25/11/11

Vontade de Não Trabalhar

o meu texto no i de ontem, dia de greve geral



A maior parte dos trabalhadores não trabalha. Alguns ficam a arrumar casa, outros aproveitam para passear. E não falta quem se reúna em assembleias e manifestações.




Um dia assim é uma oportunidade rara. Em primeiro lugar é uma oportunidade para perdermos a vergonha de dizer que não gostamos de trabalhar. O trabalho é uma fonte de infelicidade. Obriga a imensa maioria a fazer o que não quer e impede-a de fazer o que quer. Às críticas de que os trabalhadores grevistas serão objecto pela hora do telejornal, avisando-nos que é tempo de metermos mãos à obra e que os portugueses deveriam trabalhar mais e não menos, deveremos responder quer com a violência necessária para fazer ouvir que não é verdade que trabalhemos pouco, quer com a clareza que afirme que trabalhamos mas não por vontade própria. Não devemos nunca deixar de frisar este segundo ponto. Porque se a escravatura acabou, o trabalho continua a ser forçado. Trabalhamos porque não temos outra alternativa. Possamos ir buscar os géneros onde os houver – que os há – e não trabalharemos.



Dir-me-ão que exagero na crítica do trabalho. Que existem muitos trabalhos que não são forçados. Existem, por certo, trabalhos que não são forçados. Não só não o nego como confesso pertencer a um grupo profissional que bem merece o que Karl Marx designou por “trabalhos agradáveis”. Ocupo os meus dias de trabalho entre aulas na universidade e investigação em biblioteca, tendo ainda a sorte de poder ensinar e investigar os temas que mais me interessam. Mas sei bem que não é assim com a esmagadora maioria dos meus concidadãos. A maioria de nós vende a sua força de trabalho apenas e só porque precisa de dinheiro para viver.



Creio que foi Diego Armando Maradona, esse mesmo, quem um dia disse que os futebolistas eram privilegiados e que a prova estava no facto de, caso não recebessem moeda em troca, ainda assim continuariam a reunir-se aos domingos para jogarem à bola. Esta lição maradoniana, com a sua simples distinção entre um “bem” e uma “mercadoria”, esta tendo como finalidade a comercialização, aquele tendo-se a si próprio como fim, é hoje fundamental. À beira do abismo, a hora é mais que certa para começar a construir politicamente uma nova comunidade económica, em que o bem impere sobre a mercadoria, tendo a vontade de não trabalhar como uma das suas condições fundamentais.



Tamanho desafio há mais de um século que foi lançado e nós rapidamente, demasiado rapidamente, eu diria, arrumámo-lo na gaveta das utopias. Sobretudo, acreditámos que a vontade de não trabalhar implicava o fim da economia, quando na verdade implica apenas o fim desta economia em que a democracia serve para tudo menos para formular respostas às questões mais importantes: quem produz, como se produz, para quem se produz, de quem é o olival, o que é a propriedade.


Estas foram questões que a crítica feminista da economia recolocou recentemente em cima da mesa. Foi no dia em que uma mulher chegou a uma casa e disse a um homem que hoje não tinha feito o jantar. Nesse momento, o homem atirou a louça ao chão, todos os alarmes soaram e ainda rebateram os sinos das igrejas, anunciando que o fim estava próximo, que a idade da fome regressava, que sem comida feita era a própria possibilidade de repartir o que fosse que se desvanecia. O desafio que colocamos só pode estar á altura do que foi colocado por aquela primeira feminista. Não estarmos dispostos a construir uma comunidade económica que tenha a escravatura como mínimo aceitável. Não escolhermos entre morrer à fome ou ser escravos enquanto não forem retalhadas todas as barrigas de todos os senhores. Não optar entre precariedade ou desemprego e não aceitar, de igual modo, a chantagem de quem nos diz que mais vale um emprego de que não se goste a não ter emprego nenhum. Não construir as cidades para os outros.

10 comentários:

alf disse...

Muito bem!

Gostei sobretudo do último parágrafo. Diz tudo. É isso mesmo.

hmm disse...

também não gostamos de estudar , um pincel , no entanto somos obrigados a ir à escola. sorte a sua e do seu bem .

Diogo disse...

Belíssimo artigo. 20 valores!

LAM disse...

Grande texto, camarada Zé Neves.
Recordou-me um livrito que li há muitos anos que se chamava, salvo erro, "Manual de instruções para a Nave Espacial Terra" (ou coisa que o valha), de Buckminster Fuller.
Parsbéns por meter o dedo num assunto em que a própria esquerda se sente desconfortável em abordar.

Anónimo disse...

bravo!

A.Silva disse...

"o trabalho continua a ser forçado", isto é verdade porque vivemos numa sociedade capitalista, numa sociedade que assenta na exploração do trabalho.

Quando a sociedade mudar e acabar a exploração (sim, acredito que a humanidade é inteligente), o trabalho será um prazer e uma necessidade, tal como julgo que é para ti... e já agora, para mim!

Anónimo disse...

Um excelente artigo, como sempre! Concordo com a importância de se repensar a economia e a democracia, começando a construir uma nova comunidade económica. Mas esta proposta é, sem dúvida, um desafio que não se cria de um momento para o outro. É necessário pensar, sonhar e construir todos os dias a mudança.

IC
tochangehistory@gmail.com

HORIZONTE XXI disse...

A greve é precisamente isso, um sinal de que o trabalho é uma imposição e daí que a recusa em o executar seja a forma de protestar.
Humildemente, o direito a não trabalhar; uma sociedade voluntária e um conceito de suficiencia.

Um abraço livre

Anónimo disse...

Fez greve, certo? E declaração de greve fez?

IC

Anónimo disse...

Muito bom artigo! Acho que é um dos maiores desafios. Mudar o sistema de economia que temos actualmente é uma necessidade e uma tarefa que só não é impossivel porque sei que, com o tempo, um dia vamos ser capazes. E achei muito interessante a constatação de LAM ao dizer que este assunto nem a própria esquerda se sente confortável em abordar...Dá que pensar.
Bom trabalho!