A escola dos historiadores fanatizados pelo rigorismo classificativo conseguiram impor o interdito em se caracterizar o período das ditaduras de Salazar e Caetano como se tendo tratado de um regime fascista. Faltavam uns tantos quesitos no menu classificativo, embora não se negasse a matriz inspiradora comum (na ideologia, nas práticas, na organização do Estado, na propaganda, no sistema repressivo) com os regimes irmãos de Itália e Alemanha. Os rigoristas não cederam perante a evidência de se ter tratado de um “fascismo impuro”, isto é, adaptado à realidade rural e clerical de Portugal. Como não podia deixar de ser e tal como, aliás, aconteceu em toda a parte na época dos fascismos e dos comunismos e o regime italiano tinha aspectos muito distintos do regime nazi, idem relativamente ao franquismo-falangismo e por aí fora, onde a reacção fascizante se apoderou do Estado (França-Vichy, Hungria, Croácia, Roménia, Eslováquia), todos com as suas especificidades e todos regimes de fascização mais ou menos abrangente das sociedades locais. E sendo mais que certo que face aos três modelos dominantes na época – fascismo, comunismo, democracia liberal -, Salazar construiu o “Estado Novo” em nítida e profunda influência, muitas vezes sob a forma de cópia, do fascismo (da versão original, a italiana), mesclando-o com botas de elástico, procissões e chapeladas ao padre, ao polícia, ao chefe e ao patrão, os rigoristas não cederam e decretaram com efeitos imediatos: o salazarismo não foi um “regime fascista”. E todos os tementes aos historiadores, mais que à evidência dos factos, acataram a proibição classificativa e que passou a ser seguida com devoção. As designações "autorizadas" passaram a ser de “regime autoritário”, “nacionalismo catolicista” ou, inclusive e adoptando a designação que Salazar auto-atribuíu ao regime que construiu, chamando-lhe pelo termo com valor único na propaganda salazarista, “Estado Novo”. Extirpado o fascismo como designação imprópria e contaminada do regime em que assentou a ditadura, não cuidaram os rigoristas de eliminar a designação de antifascismo e antifascistas, o que deu na situação curiosa de ser aceite que em Portugal, durante décadas, tivemos uma luta antifascista que combateu um “não fascismo”. Mas, recentemente, pela ajuda do historiador Filipe Ribeiro de Meneses, considerado o novo guru do olhar histórico e político "desapaixonado" sobre a figura de Salazar, passámos a ter direito a uma nova catalogação política de Salazar – nem mais nem menos, diz Meneses, que se tratou de um … democrata-cristão. Estamos, já estávamos, entendidos onde iria parar o rigorismo, tanto rigorismo. Ou seja, à mais descarada e grotesca falta de rigor.
(publicado também aqui)
14/09/10
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