14/09/10

Engolir o sapo e cara Alegre? Nem pensem!


O João Tunes identificou a tendência de alguma esquerda para escavacar a suposta «aliança espúria de suporte a Alegre». E esta amparar-se-ia no facto de meter «Sócrates ao barulho». Uma espécie de “se ele apoia, tem de ser mau”. A rutilante demonstração do carácter maléfico desta tese seria outra simétrica: quem diz mal de Alegre faz equipa com Cavaco, poupa-lhe «o dorso». Em que universo paralelo é que isto faz sentido, ainda não percebi bem. Ao que parece, apenas o PCP estaria bem, escolhendo um candidato para a «militância estritamente endógena» e preparando-se para uma segunda volta vitoriosa no comboio Alegre (como se o voto dos militantes bastasse para outra coisa que não uma retumbante humilhação – só por exemplo, com o meu voto é que eles desta não contam).
Ora isto é sonhar que a candidatura de Manuel Alegre contém qualquer espécie de substância política. Não. Os acólitos do bardo propagam apenas um culto a um mito quilometricamente além das reais qualidades do indivíduo. Alegre é só amor a Alegre. Alegre escreve livros inteiros a proclamar ao mundo as suas tremendas e incomparáveis virtudes. Alegre é um monumento a si mesmo, um saco cheio de um ar especialmente rarefeito e salobro. Alegre não nos oferece garantias de nada a não ser de um mandato carregado de inaugurações de estátuas ao próprio e da multiplicação de photo-ops, com montes de entrevistas prenhas de silêncios solenes e poses hieráticas. Deixem o homem feliz, a banhar-se na sua glória, que até o Passos Coelho se dará bem com semelhante presidente.

Manuel Alegre não tem uma forma tonitruante de falar. Não: nele, a forma de falar é tudo. A colocação da voz. A inflexão dramática. A pose do diseur. Som e fúria, só som e fúria. De resto, foi durante décadas um preguiçoso e inútil deputado, um político acomodado, um sátrapa banal e corriqueiro. É que não basta dizer nugacidades com ar importante para lhes dar mesmo importância.
Certo é que Cavaco tem sido o melhor parceiro de Sócrates, salvo um ou outro sobressalto. O que traria de melhor o candidato Alegre? Iremos contar com ele para salvar o «Estado social»? Mas quem é que tem desmontado a estrutura de apoio aos mais desfavorecidos; não é o PS de Sócrates? Vamos contar com palhaçadas cuidadosamente encenadas como o voto contra de Alegre ao Código do Trabalho como garante seja do que for? O que é que nas décadas de vida política pós-Abril deste traste ilustre nos oferece um só vislumbre de esperança?
Eu, por mim, nunca votarei em Manuel Alegre. Não quero premiar o carreirismo aveludado, a pose pomposa em vez das ideias, o culto acéfalo das groupies a calar a reflexão, a máscara de rebelde a cobrir décadas de confortável servilismo ao PS. Este sapo não engolirei jamais.

10 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Grande Luis,
já somos dois que por pedagogia democrática elementar, que mais não seja, não votamos em Alegre. Talvez o crime - o aparelhismo dos políticos profissionais, os truques ventríloquos, a cidadania dos gagos, as vocações de chefia - compense alguns. Mas com o nosso voto, não. Percebi-te bem?
Mas olha que temos muita feira de ideias feitas, de superstições, de reflexos condicionados por anos de frustração democrática, a varrer pela frente. Muita pedra a partir com os nossos co-tripulantes tentados pelo voto útil ou encadeados pelos ouropéis de cidadania puramente retórica do D. Sebastião defensor tanto dos pobres como do trono, do campeão do verdadeiro Portugal patriótico e profundo. Vamos lá ver no que isto dá.

Abraço solidário

miguel sp

Niet disse...
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Niet disse...

Luís Rainha: Acho que está a exagerar no traço negativo sobre a personalidade cultural do Manuel Alegre.A poesia dele não é nada má; eu não conheço os romances(autobiográficos?), e o romantismo multifacetado da personagem pode criar surpresas...Como disse o Castoriadis:" Qual foi o partido que realizou Maio 68? Nenhum!".À partida, Alegre tem perto de 35 por cento de votos garantidos, da soma do PS e do BE. A que se juntam mais 10% do PCP na segunda volta. O que é que lhe falta mais? Juntar franjas activas da Nova Esquerda lusa: autónomos, anarquistas e ecologistas. E depois se verá! Vamos ver, é evidente, se ele tem classe e iconoclastia suficientes para abraçar este desafio. O que é que o Manuel Carrilho e o José Gil pensam sobre isto? E o estado de ânimo do caleidoscópio da " movida " cultural lisboeta e portuense? O Cavaco ainda só conta com o oportunismo " canino" do La Féria e o de Manuel Falcão. Ou, por outro lado,entende que a " muralha" ideológica que envolve o candidato M. Alegre é intransponível, por estigmas filosóficos e políticos esmagadoramente sugeitos à lógica de dominação do sistema capitalista vigente? Niet

Niet disse...
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Niet disse...

Errata: É sujeitos e não sugeitos.
Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Depois de tudo ponderado e pour faire bonne mesure, diria que é justo ter em conta a posição que me parece ser a do nosso bravo camarada João Tunes e de outros dos quais, sob certos aspectos, me posso sentir próximo. Essa posição, que aposta na cidadnia activa, na extensão da participação igualitária do auto-governo, na democratização da economia, etc., é a de apoiar a candidatura de Manuel Alegre ao mesmo tempo que não abranda, ou até intensifica, a luta contra a lógica dos governos socialistas recentes. Aqui, o grande problema é que Manuel Alegre e as suas intervenções políticas bem analisadas tendem a desautorizar essa aposta, como vimos por altura da aprovação do PEC e noutras circunstâncias. Por outras palavras, não ponho em causa as intenções e propósitos dos camaradas João Tunes, Miguel Cardina, etc., nem a de muitos outros apoiantes de Alegre, o que contesto é o realismo da sua apreciação.

msp

Anónimo disse...

Mesmo admitindo em mim aquilo que costumo designar de “simpatia residual” por Manuel Alegre, fruto talvez da inércia dos afectos – ou preguiça dos afectos;

Concedendo também – por isso – que talvez o Luís Rainha esteja a exagerar algo, ao dizer tanto mal do homem;

Penso contudo que a sua eleição não teria(terá) qualquer outro efeito, senão o do prozac, para continuar a alimentar o torpor e o sono letárgico – também conhecido em determinados meios por paz social – que em si mesmo é isso que por aí vai dando pelo nome de “democracia”.

Vai daí que, por todas as razões que o MSP tem vindo a expor, e por muitas daquelas que o LR também aponta, com o meu voto – coisa de somenos – o MA também não vai contar.

nelson anjos

Miguel Serras Pereira disse...

Caro camarada Nelson,
uma democrática saudação de boas-vindas ao clube dos irredutíveis com os sentidos sóbrios.

Forte abraço
msp

Niet disse...

Que fazer, pois, MS Pereira e Nelson Anjos? Salvo as devidas proporções, os meus caros estão a colocar-me na insustentável posição do G. Lukács face ao partido bolchevique e que, Guy Debord, na " A Sociedade do Espectáculo", caracteriza desta forma bela e violenta: " O que eles respeitam mede exactamente a sua própria realidade desprezível ". Niet

LAM disse...

à falta de melhor termo, diria que há gestão de expectativas. Ver Alegre para além de Alegre, não a estátua do poeta mas o que é que ela pode ou não significar e gerar. Não as diferenças políticas ou de personalidade entre Cavaco e/ou Alegre (que isso, vai-se lendo, há-as à vontade do freguês), mas o que é que a candidatura do poeta do PS(para o efeito podia ser químico, da AOC, não ter barba e falar fininho), pode trazer a milhares de pessoas que, dependendo de um bom resultado, vão querer fazer ouvir a sua voz muito para além da voz do poeta. A questão para mim é, arriscar fazer parte dessa expectativa (voto), ou não dar benefício da dúvida ao que possa vir a acontecer (nulo, branco, etc).
Num caso ou noutro parece-me que o PCP se pôs à margem da questão, continua a ser uma coisa "lá entre eles" ou "conversa de canibais" como bem ilustra João Tunes.