23/12/18

O Paul Krugman deveria ler mais

No seu artigo, The Case for a Mixed Economy, Paul Krugman escreve:
 I’ve had several interviews lately in which I was asked whether capitalism had reached a dead end, and needed to be replaced with something else. I’m never sure what the interviewers have in mind; neither, I suspect, do they. I don’t think they’re talking about central planning, which everyone considers discredited. And I haven’t seen even an implausible proposal for a decentralized system that doesn’t rely on price incentives and self-interest – i.e., a market economy with private property, which most people would consider capitalism.
Coisas que o Krugman poderia ler:
O primeiro é a descrição de uma economia descentralizada, com incentivos de preços, interesse próprio e uma economia de mercado, mas sem propriedade privada dos meios de produção; o segundo até poderá ser visto como uma economia com isso tudo (incluindo a propriedade privada dos meios de produção, com a exceção da terra), mas mesmo assim demasiado diferente daquilo a que normalmente se pensa quando se fala em capitalismo; no terceiro, são apresentadas várias modalidades de organização social, mas o tema dominante é o de uma economia descentralizada sem propriedade privada nem dinheiro.

Poderá dizer-se que tanto o socialista autogestionário como o mutualismo como o anarco-comunismo são absurdos ou impossíveis de realizar, mas Krugman vai mais longe - ele diz que nunca viu mesmo uma proposta implausível para uma economia descentralizada não-capitalista (e parece-me claro que propostas - e até bem pormenorizadas - até existem, independentemente de serem plausíveis ou não).

Estas abaixo não sei se contarão - em rigor, talvez sejam melhor descritas como economias centralizadas mas sem uma autoridade centralizada - mas a título de bónus cá vão:

4 comentários:

Anónimo disse...

Planeamento centralizado não tem crédito mas convém relembrar que deixou de o ter antes da era da internet. A ineficiência poderia ter sido ultrapassada em larga escala pelo poder de cálculo disponível hoje em qualquer computador, bases de dados ligadas em rede e acima de tudo por formas de comunicação que permitiriam mais facilmente a existência de escolhas descentralizadas, maior associativismo, etc

Miguel Madeira disse...

Mesmo com muito poder de cálculo, eu suspeito que uma economia centralizada, quando fosse a altura em que fosse necessário tomar decisões, cairia numa de duas situações - ou aparecia mesmo uma elite de decisores profissionais (de "burocratas", como se dizia antigamente), ou então, como alguém escreveu acerca da "parecon", haveria reuniões intermináveis para decidir a produção semanal de escovas de dentes.

Na parte de melhores "formas de comunicação que permitiriam mais facilmente a existência de escolhas descentralizadas, maior associativismo", será que aí ainda seria "planeamento centralizado" (e se calhar é a mesma dúvida que sobre se os artigos de Castoriados e do GIC são propostas de sistemas centralizados ou descentralizados)?

Um caso interessante (e sem estar a sugerir que pudesse ser transposto para a sociedade em geral) é o da Wikipedia - o sistema é partida é descentralizado: qualquer um pode editar artigos, em caso de opiniões divergentes são normalmente decididas entre as pessoas que estão a editar um artigo ou um predefinição, só em casos em que é necessário uma regra geral (exemplo) é que a discussão vai a um nível superior (e mesmo aí a decisão é feita apenas entre as pessoas que demonstram interesse nesse assunto), e a nível internacional praticamente só decidem coisas como se deve existir ou não uma versão em "moldovo" da wikipedia; é verdade que se poderia argumentar que em última instância o sistema é centralizado, porque há autoridades centrais, mas estas só são necessárias quando as coisas não conseguem ser resolvidas ao nível micro. Tentando fazer uma analogia para um sistema económico, suponho que seria o equivalente a uma economia em que existisse uma espécie de "Congresso Supremo de Conselhos de Trabalhadores", com autoridade para impor diretivas, mas que na prática o que existisse eram coletivos de trabalhadores e associações de consumidores largamente autónomos e que regulassem a produção e distribuição entre si de forma voluntária, com o "Congresso Supremo" a só intervir nas situações em queo a cooperação voluntária não funcionasse. De novo a questão - um sistema dessas seria "centralizado" ou "descentralizado"?

Miguel Madeira disse...

Entretanto, pus este comentário no artigo do Krugman - será que vai passar o filtro da moderação, e, caso passe, será que alguém lhe vai ligar?

Some perhaps implausible proposals for a decentralized system that doesn’t rely in a market economy with private property (which most people would consider capitalism):

- The Firm in Illyria: Market Syndicalism, by Benjamin Ward, published in The American Economic Review , Vol. 48, No. 4 (Sep., 1958). [http://www.jstor.org/stable/1808268; open version: http://cfile214.uf.daum.net/attach/1245AD424F7F31F5142A2F]: description of a "market socialist", self-managed economy

- Section I: What would an anarchist society look like?, in The Anarchist FAQ [https://theanarchistlibrary.org/library/the-anarchist-faq-editorial-collective-an-anarchist-faq-10-17#toc1], description of an anarcho-communist society

Miguel Madeira disse...

Já agora, uma crítica à "parecon" ("economia participativa") que acho que é relevante para a questão se com computadores poderosos poderíamos ter uma economia de planeamento central funcional - Nonsense on Stilts: Michael Albert's Parecon [PDF]. É verdade que a "parecon" introduz complicações adicionais, mas mesmo se formos às três características fundamentais e ficarmos só com a terceira ("There is no market competition in Parecon, no "invisible hand" determining the allocation of goods, services and resources. Instead consumers indicate each year what they would like to consume and in what quantities. Workers indicate what they are willing to produce. If these two patterns don't match, negotiation take place at various levels, involving consumer councils, worker councils and facilitation boards until a coherent plan is compiled. If there are several such plans, voters choose the one they prefer") algumas das objeções continuam a verificar-se.