"Entre os mais de 50 mil portugueses que se divorciaram em 2009, apenas 716 pediram a renúncia do apelido do ex-cônjuge. Um processo que demora 15 dias e custa 2,99 euros, mas que a maioria dos divorciados não leva a cabo por "comodismo", defende o psicólogo Jorge Gravanita. Ou seja, 99% dos divorciados decidem manter o apelido do ex-companheiro ou da ex-companheira.Eu confesso que acho essa estatística (ou talvez o mal não esteja na estatística...) muito estranha - eu trabalho num serviço de recursos humanos e noto que a primeira ou segunda coisa que as funcionárias fazem quando se divorciam é irem ao nosso gabinete informar que mudaram de nome e já não têm o apelido do marido. Será que trabalho num sítio muito peculiar (bem admito que, logo à partida, as mulheres em questão são mulheres empregadas, o que não as torna representativas do conjunto das mulheres portuguesas).
Apesar de acreditar que a maioria dos casais separados acaba por voltar a usar o nome de solteiro, Jorge Gravanita considera que não pedem a renúncia formal do apelido para "não apagar o valor simbólico do nome adquirido e também de um certo estatuto social que se conquista com o casamento".
O psicólogo lembra que para algumas pessoas manter o nome do ex-marido ou da ex-mulher também ajuda a «dar a ideia de que não houve divórcio e que continua tudo na mesma»"
Mas penso que o mal não está na estatística mas nas conclusões do DN e do psicólogo - pelos vistos, é um facto que apenas 1% dos divorciados muda de nome, mas não se pode concluir daí que "99% mantêm o nome do ex-conjugue"; como é que sabem que eles alguma vez adoptaram o nome do conjugue?!
Em primeiro lugar 716 não são 1% de 50 mil, são 1,4% (essa diferença parece pequena - 0,4 pontos percentuais - mas mais para a frente vai-se ver que é importante); é verdade que os divorciados não foram 50 mil mas "mais de 50 mil", mas mesmo que tivesse havido 60 mil pessoas que se divorciaram, a percentagem seria de 1,2%.
Para começar, se esses 50 mil são mesmo "50 mil pessoas que se divorciaram em 2009" (e não 50 mil divórcios, o que significaria 100 mil pessoas), não seria nunca de esperar que 50 mil pessoas mudassem de nome após o divórcio - provavelmente apenas 25 mil iriam mudar de nome (não sei se já notaram que na maioria dos casamentos apenas um dos conjugues adopta o apelido do outro - aqueles em que os dois trocam de apelidos devem ser muito mais raros do que os em que nenhum adopta apelido), o que subiria a percentagem de divorciados (i.e., divorciadas) que retiram o nome do ex-conjugue para cerca de 2,8%.
Mas mesmo nesses 25 mil não é de esperar que todos (ou todas) tenham adoptado o apelido do conjugue quando se casaram. É o próprio DN que escreve:
Mas se o número de divorciados que renuncia ao apelido é muito inferior ao número total de divórcios, também o número de casais que adoptam o nome do outro é cada vez mais baixo. No ano passado, só 1250 pessoas, das 80 782 que casaram, fizeram o pedido de adopção de apelido.Ou seja, o título da notícia também poderia ser "98,5% dos casados mantêm nome de solteiro"; ora, se 1,5% (1.250 de 80.782) dos casados adoptam o nome do conjugue e 1,4% dos divorciados muda o nome após o divórcio, a explicação mais simples parece-me a de que grande parte dos 98,6% de divorciados que não mudam de nome provêm dos 98,5% de casados que nunca chegaram a mudar o nome, e não de pessoas agarradas ao "valor simbólico do nome adquirido" e ao "estatuto social" do casamento (é por isso que a diferença entre 1% e 1,4% é relevante - quando tomamos em consideração que 1,4% dos divorciados e 1,5% dos casados muda de nome, vemos que são proporções praticamente idênticas; se fizéssemos o arredondamento à unidade e comparássemos "1%" com "2%", um valor já pareceria o dobro do outro).
Claro que se poderá argumentar que o facto de, este ano, apenas 1,5% dos casados ter adoptado o nome do conjugue não que dizer que, entre as pessoas que se divorciaram este ano, apenas 1,5% tivesse adoptado o nome do conjugue quando se casaram (afinal, suponho que a maioria esmagadora dos divorciados deste ano não se tenham casado este ano...); no entanto, imagino que grande parte das pessoas que se divorciaram este ano se tenham casado numa época não muito distante, pelo que a proporção de casados adoptantes do nome do conjugue já não deveria ser muito elevada na altura.
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