13/09/10

Canibais saltando dilema

A forma mais corriqueira de embirrar com Alegre e a sua candidatura é, pela esquerda, referir os apoios convergentes PS e Bloco. E que pretende ter um efeito fulminante na medida em que mete Sócrates ao barulho. E quando assim é não há nada para enganar. Qualquer preguiçoso da política não falha neste recurso de manjerona no combate via embirração que se integra no princípio orientador “a luta continua, Sócrates para a rua”. E se o expediente funciona com lógica para a direita amarrada a Cavaco, por chutar o odioso para outro lado, seria surpreendente se a surpresa ainda se usasse que as esquerdas, a purista e a sectária, dessa forma tivessem decidido dar folga a Cavaco, poupando-lhe o dorso, virando o malho para a banda de Alegre. E aqui entra o aspecto mais caricato e despudorado da esquerda anti-Alegre, o de ao mesmo tempo que martelam na aliança espúria de suporte a Alegre, não repararem que se enfiaram também eles numa outra aliança, esta bem mais abrangente, a da convergência entre os activos, os omissos e os cúmplices que desejam a vitória de Cavaco à primeira volta. Sem repararem sequer na forma sábia como o PCP se posicionou nestas eleições, levando o candidato ideal (melhor que Francisco Lopes para a função, devia ser difícil, muito difícil) para marcar a demarcação perante Cavaco, fazer um campanha de militância estritamente endógena (fixando os votos do PCP sem iludir falsas alternativas, demarcando-se com cócegas de Alegre), não descompondo o cenário de uma segunda volta “unitária” em que não fiquem de fora na hipótese de uma vitória de Alegre. Quem percebeu a importância da diferença entre se ter a esquerda ou a direita em Belém, sabe que o combate, portanto a diferença, na disputa presidencial é entre Cavaco e Alegre. O resto é conversa de canibais, para memória passada ou memória futura.

(publicado também aqui)

7 comentários:

Grunho disse...

Eu, que vou votar Alegre, concordo principalmente com essa de: “a luta continua, Sócrates para a rua”.

Anónimo disse...

A única coisa que está em jogo nas presidências é um potencial veto nos próximos anos relativamente a serviços públicos ou a um código de trabalho. A posição de Cavaco é inequivocamente mais à direita que a de Alegre, e só este nos pode valer nesse caso. Mas valeu-nos de pouco durante estes anos, em que foi conivente com a política do PS. Que credibilidade lhe dá isso, que é que nos indica que vai ser diferente quando for para Presidente? Voto nele porque é ele que passa à segunda, mas no fundo é-me indiferente e dá-me náuseas ver que haja alguma esperança depositada em Alegre, por parte de certos sectores da esquerda "impura" e "não-sectária".

LAM disse...

anónimo das 23:27,

...mas é como estamos.Apesar desses perigos todos de que fala, dessas dúvidas relativas ao comportamento futuro do candidato (isto sonhando alto e admitindo uma derrota de Cavaco, poesia portanto), é o único que se apresenta à esquerda com um mínimo de hipótese de disputar nas urnas estas eleições. O resto são jogos florais para encher tempos de antena, (mas úteis na medida em que retiram percentagem ao candidato da direita).
Muito pouca gente deve ter Alegre como o candidato "do coração" e há muitas pedras no sapato, acontece que não há até agora, à esquerda, alguém que ofereça melhores garantias de disputar uma 2ª volta.

Joana Lopes disse...

«Conversa de canibais» é uma bela expressão para o que está em causa. Vou passar a usar. :-)

Anónimo disse...

"Quem percebeu a importância da diferença entre se ter a esquerda ou a direita em Belém, sabe que o combate"

A questão é saber se faz assim tanta diferença ter Alegre ou Cavaco na presidência. Cavaco dá jeito ao governo; Alegre, pelos vistos, é apoiado pelo partido do governo... será que vai fazer alguma diferença real? Ou pelo menos uma diferença que justifique que a esquerda vote no candidato de sócrates? Pior: que o Bloco de Esquerda tire a máscara e demonstre assim do pé para a mão a aliança com o PS?

Duarte.

Miguel Serras Pereira disse...

Caríssimo amigo e camarada João Tunes,
escreves tu: "Quem percebeu a importância da diferença entre se ter a esquerda ou a direita em Belém, sabe que o combate, portanto a diferença, na disputa presidencial é entre Cavaco e Alegre". Mas o problema está em saber o que significam aqui "esquerda" e "direita" - ou, se preferires, em que consiste a "diferença" e se faz assim tanta diferença.
De resto, quanto à análise que fazes da candidatura do PCP, inteiramente de acordo.
Terei, creio, assim que possível, de voltar ao tema da caracterização política da candidatura de Manuel Alegre e da própria figura do candidato. Para já não vejo em que possa constituir um avanço democrático uma candidatura que tem no seu eixo um verdadeiro "culto da personalidade", nem como pode um político profissional protagonizar verosimilmente uma candidatura de combate pelos valores da cidadania participativamente igualitária. Do mesmo modo, a insistência do papel do Estado na "defesa dos mais fracos" (que são os trabalhadores e a gente sem privilégios, etc.) parece-me mais paternalista e reprodutora das clivagens estruturais do actual regime político e económico, apostando na lógica do bom soberano ou dedicado pastor, do que portadora da "radicalidade democrática" que te é cara e cujas exigências tão brilhantemente tens noutras ocasiões explicitado. Talvez uma posição democrática consequente, perante as próximas eleições presidenciais, passe mais pela sua desvalorização e pelo esforço de travar a batalha num terreno que não exclua à partida - pela sua própria configuração e condições - qualquer alternativa de fundo.

Abraço para ti

miguel sp

Niet disse...

O M.Serras Pereira com um acrisolado desvelo e uma pedagogia clara e transparente explica tudo muito bem:o que está em jogo em cima( por baixo...) da mesa nas próximas eleições presidenciais que colocam frente-a-frente um candidato " repressivo" do despotismo de Estado(C. Silva) e um pretenso outsider,aparatchik da burocracia ultra-partidária, Manuel Alegre, uma figura intelectual que me é simpática acima de tudo.Infelizmente, Manuel Alegre- que ainda tem tempo para refazer as linhas mestras da sua candidatura-abraçou o lado mais ineficaz da prática política, o reformismo, que mesmo modernizado,estilizado e com umas propostas descentralizadoras só, no fim de contas, irá contribuir para a manutenção e o aperfeiçoamento da dominação do implacável sistema neo-capitalista. A retórica grandiloquente de Manuel Alegre é mesmo um dos seus mais inconsequentes factores de promoção; como, historicamente,já ficou claro em disputas eleitorais uninominais, por exemplo em França, onde um super-bem-preparado e eloquente possível candidato, Michel Rocard, foi sempre preterido por homens de aparelho e de visão mais favorável aos superiores interesses do sistema, casos de Mitterrand e de Chirac.Niet