Livrem-nos dos políticos que têm nojo da política, diz o Daniel Oliveira. E o Daniel tem razão mas só até certo ponto. Tem razão em criticar o discurso daqueles que, como Fernando Nobre, desdenham a figura do político e ao mesmo tempo desdenham a própria ideia de política. Não tem razão quando procura salvar, pura e simplesmente, a figura do político, a ponto do seu post, sobretudo quando chega à parte em que fala da qualidade de dirigentes como Cunhal e Sá Carneiro, parecer resvalar para uma defesa de uma classe política.
Se Nobre entende que não é político, não lhe façamos o favor de julgar que fala verdade; quem vota é político, quem se candidata é político e até quem não vota é político. Ou seja, somos todos políticos - não só políticos mas também políticos. Haveria então que tentar dar cabo de uma vez e por todas de expressões como classe política. Qualquer concepção democrática da política deve pressupor que os representantes são potencialmente todo e qualquer um (já nem falo, neste posto, da simples mas imperiosa questão que é pensar a política fora do quadro da representação).
O nosso problema não é a qualidade das nossas elites, como se costuma dizer no comentário político (cá está outra expressão que...), mas a própria concepção elitista que temos do que seja a democracia e do que seja a política.
20/12/10
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21 comentários:
Nem mais, caro camarada Zé Neves. Justíssimo. A democracia e a política profissional (ainda que dos "revolucionários profissionais" se trate) excluem-se mútua e necessariamente.
Mas, e tu vê-lo bem, uma coisa é a crítica do papel e função dos políticos (crítica da divisão do trabalho político, da distinção permanente e estrutural instituída entre governantes e governados, etc.), e outra muito diferente o desprezo perante a política enquanto tal, que só pode abrir caminho à tirania, aos homens fortes, à pseudo-racionalidade da dominação e às suas "competências" e entronização do princípio hierárquico.
Grande abrç
miguel (sp)
Já agora MSP podia-nos explicar como é que teria sido possível a consequente luta dos trabalhadores, e de outros sectores da população, contra a ditadura fascista, sem os revolucionários profissionais?
Grande texto. É de críticas destas que se precisa. Abraço.
Novo texto:
http://arsenaldosinvalidos.blogspot.com/2010/12/uma-cadela-como-nos-contradicao-poesia.html
Se todos somos políticos, temos de culpabilizar os portugueses, todos.
Não há pais, tios, primos, avós ou filhos da crise: somos "papás". Até aquele operário que nunca votou, nunca faltou, nunca reivindicou é culpado. Não, o operário um dia foi tomar café e não pediu a factura.
Dédé,
eu não quero dizer que, em situação de ditadura prolongada e/ou por exigências de combate clandestino, seja errado ou condenável o militante que acaba por não fazer mais nada senão política. Mas dessas situações de militantes não decorre necessariamente a concepçao de um partido integrado, e sobretudo inteiramente dirigido, por revolucionários profissionais, como representantes, inteligência histórica e direcção política da "classe".
Ficou mais claro agora?
Saudações republicanas
msp
Magnífica e imorredoura a tese de MSP.
As forças e interesses de classe do grande capital podem tratar dos seus objectivos e ofensivas com pessoal dirigente a tempo inteiro.
As forças sociais e políticas que se lhes opõem devem confinar-se aos «part-time» e a uns mandatoszitos, porque em democracia a estabilidade, a experiência acumulada dos quadros não fazem falta nenhuma.
Dêem-se as voltas que se derem, por detrás de concepções destas está mesmo a noção da política como coisa impura que MSP diz rejeitar.
Haja Deus que eu tenho muitíssimo orgulho em ter sido 30 e tal anos político profissional e vou morrer sem sentir nenhuma espécie de «capitis diminutio» por isso.
Creio que não ajuda misturar revolucionários profissionais com "classe política". Só esta última é fruto da cedência obrigatória da representação política sem o contrato sinalagmático e comutativo de que falava Proudhon. Só a última é consequência duma desproporção de meios e a um espectáculo de luzes estupidificante (que só a burguesia pode comprar). Isto é a concepção burguesa de democracia, mas um revolucionário profissional vinculado a um colectivo e controlado por ele, não nasceu dessa usurpação política, nasceu antes para a combater.
Cumprimentos
Vítor Dias,
gostava que tentasse não desconversar: o que eu disse e reitero é que a democracia e a democratização requerem que a política seja uma actividade não-profissional de todos e que, nessa medida, implica o fim, a abolição, a superação, o que você lhe queira chamar, da política profissional - da política como modo de vida de alguns, com exclusão estrutural, generalizada e permanente, dos restantes. Porque a democracia, justamente, requer que a liberdade e a responsabilidade da acção política, da geral participação igualitária no governo da cidade, seja um ingrediente fundamental, "arquitectónico" por excelência (como diria Aristóteles), da existência individual e da vida colectiva.
A tese é esta - e, embora com algumas reservas quanto ao modo como ele a formula, estou pronto a admitir a restrição que o Miguel Lopes sugere. Mas mantendo a ideia e dela tirando as consequências práticas e organizativas que se impõem de que a grande revolução é a que atribua a cidadania plena à gente comum, sendo que a cidadania plena implica a indissolubilidade, na existência quotidiana do cidadão, das condições de governante e governado (como, uma vez mais, diria Aristóteles).
Noutra linguagem, a política democrática, e o combate político pela democratização, não pode ser a especialidade profissional, a competência específica ou o privilégio hierárquico e classista de um grupo, partido, etc., ou, em suma, camada particular, pois que, para ser democrática ou se democratizar deveras, só poderá ser direito e dever de todos.
Enfim, é natural que, num breve comentário, ao certeiro post do meu camarada e amigo Zé Neves, eu não tenha introduzido todos os aspectos do problema. Permita-me, pois, Vítor Dias, que o remeta - porque a discussão aqui encetada é, de facto, decisiva- para dois posts que aqui publiquei sobre o assunto: "Contra d Divisão do Trabalho Político…" (http://viasfacto.blogspot.com/2010/06/contra-divisao-do-trabalho-politico-e.html#comments) e "'Classe Política' e Democracia" (http://viasfacto.blogspot.com/2010/06/classe-politica-e-democracia.html).
Seu interlocutor atento
msp
Se MSP, talvez agora explicando-se melhor, sustenta que « a política seja uma actividade não-profissional de todos e que, nessa medida, implica o fim, a abolição, a superação, o que você lhe queira chamar, da política profissional - da política como modo de vida de alguns, com exclusão estrutural, generalizada e permanente, dos restantes», então só poderá ter o meu completo acordo.
E estou plenamente à vontade para o dizer porque tenho toda uma vida ligada a uma concepção de «política profissional» que não só não assenta na «exclusão estrutural, generalizada e permanente, dos restantes» como faz constante apelo e incentiva à intervenção dos cidadãos na luta pela solução dos problemas.
Se mais não houvesse, é ver milhares de comunicados e textos do PCP (e correspondentes esforços organizativos)em que, ao invés de haver um apelo a uma DELEGAÇÃO de confiança ou responsabilidades no PCP se proclama (normalmente no seu último ponto)a necessidade e urgência de os cidadãos tomarem a inciativa e assumirem as suas próprias responsabilidades de intervenção.
vítor dias,
a discussão em torno da funcionarização de militantes por um partido é importante e, como sabe melhor do que eu, não é nova.
há dois níveis, pelo menos:
1) devem existir ou não?
2) devem ser sempre os mesmos ou não?
São as mesmas questões que se colocam ao problema da "classe política", conforme elaborado no post.
Politológos, cientistas sociais e políticos na reforma: não se estarão a esquecer do legado de Maquiavel - revisitado por Sorel, Michels, Pareto e Mosca - que Paul Mattick analisa de forma brilhante e onde induz que a racionalidade do " sistema " acaba por favorecer sempre as élites que mandam-mesmo nos seio dos partidos ditos " marxistas "? Niet
Parece-me altamente discutível - se não mesmo abusiva - a inferência de que, uma vez que a burguesia tem ao seu serviço milhares de funcionários e assalariados para desempenhar funções políticas, a classe trabalhadora deva fazer outro tanto. Se o argumento é o da dialética, então vai ser preciso mais um esforço.
As formas históricas de emancipação de uma classe social não têm de - e na minha opinião não devem - ser decalcadas das formas históricas de dominação de outra classe.
Tal como o parlamentarismo não é o fim da história no que à política diz respeito, assim também a divisão do trabalho, a especialização e a criação de uma camada de políticos profissionais, encarregues de dirigir e representar a classe trabalhadora, fazem parte da história do movimento operário, mas não a resumem.
Exactamente, Ricardo. Não se transforma a natureza do poder político sem se transformarem as suas formas de exercício. E há formas de divisão do trabalho político que excluem a participação igualitária característica da autonomia democrática. Independentemente, em larga medida, das intenções subjectivas iniciais deste ou daquele militante individualmente considerado. A história dos partidos socialistas e comunistas e do movimento sindical é eloquente a este respeito. O que está aqui em jogo não é a substituição de maus governantes, de uma "classe política" incompetente, por bons governantes e políticos profissionais competentes. É a universalização do exercício governante e da participação igualitária nas decisões do poder político - que, com efeito, implica a desprofissionalização da política.
Abrç grd
miguel sp
Como diria Althusser, esta minha resposta não se dirige a ninguém nem a nenhuma questão posta em especial...Quando fiz luz sobre um texto de Paul Mattick- adepto e teórico fervoroso dos Conselhos Operários - era para destacar- também há notas críticas de Castoriadis eloquentes sobre isso-que mesmo próceres da inteligentzia de classe mais despótica como Sorel, Michels, Mosca, Pareto, se preocuparam com o futuro do marxismo, da luta de classes e das suas organizações principais, partido e sindicato. " Marxism as a dogma must be rejected. A marxist will therefore appreciate the work of Sorel and Michels in so far as they shed light upon reality darkened by dogmatism. The development of labor organisations, investigated by Sorel and Michels, roughly paralleled the development of liberal capitalism(...). THE LABOR MOVEMENT CEASED TO BE A REVOLUTIONARY FORCE. Et became a part of Capitalism, one capitalist institution among others. Both the political and the economic organization of Labor changed into ordinary enterprises, supporting and participating in the Exploitation of labor.", frisa P. Mattick, que conclui: " E o Marxismo serve como ideologia que esconde esse facto, como serve hoje na Rússia para manter em segredo a exploração do trabalho através de uma lei do capitalismo de Estado ". Mattick nos últimos anos de vida apurou toda a sua critica dos partidos parlamen- taristas e dos sindicatos, onde uma " élite " de funcionários acaba por defender só os seus interesses ou os do sistema capitalista em geral...Existem ítens na tipologia sociológica de pareto, por exemplo, que podem aprofundar uma análise científica da luta de classes, se tal coisa ainda hoje existe. Como refere Mattick, " as tendências autocráticas não são nem arbitrárias nem acidentais ou temporárias, mas inerentes à estrutura da orgnaização. As leis de ferro da oligarquia são válidas para todos os movimentos e todas as formas de organização social ". E, MS Pereira, a " universalização do exercício governante " e a participação igualitária nas decisões do poder político " exigem e reclamam,como é evidente,de forma violenta ou pela movimentação popular, a extinção do Estado e de todo um novo sistema de exploração que se apoie no Estado. Liberté et égalité! Niet
Sim, Niet. De acordo, na generalidade. E, sem dúvida, que os traços distintivos do Estado, tal como o conhecemos - monopólio da violência legítima, distinção permanente e estrutural entre governantes e governados, supremacia da representação, apropriação por instâncias burocráticas "privatizadoras" do espaço público, etc. - são incompatíveis com a " universalização do exercício governante " e a participação igualitária nas decisões do poder político ". É por isso que já tenho falado - para escândalo de alguns - de "democracia contra o Estado", de oposição entre o espaço republicano e as prerrogativas classistas dos aparelhos de Estado. Ressalvo que, para alguns camaradas muito próximos - nomeadamente, no Vias, o Pedro Viana -, o termo "Estado" pode designar a organização política e as instituições de exercício do poder ainda que radicalmente democratizado. O que, a meu ver, pode ser origem de equívocos e confusões - mas não torna o Pedro Viana e outros meus "inimigos de classe" ou, sequer, menos ousados partidários de uma concepção governante da cidadania como a que procuro defender.
Salut et liberté!
msp
MS. Pereira: Por acaso, para integrar o conjunto dos comentários- e como trabalho de tarde...- estive para colocar uma citação fabulosa do Kropotkine sobre os anjos e as lutas de classe: divina...Preferi o Mattick, que me parece excelente e combina bem com as minhas imanentes opções ultra-esquerdistas...por todos conhecidas! Audácia e coragem ! Niet
Ocupado com a mudança de quase vinte anos de África, de regresso à terra, confesso que tenho andado distraído das leituras.
Ainda que atrasado, como muitas outras vezes, não quero contudo deixar de dizer, que estou de tal modo de acordo com tudo o que foi dito, entre outros principalmente pelo Zé Neves e pelo MSP, que só posso discordar que venham aqui tão poucas vezes dizer estas coisas.
nelson anjos
Caro Nelson Anjos,
também eu espero e quero crer que não em vão que você apareça aqui mais vezes. Já me perguntava o que seria feito de si e olhe que a sua participação faz falta à nossa causa comum.
Forte abraço deste seu camarada
msp
Obrigado MSP. Outro igual.
nelson anjos
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