09/04/11

Um sociólogo de serviço do Bloco Central

Num texto, ontem dado à estampa no Público (08.04.2011) e marcado pelo terceiro-mundismo sumário do costume, que o leva a apostar num relacionamento cooperativo com a China e Angola, bem como por um nacionalismo exacerbado, talvez pós-moderno mas pouco resistente, Boaventura Sousa Santos perguntava-se ontem: Perante este agravamento concertado da crise, como buscar uma saída que restitua aos portugueses a dignidade de existir?

Na sequência de considerandos cuja aparente radicalidade anti-FMI é sabiamente respeitabilizada pela insistência numa independência nacional representada como implicitamente acima dos antagonismos sociais, as medidas recomendadas são as seguintes:

Realizar uma auditoria da dívida externa que permita reduzi-la à sua proporção real, por exemplo, descontando todos os efeitos de rating por contágio de que fomos vítimas nos últimos meses. Resolver as necessidades financeiras de curto prazo contraindo empréstimos, sem as condicionalidades do FMI, junto de países dispostos a acreditar na capacidade de recuperação do país, tais como a China, o Brasil e Angola. Tomar a iniciativa de promover um diálogo Sul-Sul, depois alargado a toda a Europa, no sentido de refundar o projecto europeu, já que o actual está morto. Promover a criação de um mercado de integração regional transcontinental, tendo como base a CPLP e como carros-chefes Brasil, Angola e Portugal. Usar como recurso estratégico nessa integração a requalificação da nossa especialização industrial em função do extraordinário avanço do país nos últimos anos nos domínios da formação avançada e da investigação científica.

Antes de apresentar este elenco de propostas oscilando entre a "sensibilidade social" mais inócua e vaga e o francamente caricato, Boaventura Sousa Santos adverte gravemente que não se está a pronunciar a questão de saber quem serão os agentes políticos democráticos que tomarão as medidas necessárias nem o modo como os portugueses se organizarão para os pressionar nesse sentido. Este silêncio pedagógico, sempre de bom tom numa autoridade académica, destinar-se-ia apenas, no entanto, a não quebrar um momentâneo suspense, destinado a sacudir o sono da "razão indolente" que Boaventura Sousa Santos sempre receou não sem justificação ver amodorrar os seus auditores mais sóbrios. E foi sol de pouca dura, uma vez que este documento, intitulado Um Compromisso Nacional hoje divulgado pelo Expresso tira — ou deveria tirar — todas as dúvidas sobre quem são os "agentes políticos" a quem, no entender de Boaventura, compete o papel de encabeçar e dirigir o seu projecto de salvação nacional. É verdade que não se compreende bem porque lhes chama o sociólogo "agentes políticos democráticos", mas um lapsus calami até ao melhor lente pode acontecer - deixemo-nos, pois, de ninharias. O compromisso social e político do documento é claro — e o do sociólogo, também.

2 comentários:

Dédé disse...

Boaventura e mais uns quantos que parece que não lêem o que assinam, nem quem são os parceiros de receita.
RECEITA DAS 47 "PERSONALIDADES" Primeiro tomam-se as decisões, depois fazem-se as eleições.

Anónimo disse...

MS.Preira e todos em geral: O comentário " marcusiano " que realizei,talvez tivesse mais cabimento, aqui. De qualquer modo, os pontos mais fortes de crítica ao cientismo/acção "racional" tecnocrático- de que BSS é " valete " importante-não tendem a esquecer o " passo em volta " de uma estratégia interclassista, capitalista e implacável que o Compromisso Nacional encerra e difunde, pois, o " ideal de uma mudança social racionalmente efectuada, tende a funcionar quer como princípio de justiça( de classe e antagónica), quer como prática de dominação ". Salut! Niet