08/06/11

Ainda sobre o BE: Direcção Política e Democracia

A Andrea Peniche escreve no Arrastão: Sou militante do Bloco de Esquerda e detestaria fazer parte de um partido que descarta dirigentes assim que a coisa corre mal.

Tem, sem dúvida, razão numa coisa: pessoalizar as culpas, atribuí-las à incompetência ou desvios dos dirigentes e pôr as esperanças em dirigentes melhores, mais sábios, mais preparados para dirigir, equivale a adoptar o princípio classista da divisão estrutural e permanente entre governantes e governados e, também, tanto a divisão do trabalho político como a divisão política do trabalho que definem a economia das actuais relações de poder. A seu modo, o Zé Neves já o disse ontem aqui.

Dito isto, importaria ir um pouco mais longe e, a par do que se detesta, pôr em pratos limpos o que se quer e o que justifica que se detestem práticas como a denunciada pela Andrea, indo à raiz do que lhes dá origem e as reproduz. O que, resumidamente, se poderia dizer assim: gostaria de fazer parte de uma organização política que, em vez de dirigentes, tivesse uma direcção exercida regularmente pela participação igualitária dos seus "aderentes" nas decisões e cujos dirigentes tivessem dado lugar a delegados — os quais, rotativamente e por períodos limitados expressamente definidos, desempenhassem as tarefas para que o colectivo os mandatasse, e que, gozando da mais plena liberdade de expressão individual, não pudessem falar e decidir pela organização sobre questões ainda por deliberar, etc., etc. Ou,  por outras palavras: gostaria de fazer parte de uma organização política que se auto-dirigisse democraticamente no plano interno, antecipando ou actualizando assim a transformação das formas de governo, de exercício do poder político, de direcção da economia e de auto-organização democrática da sociedade para cujo desenvolvimento se propõe contribuir e em cujo processo quer participar, tal sendo a sua razão de ser.

11 comentários:

Ricardo Alves disse...

Não faço parte do BE e posso estar enganado, mas a minha percepção é que o problema é não ser um partido de militantes (ou aderentes) mas um partido de facções.

Joana Lopes disse...

Miguel,
Parece não vir a propósito mas até vem: estranho que ainda não tenhas embandeirado em arco com a crónica do Rui tavares no Público de hoje! Estou enganada ou assinas por baixo?

Anónimo disse...

Este blogue, embora chamado de «Vias de Facto», está transformado numa tertúlia sobre um partido parlamentar o Bloco de Esquerda, que aparentemente teria a aspiração de receber mais votos...

Será que não há política para lá das eleições?
Será que o mundo parou no dia 5?
Será que tudo nas sociedades começa e acaba com os partidos?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Ricardo Alves,

é, semdúvida, esse um dos aspectos que tende a tornar, muitas vezes, o BE e as suas posições "formações de compromisso", no sentido em que o é um sintoma psicopatológico.
No entanto, seria inexacto reduzirmos o BE e a sua área aos termos da plataforma frouxa e razoavelmente inconsequente que as direcções de certas associações políticas pré-existentes definiram.
A indefinição forçada e táctica teve, desde o início, efeitos dinâmicos inovadores (ainda que, à partida, perversos do ponto de vista da lógica das organizações fundadoras). E isso fez com que o BE fosse animado de uma tensão criadora que, em certa medida, antecipava um funcionamento diferente da acção política (um funcionamento mais republicano, mais democrático, mais de participação e animação em e de iniciativas do que de chefia e representação). É por isso que, apesar de todos os vícios e impasses me tenho recusado a rejeitar em bloco o Bloco, insistindo no potencial de uma nova vontade democrática cuja presença se tornou, através da nova organização e apesar de tudo o que a manieta do ponto de vista democrático, um pouco mais sensível na paisagem política ambiente.
Bom, é pelo menos o que tenho tentado mostrar em mais do que uma ocasião, tendo resumido a minha posição sobre o assunto num post aqui publicado logo a seguir às eleições (cf. http://viasfacto.blogspot.com/2011/06/be-dos-resultados-eleitorais.html).

Abraço republicano

msp

Miguel Serras Pereira disse...

Joana, é que não comprei hoje o jornal e não tenho acesso ao espaço reservado a assinantes do Público.
Logo te direi.
Bom, já agora, aproveito para te felicitar pelo vídeo com o Semprún e o Vann Nath que hoje postaste no Brumas (http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com/2011/06/nazis-e-khmers-vermelhos.html).

Abraço

Caro Anonimo das 17 e 13,

como assim? Eu diria que tudo o que aqui se tem escrito a partir dos problemas do BE documenta justamente a preocupação com os aspectos que você refere: crítica do eleitoralismo, crítica da representação, crítica das ideias dominantes sobre o papel e natureza privilegiados dos partidos.

Saudações democráticas

msp

Ricardo Alves disse...

Caro Miguel Serras Pereira,

há características que tanto podem ser qualidades ou defeitos. Conforme as circunstâncias. A indefinição estratégica do BE serviu-lhe para crescer numa primeira fase, mas a partir do momento em que se aproximou dos 10%, nas legislativas de 2009, era inevitável que o BE fosse olhado como um possível parceiro menor de governo com o PS. E a partir daí o BE teria que ter clarificado a sua estratégia. Evidentemente, os últimos dois anos não foram fáceis, a começar no facto de que o BE não teria sido suficiente para fora terminar na «tróica». Mas também face ao PCP o BE deveria ter marcado as suas diferenças, como diz na sua declaração de voto. A indefinição estratégica torna-se perigosa quando pesa no poder.

Saudações democráticas.

Miguel Serras Pereira disse...

Claro, Ricardo Alves. Concordo plnamente. Talvez tenhamos divergências na discussão do que devia e não devia ter feito o BE nesta ou naquela matéria. Mas não era minha ideia dizer que a indefinição em si era um bem: só que acabou por funcionar no sentido do aparecimento de uma organização sui generis e com potencialidades democráticas tónicas.

Abraço

msp

Dédé disse...

AS MÁS COMPANHIAS...Cá para mim ainda têm é sorte, em conseguir aguentar 288 mil votos.

Anónimo disse...

O problema do Bloco é um "enigma envolto num mistério."

Não se devem descartar os lideres, sim senhor. Os apoiantes é que devem ser descartados.

Brilhante. Esta malta do Bloco tem um excelente sentido de humor.

julia

Anónimo disse...

ah,

ocorreu-me agora

solução optimal

NINGUÉM é descartado.
Mas todos PENSAM muito sobre o assunto.
É uma descártage meramente mental.

lol

Joana Lopes disse...

Miguel,
Enviei-te ontem, por mail, o texto do RT, mas veio devolvido. Entretanto, já está aqui.