Os que acham que um Governo que resulte de uma coligação dos três partidos da esquerda é uma catástrofe - e são muitos e estão por todo o lado - depositam todas as esperanças no falhanço da negociação entre o BE e o PS.
No último dia todos os jornais foram divulgando ou "as exigências do BE para o encontro com Costa" ou que o "BE vai levar dezenas de iniciativas legislativas calendarizadas" .
Lido e relidos os textos não se fica a saber nada que não se soubesse desde o dia em que Catarina Martins e António Costa debateram na televisão o que fazer depois do dia 4 de Outubro.
Pelo que se percebe o BE estará disponível para fazer as cedências que entender serem para si menos importantes. Mas, parece que a necessidade de ter um Governo ancorado à esquerda, irá condicionar a avaliação da importância relativa das cedências. O mesmo que o PCP já mostrou querer fazer e que o PS terá que aceitar cedendo ele também face aos seus dois potenciais parceiros. O compromisso a isso obriga. Não vejo razões para a impossibilidade de se definirem um conjunto alargado de políticas na área das políticas públicas e dos direitos sociais que recuperem parte dos estragos feitos ao longo dos últimos anos e permitam iniciar a recuperação do país fora dos estreitos limites de análise da economia dominante.
O que alterou muito a importância deste encontro foi a forma como decorreu a reunião com o PCP e a disponibilidade manifestada pelos comunistas para apoiar um Governo do PS podendo ou não integrá-lo. Aqueles que acham que há "um enorme campo de possibilidades para o PS influenciar com uma marca da esquerda um governo minoritário da direita " manifestam a sua surpresa com "o que terá provavelmente sido a maior abertura negocial do PCP em 40 anos de regime democrático" o que julgam terá iludido o líder socialista, criando-lhe a "ilusão de que o PCP saiu das catacumbas e está disposto a assumir a relação com o “arco da governação” que o eurocomunismo estabeleceu há já 40 anos".
Há sempre um momento em que mesmo as certezas mais antigas e as análises mais rotineiras são implodidas.
Adenda: nas referências que fiz escapou-me a referência a este trabalho jornalístico mais bem informado. O BE coloca o assento tónico nas propostas mas, ao que parece, não pretende integrar o novo Governo. Não percebo essa recusa. Espero que não se confirme. O Bloco quer ou não quer participar na renegociação da dívida com a Europa? Quer ou não ajudar a alterar as regras com que a Europa nos vai cosendo? Quer ou não participar na governação ou só o vai fazer quando tiver a maioria absoluta? Está na hora -está sempre na hora mas ás vezes não há forças que cheguem - de juntar forças. Não basta dizer: vão vocês que a gente apoia.
Outro aspecto - triste - desta notícia é o grau de ignorância politica e falta de senso democrático que algumas pessoas exibem, como é o caso da independente que liderou as listas do PS por Coimbra.
12/10/15
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2 comentários:
Eu acho que a não-participação do BE no governo pode fazer sentido, por duas razões:
- Veja-se o caso das portagens da Via do Infante, em que os aderentes locais do BE tem tido um papel de relevo na luta pela sua abolição; se o BE fosse para o governo e as portagens continuassem, seria dificil aos seus aderentes locais continuarem a lutar "na rua" pelo fim das portagens; por outro lado, se o BE pusesse como condição para apoiar o governo que TODO o programa do BE fosse posto em prática (o que incluiria abolir essas portagens), seria provavelmente impossível um acordo - assim, se o objetivo do BE for simultaneamente por a direita fora do governo e continuar a apoiar as lutas dos movimentos sociais (e se o BE tem um defeito, parece-me exatamente o de já ser um partido excessivamente parlamentar com pouco peso nas "lutas de massas"), sustentar o governo no parlamento, nomeadamente nas votações decisivas (orçamentos e moções de censura, rejeição e confiança) mas sem assumir responsabilidade solidária por tudo o que o governo faça parece a melhor opção. Dito de outra maneira: para dar apoio parlamentar ao governo, basta achar que as politicas do governo vão no bom sentido, mesmo que se as ache insuficientes; já participar no governo implica um muito maior grau de concordância programática.
- Creio que o BE tem relativamente poucos aderentes - se fosse para o governo agora, corria o risco de uma proporção substancial desses aderentes fossem para ministros, secretários de estado, acessores, chefes de gabinete, etc., tornando-se, em proporçao, talvez o mais governamentalizado/burocratizado dos partidos portugueses
Meu caro Miguel Madeira percebo o teu argumento mas, levado às últimas consequências, ele leva-nos a concluir que o BE só poderá ser Governo quando tiver possibilidade de aplicar o seu programa na íntegra. Em 2009 chegou-se a estabelecer um prazo de dez anos -que deve estar quase a chegar - para o BE ter maioria absoluta e governar. Eu também acho que o BE é um partido excessivamente parlamentar, eu diria mesmo, quase exclusivamente parlamentar. As suas "estrelas" são estrelas parlamentares, como se percebeu nestas últimas eleições. Mas essa situação não se vai alterar por estar no Governo ou fora dele. A participação no Governo torna o compromisso político mais sólido e mais fiável e fornece meios mais poderosos de determinar as políticas, por exemplo, adoptando nas suas áreas de responsabilidade formas de mobilização e de participação dos cidadãos na construção e na concretização dessas políticas. O BE não pode "mandar" no Governo mas pode participar na governação. Não lhe cairão os parentes na lama se o fizer.
Sinceramente não sei se o BE tem poucos aderentes e se corre o risco de esses aderentes irem para o Governo e esvaziarem o partido. O BE tem muitos aderentes e certamente muitos serão qualificados em áreas diversas. A questão é que normalmente estamos a falar das pessoas que aparecem publicamente associadas ao dia a dia da agenda política e da gestão parlamentar. Mas será que esses são adequados para ir para o Governo?
ùltima nota: ontem gostei da forma como a Catarina Martins respondeu à questão da eventual participação no Governo. Não rejeitou liminarmente essa possibilidade mas independentemente dessa possibilidade valorizou a possibilidade de existir uma maioria de esquerda que viabilize um Governo liderado pelo PS.
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