02/11/11

Sobre a proposta de referendo na Grécia

Neste momento, não se sabe se o referendo irá por diante na Grécia. Mas o que parece evidente é que a sua eventual realização está longe de ser a refundação da democracia, apesar de os actuais líderes da UE e os responsáveis máximos das instituições dinanceiras o temerem como tal.

O temor dos segundos é que o recurso ao referendo legitime ou promova a extensão da ideia de que os cidadãos comuns querem poder submeter ao voto decisões económicas de fundo — o que, com o tempo, os poderia levar à ideia assustadora de uma economia governada através da sua participação democrática. A meu ver, é este temor que justifica o entusiasmo com que, por exemplo e entre outros, a Joana Lopes e o Sérgio Lavos saudaram o anúncio do referendo. Mas se aprovo as intenções deste entusiasmo, e se reconheço que é o espectro da democracia que assusta oligarcas políticos e financeiros de todo o mundo,  ele parece-me deslocado a propósito da iniciativa de Papandreou.

Com efeito, o referendo proposto por Papandreou está longe de equivaler a um apelo à refundação da democracia, pois chamaria apenas a decidir por sim ou não uma falsa alternativa: ou o sim à UE, ao "plano de resgate", ao modelo confederal, ao regime do BCE e da própria União, ou o regresso ao statu quo ante, ao dracma, ao soberanismo nacional.

A 25 de Outubro passado, o Rui Tavares punha bem um problema, cuja consideração basta para pôr em evidência os termos falseados do referendo proposto por Papandreou: ou se acaba com o euro, ou se avança com a federação. E, na mesma ordem de ideias, JM Correia Pinto escrevia na mesma data: hoje já não há quem não perceba que o problema da dívida é um problema do euro. Mas é provável que muitos ainda não tenham percebido que a dívida tal como existe constitui um grave problema para o euro exactamente por o euro ser como é. Por ter as regras que tem. Ter outras regras não eliminava a dívida, mas eliminaria o problema da dívida e, eliminado este, o euro deixaria de constituir um problema, para ser uma solução.

Assim, o que Papandreou coloca como alternativa é a escolha entre dois males maiores:

1. Ou a perpetuação do estado de coisas nos termos confederais bem resumidos pelo Rui Tavares, ao explicar: Quanto a “confederal”, trata-se de um sistema que não só não é democrático, como nem sequer é prático. A crise do euro deixou patentes os problemas da abordagem confederal: 1) deixa toda a gente à mercê da incerteza; 2) deixa os pequenos à mercê dos grandes. O resultado é que 3) não funciona, e a única coisa boa é que 4) podemos abandonar o sistema.

2. Ou o regresso ao soberanismo, constituindo um colossal passo em frente no sentido da desagregação da UE, com todo o provável cortejo de consequências catastróficas — dos governos militares à balcanização, da suspensão violenta das liberdades políticas e dos direitos fundamentais ao ressurgimento dos nacionalismos e do culto do Estado forte — para que há poucos dias ainda chamei uma e outra vez a atenção.

No imediato, a alternativa a este cenário de situação sem saída só poderia ser o avanço simultâneo da federação e da participação democrática instituinte dos cidadãos - à falta da qual a federação não poderá ser mais do que uma reciclagem e reforço da actual economia oligárquica governante. Trata-se de um caminho que passaria, por exemplo, pela "integração" política, orçamental e fiscal, por meio da eleição no mais breve prazo possível de uma assembleia constituinte da UE, e por um governo federal provisório - processo acompanhado por referendos e revisões dos tratados. Mas que exigiria sobretudo — do lado das chamadas "condições subjectivas" - uma reanimação, que não parece fácil de promover, da vontade política democrática por parte dos cidadãos e movimentos de cidadãos europeus, de modo a vincular o avanço da federação à extensão do exercício da sua cidadania activa e à reivindicação explícita da "democratização da economia" e do conjunto das instâncias políticas de decisão.

Apesar dos termos viciados da proposta de referendo de Papandreou, e na condição de as suas consequências, não excluindo as que JM Correia Pinto tem em mente, resultarem na reanimação da vontade política da gente comum aqui sugerida, talvez devêssemos dizer como ele: Se isto fosse possível, o euro salvar-se-ia. Se o referendum na Grécia, ou o seu simples anúncio, tivesse estas consequências, ele constituiria o facto histórico mais relevante deste início de século na Europa Ocidental. Caso contrário, tudo isto não passa[rá] de um sonho de uma noite de Outono

9 comentários:

joão viegas disse...

Bravo caro Miguel,

Tenho as mesmissimas duvidas. O referendo, como ficou amplamente provado no passado, equivale a abrir as escotilhas durante a tempestade...

A verdadeira alternativa esta de facto (quanto a mim) onde v. a põe. Temos ja uma economia europeia. Falta-nos é uma organização popular (democratica) europeia e parece que não ha de ser ainda desta que ela vai cair do céu.

Que é feito da LEFT e de outras iniciativas para construir, à esquerda, uma organização, ainda que embrionaria, que esteja à altura dos acontecimentos ?

Não podemos permanecer reféns do medo. A esquerda pelo menos não pode, quanto mais não seja porque se existem lições da "Historia", a primeira é a de que o medo sempre foi conselheiro da reacção.

Dito de outra forma : estamos onde nos levaram os referendos anteriores e a resposta que lhes foi dada, pretensamente, pelo "povo" (coligação entre a porteira do prédio, o cripto-fascista do 6° esquerdo e o simpatico aprendiz de Che do 1° frente).

O espaço na direcção de mais federalismo é escasso, escuro, espurio. Mas é o que ha. Não o ocupar é suicidio.

Um pouco como esperar que o capitalismo se torne mais "humano" com cânticos na igreja... Ou com mais um referendo !

Abraço

Anónimo disse...

A opção da via federal para a Europa- um Governo, um Orçamento- pode ser uma via realista para salvar o capitalismo de estilo europeu... Tem o mérito de contar com um largo espectro do eleitorado europeu de Centro-Esquerda,mas o pior são os estragos causados por três décadas de irresponsabilidade e deixar-andar no campo da defesa da cidadania e da responsabilidade democrática nos dois lados do Atlântico. Tariq Ali escreveu no CounterPunch,a 31/10 , um texto muito exigente que importa ler de imediato. " Para muitos economistas era óbvio e não tinham dúvidas que Wall Street tinha deliberado planear a " bolha " da propriedade horizontal dispendendo biliões em campanhas publicitárias para encorajar o povo a subscrever novos tipos de emprêstimos e aumentar o crédito pessoal para alimentar o consumo cego. A " bolha " rebentou e deixou o sistema em rodopio catatónico até que o Estado salvou os bancos de um colapso total. Socialismo para ricos. Quando a crise chega à Europa, o mercado único e as regras de competição desapareceram enquanto a U.E. montou a operação de salvamento do sistema bancário. A disciplina do mercado foi convenientemente esquecida. A extrema-direita é pequena. A extrema-esquerda sobrevive. É o extremo centro que domina a vida politica e social. Enquanto que alguns países colapsaram( Islândia, Irlanda, Grécia) e outros ( Portugal, Espanha, Itália) olham desesperadamente para o abismo, a União Europeia( de facto, a União de bancos) avança para impôr austeridade e salvar os sistemas bancários alemães, franceses e ingleses. As tensões entre o mercado e o consenso democrático não podiam mais continuar a ser disfarçadas. A élite grega foi chantageada de uma forma de total submissão e as medidas de austeridade colocaram em xeque os fundamentos da cidadania que encaminharam o país até ao grito ágil da Revolução. A Grécia é o mais fraco elo da cadeia do capitalismo europeu, e a sua democracia submergiu profundamente sob as vagas do capitalismo em crise ".À suivre. Niet

باز راس الوهابية وفتواه في جواز الصمعولة اليهود. اار الازعيم-O FLUVIÁRIO NO DESERTO disse...

Não comento catástrofes naturais


joão viegas disse...

se tem um filho chamado Manuel do mesmo nome,

Tenho as mesmissimas duvidas....

uma Grécia que durante décadas chantageou a restante europa para manter o nível de vida em crescendo e lançou epítetos aos do norte

e permitiu o tráfico de russas para os Balcãs e médio Oriente

nã é o mais inocente dos espectadores

No Haiti o rendimento desceu aos 400 dólares

e há muito peor

logo lágrimas de crocodilo sobre os caídos que preferem continuar caídos....à boa maneira do pedinte romeno

é que até os Somalis fizeram uma indústria próspera dos seguros marítimos

agora greves de 200 dias ao ano

7000 toneladas de géneros a apodrecerem por mês no porto do Pireu e similares

é excessivo com a fome que anda por ai

tenho umas fotografias giras de 70 toneladas de carcaças cheias de vermes porque cortaram a refrigeração

sabotar é uma coisa
destruir toneladas de comida com pessoas que andam aos caixotes como aqui...

ao menos atiravam-nos para os caixotes de lixo...sempre alguém comia

Uma Argentina foi algo muito mau disse...

Ou o zimbabué

mas são países com demografias que aguentam o tranco

uma Grécia envelhecida sem crédito e como o Brasil dos anos 80 e 90
com um cruzeiro ou cruzado para os pobres
e compras em dólares e francos suiços para os ricos?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João,
é um gosto voltar a lê-lo por aqui. Obrigado pelo que escreve; somos poucos os que o dizem, e isso torna ainda menos favoráveis as perspectivas de começo de mudança. O que mais estupefacto me deixa é o modo como alguns ignoram ou minimizam a catástrofe que verosimilmente seria a desagregação da UE - para não falar dos que a reclamam… para prestar serviço aos "camaradas" chineses.

Robusto abraço

msp

Anónimo disse...

miguel, essa teoria da catástrofe iminente não é a mesma que nos veiculam todos os dias os órgãos oficiais de propaganda da austeridade?
bem sei que com fundamentos diferentes, de um lado a fome e miséria provocadas pela "falta de dinheiro"(!!!) do outro o medo do retorno a regimes autocráticos, nacionalistas e até militares, mas o argumento do medo não será o mesmo?
não duvido que o défice democrático e cívico actualmente existente no mundo ocidental torne qualquer aspiração libertária (no plano social) ou socialista (no plano económico) numa utopia, mas este sistema de exploração capitalista não era até à muito pouco tempo era considerado sólido e inabalável? porque ter tanto medo da capacidade revolucionária das massas?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Anónimo (das 10 e 33):

é verdade que a oligarquia europeia e global diz que a única alternativa à sua dominação é o caos e a miséria - está no seu papel.
Mas a perspectiva federalista aqui defendia implicas uma transformação profunda do regime da UE e soluções que os governantes da região sempre têm recusado: integração orçamental e fiscal, efectiva integração política, eleição de uma assembleia europeia constituinte, responsabilização e empowerment dos cidadãos comuns (também no qiue se refere ao seu papel na esfera económica tanto a nível macro como ao das unidades de produção ou actividade laboral), etc.
A ideia é a seguinte: só a vontade de democracia pode travar a dominação oligárquica hoje exercida em grande medida por via financeira e impedir a sua perpetuação e consolidação reprodutivas; pelo que o meu temor maior é a falta ou insuficiência da vontade de democracia entre os cidadãos comuns, tendo presente que, se podemos e devemos interpelá-la e promovê-la, não podemos substituir-nos aos próprios nem impor-lhes essa vontade.

Saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

" OS PARTIDOS PODEM VIVER DE PROMESSAS E DE PROGRAMAS MAS AS CLASSES SOCIAIS SAO MOVIDAS POR PAIXOES E SENTIMENTOS BEM MAIS PROFUNDOS +, A.Pannekoek. O pedido de auxilio financeiro da UE a China e hoje muito bem equacionado por uma troca de informações e detalhes entre P. Lami,o deloriano director/geral da O.M.C. e um soberanista especial, Antoine Brunet, no Marianne.Online. O que se pode subentender, do meu ponto de vista, e que a Europa e os EUA para la de tentarem resolver os seus problemas de financiamento e de divida soberanas acalentam sonhos de liberdade e democracia, estilo Perestroika de Gorbatchev, em relação a China. A não perder, artigo de K. Roggoff de hoje assim como um texto do grande economista frances, Pierre/ives Geoffard no Le Monde sobre o que são as dividas soberanas. NB> Tenho problema com os acentos no PC. Niet

Anónimo disse...

Do que estão à espera para retirar da vossa secção de links aquele que direcciona para o blog do anti-semita Xatoo?
Esse Xatoo é militante do MRPP? Faz parte da PAGAN? É tolerado nesses meios?