09/06/11

Reflexão pós-eleitoral

Nestes últimos dias muito se tem dito sobre as razões do descalabro eleitoral do Bloco de Esquerda (BE), mas poucos reflectiram simultaneamente sobre a estagnação eleitoral do PCP, e o que isso significa. Se alguém me tivesse dito que o PS e BE perderiam em conjunto quase 800 mil votos, entre as eleições legislativas de 2009 e as de 2011, omitindo o resultado do PCP, eu não teria dúvidas em prever uma forte subida eleitoral do PCP. No entanto, pelo contrário, o PCP perdeu um pouco mais de 5 mil votos. Dada a forte fidelização do eleitorado do PCP, a sua estagnação eleitoral significa que o PCP poucos novos eleitores terá conseguido obter neste último ano e meio. Isto no pior ambiente social e económico dos últimos 25 anos, com um governo apoiado pelo PS a implementar e a comprometer-se com políticas fortemente impopulares, e de matriz claramente à Direita. Os resultados conjuntos de PS, BE e PCP, sugerem assim que existe uma fractura cultural, mais do que social ou de classe, ou até ideológica, que impede a migração dum número significativo de eleitores entre PS e PCP, e entre BE e PCP. A consequência que daqui se pode retirar é que é estrategicamente contraprudecente para o BE aproximar o seu discurso daquele que há muito é a imagem de marca do PCP: não afasta eleitores do PCP, e corre o risco de alienar parte do seu eleitorado mais fiel.

Parece-me hoje claro que a grande estratégia do BE, esvaziar o PCP enquanto substitui o PS como partido eleitoralmente mais forte à Esquerda, não é viável a menos de uma hecatombe social e económica. Não só porque o PCP não é esvaziável, como acima foi argumentado, como a fracção dos eleitores habituais do PS que parece disponível para votar no BE é demasiado pequena, e volúvel, consistindo provavelmente da ordem de 5% do eleitorado que habitualmente vota (não mais de 1/5 do eleitorado tradicional do PS), para permitir ao BE sequer se aproximar da força eleitoral do PS. Isto quer dizer que o BE terá que aprender a dialogar com PCP e PS, se quiser utilizar a sua força eleitoral para influenciar directamente a governação, não só a nível nacional, mas também a nível local. Acho que é em grande parte o que propõe o Daniel Oliveira, para além duma superação dos equilíbrios internos no BE que permita uma renovação efectiva a nível de dirigentes. Mas o BE pode antes almejar constituir-se apenas como um movimento-partido cujo objectivo não é ser de protesto, como o PCP, nem de governo (e portanto pragmático), como o PS, mas apenas potenciar a influência de certos movimentos sociais, através da sua presença na Assembleia da República (AR) e participação em actos eleitorais. Aceitando participar em coligações para assegurar a implementação de medidas particulares, mas recusando acordos alargados de governação. Parece-me ser isso que é proposto pelo Zé Neves. Essencialmente, apenas uma alteração no modo como o BE funciona internamente e interage com a sociedade.

Mas se a ambição do BE é conseguir influenciar a evolução do modelo sócio-económico em Portugal, então as estratégias acima descritas não bastam. A capacidade de influência cultural e social, em larga escala, donde decorre a força eleitoral, requer a construção duma grande narrativa unificadora e coerente, que faça sentido para as pessoas. O PCP tem essa narrativa. Mas tem sido incapaz de adaptá-la às mudanças culturais e sociais. O seu discurso anti-capitalista remete para o passado, o que também face à incapacidade de obter resultados concretos, tem motivado poucos aderentes novos ao longo do tempo. O PS também tem uma narrativa: o actual modelo político e sócio-económico funciona, mas precisa de ajustamentos. É um discurso que apela a uma evolução conservadora, pragmática, focando-se no presente. O BE não tem tido uma narrativa coerente, e claramente diferenciada perante PCP e PS. E precisa desesperadamente dela. Duma grande narrativa que aponte para um futuro alternativo, sem omitir o presente. Precisa dum discurso que, não esquecendo os grandes temas que necessariamente têm de fazer parte duma visão de futuro à Esquerda, utilize uma linguagem limpa de termos que geram uma imediata rejeição visceral, de origem cultural. É essencial que a construção dessa narrativa esteja atenta ao pulsar da sociedade, aos temas que importam às pessoas. E, no presente, parece-me claro que há um desejo crescente de efectiva participação na tomada das decisões que afectam a vida das pessoas. Desejo esse que se manifesta não só de forma positiva, por exemplo através da participação em manifestações como a de 12 de Março, mas também de forma negativa pelas críticas à classe política, etiquetada como autista e corrupta. Construir uma narrativa que enfatize a participação democrática na tomada de decisões de governo, local e nacional, e elaborar propostas que apoiem essa narrativa, parece-me assim ser uma via através do qual o BE pode diferenciar-se e crescer, até por intermédio de muita gente que vota nulo ou se abstém, no panorama político português.

3 comentários:

ap disse...

Não concordando inteiramente com a fundamentação para o seu diagnóstico, este parece irrefutável, bem como o consequente trilho que propõe como estratégia. Tacticamente, a reforma do sistema eleitoral, apostando por exemplo em sistemas de voto preferencial, e o apoio à construção de estruturas locais "especializadas", como cooperativas e associações, privilegiando e incentivando a necessidade de participação crescente, parecem apostas que deveriam ser seguidas.

David da Bernarda disse...

O problema central do nosso tempo, principalmente em Portugal, é o das ruas e da reconstrução de um pensamento, e de um estratégia, anti-capitalista.

A ressaca do grande desastre que foi a experiência do chamado «socialismo real» arrastou a todos para a impotência revolucionária.

Novas gerações estão agora confrontadas com a necessidade histórica de reconstruir um movimento social anti-capitalista.

Anónimo disse...

A melhor análise que li até agora sobre o Bloco de Esquerda está neste texto: http://politeiablogspotcom.blogspot.com/