José Manuel Pureza, num artigo de opinião acabado de publicar no esquerda.net, afirma uma posição e define uma linha de separação das águas em termos que, ao mesmo tempo que recusam o regime oligárquico da UE, deixam claro que qualquer tentativa de lhe opor soluções na continuidade do que foram e/ou se propuseram ser os regimes do "socialismo realmente existente" não passaria de uma outra forma de perpetuar a dominação de um tipo de Estado e de organização da esfera económica e produtiva igualmente nos antípodas da emancipação democrática e do exercício responsável e igualitário do poder político através da cidadania activa da gente comum.
A importância do seu texto está na força com que recusa duas formas rivais de dominação classista, bem como no facto de essa recusa tornar mais evidente a necessidade e a urgência de uma transformação democrática coerente e contínua das próprias lutas e acções a empreender contra a oligarquia, as suas instituições, a sua divisão do trabalho político — sem esquecer, sem dúvida, a divisão política do trabalho na esfera da economia e da produção. Assim, mais do que discutir o alcance e os limites da pertinência empírica do paralelo traçado entre Praga e Atenas, o que me parece fundamental no texto de José Manuel Pureza é ele ter por consequência pôr na ordem do dia a necessidade de transformação democrática do próprio combate pela democracia e das suas plataformas em vista da acção concertada dos que nesse combate, a partir de pontos de vista diferentes, se encontram decididos a apostar. Aqui, fica a transcrição do artigo.
Atenas e Praga
Com quase meio século de distância, as notícias que hoje vêm de Atenas são em tudo semelhantes às que vieram em 1968 de Praga. A mesma ânsia de democracia, o mesmo sufoco de todo um povo, a mesma intransigência na defesa do deus maior – o “socialismo real” então, o “mercado” agora – contra os cidadãos/vítimas.
O que os tanques de Praga então impuseram foi um limite intransponível ao regime vigente naquela área de influência de Moscovo. A política do aceitável impôs-se à política da transformação e o espaço para a intervenção foi implacavelmente restringido. Em Cannes não houve tanques. Mas era preciso? O que o directório a dois fez teve o mesmo impacto sobre os democratas gregos e europeus na área de influência de Berlim-Paris que as dezenas de tanques tiveram em Praga. Também agora se fez valer a política da força, do sufoco da aspiração democrática grega às mãos do deus mercado.
E até na invocação de um golpe de Estado em preparação Atenas é mimético de Praga. E, no entanto, em boa verdade, o golpe de Estado já estava consumado em ambos os casos sob o disfarce de normalidade política. Em Praga como em Atenas, o povo soberano foi deposto e ao seu lugar guindou-se o seu algoz reclamando a superior legitimidade dos compromissos internacionais.
Diante do golpe de Praga como diante do diktat imposto a Atenas, o pânico e a incredulidade dos comentadores encartados, anunciando o caos se as alternativas vingassem, mostram como a democracia que resiste é sempre o maior dos estorvos para os totalitarismos vários. Se em Praga se evidenciou a falta de socialismo que havia no socialismo real, em Atenas mostrou-se a falta de democracia que há na democracia de mercado.
05/11/11
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