Ao longo da história, quer deste feudo quer de outros, houve todo um conjunto de gente fixe que foi acusada de «traição à pátria». Utilizar tal menção honrosa no ataque a Gaspar é, no mínimo, ou falta de memória ou overdose de pátria. Convinha, deste ponto de vista, dar-lhe mais na classe do que na pátria. Com o risco de, qualquer dia, se acabar por fazer alianças com qualquer um - desde que seja da tal pátria. Tipo, sei lá, o Soares.
31/05/13
29/05/13
Da impossibilidade da nova "agenda" de Francisco Louçã
por
Miguel Serras Pereira
Várias vezes, nas discussões sobre o nacionalismo, a UE e as condições da democratização como via de saída da "crise", combate à oligarquia e alternativa à austeridade, que têm tido lugar neste blogue, tive ocasião de referir o bom fundamento dos argumentos de Francisco Louçã contra os defensores da saída do euro. Fui acompanhado neste juízo por alguns outros — aqui no Vias, foi sobretudo o caso do João Valente Aguiar —, e não vejo razões para me desdizer.
O problema da posição de Francisco Louçã, que se torna ainda mais sensível no texto um tanto rebarbativamente intitulado "Uma agenda não-condescendente para o debate da dívida e do euro" que há dias publicou no Esquerda.net, é que, depois de sublinhar embora que a "saída organizada" da moeda única não passa de uma fantasia, em vez de concluir que a alternativa à ruptura unilateral do euro passa por uma via federalista de integração orçamental, fiscal e dos "direitos sociais", que, como escreve algures Viriato Soromenho Marques, retire poderes aos governos nacionais reforçando a participação dos cidadãos, adopta uma perspectiva de oposição incondicional a novas transferências de soberania. O que, evidentemente, contradiz sem remédio a sua posição no debate sobre o euro.
Com efeito, das duas — uma:
ou 1) , ao alinhar com os defensores da recuperação ou restauração da "independência nacional", Francisco Louçã deverá reconhecer que esse desígnio implica a exigência — claramente formulada pelo PCP, por exemplo — da ruptura unilateral com o euro, tendo como meta a destruição da UE, porque a verdade é que, enquanto permanecer na zona euro, o Estado português não disporá de soberania monetária plena;
ou 2), se quiser manter as boas razões que o têm levado a opor-se à via estipulada nomedamente pelo PCP, terá de admitir que as "regras comuns e cooperação reforçada", cuja necessidade ele próprio proclama, pressupõem instâncias de deliberação e decisão "europeias" que, por seu turno, ou a) se farão assegurando um controle acrescido e directo dos cidadãos da UE enquanto tais, no quadro de uma integração política que potencie as suas capacidades de participação, ou b), sem evitar de resto as "transferências de soberania", ainda que dissimulando-as, agravarão o carácter antidemocrático da actual governação europeia.
O problema da posição de Francisco Louçã, que se torna ainda mais sensível no texto um tanto rebarbativamente intitulado "Uma agenda não-condescendente para o debate da dívida e do euro" que há dias publicou no Esquerda.net, é que, depois de sublinhar embora que a "saída organizada" da moeda única não passa de uma fantasia, em vez de concluir que a alternativa à ruptura unilateral do euro passa por uma via federalista de integração orçamental, fiscal e dos "direitos sociais", que, como escreve algures Viriato Soromenho Marques, retire poderes aos governos nacionais reforçando a participação dos cidadãos, adopta uma perspectiva de oposição incondicional a novas transferências de soberania. O que, evidentemente, contradiz sem remédio a sua posição no debate sobre o euro.
Com efeito, das duas — uma:
ou 1) , ao alinhar com os defensores da recuperação ou restauração da "independência nacional", Francisco Louçã deverá reconhecer que esse desígnio implica a exigência — claramente formulada pelo PCP, por exemplo — da ruptura unilateral com o euro, tendo como meta a destruição da UE, porque a verdade é que, enquanto permanecer na zona euro, o Estado português não disporá de soberania monetária plena;
ou 2), se quiser manter as boas razões que o têm levado a opor-se à via estipulada nomedamente pelo PCP, terá de admitir que as "regras comuns e cooperação reforçada", cuja necessidade ele próprio proclama, pressupõem instâncias de deliberação e decisão "europeias" que, por seu turno, ou a) se farão assegurando um controle acrescido e directo dos cidadãos da UE enquanto tais, no quadro de uma integração política que potencie as suas capacidades de participação, ou b), sem evitar de resto as "transferências de soberania", ainda que dissimulando-as, agravarão o carácter antidemocrático da actual governação europeia.
24/05/13
O campo libertário, hoje
por
Pedro Viana
Apareceu, hoje, no Passa Palavra, um artigo interessante (O campo libertário, hoje) que tenta enquadrar as várias declinações, incluindo anarquistas e autonomistas, que se podem encontrar no seio da Esquerda libertária ou anti-autoritária.
"É bem verdade que vários debates vêm acontecendo, mas ainda falta muito para que certos dilemas e certos limites sejam enfrentados, entre os quais a persistente fragmentação do campo libertário, cujas fraturas não raro são realimentadas por intolerância, exclusivismo e sectarismo"
"É bem verdade que vários debates vêm acontecendo, mas ainda falta muito para que certos dilemas e certos limites sejam enfrentados, entre os quais a persistente fragmentação do campo libertário, cujas fraturas não raro são realimentadas por intolerância, exclusivismo e sectarismo"
Palhaços de Todo o Mundo Apresentam Queixa-Crime contra Miguel Sousa Tavares…
por
Miguel Serras Pereira
…considerando que as suas declarações ao Jornal de Negócios são difamatórias e configuram um crime de ofensa à honra da profissão.
Sobre o empreendedorismo
por
Pedro Viana
Empreendedorismo é um neologismo, criado para reforçar a ilusão de que o Capitalismo é um sistema onde qualquer pessoa pode enriquecer, bastando para isso ter iniciativa. Sendo este último conceito tido habitualmente como positivo, não devia espantar a dificuldade à Esquerda em construir um discurso capaz de desmontar a ilusão do empreendedorismo. Não que muitos nessa Esquerda se importem. Há sem dúvida quem prefira atirar sempre com a mesma "cassete", ensaiada vezes sem conta, até porque lhes parece mais confortável a "sua barricada", em vez de optar por construir uma narrativa que não contrariando frontalmente o "senso-comum", leve as pessoas a reflectir sobre as suas convicções.
No entanto, a dificuldade acima descrita, também decorre da ausência duma visão alternativa do tipo de relações económicas desejadas numa sociedade, e em particular, que possa ser apresentada de modo simples e facilmente apreendida no âmbito duma discussão pública. É que não basta dizer, ou insinuar, que não queremos empreendedores. Á maior parte das pessoas isso soa o mesmo que afirmar que não queremos que exista quem tenha iniciativa, implicitamente deixando a entender que no tipo de sistema económico desejado as pessoas não precisariam de a ter porque haveria um Estado omnipresente que a todos empregaria. Para quem, como eu (e o Libertário), não acha tal desejável, a ênfase deve então ser colocada no interesse social da iniciativa individual, que é importante, mas apenas se as consequências forem socialmente positivas, o que requer cooperação entre todos os envolvidos, democracia na tomada de decisões e justiça na distribuição dos resultados obtidos.
23/05/13
A RPC enjaula mendigos em defesa dos direitos dos turistas e da liberdade religiosa
por
Miguel Serras Pereira
Mendigos encerrados en jaulas. La escena se ha podido ver en China, concretamente en la provincia de Jiangxi, donde las autoridades han recluido tras los barrotes a los indigentes para evitar que molesten a los turistas pidiendo limosna.
Tal y como informa el portal Minutouno.com, los vagabundos han sido enjaulados debido a que en esta región china se celebra un festival religioso y las autoridades locales no quieren que los visitantes se sientan incómodos. Aunque han explicado que "la medida es transitoria" mientras dure el festival, previamente advirtieron que "serán expulsados de la ciudad" quienes no la acaten. Según un portavoz, los mendigos "están de lo más cómodos" y están siendo alimentados con agua y comida. "Cuando se cansen pueden retirarse y abandonar la ciudad", apuntó.
Suponho que haverá quem comente, à direita, que o objectivo da medida é defender a liberdade turística e religiosa, e, à esquerda, que, se os mendigos fossem fuzilados, seria pior…
O "caso Martim"
por
Miguel Madeira
Na polémica há volta do debate entre Martim Neves e Raquel Varela, acho que ninguém está a discutir o que para mim é o ponto essencial: a solução de alguém criar a sua própria empresa é generalizável (ou mesmo simplesmente ampliável), ou será que a economia comporta apenas um numero limitado de micro-empresas?
Se for o segundo caso, a promoção do "empreendedorismo" pouco mais implicará que muitos "empreendedores" falidos.
De qualquer forma, há um dado inegável - os países capitalistas mais desenvolvidos são os que têm um maior grau de proletarização (isto é, menos trabalhadores por conta própria); será que poderemos assim concluir que o discurso da promoção do "empreendedorismo" vai (talvez infelizmente, mas isso é outra história) contra os ventos da história?
Se for o segundo caso, a promoção do "empreendedorismo" pouco mais implicará que muitos "empreendedores" falidos.
De qualquer forma, há um dado inegável - os países capitalistas mais desenvolvidos são os que têm um maior grau de proletarização (isto é, menos trabalhadores por conta própria); será que poderemos assim concluir que o discurso da promoção do "empreendedorismo" vai (talvez infelizmente, mas isso é outra história) contra os ventos da história?
22/05/13
A próxima batalha civilizacional?
por
Miguel Madeira
O direito ao casamento entre pessoas de gerações diferentes?
Bolívia - Morales contra a sua base?
por
Miguel Madeira
In Bolivia, Morales faces a challenge from below, por Jerome Roos:
The quasi-socialist government of Evo Morales in Bolivia is facing a popular challenge from below. Since May 6, tens of thousands of striking miners, teachers and health workers have been marching through the streets of major Bolivian cities, clashing with riot police, paralyzing traffic, and confronting government officials in front of ministry buildings. A group of miners even set off dynamite in the streets of La Paz during violent clashes last week, while another tried to occupy the national airport to force the state into concessions.Outra forma de ver a coisa é se não sei se não haverá aqui um conflito entre operários (ou assalariados em geral) e camponeses (pelo menos, pelo texto parece que Morales está a contar com o apoio dos indios aymara). De qualquer maneira, com os defeitos que tenha, Morales (com a sua ligação aos movimentos sociais) sempre me pareceu um caso mais interessante que o chavismo venezuelano, com o seu culto do líder e a visão de uma transformação social muito a partir "de cima" (em parte, é a diferença entre um lider de uma associação de camponeses e um ex-militar golpista).
The general strike and mass protests are part of an attempt by workers organized through the Bolivian Workers’ Central (Central Obrera Boliviana) to secure higher pensions so poor Bolivians can retire in dignity. Despite running a surplus, however, Morales’ government has so far insisted that a rise in public pensions would deplete government revenues, and has in turn cracked down on the protests and called on its main popular support base — the indigenous Aymara people from the highlands — to contest the striking workers in the streets. (...)
Upon coming to power, Morales himself lamented that “the worst enemy of humanity is capitalism,” and claimed that “this is what provokes uprisings like our own, a rebellion against a system, against a neo-liberal model, which is the representation of a savage capitalism.” But rather than making a concerted move towards the abolition of the system that had spawned his rebellion — by supporting the devolution of power to the movements, peasant communities and working places — Morales has sought to centralize power within the state apparatus and the presidency in an attempt to strengthen the “developmental state” and support a process of “endogenous” capitalist development.
Former Vice-President Álvaro García referred to this approach as “Andean and Amazonian capitalism”, and confirmed that “the MAS is in no sense seeking to form a socialist government.” When asked what the Bolivian model is truly about then, García simply answered: “A strong state, and that is capitalism … It isn’t even a mixed system.” The greatest irony, perhaps, is that García is a renowned Marxist intellectual who defends this capitalist route precisely on the basis of the teleological argument that a pre-industrial society like Bolivia’s could never move beyond the capitalist mode of production and should therefore embrace capital to stimulate domestic development. (...)
Perhaps, then, the “Pink Tide” that has swept leftist leaders into office across Latin America over the past decade is precisely that: a diluted form of red, watered down to the point of degrading into a caudillo-run project of nationalist-populist state capitalism — where the only hope for truly revolutionary social change resides with those who made it all possible to begin with: the people of Latin America, and the grassroots social movements that unite them in all their beautiful diversity.
20/05/13
O Poder do Dinheiro
por
Pedro Viana
O artigo de seguida transcrito elucida de modo muito claro o imenso Poder que o sistema bancário possui hoje em dia. Não sendo de esperar que governos profundamente capturados pelos plutocratas que dominam tal sistema o coloquem em causa, poderão ser iniciativas como esta, um dos exemplos mais recentes dum movimento cada vez mais global, a abalar o sistema.
The Money Revolution
by Oliver Tickell
The United States Declaration of Independence affirms the people’s right to “life, liberty and the pursuit of happiness”. But the pursuit of money is a far more obvious concern in most people’s lives. Money now, happiness later! Although the quest for money is perhaps the leading human preoccupation of modern times, very few of us truly know what it is, or understand the laws that govern it. And that’s not just ordinary people. Economic ignorance is almost a qualification for the highest office in governments, treasuries and central banks. To appreciate this, just listen to almost anything George Osborne has to say on the subject – as he blindly drives the UK economy into a continued and deepening recession.
Take one example: his insistence that because the UK economy is in recession, and tax revenues are consequently reduced, the government must cut its spending. This would of course be true if a government’s role in an economy was that of an individual, family or company. But there are important differences whose effect makes Osborne’s dictum not just wrong, but the very reverse of the truth. During recessions the role of government is precisely to increase spending – and especially on long-lived assets (of many kinds) that will contribute to future wellbeing, prosperity, efficiency and resilience.
This simple fact is of enormous importance. It means that all the suffering imposed on the UK, and on other countries stuck in the same obsolete policy framework, is unnecessary. It serves no useful purpose, but is rather the cause of huge falls in the standards of public service, for no corresponding benefit.
18/05/13
O Estado e a Nação – II. O estado da Nação
por
João Valente Aguiar
Excerto da segunda parte de um artigo publicado na íntegra aqui no Passa Palavra.
«Só o objectivo de colocar as lutas sociais ao serviço de um projecto político de renovação das elites dominantes pode explicar a exponenciação estatista e nacionalista que a esquerda tem levado a cabo. Precisamente quando o actual contexto deriva totalmente de mecanismos económicos típicos do capitalismo (austeridade como face da destruição de valor; programa de reajustamento assente no ataque a direitos, empregos e remunerações dos trabalhadores; articulação entre crédito e actividade económica, etc.) e, portanto, num contexto em que a identificação do carácter explorador do capitalismo é mais visível, a esquerda decide concentrar as suas baterias nos temas da soberania nacional e da luta contra a destruição do Estado-Nação. Creio que nada poderia ser mais elucidativo dos comportamentos políticos da esquerda do que esta aposta na colocação das causas da crise económica no plano do confronto entre nações.
Em vez de procurar apresentar aos trabalhadores os mecanismos económicos fundamentais que estão na base das dificuldades actuais da sua condição de vida, a esquerda prefere lançar a bandeira da recuperação da soberania nacional… Como se uma comunidade territorial e cultural estivesse em causa num contexto de crise económica… E, pior, como se houvesse algum interesse para a luta dos trabalhadores contra o capitalismo que essa mesma comunidade nacional sobrevivesse… Como se o que aflige actualmente a vida da maioria dos trabalhadores fosse causa de uma luta entre países, e não de mecanismos típicos da economia capitalista. Muitos dos que raciocinam neste quadro nem sequer se lembram de que existem trabalhadores nos países do norte da Europa. Trabalhadores que partilham a mesma condição de exploração económica e que são alvo de medidas de austeridade e de precariedade laboral que em nada diferem das que sofrem os trabalhadores no sul da Europa. Quando a esquerda bate na tecla da soberania portuguesa, grega e italiana contra a pretensa ingerência dos países mais poderosos da União Europeia, não é contra os capitalistas que está a lutar. Nem sequer contra as medidas políticas definidas contra os trabalhadores. De facto, quando a esquerda actua dessa forma é a divisão internacional dos trabalhadores que está a propagar. E é igualmente a união dos trabalhadores com sectores capitalistas de um país (contra os trabalhadores de outros países) que essa esquerda está a promover».
«Só o objectivo de colocar as lutas sociais ao serviço de um projecto político de renovação das elites dominantes pode explicar a exponenciação estatista e nacionalista que a esquerda tem levado a cabo. Precisamente quando o actual contexto deriva totalmente de mecanismos económicos típicos do capitalismo (austeridade como face da destruição de valor; programa de reajustamento assente no ataque a direitos, empregos e remunerações dos trabalhadores; articulação entre crédito e actividade económica, etc.) e, portanto, num contexto em que a identificação do carácter explorador do capitalismo é mais visível, a esquerda decide concentrar as suas baterias nos temas da soberania nacional e da luta contra a destruição do Estado-Nação. Creio que nada poderia ser mais elucidativo dos comportamentos políticos da esquerda do que esta aposta na colocação das causas da crise económica no plano do confronto entre nações.
Em vez de procurar apresentar aos trabalhadores os mecanismos económicos fundamentais que estão na base das dificuldades actuais da sua condição de vida, a esquerda prefere lançar a bandeira da recuperação da soberania nacional… Como se uma comunidade territorial e cultural estivesse em causa num contexto de crise económica… E, pior, como se houvesse algum interesse para a luta dos trabalhadores contra o capitalismo que essa mesma comunidade nacional sobrevivesse… Como se o que aflige actualmente a vida da maioria dos trabalhadores fosse causa de uma luta entre países, e não de mecanismos típicos da economia capitalista. Muitos dos que raciocinam neste quadro nem sequer se lembram de que existem trabalhadores nos países do norte da Europa. Trabalhadores que partilham a mesma condição de exploração económica e que são alvo de medidas de austeridade e de precariedade laboral que em nada diferem das que sofrem os trabalhadores no sul da Europa. Quando a esquerda bate na tecla da soberania portuguesa, grega e italiana contra a pretensa ingerência dos países mais poderosos da União Europeia, não é contra os capitalistas que está a lutar. Nem sequer contra as medidas políticas definidas contra os trabalhadores. De facto, quando a esquerda actua dessa forma é a divisão internacional dos trabalhadores que está a propagar. E é igualmente a união dos trabalhadores com sectores capitalistas de um país (contra os trabalhadores de outros países) que essa esquerda está a promover».
16/05/13
O Estado e a Nação - I. A noção de Estado
por
João Valente Aguiar
De que falamos quando falamos do Estado, do mercado e das empresas? Serão assim tão contraditórios entre si como afirma a teoria liberal (e como uma boa parte da esquerda defende)? No seguinte excerto da primeira parte de um artigo meu publicado na semana passada no Passa Palavra, defendo que a crítica da sociedade actual deve ancorar-se numa dupla crítica: na crítica da economia capitalista e na crítica do Estado. De facto, quando o Estado e as empresas funcionam em torno do princípio geral de poder total dos "governantes sobre os governados" (como afirma o caríssimo Miguel Serras Pereira), então porque esse princípio seria condenável quando desenvolvido pelo mercado, mas já seria aceitável se estimulado pelo Estado? No final de contas, não estaremos a falar da mesma coisa?
«Com efeito, não só o Estado tem uma dimensão de classe como, ao mesmo tempo, a sua estrutura interna implica sempre a constituição de uma burocracia política (governo, parlamento, etc.), de uma tecnocracia (gestores e directores dos serviços de finanças, segurança social, ordenamento do território, etc.) e de corpos especializados de repressão para “manter a ordem”.
«Com efeito, não só o Estado tem uma dimensão de classe como, ao mesmo tempo, a sua estrutura interna implica sempre a constituição de uma burocracia política (governo, parlamento, etc.), de uma tecnocracia (gestores e directores dos serviços de finanças, segurança social, ordenamento do território, etc.) e de corpos especializados de repressão para “manter a ordem”.
É porque o Estado é de alguns, e porque se organiza verticalmente, que tem de aparentar ser de todos. E enquanto existir a percepção de que o Estado seria de todos e que não seria imanentemente hierárquico, não é só o capitalismo que se mantém intacto, mas é a própria estrutura política do Estado que funciona como a válvula de escape para as dificuldades do dia-a-dia dos trabalhadores. Por conseguinte, o Estado mais não é do que uma empresa de coordenação logística e política das várias fracções das classes dominantes. Tal como hoje em dia o FMI, o BIS, o BCE, a OMC, etc. o são ainda mais à escala transnacional. Aliás, espanta-me os que à esquerda defendem acriticamente o Estado mas que se indignam com estas organizações internacionais, esquecendo que, em boa medida, elas são o desenvolvimento espacial óbvio e inevitável do modo de funcionamento hierárquico, unidireccional e de classe dos próprios Estados nacionais.
Contudo, como o Estado tem a aura de representação do interesse geral, e como correlativamente o Estado pretensamente tem os seus órgãos de poder eleitos, quase todos consideram o Estado como algo muito diferente das grandes empresas ou das instituições transnacionais. Não descarto diferenças, mas elas são fundamentalmente ideológicas e jurídico-políticas e não propriamente estruturais (modo de organização interno) e sociais (papel de coordenação das classes dominantes).
Por conseguinte, serão estas diferenças assim tão importantes para que à esquerda tenhamos de preferir impreterivelmente o Estado às instituições privadas? O Estado e as empresas partilham modos de funcionamento interno cada vez mais similares. Com o neoliberalismo, os critérios de rentabilidade típicos das empresas privadas expandiram-se de tal modo que empresas até há pouco tempo controladas ou com participação do Estado não alteraram o seu funcionamento depois das privatizações. Descontando as mudanças dos accionistas, o modo de funcionamento de uma PT, de uma EDP ou de uma Galp era, no fundamental, exactamente o mesmo que existe hoje. Ou seja, os critérios de rentabilidade económica e os princípios de hierarquização e de concentração do poder de gestão dos processos de trabalho são cada vez mais partilháveis por empresas e pelo Estado.
O Estado e as empresas são dois braços de um mesmo corpo, não dois corpos autónomos».
Contudo, como o Estado tem a aura de representação do interesse geral, e como correlativamente o Estado pretensamente tem os seus órgãos de poder eleitos, quase todos consideram o Estado como algo muito diferente das grandes empresas ou das instituições transnacionais. Não descarto diferenças, mas elas são fundamentalmente ideológicas e jurídico-políticas e não propriamente estruturais (modo de organização interno) e sociais (papel de coordenação das classes dominantes).
Por conseguinte, serão estas diferenças assim tão importantes para que à esquerda tenhamos de preferir impreterivelmente o Estado às instituições privadas? O Estado e as empresas partilham modos de funcionamento interno cada vez mais similares. Com o neoliberalismo, os critérios de rentabilidade típicos das empresas privadas expandiram-se de tal modo que empresas até há pouco tempo controladas ou com participação do Estado não alteraram o seu funcionamento depois das privatizações. Descontando as mudanças dos accionistas, o modo de funcionamento de uma PT, de uma EDP ou de uma Galp era, no fundamental, exactamente o mesmo que existe hoje. Ou seja, os critérios de rentabilidade económica e os princípios de hierarquização e de concentração do poder de gestão dos processos de trabalho são cada vez mais partilháveis por empresas e pelo Estado.
O Estado e as empresas são dois braços de um mesmo corpo, não dois corpos autónomos».
Mariana Mortágua sobre o euro
por
Pedro Viana
Mais uma excelente contribuição para a discussão sobre qual a melhor estratégia na eventualidade do governo dum Estado dentro da zona euro pretender confrontar a política austeritária prevalecente nas instituições da União Europeia, em particular no seio do Banco Central Europeu.
Recusar a chantagem, financiar o Estado. E o euro?!
"E expulsam-nos do euro?
Não é de esperar que esta, tal como todas as opções que não incluam o cumprimento do memorando, possam agradar ao Banco Central Europeu. A questão que se coloca é: o que é que o BCE pode fazer para o evitar.
Em primeiro lugar pode retirar a dívida pública portuguesa da lista de colateral aceitável. Nesse caso os bancos portugueses terão de recorrer ao mecanismo de apoio de emergência à liquidez do BCE que não tem imposições de colateral (os bancos Irlandeses fazem-no há dois anos).
Em segundo lugar, pode retirar o sistema bancário português do sistema de pagamentos do Eurosistema. Na prática, implica que os bancos não têm mais como fazer pagamentos internacionais, ou seja, que o Banco de Portugal tem de atuar por sua conta e risco. Por miúdos, significa que Portugal é forçado a abandonar o euro. E esta é a derradeira ameaça.
A partir do momento em que aceitamos que não existe saída para a crise no quadro da austeridade e do memorando da Troika – e isso parece óbvio – qualquer solução viável implica uma confrontação com as autoridades europeias. É por isso que a saída para o problema só pode ser feita no quadro de um Governo de esquerda com uma forte base popular. É também por isso que esse governo se deve preparar para qualquer eventualidade."
Mais discussão sobre o tema pode ser encontrada na edição mais recente do Le Monde Diplomatique - versão portuguesa.
Recusar a chantagem, financiar o Estado. E o euro?!
"E expulsam-nos do euro?
Não é de esperar que esta, tal como todas as opções que não incluam o cumprimento do memorando, possam agradar ao Banco Central Europeu. A questão que se coloca é: o que é que o BCE pode fazer para o evitar.
Em primeiro lugar pode retirar a dívida pública portuguesa da lista de colateral aceitável. Nesse caso os bancos portugueses terão de recorrer ao mecanismo de apoio de emergência à liquidez do BCE que não tem imposições de colateral (os bancos Irlandeses fazem-no há dois anos).
Em segundo lugar, pode retirar o sistema bancário português do sistema de pagamentos do Eurosistema. Na prática, implica que os bancos não têm mais como fazer pagamentos internacionais, ou seja, que o Banco de Portugal tem de atuar por sua conta e risco. Por miúdos, significa que Portugal é forçado a abandonar o euro. E esta é a derradeira ameaça.
A partir do momento em que aceitamos que não existe saída para a crise no quadro da austeridade e do memorando da Troika – e isso parece óbvio – qualquer solução viável implica uma confrontação com as autoridades europeias. É por isso que a saída para o problema só pode ser feita no quadro de um Governo de esquerda com uma forte base popular. É também por isso que esse governo se deve preparar para qualquer eventualidade."
Mais discussão sobre o tema pode ser encontrada na edição mais recente do Le Monde Diplomatique - versão portuguesa.
14/05/13
Sacana
por
Pedro Viana
Passos diz que as novas medidas não se aplicam "à generalidade" dos cidadãos.
O apelo ao egoísmo no seu estado mais puro. Olhem para o lado, relaxem, não estamos a ir atrás de vocês. É melhor fecharem os olhos, porque o que vamos fazer àqueles, uma pequena minoria insignificante de "sanguessugas", não vai ser bonito. Variantes deste mesmo discurso já foram ouvidas muitas vezes ao longo da História, e os resultados falam por si.
09/05/13
Os desempregados do sector público são 1,9% do total de desempregados?
por
Miguel Madeira
Corre por aí uma frase feita segundo a qual "os desempregados do sector público são 1,9% do total dos desempregados" (exemplo 1, exemplo 2). Aparentemente, a origem do "meme" é uma entrevista de Paulo Trigo Pereira ao Sol, em que este diz:
Na verdade, o que eu suspeito é que, muito provavelmente, as estatisticas do IEFP não estarão por sector de origem, mas por profissão (havendo provavelmente uma categoria profissional chamada "quadros superiores da administração pública"), e o que Paulo Trigo Pereira terá feito terá sido, pelas profissões, tentar deduzir se vinham do público ou do privado - como os auxiliares de ação médica do SNS irão para uma categoria chamada "outro pessoal pouco qualificado" ou coisa parecida, onde se misturam com serventes da construção civil desempregados (oriundos no sector privado), não são visiveis nas estatísticas (da mesma forma, provavelmente os professores do ensino privado desempregados estarão contados nos "13,3 mil").
"Em Fevereiro, tínhamos 700 mil desempregados registados no continente. Destes, 13,3 mil são professores do Ensino Básico e Secundário e 154 são quadros superiores da administração pública. Ou seja, os desempregados oriundos do sector público são apenas 1,9%. "E no sector público só há pessoas com essas profissões? Eu pelo menos sei de auxiliares de acção médica do SNS que foram para o desemprego; admito que possam já ter arranjado emprego, mas duvido muito que não haja auxiliares de ação médica desempregados (não sei se são muitos ou poucos, mas uma estimativa dos desempregados oriundos do sector público que os ignora não me parece rigorosa)
Na verdade, o que eu suspeito é que, muito provavelmente, as estatisticas do IEFP não estarão por sector de origem, mas por profissão (havendo provavelmente uma categoria profissional chamada "quadros superiores da administração pública"), e o que Paulo Trigo Pereira terá feito terá sido, pelas profissões, tentar deduzir se vinham do público ou do privado - como os auxiliares de ação médica do SNS irão para uma categoria chamada "outro pessoal pouco qualificado" ou coisa parecida, onde se misturam com serventes da construção civil desempregados (oriundos no sector privado), não são visiveis nas estatísticas (da mesma forma, provavelmente os professores do ensino privado desempregados estarão contados nos "13,3 mil").
Excelente exercício crítico de simpatia do Passa Palavra pelas Edições Antipáticas
por
Miguel Serras Pereira
O João Valente Aguiar já chamou a atenção no Vias de Facto para a importância do documento Sobre a passagem de alguns milhares de pessoas por um breve período de tempo recentemente publicado pelas Edições Antipáticas. Essa importância também não passou desapercebida ao colectivo do Passa Palavra, que lhe consagra uma leitura levantando, a partir de uma convergência de perspectivas inequívoca, uma série de questões cuja pertinência é incontornável para todos os que apostam no anticapitalismo como condição necessária da democratização — e /ou na democratização como condição necessária do anticapitalismo. Aqui ficam, pois, os dois últimos pontos da análise Simpatia pela Antipatia proposta pelo Passa Palavra, a entender também como reforço da chamada de atenção do JVA para o documento das Edições Antipáticas.
Não obstante estes aspectos, importa referir que o desenvolvimento autónomo das lutas só prosseguirá se se verificarem pelo menos mais duas condições imprescindíveis. Em primeiro lugar, tem de ser constante a crítica às organizações e às práticas que, vindas de onde vierem, tenderão a conduzir as lutas para a colocação de novos gestores no aparelho de Estado. Com todos os efeitos que isso comporta para o amarrar das mobilizações de trabalhadores à política estatal. Em segundo lugar (…) a autonomia das lutas sociais só pode expandir-se se a classe trabalhadora conseguir introduzir focos de contestação a partir dos locais de trabalho e dentro deles.
Antes de abordarmos este segundo ponto com maior detalhe, foquemo-nos no primeiro. Assim sendo, a crítica à CGTP (e a todas as organizações burocráticas) não se pode cingir ao seu objectivo de hetero-organização das lutas, não obstante este ser um aspecto com que nós concordamos a 100%. A crítica às organizações burocráticas será tanto mais frutífera quanto for capaz de se complementar com a crítica ao nacionalismo e à capacidade de o Partido Comunista Português (PCP) e a CGTP influenciarem umas poucas centenas de milhares de trabalhadores. É nossa convicção que uma coisa não faz sentido sem a outra. De facto, como todas as organizações burocráticas, o PCP não quer apenas desorganizar as lutas. Em termos de actuação nas lutas sociais, o seu propósito é o de que as manifestações de rua se conformem ao modelo de uma massa compacta de indivíduos atomizados. Assim sendo, este tipo de desorganização das lutas de rua não é um fim em si mesmo, mas busca fornecer respaldo popular e de rua ao seu projecto de um capitalismo de Estado.
Nesse aspecto, importa destacar muito sumariamente dois itens. O primeiro vincula-se com o facto de o PCP continuar totalmente apegado ao saudosismo das experiências de desorganização e de repressão da classe trabalhadora a partir da intervenção do aparelho de Estado (URSS, Cuba, etc.). Nesse sentido, o programa que o PCP propõe não rompe em nada com os modelos repressivos e burocráticos do passado. Derivado do anterior, mas projectado na actual conjuntura europeia, o segundo item relaciona-se com o propósito do PCP (e de várias personalidades que seguem no mesmo pelotão) de atirar os trabalhadores que vivem em Portugal para uma solução nacionalista, isolacionista e que em nada travaria a austeridade. Pelo contrário, iria agravá-la muitíssimo e transportaria perigos políticos e humanos inultrapassáveis por décadas (…).
Verdade seja dita que esta dinâmica desorganizadora das lutas dos trabalhadores não é exclusiva do PCP. Aqui referimo-nos sobretudo ao PCP na medida em que é a maior força eleitoral e social da esquerda. E porque, em termos organizativos e políticos, o PCP é tomado como modelo por grande parte da esquerda. A competição mais ou menos consciente, e eventualmente mais desejada do que real, pelo controlo das lutas não é sinónimo de oposição aos princípios de burocratização dessas lutas. De facto, os princípios estruturais de tentativa de desarticulação das lutas sociais e a condução das lutas para projectos de revigoramento de novas hierarquias sobre os trabalhadores aplicam-se quase ponto por ponto a praticamente todas as organizações, movimentos e partidos da esquerda portuguesa (BE, MRPP, MAS, Rubra, MSE, 15O, QSLT, PI, etc.). A crítica que todos eles fazem ao PCP é a mesma que as pequenas empresas fazem aos oligopólios: serem grandes demais…
Somando as cerca de duas centenas de milhares de pessoas que o PCP e a CGTP conseguiram mobilizar nas suas manifestações de rua mais bem-sucedidas, com as tentativas de controlo das lutas de rua por boa parte dos restantes movimentos aquando das manifestações de 15 de Setembro e de 2 de Março, temos um cenário potencialmente perigoso para o avanço de lutas autónomas dos trabalhadores. Só da crítica das práticas de hetero-organização, das organizações que as desenvolvem e das potencialidades e dos riscos políticos inscritos nos seus projectos, poderá a luta do conjunto de todos os trabalhadores avançar.
(…)
Mas não basta a crítica política à esquerda burocrática e/ou parlamentar. Importa também compreendermos todos que se a rua é um importante espaço de lutas, ele está longe de ser o único e até o principal. Nesse capítulo, discutir as virtudes da rua (que as tem, na medida em que articula, numa fase inicial, sectores dispersos como os estivadores, os desempregados, etc.), mas sem discutir a ausência de lutas nos locais de trabalho é, do nosso ponto de vista, insuficiente. É verdade que todas as esferas são dominadas pelos capitalistas e que os ócios se tornaram espaços de preparação e de formação para o trabalho. Todavia, as relações de trabalho que estruturam a exploração económica não se desenrolam no espaço público, mas dentro das empresas.
É bom lembrar que, apesar de algumas nuances, todas as ondas revolucionárias do passado despoletadas pela acção espontânea dos trabalhadores colocaram como objectivo a crítica da produção capitalista. Isto é, ou o monopólio das funções de gestão e de direcção do processo de trabalho por parte dos proprietários e dos gestores é de alguma forma colocado em causa pelos trabalhadores, ou os limites estruturais de uma dada mobilização terão de ser tomados em linha de conta.
Salientamos portanto que:
a) Neste aspecto a circunscrição das actuais lutas à rua pode ser interpretada como um sinal das enormes dificuldades com que os trabalhadores se têm defrontado noutros espaços. No quadro da reorganização toyotista da produção, com a sofisticação da repressão e da vigilância das empresas numa escala realmente global, com a segmentação transnacional das cadeias produtivas e com a precariedade laboral associada, as lutas da classe trabalhadora têm tido condicionalismos de monta para se desenvolverem dentro dos locais de trabalho.
b) Não se trata de atribuir qualquer carácter negativo às lutas na rua, bem pelo contrário. Trata-se, isso sim, de chamar a atenção para o facto de que, numa hipotética situação-limite, as ruas até poderiam ser tomadas pelos trabalhadores. Mas se uma determinada mobilização não for capaz de parar ou sequer beliscar a produção capitalista, então como poderá o capitalismo ser superado?
Para se desenvolverem na actualidade as lutas autónomas enfrentam, sem dúvida, muitos obstáculos, que se expressam em dois grandes planos; no plano externo, a organização transnacional da produção capitalista face à fragmentação nacional das lutas sociais; no plano interno à própria classe trabalhadora e à esquerda que se considera anticapitalista, os ímpetos de controlo e de desorganização das lutas dos trabalhadores a partir de organizações burocráticas de variado tipo.
Mas, se os obstáculos são colossais, o potencial de luta existente também o é. As respostas das lutas anticapitalistas sempre se deslocaram no sentido de tentar superar as dificuldades que a malha institucional do capitalismo vai colocando às possibilidades de auto-organização dos trabalhadores. Não sabemos como será a próxima resposta dos trabalhadores. Sabemos, contudo, que no confronto entre os princípios antagónicos de organização da sociedade expressos por trabalhadores e capitalistas, a espiral de conflitos tem-se concretizado numa subida da parada. Venha ela!
Não obstante estes aspectos, importa referir que o desenvolvimento autónomo das lutas só prosseguirá se se verificarem pelo menos mais duas condições imprescindíveis. Em primeiro lugar, tem de ser constante a crítica às organizações e às práticas que, vindas de onde vierem, tenderão a conduzir as lutas para a colocação de novos gestores no aparelho de Estado. Com todos os efeitos que isso comporta para o amarrar das mobilizações de trabalhadores à política estatal. Em segundo lugar (…) a autonomia das lutas sociais só pode expandir-se se a classe trabalhadora conseguir introduzir focos de contestação a partir dos locais de trabalho e dentro deles.
Antes de abordarmos este segundo ponto com maior detalhe, foquemo-nos no primeiro. Assim sendo, a crítica à CGTP (e a todas as organizações burocráticas) não se pode cingir ao seu objectivo de hetero-organização das lutas, não obstante este ser um aspecto com que nós concordamos a 100%. A crítica às organizações burocráticas será tanto mais frutífera quanto for capaz de se complementar com a crítica ao nacionalismo e à capacidade de o Partido Comunista Português (PCP) e a CGTP influenciarem umas poucas centenas de milhares de trabalhadores. É nossa convicção que uma coisa não faz sentido sem a outra. De facto, como todas as organizações burocráticas, o PCP não quer apenas desorganizar as lutas. Em termos de actuação nas lutas sociais, o seu propósito é o de que as manifestações de rua se conformem ao modelo de uma massa compacta de indivíduos atomizados. Assim sendo, este tipo de desorganização das lutas de rua não é um fim em si mesmo, mas busca fornecer respaldo popular e de rua ao seu projecto de um capitalismo de Estado.
Nesse aspecto, importa destacar muito sumariamente dois itens. O primeiro vincula-se com o facto de o PCP continuar totalmente apegado ao saudosismo das experiências de desorganização e de repressão da classe trabalhadora a partir da intervenção do aparelho de Estado (URSS, Cuba, etc.). Nesse sentido, o programa que o PCP propõe não rompe em nada com os modelos repressivos e burocráticos do passado. Derivado do anterior, mas projectado na actual conjuntura europeia, o segundo item relaciona-se com o propósito do PCP (e de várias personalidades que seguem no mesmo pelotão) de atirar os trabalhadores que vivem em Portugal para uma solução nacionalista, isolacionista e que em nada travaria a austeridade. Pelo contrário, iria agravá-la muitíssimo e transportaria perigos políticos e humanos inultrapassáveis por décadas (…).
Verdade seja dita que esta dinâmica desorganizadora das lutas dos trabalhadores não é exclusiva do PCP. Aqui referimo-nos sobretudo ao PCP na medida em que é a maior força eleitoral e social da esquerda. E porque, em termos organizativos e políticos, o PCP é tomado como modelo por grande parte da esquerda. A competição mais ou menos consciente, e eventualmente mais desejada do que real, pelo controlo das lutas não é sinónimo de oposição aos princípios de burocratização dessas lutas. De facto, os princípios estruturais de tentativa de desarticulação das lutas sociais e a condução das lutas para projectos de revigoramento de novas hierarquias sobre os trabalhadores aplicam-se quase ponto por ponto a praticamente todas as organizações, movimentos e partidos da esquerda portuguesa (BE, MRPP, MAS, Rubra, MSE, 15O, QSLT, PI, etc.). A crítica que todos eles fazem ao PCP é a mesma que as pequenas empresas fazem aos oligopólios: serem grandes demais…
Somando as cerca de duas centenas de milhares de pessoas que o PCP e a CGTP conseguiram mobilizar nas suas manifestações de rua mais bem-sucedidas, com as tentativas de controlo das lutas de rua por boa parte dos restantes movimentos aquando das manifestações de 15 de Setembro e de 2 de Março, temos um cenário potencialmente perigoso para o avanço de lutas autónomas dos trabalhadores. Só da crítica das práticas de hetero-organização, das organizações que as desenvolvem e das potencialidades e dos riscos políticos inscritos nos seus projectos, poderá a luta do conjunto de todos os trabalhadores avançar.
(…)
Mas não basta a crítica política à esquerda burocrática e/ou parlamentar. Importa também compreendermos todos que se a rua é um importante espaço de lutas, ele está longe de ser o único e até o principal. Nesse capítulo, discutir as virtudes da rua (que as tem, na medida em que articula, numa fase inicial, sectores dispersos como os estivadores, os desempregados, etc.), mas sem discutir a ausência de lutas nos locais de trabalho é, do nosso ponto de vista, insuficiente. É verdade que todas as esferas são dominadas pelos capitalistas e que os ócios se tornaram espaços de preparação e de formação para o trabalho. Todavia, as relações de trabalho que estruturam a exploração económica não se desenrolam no espaço público, mas dentro das empresas.
É bom lembrar que, apesar de algumas nuances, todas as ondas revolucionárias do passado despoletadas pela acção espontânea dos trabalhadores colocaram como objectivo a crítica da produção capitalista. Isto é, ou o monopólio das funções de gestão e de direcção do processo de trabalho por parte dos proprietários e dos gestores é de alguma forma colocado em causa pelos trabalhadores, ou os limites estruturais de uma dada mobilização terão de ser tomados em linha de conta.
Salientamos portanto que:
a) Neste aspecto a circunscrição das actuais lutas à rua pode ser interpretada como um sinal das enormes dificuldades com que os trabalhadores se têm defrontado noutros espaços. No quadro da reorganização toyotista da produção, com a sofisticação da repressão e da vigilância das empresas numa escala realmente global, com a segmentação transnacional das cadeias produtivas e com a precariedade laboral associada, as lutas da classe trabalhadora têm tido condicionalismos de monta para se desenvolverem dentro dos locais de trabalho.
b) Não se trata de atribuir qualquer carácter negativo às lutas na rua, bem pelo contrário. Trata-se, isso sim, de chamar a atenção para o facto de que, numa hipotética situação-limite, as ruas até poderiam ser tomadas pelos trabalhadores. Mas se uma determinada mobilização não for capaz de parar ou sequer beliscar a produção capitalista, então como poderá o capitalismo ser superado?
Para se desenvolverem na actualidade as lutas autónomas enfrentam, sem dúvida, muitos obstáculos, que se expressam em dois grandes planos; no plano externo, a organização transnacional da produção capitalista face à fragmentação nacional das lutas sociais; no plano interno à própria classe trabalhadora e à esquerda que se considera anticapitalista, os ímpetos de controlo e de desorganização das lutas dos trabalhadores a partir de organizações burocráticas de variado tipo.
Mas, se os obstáculos são colossais, o potencial de luta existente também o é. As respostas das lutas anticapitalistas sempre se deslocaram no sentido de tentar superar as dificuldades que a malha institucional do capitalismo vai colocando às possibilidades de auto-organização dos trabalhadores. Não sabemos como será a próxima resposta dos trabalhadores. Sabemos, contudo, que no confronto entre os princípios antagónicos de organização da sociedade expressos por trabalhadores e capitalistas, a espiral de conflitos tem-se concretizado numa subida da parada. Venha ela!
07/05/13
Os mercados financeiros são os novos deuses
por
Pedro Viana
Na passada sexta-feira teve lugar o ritual de sacrifício, de modo a que os deuses, satisfeitos pela subjugação demonstrada, fossem hoje condescendentes.
06/05/13
Manifesto: O que fazer quanto à dívida e ao euro?
por
Pedro Viana
Hoje foi divulgado um manifesto designado por "O que fazer quanto à dívida e ao euro?". Defende um posicionamento interessante: a resistência ao austeritarismo ao nível de cada Estado deve decorrer em função das condições locais, não se subordinando à necessária coordenação a nível europeu; tendo em conta a baixa probabilidade de ter lugar, por via dum consenso entre os Estados membros da UE, uma mudança radical de políticas a nível das suas instituições, nomeadamente Comissão e BCE, terá de ser através de situações de conflito geradas pelos Estados onde a Esquerda consiga colocar-se em posição de influência (por via de eleições ou através da rua) que será possível forçar tal mudança. No manifesto, são então mencionadas várias medidas que tais Estados poderiam tomar no âmbito desse conflito, sem descartar a ameaça e mesmo eventual concretização duma saída da zona euro. É, no entanto, defendido que essa saída não é desejável, nem deve ser por isso ponto de partida da Esquerda.
O que existe de mais original no manifesto é o elenco de medidas que um Estado em conflito com as instituições da UE poderia tomar para se tentar proteger duma quebra de financiamento da sua economia, sem ter de sair da zona euro. Infelizmente, parece-me que nenhuma seria particularmente eficaz. Aliás, o problema principal com que se depararia um Estado que enveredasse pela via do conflito com as instituições da UE seria uma imediata e brutal quebra de confiança dos agentes económicos (produtores, investidores e consumidores) e na solvabilidade do sistema financeiro. A degradação da situação económica seria ainda mais rápida do que a actual, levando à (quase) paralisia da actividade económica e ao desaparecimento dos fluxos de financiamento. Em tal situação apenas o Estado tem capacidade para manter a actividade económica e o financiamento da economia, para o que precisará de enormes quantidades de moeda. A não ser que as instituições da UE se vejam então obrigadas a mudar de política, numa questão de meses, a introdução duma nova (forma de) moeda nacional (que poderia existir a par do euro como moeda oficial, se bem que em violação dos tratados europeus) será inevitável. Espero que estejam também a reflectir sobre o melhor modo de o fazer.
O que existe de mais original no manifesto é o elenco de medidas que um Estado em conflito com as instituições da UE poderia tomar para se tentar proteger duma quebra de financiamento da sua economia, sem ter de sair da zona euro. Infelizmente, parece-me que nenhuma seria particularmente eficaz. Aliás, o problema principal com que se depararia um Estado que enveredasse pela via do conflito com as instituições da UE seria uma imediata e brutal quebra de confiança dos agentes económicos (produtores, investidores e consumidores) e na solvabilidade do sistema financeiro. A degradação da situação económica seria ainda mais rápida do que a actual, levando à (quase) paralisia da actividade económica e ao desaparecimento dos fluxos de financiamento. Em tal situação apenas o Estado tem capacidade para manter a actividade económica e o financiamento da economia, para o que precisará de enormes quantidades de moeda. A não ser que as instituições da UE se vejam então obrigadas a mudar de política, numa questão de meses, a introdução duma nova (forma de) moeda nacional (que poderia existir a par do euro como moeda oficial, se bem que em violação dos tratados europeus) será inevitável. Espero que estejam também a reflectir sobre o melhor modo de o fazer.
04/05/13
Como outros quaisquer
por
Zé Nuno Matos
O artista é um produtor, não é? Então se é, que seja dono dos seus modos
de produção. Ou então que reflita sobre a produção. E se recuse a
produzir, por exemplo, ou equacione uma maneira diferente de produzir,
que não se deixe cair nos meandros dos circuitos. Agora, essa coisa de
pedir coisas aos governos e dizer coisas importantes em nome da cultura,
não me parece nada.
Ler o resto da entrevista que Miguel Castro Caldas deu ao PassaPalavra, aqui.
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