26/03/16

O que terá mudado no PT entre Lula e Dilma?

Nada melhor do que escutar alguém que parece saber do que fala. Alguém que acompanhou de perto a ascensão política do PT, liderado por Lula da Silva, e que se afastou quando o Governo trocou o programa Fome Zero, que Frei Beto coordenava, pelo Bolsa Família. A troca de um programa emancipatório da pobreza, por um programa assistencialista. Uma opção funesta mas que corresponde a uma alteração política de fundo.
Uma explicação para a crise política actual, que não se pode encontrar apenas no carácter vil da direita brasileira - que não perdoa a Lula e ao PT, terem tirado 45 milhões de pessoas da miséria extrema - tão pouco no justicialismo do juiz Sérgio Moro, que não esconde as suas simpatias políticas e o seu desprezo pela separação de poderes, mas, sobretudo, nos erros cometidos pelo dirigentes do PT, com destaque para o próprio Lula e para Dilma. O PT evoluiu no sentido de ser um gestor do neoliberalismo na versão brasileira, como se viu com a aposta nos grandes eventos e nas mega-operações de deslocalização das populações mais desfavorecidas, para facilitar os projectos imobiliários com estádios dentro.
Um PT, como ele refere, que perdeu os seus três capitais simbólicos: "ser o partido da ética; ser o partido da organização política da classe trabalhadora; ser o partido das reformas estruturais"
Por isso Frei Beto defende que a operação Lava Jato não pode parar. O que não significa que possa continuar a utilizar o método da condenação à priori,  antes da acusação e do julgamento. Do mesmo modo que critica o refúgio de Lula no Governo, porque quem não deve não teme.
Não há uma corrupção boa, aquela em que os corruptos são os nossos amigos, os políticos de esquerda, os progressistas. A corrupção é um cancro que corrói a democracia e que contribui para aumentar e consolidar as desigualdades estruturais. Não há corruptos progressistas.




3 comentários:

Anónimo disse...

É um óptimo texto,o que não é dispiciendo na apagada e vil " superficie "impressa da região portuguesa. O caso do PT é paradigmático dos erros sul-americanos de uma espécie de neo-bolivarismo originado em S. Salvador e depois alastrando pela Venezuela e a Bolivia, acabando por chegar ao Brasil.
De raiz estatista e defendendo o pluripartidarismo mais contraditório, o neo-bolivarismo enrola-se em contradições e acaba por fortalecer os interesses mais implacáveis da nova burguesia financeira e industrial. No Brasil dos anos 90,o PT estruturou-se inicialmente como um partido-movimento de imaginação politica muito forte e defendendo todas as tendências.
Mas o " veneno " burocrático implantou-se fatalmente pela urgência da estruturação do poder politico representativo- Congresso e Senado- com maiorias delirantes de esquerda/ direita e de seitas religiosas, que foram pouco a pouco corrompendo todo o espaço politico. As manifs.de rua são de inspiração conservadora, com destaque para um partido,apelidado de " Novo ",com laivos algo inquietantes.
O governo de Washingtom observa um mutismo siderante e a grande Imprensa USA tem sido de uma descrição compreensiva inimaginável para os interesses estratégicos em jogo na América do Sul no seu conjunto.No entanto, há análises muito profundas de Christophe Ventura publicadas em orgãos próximos do Front de Gauche, França; e Matthew M. Taylor, politológo da American University de Washington, tem divulgado as suas analises de valor politico e económico inimitáveis sobre a peste emocional da corrupção brasileira. Niet

M. Ricardo de Sousa disse...

PT: Da corrupção como táctica política

A situação no Brasil está explosiva. Uma crise económica grave soma-se a um descontentamento generalizado com as políticas do governo de Dilma Rousseff que levaram às ruas, no ano passado, protestos principalmente de jovens não identificados com os partidos, um fenómeno novo desde que o PT assumiu o poder. Seguiram-se manifestações principalmente de classe média descontente. Faltava lançar gasolina no fogo, e a corrupção revelada nos últimos meses foi o elemento de ignição, as ruas encheram-se com manifestações agressivas contra o governo, o PT e Lula, numa mistura de classes e interesses contraditórios onde não faltam até uns quantos saudosos da ditadura militar.

O escândalo do «mensalão», em 2005, que expôs os podres do PT, seus esquemas de corrupção para comprar as alianças partidárias com os sectores conservadores que sustentam as suas políticas, foi a ponta do iceberg que se avistou. Dirigentes do topo do partido, como José Genoíno e José Dirceu, não são, como é óbvio, funcionários secundários do PT apanhados em pequenos esquemas de corrupção; do que se tratou foi de um processo bem estruturado de governar comprando os votos dos aliados, algo que não podia ser ignorado por Lula.

Desde que Lula ganhou as eleições em 2002 que estava claro que teria um dilema político resultante de não ter maioria no legislativo, nem no poder estadual, podendo governar através dos velhos processos brasileiros de alianças assentes nos favores e na corrupção, ou rompendo com o status quo e fazê-lo através da pressão social nas ruas. Lula e os seus estrategas decidiram-se, com um cinismo pragmático, aliarem-se com os inimigos para viabilizar as suas políticas de governo. E que inimigos! De Sarney, a Maluf, e quem diria, Collor de Mello, o seu arqui-inimigo dos anos 90! O Lula de 2002 já não era o Lula de 1989 da frente Brasil Popular, a sua «Carta aos Brasileiros» era já um compromisso manifesto com a ordem capitalista.

www.jornalmapa.pt

Libertário disse...

A situação no Brasil de confronto aberto nas ruas, e nos corredores do Poder, provocou alinhamentos curiosos na esquerda portuguesa, maioritariamente contra "o golpe", nome dado ao discurso de apoio ao governo do PT e seus aliados reacionários.

No Brasil a situação é bem mais complexa, contra o governo estão na chamada esquerda: PCB, PPS, PSTU, PSOL, PV, PSB, Rede Sustentabilidade, cada um da sua forma, para dar o nome dos mais relevantes partidos. Dentro do PT alguns nomes que ainda merecem alguma credibilidade como Olívio Dutra, Paulo Paim,Tarso Genro são críticos de Lula e da direcção do PT. Muitos dos fundadores e dinamizadores do PT saíram em aberta divergência com a direcção do partido e suas práticas políticas. Mesmo assim a esquerda portuguesa acha que tudo se resume a um golpe e a um complôt da direita, e dos grandes empresários, muitos dos quais foram aliados dos governos PT ao longo desta longa década…

No entanto, se fossem ainda capazes de pensar de forma livre e autónoma, podiam reflectir um pouco sobre os resultados desastrosos das mudanças dentro do Sistema e de não haver coerência entre os meios e os fins nos partidos políticos. Para lá de pensarem sobre o velho, e complexo, problema do Poder nas sociedades contemporâneas.