15/10/19

Ainda o PAN

Uma crítica que costuma ser feita ao PAN é de que não têm ideias fora dos assuntos da proteção dos animais e do ambiente; não sei se isso é verdade ou não (e aquela candidata que nem sabia o que o partido defendia para o salário mínimo não ajuda), mas, e se for?

Vamos lá ver - quase sempre que se discute uma "questão fraturante" no parlamento, o PSD dá liberdade de voto aos seus deputados (a maioria vota contra, mas a linha oficial do partido costuma ser... não ter linha oficial); também haverá outros assuntos em que os outros partidos não têm uma linha oficial. Portanto porque é que se há-de exigir que o PAN, como partido, tenha uma posição definida sobre todos os assuntos?

Na verdade, por detrás dessa conversa parece estar uma ideia de que questões importantes são a economia e afins (e por isso os partidos devem ter posição sobre elas), e que questões como ambiente ou touradas são fait-divers que no parlamento podem ser deixados à consciência individual de cada deputado - mas porque é que há de ser assim? Afinal, podíamos perfeitamente ter as coisas ao contrário - as grandes disputas políticas andarem à volta da proteção ambiental, com os principais partidos a posicionarem-se à volta disso (uns contra, outros a favor), e perante um pequeno partido cujo programa andava quase todo à volta de propostas para reforçar o "estado social", os outros partidos a acusá-lo de só falar nisso e não ter mais programa.

Afinal, tentem-se pôr nos pés de alguém que ache que a degradação do ambiente está a pôr em causa a vida na Terra tal como a conhecemos - para essa pessoa, isso será um assunto muito mais importante do que discussões sobre crescimento económico ou distribuição da riqueza (se nos extinguir-mos, para que serve o PNB?), logo é natural que ache que isso deva ser o ponto central de um programa política, e que as questões sócio-económicas (exceto nos pontos em que afetem o ambiente) são detalhes que podem ficar em segundo plano, com umas referências vagas aqui e ali (numa linha geral de que o que é importante é salvar o ambiente, e que, fora isso, podem coexistir no partido pessoas com diferentes opiniões sobre economia).

Ou, talvez ainda mais relevante, imaginem-se no lugar de alguém que dá aos outros animais (ou pelo menos aos animais dotados de sistema nervoso) o mesmo estatuto que aos humanos (nota: eu quase só como carne, uma das minhas comidas favoritas são caracóis, e tenho uma gata e uma dioneia, que, claro está, são carnívoras - ou seja, é difícil para mim tentar entrar na mente de um animalista radical): do seu ponto de vista, vivemos num mundo em que milhões de seres são mantidos aprisionados sem julgamento, frequentemente em condições precárias; muitas vezes são sujeitos a trabalhos forçados, ou infetados deliberadamente com doenças; e, claro, muitos são devorados por humanos, e por vezes cozinhados vivos; desse ponto de vista, é claro que a "libertação animal", para acabar como essa atrocidade generalizada, é um assunto muito mais prioritário do que questões económicas (que, de qualquer maneira, só dizem respeito a uma percentagem ínfima da população, já que só os rendimentos dos indivíduos pertencentes à subespécie Homo sapiens sapiens são contabilizados no PIB).

Aliás, se irmos para outro lado do espectro político, em questões como o aborto podemos dizer o mesmo - do ponto de vista de alguém que acha que um óvulo fecundado já é uma pessoa de pleno direito, claro que o que para ele é o assassínio sistemático a sangue-frio de crianças indefesas é uma problema muito mais grave do que questões económicas; da mesma forma, para alguém que acha que um óvulo ou um embrião ainda não são pessoas, prender mulheres por abortarem, ou sujeitá-las ao aborto clandestino (com os riscos associados), também é uma violência inaceitável, que talvez seja mais importante do que questões como subir ou não o salário mínimo.

Ou seja, faz tão sentido partidos políticos organizarem-se à volta de questões como o ambiente, ou o bem-animal (ou das "causas fraturantes", como me parece ser largamente o caso do PPV-CDC) e terem posições vagas sobre questões económicas como o oposto (se calhar até faz mais sentido - pelo menos questões como os direitos dos animais ou o aborto parecem-me andar à volta de juízos fortemente normativos, em que é relativamente fácil achar-se que do outro lado estão monstros, enquanto que as questões económicas e sociais tendem a ser mais técnicas e utilitárias, sendo mais fácil aceitar-se compromissos e cedências nestas últimas).

0 comentários: