22/07/17

A Reforma da Floresta. O debate onde ele deve estar, no campo das políticas.

Os últimos dias desta legislatura ficaram marcados pela resolução de várias "magnas questões" que afectam de diferentes formas grupos de cidadãos. O Estado, e a sua acção ou omissão, esteve sempre no centro da divergência ou do confronto.
No entanto, aquele que mais espaço conquistou do ponto de vista do debate público - e ainda bem - foi a tão necessária "Reforma da Floresta". A proposta colocada a debate, que beneficiou de um acordo prévio entre o PS e o BE, não contou com o acordo integral do PCP, que votou contra a criação de um banco de terras e as entidades de gestão florestal. O PCP veio desde o início considerar que estávamos perante "um esbulho dos pequenos proprietários" e uma tentativa de o Estado lhes atribuir uma efectiva responsabilidade pela ocorrência dos incêndios florestais. Esta posição do PCP faz todo o sentido se pensarmos que foi Jerónimo de Sousa o primeiro dirigente politico a  inequivocamente "politizar a tragédia" que ocorreu em Pedrogão. O dirigente comunista não teve dúvidas em associar o que se tinha passado em Pedrogão - e mais tarde em Tancos - a uma errada opção politica de décadas. Resultado da opção do Estado português, anterior à intervenção da Troika, que ajuda a caracterizar o caminho que esse mesmo Estado percorreu no sentido de adoptar um modelo neoliberal.

Depois da votação e de a pretendido banco de terras ter sido chumbado, seguiram-se as acusações entre PCP e BE. Não parece difícil distinguir aquilo que separa os dois partidos. Há um diferente entendimento sobre o papel da propriedade privada e em particular sobre o papel e a importância da pequena e da média propriedade. Esse diferente posicionamento relativamente ao papel da propriedade determina o posicionamento que se tem face ao papel e à missão do Estado.

A leitura dos artigos de opinião que dirigentes do BE e do PCP escreveram no Público ao longo dos últimos dias (aqui, aqui e aqui) mostram bem qual o posicionamento de uns e de outros. Não me parece que alguma acrimónia, que se faz sentir nesse debate, seja minimamente útil mas também não me parece que venha daí mal ao mundo. O debate democrático aberto sobre as políticas não é um adquirido na sociedade portuguesa, sobretudo quando estamos no campo dos que apoiam uma solução governativa. Até por isso a Geringonça é inovadora. Se pecar é por defeito:  por contratualizar em gabinete, sem envolver a sociedade no processo de debate e da construção das soluções politicas. Mas isso deve-se á natureza dos partidos que a compõem.

Defendi sobre este debate que a Floresta tem que ter uma gestão pública mesmo que ela seja essencialmente privada.  Se isso não acontecer continuaremos a esturricar dinheiro público sem qualquer utilidade para a população e para a nossa economia, com excepção dos negócios que se alimentam das politicas erradas. Por isso mesmo parece-me muito importante a posição do PCP. De certa forma ela promove uma mudança na atitude do Estado que já está em parte consagrada na Reforma agora aprovada.  A criação de centenas de equipas de sapadores florestais - 500 equipas, com até 5 elementos, até 2019 - tutelados pelo Ministério da Agricultura que também irá recuperar a tutela dos guarda-florestais.

A adopção de soluções politicas que promovam a alienação de parte do património florestal do Estado e de parte da pequena propriedade é uma solução que não me agrada. Julgo que ela conduzirá no sentido inverso ao desejado.
Defendo, nas politicas públicas com expressão no território, que o Estado deve mudar de politica. Estou absolutamente seguro que a eficácia e a justiça dessas politicas não resultam do facto de a floresta  ser pública ou privada. Resultam acima de tudo da politica florestal que o Estado adopta e de como a concretiza. Os recursos públicos devem ser usados para promover politicas de prevenção e de gestão em vez de servirem apenas e só para ajudar a apagar os fogos que as suas opções politicas atearam. O apoio aos pequenos proprietários, sobretudo aos mais idosos e com menores rendimentos, é uma arma poderosa para apoiar uma mudança na gestão da floresta e para combater a desertificação.

PS - parece que o facto de o Governo não ter conseguido aprovar o pacote na totalidade terá provocado mal-estar na Geringonça. Como se sabe a pressa é muitas vezes inimiga de uma boa reflexão e de boas propostas. Não será mais fácil apurar o que realmente aconteceu do ponto de vista operacional do que construir uma nova politica florestal para Portugal?

2 comentários:

Pedro Viana disse...

Caro josé,

Não percebo como é possível defender uma gestão pública da floresta ao mesmo tempo que se pretende não só que se mantenha essencialmente privada, como ainda por cima que se mantenha em parte privada sem proprietário conhecido. Basta comparar o significado dos termos proprietário e gestão. Ou seja, se alguém é realmente proprietário então tem poder para gerir, e impedir outros de gerirem, a sua propriedade, e na ausência da sua anuência para outros (o Estado) a gerirem, nada pode ser feito. Portanto, não percebo como é que se pode ter uma gestão pública contra e na ausência de anuência por parte dos proprietários. Se a resposta for: o Estado deve criar regras para impor aos proprietários um certo tipo de gestão das suas propriedades, então estamos a jogar com as palavras, pois o Estado na prática nacionaliza (i.e. para todos os efeitos retira o controlo da propriedade) sem o proclamar. A única diferença entre uma gestão realmente pública de propriedades privadas e uma nacionalização aberta é que no primeiro caso é legalmente possível aos proprietários extrair uma renda, eventualmente directamente do Estado se a gestão imposta por este impedir a obtenção dessa renda no mercado. Parece que para o PCP não tem importância que apenas alguns portugueses tenham acesso a tal renda garantida pelo simples facto de serem "proprietários", o que não deixa de ser estranho em particular num partido que tão claramente se opõe ao conceito de rendimento básico incondicional, que é uma renda universal. Um partido dito comunista a defender "proprietários" contra o interesse da comunidade?...

Abraço,

Pedro

José Guinote disse...

Meu caro Pedro Viana eu não tenho nenhuma dúvida de que a gestão pode e deve ser pública ainda que a propriedade seja efectivamente privada, como ela é na verdade.[eu sobre a natureza da propriedade não tenho nenhuma intenção, limito-me a utilizar essa realidade como um dado do problema.No meu caso não pretendo mantê-la essencialmente privada. Quanto ao PCP não faço ideia, mas agrada-me, e surpreende-me, que o PCP faça neste caso uma leitura adequada do papel e da importância da pequena propriedade]
Da mesma forma que uma politica de solos, por exemplo, deve ser concrertizada pelo Estado - acho eu que não aceitáveis as formas de contratualização em que o Estado delega nos privados essa competência - não podendo ser usado como alibi - um mau alibi, diga-se - o facto de a posse do solo não ser pública.