11/04/11

Sobre o caso Fernando Nobre

Reina para aí grande clamor, misturando denúncias a actos de contrição, cujo alvo é a campanha de Fernando Nobre durante as últimas eleições presidenciais. O raciocínio é simples e reconfortante: uma vez que Nobre é agora cabeça de lista do PSD, isso só pode significar que já ontem o era e que a sua campanha foi uma espécie de manobra coelhista ou cavaquista encoberta, tendo a sua bênção por Mário Soares sido uma espécie de "com a verdade me enganas" funcionando como reforço do embuste.
Ora, se, como inexcedivelmente mostrou na altura o nosso genial Luís Rainha, os temas da campanha de Nobre eram um tecido de equívocos politicamente inconsistentes, transmitindo a mensagem de que é — e é só — com pessoas excepcionais, espíritos superiores e traços carismáticos que os antagonismos políticos podem ser resolvidos através do método que consiste em suprimi-los, em benefício da lealdade a uma personalidade ímpar e a um interesse nacional mistificador, teremos de admitir que a presente viragem do ex-candidato nada tem de miraculoso ou de manobra conspirativa.

A reflexão importante a fazer não consiste, pois, em apurar se Nobre se enganou e/ou nos enganou, mas em ter presente que não basta como política recusar as medidas dos governos do PS, nem protagonizar uma alternativa a Cavaco, exprimindo ao mesmo tempo a falta de confiança em Alegre, etc. Não é de líderes diferentes que precisamos, mas de plataformas políticas que façam a diferença. O que Nobre hoje procura ou promete é, mais ou menos, a mesma coisa que propunha como candidato: unir os portugueses em torno de "um compromisso nacional" e do partido — o PSD — que lhe parece mais capaz de o liderar e fazer passar por novidade, concedendo-lhe a ele, FN, ao mesmo tempo, um púlpito condigno. Tanto podemos, bem vistas as coisas, dizer que Nobre se deixou conquistar pelo PSD, como que foi este, na sua versão coelhista, que se deixou conquistar pela ideologia do ex-candidato.

Por isso, o que podemos e devemos opor à opção de Nobre  não são processos de intenções, nem denúncias de conspirações inexistentes, mas uma racionalidade e uma vontade democráticas, que articulem um projecto político implicando que aqueles que sofrem o mau funcionamento das coisas tomem a iniciativa de as transformar a seu contento, responsabilizando-se por novas formas de governo e participação política, em vez de se limitarem a procurar personalidades ou partidos, líderes ou especialistas, nos quais deleguem a aplicação de receitas acima das divisões políticas e antagonismos sociais que ponham fim à sua subordinação e descontentamento.

0 comentários: