Excerto da parte final de uma interessante análise de Alfredo Barroso, cuja leitura na íntegra se recomenda vivamente. Até porque permite pôr melhor as questões do tipo que indico no breve comentário que se segue à transcrição das suas conclusões.
A estratégia europeia de saída da crise mundial é clara: desregulação dos mercados de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, menor protecção no emprego, restrições orçamentais, privatizações em massa, etc.
É uma estratégia aparentemente paradoxal, que torna ainda mais vorazes os «mercados», que exigem sempre tudo e nunca se sentem saciados. Mas é também uma estratégia fundamentalmente recessiva, que pode provocar um aumento significativo das reivindicações sociais e políticas. «Neste braço-de-ferro, o estatuto do euro é um teste definitivo», dizem os entendidos. E a questão está em saber se «será, finalmente, posto ao serviço da promoção de um modelo social sustentável» ou «irá tornar-se o vector da destruição do que resta do Estado de bem-estar europeu». Os exemplos da Grécia, da Irlanda e de Portugal não auguram nada de bom para o Estado social.
Como já se noticia, a «ajuda» financeira do FEEF e do FMI servirá, essencialmente, para Portugal «pagar o que deve aos credores, sobretudo bancos estrangeiros que, ao longo de décadas, foram fornecendo fundos aos bancos nacionais e que estes depois canalizavam para a compra de casas, carros e créditos às empresas» («DN», 08/04/2011). Para além de cortes em salários, pensões, subsídios de desemprego e outras prestações sociais, fala-se em «reformas mais profundas do mercado de trabalho, menor protecção no emprego, maior abertura da Educação e da Saúde aos privados, subida dos impostos». (O dr. Passos Coelho deve estar radiante!). Também se diz que «mal as condições melhorem, o Estado deve começar a sair (privatizar) das empresas de transportes. Casos da ANA, TAP, CP, Refer, Carris, Metro de Lisboa e do Porto». Não haverá mais nada para privatizar? Claro que há! Um Estado bem desmantelado dá para enriquecer vários oligarcas.
Enfim, temos este país pronto a morrer da cura. Graças ao «trabalho sujo» das agências de rating (os «gangsters» desta história) ao serviço dos «mercados» (os agiotas). Mas também graças aos «bons ofícios» do actual Presidente da República, à «ansiedade do pote» de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, e ao extraordinário «sentido de oportunidade» de Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã. Sem esquecer as evidentes responsabilidades de José Sócrates, que não resistiu às sucessivas concessões que foi fazendo ao «blairismo» e ao «neo-centrismo», ou seja, à doutrina neoliberal.
Observação final. Várias são as vozes que afirmam que o FMI não é nenhum papão e não mete medo a ninguém, porque já cá esteve no século passado e tudo correu às mil maravilhas. É quase verdade, mas esquecem-se de um pequeno pormenor que faz toda a diferença: é que, quando o país sair exausto e exangue dos próximos anos de brutal austeridade, não haverá mais uma CEE à nossa espera para «inundar» Portugal com as «catadupas» de fundos comunitários que fizeram a felicidade do cavaquismo!
A questão que eu poria à esquerda social-democrata, cujas posições o Alfredo aqui assume — em termos que convergem largamente com os de alguns posts dos Ladrões de Bicicletas… —, é a seguinte: e se, mantendo a validade do critério de que quem quer o mais, e por isso mesmo, não poder deixar de querer o menos, o tivéssemos agora de completar pela afirmação simétrica: quem quer o menos, e para o conseguir, terá de querer um pouco mais (do que o menos ou mínimo inegociáveis)? Ou, por outras palavras: não teremos de ir mais longe do que o compromisso que foi o "Estado Social" para garantirmos os direitos e liberdades fundamentais que o acompanharam e mantermos depois a perspectiva, inseparável da legitimação conseguida pelo Estado Social, do seu aprofundamento em intensidade e extensão? Nomeadamente, em matéria "económica", não será necessário ir mais longe do que "indemnizar", como diz Habermas, os assalariados pela condição subalterna que ocupam, democratizando o funcionamento da actividade económica, em vez de insistir na sua "autonomia sistémica"?
23/04/11
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2 comentários:
Essa é uma questão pertinente, Miguel.
Chamo a atenção a um post de Tiago Silva http://sentidosdistintos.blogspot.com/2011/04/se-ignorancia-nao-e-desculpa.html
que creio vá no mesmo sentido, assim como o texto que o originou publicado no Esquerda.net, da autoria de Mariana Mortágua e Francisco Louçã, que também merece ser lido:
http://www.esquerda.net/opiniao/fraude-argentina-ignor%C3%A2ncia-n%C3%A3o-%C3%A9-desculpa
abraço.
Obrigado, camarada LAM.
Foi uma excelente ideia forneceres aqui o link para os dois textos. Como imaginas, concordo em boa parte com o que diz o Tiago Silva - e com a maneira como o diz.
Abraço
miguel (sp)
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