17/07/19

Ler os Outros: Sobre a eleição de Von der Leyen

Acabou como é habitual o "processo" de eleição do Presidente da Comissão Europeia. Com o voto de António Costa e dos socialistas europeus a senhora Von der Leyen, alemã, do partido da senhora Merkel, irá liderar a Comissão nos próximos anos.

Analisar porque razão os socialistas optaram por esta solução quando podiam, com os votos da esquerda, eleger um dos seus deputados, é uma inutilidade. A história desgraçada de UE, a sua deriva anti-democrática, no sentido de se constituir como um poder à margem dos cidadãos, alimenta-se desde há muito deste tipo de opções políticas.

Talvez por isso se deva salientar que, apesar dos votos dos socialistas, a senhora Von der Leyen apenas foi eleita porque os 12 deputados dirigidos pelo senhor Orban nela votaram. Como refere Rui Tavares a eleição foi confirmada no Parlamento Europeu por apenas 9 votos. Nunca um Presidente foi eleito com tão pouca margem.
Haverá razões para justificar as opções políticas dos socialistas - fiéis às suas responsabilidades históricas na destruição do projecto europeu que tinham ajudado  a construir - mas não serão tão simplistas como afirmar-se que Von der Leyen mereceu cada voto que recebeu. Porque não podemos ignorar o significado político de certos votos, nomeadamente o dos neofascistas húngaros.

3 comentários:

Miguel Madeira disse...

"Analisar porque razão os socialistas optaram por esta solução quando podiam, com os votos da esquerda,"

Poderiam? Em primeiro lugar, o presidente da Comissão é votado pelo Parlamento, mas sob proposta do Conselho (isto é, dos chefes de governo da UE), e os socialistas não controlam o Conselho (deve haver para aí uns 3 ou 4 primeiros-ministros socialistas na Europeu) - é verdade que desde há algum tempo há uma espécie de luta informal entre o PE e o Conselho para decidir se esse poder do Conselho de nomear o presidente da Comissão é um poder real ou apenas uma formalidade (como o poder do nosso Presidente da República de nomear o primeiro-ministro), mas este ano parece ter triunfado a ideia de que o Conselho tem poder real.

E, de qualquer maneira, mesmo que triunfasse a visão parlamentarista, a esquerda (Socialistas + Verdes/Aliança Livre Europeia + Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica) tem uns 270 deputados em 751, logo uma "geringonça" pan-europeia não teria viabilidade matemática (dá-me a ideia que os que falam na esquerda europeia se juntar estão a contar também o grupo liberal, mas a que propósito? Vejam o site do partido-irmão português dos liberais europeus - não me parece ter muito em comum com a esquerda; quando muito nalgumas questões "de costumes", que de qualquer maneira não são da competência da UE).

Anónimo disse...

Avaliar a árvore pela qualidade dos seus frutos, "provar o pudim" é, sobretudo em política, sensato. Por outro lado a probabilidade de se cometer erros de avaliação é menor. Vejamos que UE vai sair desta escolha.

Não se tratando de alguém, numa lista de candidatos, eleito(a) como vencedor(a), directamente pela totalidade dos seus eleitores, merece sempre o benefício da dúvida.

Pedra de toque desta (nova) chefe de esta UE será, a curto prazo, a forma como irá reencetar diálogo com o (novo) poder político no Reino Unido. Pelos menos, dramático.

Até será fácil para todos, UE e UK, ser-se melhor quando comparada com a receita anacrónica do seu antecessor.
Sem um RU em pleno, qualquer UE terá os dias contados, com "quotas" em dia ou não.

José Guinote disse...

Meu caro Miguel a questão central que critiquei na posição dos socialistas é terem contribuído para eleger a senhora Von der Leyen. Fizeram-no colocando-se ao lado dos húngaros do Fidesz.
Nestas eleições para o Parlamento Europeu foi prometido - como esclarece o Rui TaVares no seu artigo - que os cidadãos iriam escolher o próximo presidente da Comissão. Houve três candidatos. Um deles o senhor Timmermans, apoiado pelos socialistas, fez até campanha em Portugal. Esta eleição representa afinal a continuação do "business as usual" e é isso que do meu ponto de vista merece repúdio. Repúdio político, claro. Mostra que para lá da retórica, em que Costa assume grande protagonismo, o que se aproveita da actuação práctica dos socialistas europeus é... zero.
Quanto à matemática eu diria que a senhora Von der Leyen foi eleita com os votos dos socialistas e dos húngaros, além do seu grupo político. Sem o apoio dos socialistas não teria sido eleita, isso parece-me claro.
Se a esquerda europeia não reunisse forças para eleger um candidato com um projecto diferente da senhora Von der Leyen, tinha a possibilidade de apresentar uma candidatura alternativa e lutar por ela. Talvez fosse possível construir uma plataforma para promover mudanças reais na política europeia. Bom sobre isso não serão apenas os socialistas a manifestarem serias reservas. Há "amizades" e "projectos políticos" que não se podem partilhar.