que a Raquel Varela exprime com clareza e competência, mas que nem por isso é o contrário do modo democrático de pôr a questão. Com efeito, do ponto de vista democrático, as organizações de militantes que fazem falta são as que não confundam direcção e organização com hierarquia e que animem, integrando-se no movimento sem pretenderem mais do que participar em pé de igualdade ao lado de outros, uma alternativa ao poder hierárquico e às suas formas de exercício. Estas formas alternativas proporão ao movimento a participação de todos na deliberação e decisão dos fins e na organização e escolha dos meios, bem como uma organização que seja já um primeiro exercício de auto-governo entre iguais.

É por aqui que passa a diferença entre os que concebem que aquilo que faz falta são bons governantes e os que apostam na extensão do exercício do poder e da condição governante ao conjunto dos cidadãos. Por outras palavras, é por aqui que passa a diferença antagónica que distingue aqueles que só concebem a democracia nos termos que à partida a negam de uma ou outra forma de representação, direcção e organização pelos poucos dos interesses, da consciência e dos fins legítimos dos muitos, e os que levam a sério a democracia não como defesa ou protecção dos muitos, mas seu exercício instituinte e autónomo.

Historicamente, para quem se interesse pelo assunto, diga-se, de passagem, que é ainda por aqui que passa — e não pela necessidade a desnecessidade da acção política organizada de formações políticas — a diferença entre as concepções de Rosa, por um lado, e as de Lenine e Trotsky, por outro. Senão passem-se os olhos por estes excertos de Rosa sobre a Revolução Russa:

"A prática do socialismo exige uma transformação completa no espírito das massas, degradado por séculos de dominação da burguesia (…) Ninguém o sabe melhor, ninguém o descreve melhor, nem o repete com mais obstinação do que Lenine. Mas erra totalmente no emprego dos meios: decretos, poder ditatorial dos inspectores das fábricas, sanções drásticas não são senão paliativos. A única via (…) é a aprendizagem da vida pública, a democracia mais ampla sem a menor limitação da opinião pública. O terror é exactamente o que desmoraliza. (…) se se sufoca a vida política no país (…), sem uma liberdade ilimitada de imprensa e de reunião, sem uma luta de opinião livre, a vida estiola em todas as instituições públicas (…) e a burocracia permanece como o único elemento activo (…): algumas dezenas de chefes do partido (…) dirigem e governam; o poder real encontra-se nas mãos de uma dúzia de chefes, superiormente inteligentes - e a classe operária é de vez em quando convidada a (…) aplaudir os discursos dos dirigentes e a votar por unanimidade as resoluções propostas; [temos assim] uma ditadura, certamente que não a ditadura do proletariado, mas sim a ditadura de um punhado de políticos — ou seja, uma ditadura no sentido burguês (…)" .

O mal dos sovacos e as axilas da Helena Matos

No Público de hoje Helena Matos insiste em dizer que há um problema de higiene nas acampadas. Como todos sabemos é um tema profundamente interessante inventariado pela Irene Pimentel quando se queixou do cheiro que lhe passou pelas vias quando passou por nós no Rossio. Eu tentei simpaticamente chamar a atenção de ambas para a trapalhada em que se metiam ao irem por tal argumentação. Fi-lo aqui. Mas vozes de burro não chegam ao céu. Na verdade a escala higienista da Helena Matos dá mostras de expansão. Diz agora que ao pé das acampadas as manifestações da CGTP são um primor organizacional, intelectual e, lá está, higiénico. Ou seja, o suor do proletariado tresanda mas o suor do lumpen tresanda ainda mais.
Aqui chegados, acho, muito sinceramente, que o único espaço que sobra é para o insulto. A via intelectual não está autorizada, porque a esse respeito somos fraquitos. Insultar Helena Matos. Dizer que cheira mal da boca. Que não lava os sovacos. Que sovacos rima com Matos. Já para não falar do cholé do pé. Aceitam-se contributos sobre as competências odoríferas da Helena Matos na caixa de comentários.



publicado também nos unipoppers

Ruptura iminente

A demissão do governo grego, face à impossibilidade de conseguir a aprovação de novas medidas de austeridade, pressagia um momento de ruptura iminente. Na Grécia, com repercussões por toda a Europa. Irá uma verdadeira Democracia nascer por entre as ruínas da velha ordem? Estejam muito atentos ao que vai acontecer nos próximos dias.

14/06/11

Não era síria, não era mulher nem era lésbica but who cares? Era um apóstolo da liberdade

Ler aqui. A propaganda à distância de um clique ou corremos o risco de enlouquecer à velocidade da luz.

Ideologia (1)



Nos últimos meses a malvada da ideologia apareceu uma e outra vez na cena político-institucional. A palavra emergiu como um problema. Como um dos problemas que se teria abatido sobre este país. Disseram uns que recusar a troika seria uma fuga ideológica para a frente protagonizada por outros, que em nada resolveria a mais crua das realidades, a de um país que precisa de dinheiro e que só o encontraria entregando-se nas mãos troika (“isso da democracia e da soberania e das alternativas e do Louçã e do comunismo é tudo muito bonitinho mas a ideologia não enche a barriga de ninguém”). Aqueles a quem este discurso foi dirigido não se deixaram, porém, desarmar e vai daqui que contrapuseram que ideológicos eram, isso sim, os outros; ideológicos eram os Catrogas, os Nogueira Leites, os Duques, aqueles que, num cenário de crise, haviam abdicado da mais elementar lucidez económica, trocando-a pelos cantos da sereia neoliberal, renegando à mais objectiva das regras fundadoras de uma política económica anti-recessiva, a regra de estimular o crescimento investindo e não retraindo. Em suma, em resposta à crise teríamos desvios ideológicos de esquerda e desvios ideológicos de direita. Mudar a realidade é que não, uma vez que está tudo a correr bem.



também publicado aqui

Referendo por iniciativa popular

Como já foi assinalado, por exemplo pelo Miguel Cardina e pelo Youri Paiva, foram aprovadas as 4 propostas referendadas em Itália durante os últimos dois dias. Neste país é possível pedir directamente ao Tribunal Constitucional a convocação dum referendo, desde que se consiga reunir 500 mil assinaturas de eleitores italianos. Mas, em Portugal, um referendo só pode ser convocado pelo Presidente da República, após proposta da Assembleia da República e consulta do Tribunal Constitucional. Está na altura de alterar esta situação, e permitir a apresentação de propostas de referendo directamente ao Tribunal Constitucional, sem passar quer pelo Presidente quer pela Assembleia da República. No mínimo, deveria existir a mesma situação que em Itália, onde os referendos por iniciativa popular só servem para rejeitar leis já aprovadas pelo parlamento, e só se tornam vinculativos (no caso de referendos sobre leis ordinárias) se mais de 50 por cento dos eleitores votarem (como em Portugal). Idealmente, deveria ser possível propõr a aprovação por intermédio de referendo de leis ordinárias e alterações à Constituição, como na Califórnia desde 1911 (e em vários outros Estados dos EUA).

Num contexto de grande desconfiança perante o sistema político-partidário, creio que a defesa do referendo por iniciativa popular conseguiria obter um apoio transversal na sociedade portuguesa. Em particular, seria uma causa que conviria ao Bloco de Esquerda apoiar, e fazer dela um dos pontos principais do seu programa político. Entre várias razões, porque permitiria ao Bloco de Esquerda expandir a sua influência política, através da dinamização da oposição popular a leis aprovadas na Assembleia da República, e o diferenciaria dos outros partidos, todos desconfiados da participação directa dos cidadãos na tomada das decisões que os afectam. Seria um excelente modo para pôr os portugueses a aprender, a discutir e a construir a sua Democracia, na senda do que o Miguel Madeira propôs recentemente: "(...)parece-me que o melhor caminho para defender a linha 3 (a tal do "poder popular"(...)) é o da "aprendizagem pela acção" - se grupos de cidadãos se mobilizarem e organizarem por uma causa especifica (e sobretudo se conseguirem ganhar a sua luta...), vão pouco a pouco adquirindo o hábito de tentarem influenciar directamente as decisões políticas, em vez de se limitarem a votar de "x" em "x" anos (x<=4)."

13/06/11

A centelha da revolta acende-se na China

Os escravos do precariado chinês levantam-se, dizem não à "sociedade harmoniosa", desafiam a brutalidade da repressão e da exploração e atacam sedes do poder imperial. Aqui fica a primeira parte de um artigo do Público.es — a ler na íntegra.

China está siendo sacudida por una espiral de protestas sociales, todas ellas distintas en su origen pero iguales en la base: el hartazgo de una población indignada por la explotación laboral, la marginación social o la corrupción oficial. Después de que la provincia de Mongolia Interior sufriera hace 15 días los peores disturbios interétnicos que vive el país desde las batallas callejeras de Xinjiang en 2009, ahora la chispa ha prendido en la sureña provincia de Guangdong, motor de la llamada "fábrica del mundo".

Miles de trabajadores inmigrantes llevan tres días seguidos protestando violentamente en las calles de la región de Zengcheng como respuesta al maltrato que sufrió una joven de 20 años embarazada, procedente de la provincia de Sichuan, a manos de varios guardias de seguridad. En la noche del viernes, la chica estableció su puesto de venta ambulante frente a un supermercado. Al no marcharse del lugar tras ser advertida, los guardas, contratados por el gobierno local, salieron a su caza y le dieron una paliza sin importarles su estado, según narraron testigos en varias webs chinas.

Casi al instante, miles de personas, sichuaneses en su mayoría, se lanzaron a la calle: tumbaron decenas coches de Policía, se enfrentaron a centenares de agentes y prendieron fuego a edificios gubernamentales, camiones y mobiliario urbano. Desde el sábado, algunos barrios de la ciudad viven sumidos en la anarquía, mientras decenas de tanquetas del Ejército y miles de agentes antidisturbios tratan de frenar el estallido de cólera popular. "La gente corre como si estuviera loca. Han atacado la oficina del Gobierno y le han prendido fuego", afirmó una mujer en la ciudad de Dadun.

La paliza a la joven fue la gota que colmó el vaso de la paciencia de los trabajadores inmigrantes en el sur de China, que se sienten laboralmente explotados y sistemáticamente humillados por los habitantes locales. Una sensación que se ha agravado este año debido a la fuerte inflación que sufre el país, que combinada con el descenso de la demanda por parte de Occidente ha puesto a miles de fábricas y millones de trabajadores al borde de la ruina.

Ricardo Noronha: sobre "a crise da representação"

Texto de antologia sobre a crise da representação — e a limitação radical que a representação impõe à democracia — do Ricardo Noronha no Unipoppers.

À laia de aperitivo para a leitura completa, meia-dúzia de linhas da conclusão:

A hipótese de uma configuração radical da democracia – de uma democracia que não se consome mas antes se exerce –, baseada numa subjectivação sem sujeição, na apropriação consciente do tempo e das condições de vida pelos indivíduos, abre horizontes que ultrapassam um simples aprofundamento da participação ou rejuvenescimento das instituições. Uma outra política pressupõe uma outra forma de vida. Superar a crise da representação exige que superemos a própria representação, que deixemos de assistir ao jogo e comecemos a jogar.

Saber por onde não ir

O tempo é de repensar, rediscutir, reunir, reduvidar, até auto-flagerar; mas 1) isto não implica que não se assumam rupturas e 2) não se trata de partir do nada. Nas duas últimas décadas, ou até mais para quem quiser recuar aos anos de 1968, dois pressupostos terão sido por nós adquiridos e deles não devemos abdicar. Esses pressupostos devem limitar qualquer esforço unitário que importa e interessa desenvolver no âmbito dos exercícios auto-críticos em curso. Indicam os limites do nosso unitarismo. Que limites são estes?
O primeiro limite é o que nos distancia de quem prefere combater o capitalismo e só depois valoriza a luta pela democracia. Com quem assim fala, não se discute, não se aprende, não se ensina; luta-se contra. Lutar contra não significa, note-se, fazer desse o combate prioritário e, sobretudo, que se tome a árvore pela floresta. Se é verdade que no espaço do PCP parece aumentar (não sei com que peso) a importância de vozes que insistem em sobrevalorizar o combate ao capitalismo em detrimento do combate pela democracia, convém não esquecer que continuam a ser, hoje em dia, posições minoritárias, sem expressão na política fundamental do Partido. Com generosidade (e ela á precisa para os tempos que aí vêm) até podemos ver na crescente visibilidade daquelas posições um sinal da abertura da direcção do Partido às posições minoritárias que existem no seu interior. São, ainda assim, repito, vozes que devem ser combatidas sem concessões; aliás, todo e qualquer militante do PCP poderá fazê-lo, desde logo recordando as críticas que, nos anos 90, o Partido dirigiu contra os regimes socialistas da Europa do Leste. O segundo limite que deve ser por nós traçado é o que nos separa dos que entendem que a luta pela democracia é questão prioritária em relação à luta contra o capitalismo. Esta parece ser, hoje, a posição dos que, como o André Freire, têm defendido uma aproximação do Bloco ao PS. É, creio, uma posição acolhidas no seio do BE apenas minoritariamente, mas nem por isso desmerece o nosso combate, sem que, diga-se novamente, se faça desse combate a tarefa prioritária.
Em suma, qualquer hierarquização que afirme que o tema da democracia é mais relavante que o do capitalismo ou vice-versa deve ser rejeitada porque abriga um equívoco: o de que é possível dissociar política e economia. A esquerda que interessa não escolhe entre liberdade e igualdade. Como fazer política com base nesta "não-escolha", isto é, saber por onde ir, é a tarefa que nos cabe. Sem termos medo de não ter resposta para a questão "onde está a vossa sociedade alternativa?". E aprendendo as múltiplas formas de desarmadilhar tamanha questão, tema para um próximo post.

Esquerda vs. Direita

O Rui Tavares, em texto hoje publicado no jornal Público, aborda a diferença entre Esquerda e Direita a propósito da contestação no blogue 31 da Armada à sua caracterização da Esquerda como uma "(...)aliança daqueles que não são ricos nem poderosos.". No texto que é publicado hoje, o Rui Tavares assinala a diferença de perspectiva que Esquerda e Direita têm de si e da outra parte. No entanto, na verdade, Esquerda e Direita até concordam no que respeita ao que de mais fundamental as distingue: a atitude perante a igualdade. Não é por acaso que a crítica no 31 da Armada não incidiu sobre o resto da descrição da Esquerda feita pelo Rui Tavares: "(...)uma aliança de pessoas livres e iguais, fraternas entre si na mesma dignidade." Porque na essência, a Direita concorda com a Esquerda nesta sua caracterização. A Direita, nenhuma Direita, aceita a igualdade. Todas enfatizam o mérito: algumas pessoas merecem mais (poder) do que outras. A Direita, toda a Direita, acha portanto desejável e justificada a desigualdade, com base no mérito. A discordância dentro da Direita, é sobre que desigualdade é justificável e qual não é. Temos assim, por exemplo, os liberais a justificarem a desigualdade económica mas a criticarem o racismo, enquanto os teocratas justificam a desigualdade com base na religião enquanto até podem criticar a existência de desigualdades económicas. Em suma, o objectivo último da Esquerda é a igualdade, e parece-me que todos à Esquerda concordam com esta afirmação - no que diferem é nos meios que defendem para atingir tal fim. Há medida que estamos dispostos a aceitar, que defendemos como justa, cada vez mais desigualdade, mais nos movemos, politicamente, para a Direita.

Do que acima foi dito, resulta uma discordância com a afirmação feita pelo Rui Tavares, no texto hoje publicado, de que há ditaduras de Esquerda. Não há. Há ditaduras que se justificam afirmando que partilham do objectivo da igualdade, caracterizando-se assim como de Esquerda. No entanto, como é óbvio, numa ditadura há uma imensa desigualdade política, entre aqueles que detêm o Poder, para expressar as suas opiniões e para decidir livremente, e os outros. Desigualdade essa que quase sempre vem acompanhada de desigualdade económica, no acesso a bens materiais, e social, na deferência que é exigida por quem e dada a quem detém o Poder. Como é então possível achar que uma ditadura é um sistema político de Esquerda?

Que movimento por que democracia?

Embora concordando com muita coisa dita pelo Pedro Viana na sua reflexão pós-eleitoral, eu não diria que a formação e extensão de um movimento alternativo de democratização do regime de relações de poder que hoje nos governam requer a construção de uma grande narrativa unificadora. Tendo a pensar que a unificação e identificação (para si próprio e para o exterior a que se deverá endereçar) desse tipo de movimento requer, como condição necessária e suficiente, menos uma grande narrativa ou síntese de grandes narrativas, mas uma plataforma mínima de princípios orientadores muito simples ou um projecto não menos simples e claramente formulado de democratização geral. Esta plataforma ou projecto de democratização seria uma espécie de denominador comum dos cidadãos comuns que protagonizariam a acção do movimento.

Para concretizar um pouco melhor esta ideia, recorro agora à citação modificada de uma crónica que o Rui Tavares acaba de publicar. A modificação que introduzi foi só uma: onde o Rui escreveu "esquerda", eu escrevi "democracia", a fim de acentuar não a defesa ou afirmação destes ou daqueles interesses ou necessidades particulares, mas a exigência de igualdade de poder que é condição de um governo livre. A passagem da crónica, depois de intervencionada, diz o seguinte:

Mais do que uma doutrina ou uma ideologia, a democracia [esquerda] é a aliança daqueles que não são ricos nem poderosos. A democracia [esquerda] é uma aliança de pessoas livres e iguais, fraternas entre si na mesma dignidade.

Sendo os ricos e poderosos naturalmente poucos, a democracia [esquerda] terá de ser, para ter força, a união dos muitos. E esses muitos são - como é evidente - muito diferentes uns dos outros. Não são, não podem ser, todos da mesma seita. Não têm, e não podem ter, todos os mesmos objetivos de futuro, a mesma visão do mundo, ou o mesmo estilo de vida. Isso é impossível, e a democracia [esquerda] que é democracia [esquerda] luta para que isso seja impossível, e para que ainda assim haja unidade entre os muitos, os que não são ricos nem poderosos, os que se arriscam a ser lixados se não souberem fazer uma aliança.


Se não me engano muito, temos aqui os primeiros elementos da plataforma ou projecto de democratização a que me referia atrás, não sendo difícil tirar deles um pequeno número de consequências necessárias que essa plataforma ou projecto deverá explicitar desde o início. Uma maneira clara de o fazer é em termos de acção e participação - ou, se se quiser, nos termos que a democracia requer e implica no regime ou modo de agir e participar.

Se "a democracia é uma aliança de pessoas livres e iguais", a organização de um movimento que a tenha por fim, terá de a ter também por meio e forma de organização. Ora, se todo o movimento é um poder e comporta relações de poder, o primeiro regime de exercício do poder a democratizar por uma "aliança de pessoas livres e iguais" é o da organização e direcção do próprio movimento. Esta democratização é condição necessária da que o movimento propõe no que se refere ao governo da sociedade.

As mesmas razões fazem com que as lutas e acção política do movimento visem a extensão e generalização da participação igualitária, responsável e regular - auto-organizada ou autónoma -, de cada cidadão nas decisões comuns, que vinculam a existência colectiva e a gestão das suas condições. O regime democrático resultante de "uma aliança de pessoas livres e iguais" é o de uma forma de governo ou exercício do poder cuja legitimidade implica a igual possibilidade de participação governante de cada um dos cidadãos governados.

Na medida - hoje enorme - em que a economia é uma instância determinante ou um campo de relações de poder decisivo no governo das nossas vidas de homens e mulheres comuns, não há democratização possível, no sentido que tenho vindo a indicar, do exercício do poder, que não tenha desde o início de começar a transformar essa mesma economia. Esta democratização da economia tem vários níveis, sendo importante insistir nesse aspecto: implica, nomeadamente, a democratização dos rendimentos e do mercado; a democratização das relações de poder no interior das empresas ou organizações; a democratização da decisão dos objectivos gerais e planeamento da actividade económica, etc.

Trata-se, na realidade, de um ponto de importância capital, uma vez que, embora não saibamos talvez o que seria a democratização da economia, sabemos que sem ela não há democratização efectiva do poder político, pois boa parte deste é hoje exercido na esfera económica, e, mais ainda, a componente "direcção da economia" tende a primar cada vez mais no governo efectivo da sociedade sobre a parte que cabe ao aparelho de Estado propriamente dito. Assim, seria talvez preferível falarmos, não tanto do poder político e do poder económico da oligarquia governante, como de um poder político oligárquico que se exerce ora sob a forma da organização hierárquica da economia, ora sob a forma de controle dos aparelhos do Estado.

Se o que disse até aqui contém as bases que poderiam funcionar como uma plataforma ou projecto de democratização, vemos agora que essas bases configuram um denominador comum que não precisa de optar por uma das "grandes narrativas" ou tradições rivais que conhecemos, nem de as substituir por uma nova grande narrativa ou concepção do mundo unificada. Pode, em contrapartida, reunir gente que vem de tradições e horizontes diversos e cujas antecipações dos conteúdos substantivos de uma sociedade autónoma permanecem abertas ao debate. Não é que a ideia de democracia para que remete a descrição do Rui Tavares seja neutra ao nível das concepções do mundo ou que os conteúdos substantivos, os investimentos da vontade, os objectivos visados pelos que se identifiquem com o projecto de democratização, não sejam importantes. Efectivamente, quem quer a liberdade de decidir em pé de igualdade com todos os outros do governo das dimensões comuns ou colectivas da sua própria existência, quer essa liberdade em vista de alguma coisa a que poderíamos chamar aristotelicamente as condições de uma vida boa. O que aqui se sustenta é que essa questão essencial e múltipla só pode ser plenamente posta e indefinidamente retomada por todos e cada um daqueles a quem diz respeito através de uma acção de democratização instituinte cujos critérios e formas de organização procurei indicar acima.

O ponto que me importa marcar não é o do relativismo, mas o da criação. A "vida boa" não pode em deve ser concebida como um estado de coisas final ou, menos ainda, uma organização estatal cientificamente definitiva, mas como um fazer quotidiano, que quotidianamente se interroga e explicita, mantendo-se interminavelmente em aberto à posição de novos fins, imaginados, criados e propostos a partir das encruzilhadas comuns dos nossos trabalhos e ócios dos nossos dias. É esta concepção em acto da "vida boa" no fazer e na deliberação do que fazer que permite que, a partir de pontos de partida diferentes, correspondendo ao legado de diferentes "tradições" e/ou "grandes narrativas", a "aliança" de que fala o Rui Tavares e que é, no fundo, também a preocupação fundamental do post do Pedro Viana.

12/06/11

Lei e anacronia

Depois deste esforçado artigo da Fernanda Câncio parece ficar provado que não há nenhuma ilegalidade na acampada do Rossio. Há apenas um "anacronismo". Isto é: ou acampada é coisa demasiado campestre para o cosmopolitismo de Câncio ou é a sua idade que já não lhe permite acampanhar os hábitos da juventude.

10/06/11

Quem é o Luís Fazenda

"Quem é Daniel Oliveira?", pergunta Luís Fazenda, tendo obtido uma resposta civilizada do Daniel. Quanto a Luís Fazenda, a continuar a espingardar a este ritmo, a conclusão a que não tarda chegaremos todos, temo, é que não só sabemos quem seja, como também gostaríamos de não o saber.

Ler também este post da Andrea Peniche. E sobre o BE ler o texto do Miguel Madeira já aqui em baixo e que resume, creio, o que de mais importante se discute.

Reflexões sobre a derrota do Bloco de Esquerda

Tem surgido várias explicações sobre a derrota do BE - muito radical?, muito moderado?, as duas coisas ao mesmo tempo?, pouco aberto aos movimentos sociais?, etc.  Algo paradoxalmente, acho que todas essas explicações estão certas, e vou tentar explicar porquê.

Dona Rosa

O Renato Teixeira acha que eu abusei da memória da Rosa Luxemburgo, porque a mobilizei na minha crítica aos que, como ele, parecem entender ser menos importante o modo como se fazem as coisas e ser mais relevante o objectivo visado quando se fazem essas mesmas coisas. Ufa. E traduzindo: eu, como o Renato, aspiro a uma terra sem amos, mas, ao contrário do Renato, acho que tal só é possível se os movimentos que por tal lutarem dispensarem eles mesmo os seus próprios amos. Posto isto, não custa aceitar ao Renato que não me interesse muito saber o grau de pureza da minha fidelidade à Dona Rosa Luxemburgo. E acho que o Renato também não deveria perder muito tempo com este tipo de questões. Caso contrário ainda nos acontece o mesmo que àquela jovem viúva. Quando o esposo foi à vida, prometeu nunca mais dormir com quem quer que fosse. Meses depois da jura, poucos meses, na verdade, acabou na cama com o primeiro macaco que lhe apareceu à frente. O António José Saraiva dizia, aliás, que o máximo de coerência a que almejava era acreditar no que dizia no momento em que o dizia, de modo a que não lhe pedissem contas pelo dia de ontem ou pelo dia de amanhã; e a mim, embora não subscrevendo a frase do Saraiva, pouco me interessa saber se estou a ser ou não fiel a fulano, beltrana ou sicrano. Ainda assim, não vá eu ir para o inferno por trair a Dona Rosa, devo dizer que, consoante as traduções disponíveis, a sua frase a que eu fazia referência em post anterior era esta: “os erros do movimento de massas são mais importantes para a classe operária que a infalibilidade do maior comitê central”; ou “Os erros cometidos por um verdadeiro movimento revolucionário são, historicamente, de uma fecundidade e de um valor incomparavelmente maiores que a infalibilidade do melhor dos Comités Centrais”. Para avançar na conversa, todavia, concentro-me, apenas, por ora, em duas frases que o Renato cita contrapondo: “Tudo se encontra no movimento, tudo está no objectivo final”; “Tudo reside no objectivo final, nada se encontra no movimento”. O Renato é adepto da segunda frase. Eu acho que são ambas coxas e que se complementam por mais que se oponham. Temo que um dos problemas de muitos dos que deixaram de considerar a hipótese revolucionária depois da queda do Muro de Berlim é justamente entenderem que não pode haver qualquer diferença entre o objectivo final e os meios utilizados para atingir tal objectivo. Mas também acho que um dos problemas da esquerda que continuou a ser revolucionária depois da queda do Muro de Berlim é entender que é aceitável que os meios podem contradizer os fins. A minha posição é antes esta: encontrar uma linha política em que os fins não se reduzam simplesmente aos meios; e ao mesmo tempo recusar a hipótese de uma relação contraditória entre meios e fins.





(publicado também aqui)

09/06/11

Porque perceber é fundamental [o caso grego que até mete submarinos e estádios aparentados aos do nosso futebol]

[com hipótese de escolher legendas em português: particularmente esclarecedor entre os 5 e os 10 minutos (aproximadamente)]

Reflexão pós-eleitoral

Nestes últimos dias muito se tem dito sobre as razões do descalabro eleitoral do Bloco de Esquerda (BE), mas poucos reflectiram simultaneamente sobre a estagnação eleitoral do PCP, e o que isso significa. Se alguém me tivesse dito que o PS e BE perderiam em conjunto quase 800 mil votos, entre as eleições legislativas de 2009 e as de 2011, omitindo o resultado do PCP, eu não teria dúvidas em prever uma forte subida eleitoral do PCP. No entanto, pelo contrário, o PCP perdeu um pouco mais de 5 mil votos. Dada a forte fidelização do eleitorado do PCP, a sua estagnação eleitoral significa que o PCP poucos novos eleitores terá conseguido obter neste último ano e meio. Isto no pior ambiente social e económico dos últimos 25 anos, com um governo apoiado pelo PS a implementar e a comprometer-se com políticas fortemente impopulares, e de matriz claramente à Direita. Os resultados conjuntos de PS, BE e PCP, sugerem assim que existe uma fractura cultural, mais do que social ou de classe, ou até ideológica, que impede a migração dum número significativo de eleitores entre PS e PCP, e entre BE e PCP. A consequência que daqui se pode retirar é que é estrategicamente contraprudecente para o BE aproximar o seu discurso daquele que há muito é a imagem de marca do PCP: não afasta eleitores do PCP, e corre o risco de alienar parte do seu eleitorado mais fiel.

Parece-me hoje claro que a grande estratégia do BE, esvaziar o PCP enquanto substitui o PS como partido eleitoralmente mais forte à Esquerda, não é viável a menos de uma hecatombe social e económica. Não só porque o PCP não é esvaziável, como acima foi argumentado, como a fracção dos eleitores habituais do PS que parece disponível para votar no BE é demasiado pequena, e volúvel, consistindo provavelmente da ordem de 5% do eleitorado que habitualmente vota (não mais de 1/5 do eleitorado tradicional do PS), para permitir ao BE sequer se aproximar da força eleitoral do PS. Isto quer dizer que o BE terá que aprender a dialogar com PCP e PS, se quiser utilizar a sua força eleitoral para influenciar directamente a governação, não só a nível nacional, mas também a nível local. Acho que é em grande parte o que propõe o Daniel Oliveira, para além duma superação dos equilíbrios internos no BE que permita uma renovação efectiva a nível de dirigentes. Mas o BE pode antes almejar constituir-se apenas como um movimento-partido cujo objectivo não é ser de protesto, como o PCP, nem de governo (e portanto pragmático), como o PS, mas apenas potenciar a influência de certos movimentos sociais, através da sua presença na Assembleia da República (AR) e participação em actos eleitorais. Aceitando participar em coligações para assegurar a implementação de medidas particulares, mas recusando acordos alargados de governação. Parece-me ser isso que é proposto pelo Zé Neves. Essencialmente, apenas uma alteração no modo como o BE funciona internamente e interage com a sociedade.

Mas se a ambição do BE é conseguir influenciar a evolução do modelo sócio-económico em Portugal, então as estratégias acima descritas não bastam. A capacidade de influência cultural e social, em larga escala, donde decorre a força eleitoral, requer a construção duma grande narrativa unificadora e coerente, que faça sentido para as pessoas. O PCP tem essa narrativa. Mas tem sido incapaz de adaptá-la às mudanças culturais e sociais. O seu discurso anti-capitalista remete para o passado, o que também face à incapacidade de obter resultados concretos, tem motivado poucos aderentes novos ao longo do tempo. O PS também tem uma narrativa: o actual modelo político e sócio-económico funciona, mas precisa de ajustamentos. É um discurso que apela a uma evolução conservadora, pragmática, focando-se no presente. O BE não tem tido uma narrativa coerente, e claramente diferenciada perante PCP e PS. E precisa desesperadamente dela. Duma grande narrativa que aponte para um futuro alternativo, sem omitir o presente. Precisa dum discurso que, não esquecendo os grandes temas que necessariamente têm de fazer parte duma visão de futuro à Esquerda, utilize uma linguagem limpa de termos que geram uma imediata rejeição visceral, de origem cultural. É essencial que a construção dessa narrativa esteja atenta ao pulsar da sociedade, aos temas que importam às pessoas. E, no presente, parece-me claro que há um desejo crescente de efectiva participação na tomada das decisões que afectam a vida das pessoas. Desejo esse que se manifesta não só de forma positiva, por exemplo através da participação em manifestações como a de 12 de Março, mas também de forma negativa pelas críticas à classe política, etiquetada como autista e corrupta. Construir uma narrativa que enfatize a participação democrática na tomada de decisões de governo, local e nacional, e elaborar propostas que apoiem essa narrativa, parece-me assim ser uma via através do qual o BE pode diferenciar-se e crescer, até por intermédio de muita gente que vota nulo ou se abstém, no panorama político português.

No cabeleireiro com a Helena Matos

Há pessoas que possuem um jeito especial de caminhar, com uma das pernas sempre disponível para rasteirar a outra. Em alguns casos, é fruto de um problema de motricidade, o que não é muito engraçado, por certo. Em outros casos, porém, parece ser, pura e simplesmente, o efeito de um problema com as ideias, nomeadamente a impossibilidade de uma sua utilização que respeite minimamente as regras da gravidade. Vem isto a propósito do seguinte. Depois da crítica de Irene Pimentel à acampada do Rossio, pontuada com uma referência ao suposto mau cheiro da dita acampada, pensei que já não fosse possível encontrar um exercício intelectual tão sofisticado sobre o mesmo tema, mas eis que hoje, no Público, a Helena Matos equipara a presença de pessoas com rastas na acampada do Rossio à eventual futura presença de pessoas com suásticas numa eventual futura acampada. Ou seja, lembrou-se a cronista de invocar o nazismo, que interditava o direito à cidade com base nos atributos físicos da população, para assinalar politicamente atributos físicos da população. Que dizermos? Talvez que um dos problemas dos nossos liberais da direita (embora não só destes) seja o facto de não raramente subirem ao nível do mais rasteiro conservadorismo. A alternativa é estarem efectivamente empenhados em fazer lei do corte de cabelo à Helena Matos.

(publicado também aqui)

Cesare Battisti em liberdade

Via Passa Palavra:

Durante sete intermináveis horas os ministros do Supremo Tribunal Federal reuniram-se para discutir o futuro de Cesare Battisti, que já está há mais de 4 anos preso no Brasil. Decidida por 6 votos contra a 3, a libertação de Cesare deve ocorrer imediatamente.

Porém, durante o julgamento, muito pouco se falou de Cesare Battisti. De um lado falou-se de limitação de poderes e de equilíbrios constitucionais, de fiscalização dos atos do Presidente da República e dos riscos de ditadura, de antiterrorismo e de respeito pelos tratados. Falou-se, do outro lado, de soberania e de independência nacional, de direitos humanos. De Direitos Humanos em geral, mas não dos direitos do homem Cesare Battisti. Do seu direito a fazer ouvir uma versão dos fatos que não fosse a difundida e vendida pelo governo italiano.


A intervenção mais longa foi sem dúvida a do ministro Gilmar Mendes, que afirmou: «Eu fico a imaginar o que vai ocorrer. Que cenários nos aguardam nesse contexto». Eis uma tentativa clara de dar argumentos para desligitimar a decisão.


Estamos contentes, sim, e muito, com o fato de Battisti ficar em liberdade. Mas não com uma sessão que não foi um julgamento do caso de Battisti, mas um julgamento de um ato cometido pelo ex-presidente da República. Nesse sentido, concordamos com a frase do ministro Joaquim Barbosa: “Chega! Aqui é o momento de se encerrar essa questão! Há uma pessoa presa há mais de 4 anos em regime fechado”.

08/06/11

unipoppers

A partir de hoje estarei também por aqui.

A fasquia vai baixando, baixando...

Muita coisa esperava ler, fosse onde fosse. Mas a defesa dos esbirros da condenada ex-presidente da câmara de Felgueiras, com o "argumento" de que «o povo de Felgueiras micou-o antes de todos»... é já coisa de chão de latrina. Pior só mesmo o uso do inenarrável «cara de songamonga» para classificar um adversário político.