28/02/16

Ainda o "cartaz"

A tal imagem/eventual cartaz do Bloco de Esquerda sobre Jesus com dois pais pode ter tido um efeito positivo involuntário:

De há uns tempos para cá, sempre que havia alguma vaga de indignação nas redes sociais por alguém dizer ou fazer algo considerado machista/xenófobo/homofóbico/etc., surgia logo um coro a reclamar que era a "tirania do politicamente correto", que "já não se pode dizer nada", etc. (por vezes demonstrando uma certa dificuldade em perceber que liberdade de expressão é "poder dizer o que se quiser", não "poder dizer o que se quiser sem se ser criticado por isso").

Agora, perante a indignação de muita gente com a imagem divulgado pelo BE, talvez isso ajude os "politicamente incorretos" profissionais (a maior parte, se não socialmente conservadores, pelo menos anti-anti-conservadores) a perceber que as indignações da internet são tão parte da liberdade de expressão como as opiniões e atitudes que dão origem à indignação.

[Atenção que me refiro apenas aos comentários em blogs, facebook, etc, e já agora também nos jornais, se tiver havido algum; não estou a incluir a queixa ao provedor de justiça, considerando a divulgação da imagem como um crime]

9 comentários:

L disse...

Mas a liberdade de expressão não é poder o que se quiser. Há muitas coisas que não acho aceitável que se digam, como afirmações racistas por exemplo, e isso não limita a liberdade de expressão de quem as quer dizer. Limita é a liberdade de expressão dos visados.
Os que sacam da arma do politicamente correcto geralmente são esses mesmos que pretendem limitar a dos outros.

Miguel Madeira disse...

"Há muitas coisas que não acho aceitável que se digam, como afirmações racistas por exemplo"

Com "não acho aceitável", o L. quer dizer que acha que não deve ser "moralmente aceitável" ou que não deve ser "legalmente aceitável"?

L disse...

Esqueci-me de um "dizer" ali na primeira frase.

A sociedade não deve aceitar discursos que atacam outras pessoas no que elas são. É moralmente condenável, se quiser essa formulação. Analiso esta questão de um ponto de vista libertário em que o sistema judicial não é feito pelas generalidade das pessoas e para elas.

Miguel Madeira disse...

Fiquei sem perceber se o L acha que deve haver proibições legais contra afirmações racistas, ou se devem ser só alvo de reprovação social.

L disse...

Para ser mais claro, então, é a sociedade que tem de reprovar esse tipo de "liberdade de expressão".

A lei prevê limitações ao que as pessoas podem dizer, ameaças ou difamação por exemplo, e ninguém pensa em considerar isso um limite à liberdade de expressão.

joão viegas disse...

Ola e desculpem intrometer-me,

Julgo que estão a confundir duas coisas distintas. A expressão de ideias ou de crenças, que deve ser livre, e os discursos (ou as imagens) que não visam principalmente expressar ideias ou crenças, mas sim magoar, humilhar, ou ferir, uma pessoa ou um grupo de pessoas (como é o caso da injuria ou da difamação).

Neste caso, é muito dificil caracterizar o cartaz (que afinal nem cartaz era, ao que parece) como uma mensagem que visava principalmente magoar ou ofender um grupo de pessoas. Isto seria ter da injuria uma visão excessiva, que poria nitidamente em causa a liberdade de expressão, "pedra de toque da democracia" (TEDH dixit).

Portanto o amigo L esta certo no plano dos principios, mas o principio que ele invoca não parece poder aplicar-se neste caso.

Sobre o assunto perdoem-me a imodéstia de citar um post meu de ha cerca de um ano atras : http://viasfacto.blogspot.fr/2015/01/porque-e-que-questao-dos-limites-da.html

Abraço

L disse...

João Viegas, não era disso que eu estava a discordar mas da afirmação no post do Miguel de que a liberdade de expressão é "poder dizer o que se quiser":

«(por vezes demonstrando uma certa dificuldade em perceber que liberdade de expressão é "poder dizer o que se quiser", não "poder dizer o que se quiser sem se ser criticado por isso")»

Concordo com o resto do post, não faz sentido a indignação cristã com o cartaz. Eu diria que há duas boas razões para não fazer sentido essa indignação:

1. Os cristãos não são um grupo perseguido ou uma minoria, muito pelo contrário, são o grupo dominante, praticam militantemente o proselitismo e a invasão das esferas públicas e privadas das nossas vidas e, como se viu neste caso, exercem uma forte pressão social impondo a sua doutrina e limitando a liberdade de expressão dos outros.

2. O cartaz com o cristo não ataca pessoas, mas convicções. É uma forma de crítica perfeitamente legítima que apenas esbarra no sentido deturpado de sagrado e de liberdade de expressão dos religiosos (não todos, mas parece-me que serão a maioria).

cumprimentos aos dois

Miguel Madeira disse...

«Julgo que estão a confundir duas coisas distintas. A expressão de ideias ou de crenças, que deve ser livre, e os discursos (ou as imagens) que não visam principalmente expressar ideias ou crenças, mas sim magoar, humilhar, ou ferir, uma pessoa ou um grupo de pessoas (como é o caso da injuria ou da difamação).»

Parece-me uma distinção sem grande fundamento - imagine-se que eu digo que fulano é um patrão explorador; estou a expor ideias ou a ofender? Sobretudo em questões politicas e sociais, é raro haver uma ideia que não possa ser considerada ofensiva para alguém.

joão viegas disse...

Ola,

Desculpem mas so agora vi os vossos comentarios. A distinção existe, é operacional e é usada todos os dias nos tribunais :

"Fulano (patrão) roubou x euros aos seus trabalhadores, ilegalmente, numa acção que se qualifica como furto" = imputação de um facto contrario à honra ou ao bom nome = difamação, punivel (se for mentira, claro).

"Fulano(patrão) é um filho da ------" = injuria, considerada como uma agressão verbal, punivel.

"Fulano, enquanto patrão, vive da mais valia criada pelos trabalhadores da sua empresa, o que equivale a um roubo = expressão de uma opinião que não implica nem difamação, nem injuria e que, por conseguinte, é perfeitamente livre, não podendo dar lugar a sanção, civil ou penal.

A difamação e a injuria são punidas e ninguém considera este facto um problema do ponto de vista da liberdade de expressão. Isto, porque a distinção que mencionei permite separar a expressão de uma ideia ou opinião e o discurso que não tem principalmente este objectivo. Na pratica, é por vezes dificil distinguir, mas no plano dos principios, a linha de separação é clara.

Portanto ha "limites" à liberdade de expressão e o L tem razão quando aponta que a liberdade de expressão não consiste em poder-se dizer aquilo que se quer sem quaisquer limites. Tem também razão, quanto a mim, quanto ao ponto 2 do seu comentario. No caso em apreço, é evidente que não ha senão expressão de ideias no âmibito do debate politico, sem qualquer ofensa para pessoas ou um grupo de pessoas.

Abraço