04/05/20

Calamidades

Primeira calamidade: que o estado de calamidade tenha sido decretado por um período manifestamente excessivo. Demasiado tempo para o Governo - fosse ele qual fosse - poder actuar sem o necessário enquadramento da Assembleia da República. Não me parece que fosse necessário manter qualquer um dos regimes que implicam alguma forma de excepção constitucional.

Segunda calamidade: que na área da saúde não tenha ficado claro, desde já, que irá haver um reforço dos meios materiais e humanos do Serviço Nacional de Saúde. Reforço acompanhado pela melhoria salarial destes profissionais, que tão importantes foram para proteger o povo português. Reforço que devia impedir a situação que se viveu com o adiamento de cirurgias em muitas áreas tendo essa opção determinado, nalguns casos, perdas de vida evitáveis.

Terceira calamidade: que o Governo através dos sinais que está a transmitir à sociedade aponte no sentido de reforçar o negócio privado na saúde - renovação da PP do Hospital de Cascais e canalização de cirurgias que estão em espera no SNS para os privados. Numa altura em que o SNS mostrou que sem a sua actuação não teria havido resposta para a pandemia.

Quarta calamidade - que o Governo pouco ou nada tenha feito para ajudar as famílias em maiores dificuldades. Entregando, por exemplo, aos cidadãos mais pobres, pelo menos a esses, que eram 2 milhões antes do covid mas aumentaram muito com esta crise, um verba suficiente por cada um dos meses em que para eles poderem comer e dar de comer aos seus filhos se tornou uma verdadeira impossibilidade.

Quinta calamidade -  que na sociedade portuguesa a caridade esteja a ganhar espaço, cada vez mais espaço, aos mecanismos de redistribuição da riqueza e sejam eles a compensar a omissão do Governo.  São exemplos as famílias a ocorrerem em número cada vez maior  aos bancos alimentares e às refeições servidas pelas escolas e outras instituições. Gente pressionada pela pobreza extrema e pela fome sua e dos seus.

Sexta calamidade - que o Governo já tenha vindo reforçar a sua decisão de recusar em 2021 aumentos decentes aos funcionários públicos. O Governo bate palmas à GNR, à data do seu aniversário, bate palmas aos profissionais do SNS, elogia os professores, agradece aos trabalhadores dos serviços municipais, que nunca pararam de assegurar a recolha do lixo, o tratamento dos esgotos, o abastecimento de água. Mas depois das palmas ficará a austeridade e a habitual desconsideração destas classes profissionais.

Sétima calamidade - que esta pandemia sanitária esteja já a transformar-se numa enorme pandemia social, numa sociedade em que como cantava o Chico Buarque "a dor da gente não sai no jornal", referindo-se certamente aos mais desfavorecidos da sociedade, que são muitos e ignorados.


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