28/01/14

Compreender para onde vamos - II

Um dos temas centrais da filosofia da História é constituído pela reflexão sobre a inteligibilidade dos acontecimentos que possuem o humano como sujeito da acção. Podemos realmente compreender o que acontece quando os seres humanos interagem? Caso a resposta seja positiva, uma outra possível questão se coloca: será passível de compreensão o nexo de causalidade entre os eventos que resultam dessa interacção? Note-se que estas questões podem ser colocadas a diferentes níveis, dependendo do objecto sobre o qual incide a análise Histórica, do indivíduo à humanidade.

Acreditando na capacidade de compreensão do ser humano, e na nossa em particular, podemos então colocar ainda uma outra questão: existirá um sujeito Histórico? Por este se pretende significar o indivíduo, ou grupo, que compreendendo a realidade que o envolve, actua nessa realidade, transformando-a com vista a atingir um propósito bem definido à priori. Até ao Iluminismo, a noção de sujeito Histórico era praticamente desconhecida, considerando-se antes que a sucessão de acontecimentos que identificamos como História, se devia à Divina Providência ou ao "destino". Uma inversão radical nesta perspectiva ocorreu com o Iluminismo. O ser humano passa a actor principal da História, e nasce a noção de progresso contínuo por via da acção humana intencional. O Marquês de Condorcet é um dos mais conhecidos proponentes desta visão:

"(…)we shall have the strongest reason to believe from past experiences, from the observation of the progress which sciences and the civilization have hitherto made, and from the analysis of the march of the human understanding, and the development of its faculties, that nature has fixed no limits to our hopes(…)" em "Création de Esquisse d’un tableau historique des progrès de l’esprit humain

Note-se que este pressuposto não implicava que todos os eventos de importância Histórica resultavam necessariamente da acção humana consciente, ou que o progresso humano fosse inevitável. Apenas que o ser humano tem a capacidade para moldar o futuro à sua vontade, se assim conscientemente quiser. Esta visão ainda é predominante na, por vezes denominada, Esquerda Liberal. Mas também no Nacionalismo, que tem como um dos seus elementos identificadores mais importantes a construção duma narrativa Histórica que enaltece a superioridade da Nação, e a capacidade de moldar o seu próprio futuro.

Esta visão do humano como actor intencional da História foi atacada pelo Existencialismo e Pós-estruturalismo, para os quais qualquer sucessão de acontecimentos Históricos é fruto do acaso. O trabalho do Historiador é assim visto como uma tentativa de associar uma narrativa artificial a tal sucessão, saciando um dos mais salientes e universais desejos do ser humano: discernir ordem (explicativa, não apenas descritiva) por entre sucessões de acontecimentos. Em consequência, de qualquer tentativa (consciente) de influenciar o futuro não resultará nada mais do que a auto-ilusão e consequências imprevistas.

Os proponentes do fundamentalismo de mercado, acreditam que, na presença dum mercado perfeito, a sociedade atinge um estado de auto-organização. Esta ordem emergente não é passível de ser prevista à priori, e portanto é negada a capacidade ao ser humano para influenciar conscientemente o curso dos eventos Históricos a uma escala superior à do indivíduo. No entanto, também é habitualmente postulado que todo o ser humano actua racionalmente, tentando conscientemente maximizar a utilidade para si das suas acções. Daqui resulta uma visão optimista do curso da História, segundo a qual, se as condições ideais (mercados perfeitos) existirem, o progresso da humanidade é inevitável. Portanto, esta visão congrega ambas as anteriormente descritas, apesar do paradoxo aparente.

Entre as duas visões extremas sobre o humano como sujeito Histórico, encontramos aqueles que, não negando a capacidade do ser humano para influenciar conscientemente o seu futuro, consideram que essa capacidade depende das condições que este encontra no seu presente. Ao ponto do futuro poder dever-se mais à dinâmica criada por eventos passados, do que à acção humana consciente sobre a realidade que se lhe apresenta. Os proponentes mais conhecidos desta visão são Marx e Engels, que defendiam que o futuro era moldado pela relação do ser humano com o material (materialismo histórico). Ou seja, o curso dos eventos Históricos resultaria da tecnologia e da capacidade produtiva disponível em cada momento Histórico. Dado que a sequência de eventos Históricos revela, genericamente, um incremento do nível tecnológico e da capacidade produtiva, que Marx e Engels acreditavam ser parte essencial do progresso da humanidade, eles também tinham uma visão optimista do curso da História. Segundo Marx e Engels, certos grupos sociais podem-se constituir como sujeitos Históricos, se se tornarem conscientes do seu potencial para influenciar o curso da História. No presente sistema Capitalista, caberia ao proletariado esse papel, originando a transição para o Comunismo. Quando este fosse atingido, todo o ser humano atingiria a plena consciência da realidade que o rodeia, tornando-se sujeito da sua História, quer ao nível individual quer como parte integrante da humanidade.

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