Não conheci pessoalmente o arquitecto Manuel Graça Dias. Não calhou. Trata-se, no entanto, de um dos mais marcantes arquitectos portugueses da minha geração. Pela sua obra, naturalmente, mas sobretudo pela sua capacidade de ler criticamente a forma como construímos as cidades em que vivemos. Gosto de muitos dos seus edifícios, do Teatro Azul em Almada aos edifícios de habitação social em Salgueiral, Guimarães, mas gostava sobretudo de o ouvir, nos programas de rádio e de televisão, e de o ler.
Graça Dias, mais que um arquitecto era um urbanista. Não porque tenha feito planeamento, planos directores, de urbanização ou de pormenor - desconheço se fez alguma coisa nessa área - mas porque era um homem profundamente apaixonado pela cidade. Tinha uma ideia clara e límpida sobre a cidade, sobre a sua complexidade e riqueza, e um enorme respeito pela diversidade dos seus construtores. Não fazia a hipervalorização do papel do arquitecto, antes pelo contrário, prestava uma atenção profunda aos saberes informais que se expressam nas nossas cidades, na forma como elas vão sendo construídas. Era um espírito aberto, pouco dado a corporativismos.
Mais do que um divulgador da arquitectura foi sobretudo, na sua geração, o mais importante divulgador da cidade, dos seus encantos e desencantos. Mais encantos, porque a cidade exerceu sempre uma enorme atracção sobre Graça Dias, logo desde a sua infância passada entre Lisboa e Lourenço Marques.
A entrevista que o Expresso recuperou a propósito da sua morte é uma entrevista dotada de uma frescura e de uma actualidade que sobreviveu à passagem do tempo. Vale a pena reler e ... pensar.
Numa cidade como Lisboa, na qual ainda se aponta o exemplo do Parque das Nações como o novo paradigma a seguir quando se fala em desenvolvimento urbano e reabilitação urbana, à margem de qualquer leitura crítica, Graça Dias colocou a nu as fragilidades e as contradições desse modelo urbano. Vale a pena ler, como vale a pena ler e reler o seu livro "Ao volante pela Cidade".
30/03/19
29/03/19
28/03/19
Os meus "mixed feelings" sobre o Brexit
por
Miguel Madeira
Não que a minha opinião interesse alguma coisa (mas toda a gente em toda a Europa tem opinião sobre o Brexit, portanto...), mas tenho mixed feelings sobre se deve haver ou não um novo referendo sobre o assunto.
À partida, faz sentido haver um segundo referendo, já que há montes de maneiras possíveis de sair da UE, e alguém até pode ser a favor da saída em abstrato, mas perante um dado modelo concerto de saída achar que permanecer na UE é um mal menor; por exemplo, se a saída for um sistema em que o Reino Unido fique sujeito às regras comunitárias mas sem ter direito a voto na definição dessas regras, é provável que até muitos brexiters achem que isso ainda é pior do que pertencer à UE.
Assim, o que faria mais sentido era que, depois de ser negociado o acordo de saída, houvesse um segundo referendo com 3 hipóteses (aceitar o acordo, sair sem acordo e ficar na UE) e com voto preferencial - isto é, os votantes assinalavam no boletim a sua ordem de preferências (1ª, 2ª e eventualmente 3ª) e caso nenhum hipótese tivesse a maioria das primeiras preferências, eliminava-se a proposta com menos primeiras preferências e distribuíam-se esses votos de acordo com as segundas preferências (ou então fazia-se um referendo a duas voltas, caso não houvesse uma maioria na primeira volta - vai dar ao mesmo que o sistema do boletim ordenado, mas talvez fosse mais fácil de perceber).
Qual é o problema que vejo nisto? É que, apesar de ser o modelo mais lógico, inicialmente ninguém falou nissou; quando foi o referendo inicial, ninguém disse que, caso ganhasse o Brexit, iria ou deveria haver um segundo referendo para estabelecer a situação final (e suspeito que se isso tivesse sido anunciado com antecedência, o Brexit teria ganho com mais folga e sem ter chegado a haver dúvidas - afinal, sabendo que se ganhasse o Brexit teriam uma oportunidade de mudar de ideias ao ver como a coisa corria na prática, os indecisos iriam votar Brexit); na campanha do referendo, não me lembro que os remainers tivessem dito que, mesmo que ganhasse o Brexit, iriam exigir um novo referendo quando as condições especificas da saída fossem conhecidas.
Ou seja, embora a ideia de fazer um novo referendo a partir do momento em que já há um acordo conhecido faça sentido, as condições em que a proposta surge parece mais puro oportunismo dos remainers (aproveitar todas as oportunidades para parar o Brexit) do que uma posição honesta e coerente; e o facto da UE ter uma já longa tradição de as suas constituições e tratados serem aprovadas nalguns países pelo método de ir fazendo referendos até dar "sim" também não ajuda (a reivindicação de um segundo referendo acaba por parecer mais um episódio dessa saga do que algo que deriva do problema que referi no segundo parágrafo.
À partida, faz sentido haver um segundo referendo, já que há montes de maneiras possíveis de sair da UE, e alguém até pode ser a favor da saída em abstrato, mas perante um dado modelo concerto de saída achar que permanecer na UE é um mal menor; por exemplo, se a saída for um sistema em que o Reino Unido fique sujeito às regras comunitárias mas sem ter direito a voto na definição dessas regras, é provável que até muitos brexiters achem que isso ainda é pior do que pertencer à UE.
Assim, o que faria mais sentido era que, depois de ser negociado o acordo de saída, houvesse um segundo referendo com 3 hipóteses (aceitar o acordo, sair sem acordo e ficar na UE) e com voto preferencial - isto é, os votantes assinalavam no boletim a sua ordem de preferências (1ª, 2ª e eventualmente 3ª) e caso nenhum hipótese tivesse a maioria das primeiras preferências, eliminava-se a proposta com menos primeiras preferências e distribuíam-se esses votos de acordo com as segundas preferências (ou então fazia-se um referendo a duas voltas, caso não houvesse uma maioria na primeira volta - vai dar ao mesmo que o sistema do boletim ordenado, mas talvez fosse mais fácil de perceber).
Qual é o problema que vejo nisto? É que, apesar de ser o modelo mais lógico, inicialmente ninguém falou nissou; quando foi o referendo inicial, ninguém disse que, caso ganhasse o Brexit, iria ou deveria haver um segundo referendo para estabelecer a situação final (e suspeito que se isso tivesse sido anunciado com antecedência, o Brexit teria ganho com mais folga e sem ter chegado a haver dúvidas - afinal, sabendo que se ganhasse o Brexit teriam uma oportunidade de mudar de ideias ao ver como a coisa corria na prática, os indecisos iriam votar Brexit); na campanha do referendo, não me lembro que os remainers tivessem dito que, mesmo que ganhasse o Brexit, iriam exigir um novo referendo quando as condições especificas da saída fossem conhecidas.
Ou seja, embora a ideia de fazer um novo referendo a partir do momento em que já há um acordo conhecido faça sentido, as condições em que a proposta surge parece mais puro oportunismo dos remainers (aproveitar todas as oportunidades para parar o Brexit) do que uma posição honesta e coerente; e o facto da UE ter uma já longa tradição de as suas constituições e tratados serem aprovadas nalguns países pelo método de ir fazendo referendos até dar "sim" também não ajuda (a reivindicação de um segundo referendo acaba por parecer mais um episódio dessa saga do que algo que deriva do problema que referi no segundo parágrafo.
24/03/19
23/03/19
EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA(actualizado)
por
José Guinote
A luta dos professores pela recuperação dos seus direitos é, em primeiro lugar, uma luta em defesa da Escola Pública. O PS, que em tempos ,saudosos, tinha feito da educação a sua paixão, concretiza um desgastado remake da funesta política adoptada nos tempos da dupla Sócrates-Maria de Lurdes Rodrigues. Com outros protagonistas - Costa-Tiago Brandão Rodrigues -, mas a mesma velha e lamentável política cujo único objectivo parece ser maltratar a escola pública agredindo os professores.
Não sou capaz de prever se a manifestação desta tarde se aproxima, ou não, da que há onze anos reuniu quase cem mil manifestantes em Lisboa, mobilizados contra a agressão que o então primeiro-ministro conduzia contra a classe profissional dos professores.
Motivos para que isso aconteça haverá certamente. Desde logo a hipocrisia da intervenção pública do actual ministro que reforça um novo paradigma na actuação ministerial no domínio da educação: executar o que lhe mandam fazer, sem desviar um milímetro dos objectivos traçados, diabolizando ao máximo os professores e os sindicatos que os representam.
Não fora a sensação que transmite, a cada aparição pública, de que estamos apenas perante um pau mandado, sem projecto, sem espessura política e intelectual que lhe valham, e Tiago Brandão Rodrigues poderia orgulhar-se de ter conseguido um objectivo aparentemente insuperável: ultrapassar pela direita a péssima ministra socialista que o antecedeu e que conseguiu mobilizar cem mil professores numa manifestação contra si, Maria de Lurdes Rodrigues de seu nome.
Hoje à tarde ficaremos a saber se o menino Tiago já se conseguiu elevar ao nível da sua velha ideóloga.
ACTUALIZAÇÃO: Uma grande manifestação de professores. Cerca de oitenta mil manifestaram-se contra a política do Governo. A maior manifestação da legislatura. Bem feito, caro ministro, António Tiago Costa Rodrigues
Não sou capaz de prever se a manifestação desta tarde se aproxima, ou não, da que há onze anos reuniu quase cem mil manifestantes em Lisboa, mobilizados contra a agressão que o então primeiro-ministro conduzia contra a classe profissional dos professores.
Motivos para que isso aconteça haverá certamente. Desde logo a hipocrisia da intervenção pública do actual ministro que reforça um novo paradigma na actuação ministerial no domínio da educação: executar o que lhe mandam fazer, sem desviar um milímetro dos objectivos traçados, diabolizando ao máximo os professores e os sindicatos que os representam.
Não fora a sensação que transmite, a cada aparição pública, de que estamos apenas perante um pau mandado, sem projecto, sem espessura política e intelectual que lhe valham, e Tiago Brandão Rodrigues poderia orgulhar-se de ter conseguido um objectivo aparentemente insuperável: ultrapassar pela direita a péssima ministra socialista que o antecedeu e que conseguiu mobilizar cem mil professores numa manifestação contra si, Maria de Lurdes Rodrigues de seu nome.
Hoje à tarde ficaremos a saber se o menino Tiago já se conseguiu elevar ao nível da sua velha ideóloga.
ACTUALIZAÇÃO: Uma grande manifestação de professores. Cerca de oitenta mil manifestaram-se contra a política do Governo. A maior manifestação da legislatura. Bem feito, caro ministro, António Tiago Costa Rodrigues
22/03/19
Vasco Pulido Valente e a greve climática
por
Miguel Madeira
No sábado passado, Vasco Pulido Valente escrevia, a respeito da greve estudantil sobre o clima, que "Fora meia dúzia de aprendizes de demagogo, que poderiam ir já para o Bloco, o resto repetiu as frases da propaganda que os professores lhes meteram no encéfalo plástico. (...) Isto é um puro abuso de confiança que o Estado permite e encoraja".
A mim parece-me que isso é uma parvoíce - alguém acredita que adolescentes dessa idade fazem seja o que for por os professores lhes dizerem? Muito provavelmente mais fizeram para os "doutrinar" no ambientalismo os bonecos animados que viam e a banda desenhada que liam quando eram mais novos (pelo menos no meu tempo os bonecos animados e a banda desenhada eram totalmente pro-ambientalistas; mesmo o normalmente insuspeito "Tio Patinhas" - incluindo as histórias escritas pelo insuspeitissimo Carl Barks - tornava-se propaganda "SJW/politicamente correta" quando apareciam questões ambientais); e praticamente todos os documentários sobre a natureza que passam em qualquer canal especializado no ramo.
E sobretudo o facto objetivo que há muitos mais estudos científicos indicando que há efetivamente um perigo ambiental do que estudos dizendo o oposto, logo qualquer pessoa (incluindo um adolescente ou um pré-adolescente) que preste atenção a esses assuntos mais facilmente encontra a versão "o ambiente está em perigo" do que a versão "está tudo bem".
A mim parece-me que isso é uma parvoíce - alguém acredita que adolescentes dessa idade fazem seja o que for por os professores lhes dizerem? Muito provavelmente mais fizeram para os "doutrinar" no ambientalismo os bonecos animados que viam e a banda desenhada que liam quando eram mais novos (pelo menos no meu tempo os bonecos animados e a banda desenhada eram totalmente pro-ambientalistas; mesmo o normalmente insuspeito "Tio Patinhas" - incluindo as histórias escritas pelo insuspeitissimo Carl Barks - tornava-se propaganda "SJW/politicamente correta" quando apareciam questões ambientais); e praticamente todos os documentários sobre a natureza que passam em qualquer canal especializado no ramo.
E sobretudo o facto objetivo que há muitos mais estudos científicos indicando que há efetivamente um perigo ambiental do que estudos dizendo o oposto, logo qualquer pessoa (incluindo um adolescente ou um pré-adolescente) que preste atenção a esses assuntos mais facilmente encontra a versão "o ambiente está em perigo" do que a versão "está tudo bem".
15/03/19
Ler os Outros: "Olhe que não, senhor Presidente!"
por
José Guinote
Um texto do Paulo Guinote, hoje no Público, que desconstrói os argumentos que Marcelo Rebelo de Sousa utilizou para justificar a promulgação do Decreto Lei que fixa em 2 anos, 9 meses e 18 dias o período de recuperação do tempo de serviço dos professores. Do mesmo modo que evidencia mais uma vez a falsidade argumentativa que o Governo utiliza para justificar a sua opção.
Se é verdade que neste Governo todos os ministros são "Centeno", como disse Carlos Fiolhais umas semanas atrás, Tiago Brandão Rodrigues - um clone de Costa para as questões específicas dos "professores" - é duplamente Centeno e, além disso, alguém que lida muito bem com a falsidade argumentativa e o cinismo que lhe está ssociado.
Se é verdade que neste Governo todos os ministros são "Centeno", como disse Carlos Fiolhais umas semanas atrás, Tiago Brandão Rodrigues - um clone de Costa para as questões específicas dos "professores" - é duplamente Centeno e, além disso, alguém que lida muito bem com a falsidade argumentativa e o cinismo que lhe está ssociado.
14/03/19
Ordem do Infante atribuída a Armando Vara?
por
Miguel Madeira
Hoje é notícia que foi retirada a Ordem do Infante a Armando Vara, em virtude de ter sido condenado a uma pena de prisão superior a 3 anos; o que eu gostava de perceber é porque é que essa condecoração foi inicialmente atribuída - afinal, nem como político nem como bancário ele parece ter sido uma pessoa especialmente destacada (eu até diria que ele só começou a ser mais falado exatamente quando começou a ser suspeito).
11/03/19
09/03/19
Ler os Outros: "Bolha Imobiliária chega à Internet em Portugal?"
por
José Guinote
No Público de hoje, José Legatheaux Martins, presidente da ISOC PT, capítulo português de uma associação internacional formada pelos fundadores da Internet, reflecte sobre a gestão do domínio.pt.
O autor questiona a posição do Governo, e em particular do MCTES, face à gestão cada vez mais privada de bens públicos objecto de uma taxação. Saliento:
"(...) Visto de fora, até parece que os responsáveis pela gestão do .pt encontraram uma nova forma de usar taxas sobre bens públicos, mas geridos por privados, aparentemente em nome do Estado, para subsidiar programas governamentais. (...)"
Mais uma medida funesta decidida pelo governo anterior que este governo da geringonça não quis ou não soube reverter. Infelizmente, não é caso único.
O autor questiona a posição do Governo, e em particular do MCTES, face à gestão cada vez mais privada de bens públicos objecto de uma taxação. Saliento:
"(...) Visto de fora, até parece que os responsáveis pela gestão do .pt encontraram uma nova forma de usar taxas sobre bens públicos, mas geridos por privados, aparentemente em nome do Estado, para subsidiar programas governamentais. (...)"
Mais uma medida funesta decidida pelo governo anterior que este governo da geringonça não quis ou não soube reverter. Infelizmente, não é caso único.
08/03/19
Sobre o "hiring gap" entre homens e mulheres
por
Miguel Madeira
A respeito da questão "porque há mais mulheres/homens do que homens/mulheres em certas profissões?" (nomeadamente na segunda variante) costuma haver uma grande discussão sobre se a causa é discriminação ou diferentes inclinações entre homens e mulheres para certas profissões.
À partida, uma forma de testar isso seria comparar o "hiring gap" com o "wage gap" - se o motivo porque há poucas mulheres numa determinada profissão é por via da procura (os empregadores preferirem contratar homens), é de esperar que nessas profissões as mulheres ganhem menos do que os homens (se os empregadores preferirem contratar homens, em principio só contratarão mulheres se puderem pagar-lhes menos); pelo contrário, se for uma questão de haver poucas mulheres a querer ir para essa profissão, é de esperar que as poucas mulheres lá ganhem mais ou menos o mesmo que os homens (suponho que talvez não fosse difícil pegar nos dados deste estudo e fazer um teste - se os setores em que houver menos mulheres a trabalhar forem também os com maior diferença salarial entre homens e mulheres, estará confirmada a hipótese da discriminação).
Independentemente disso, há algo que indicia que alguma discriminação deve existir - o facto de haver muita gente que acha que essas diferenças não tem a ver com discriminação mas com diferenças de interesses e aptidões entre a maior parte das mulheres e a maior parte dos homens; sim, à primeira vista isto parece um bocado alucinado - basicamente, eu estou a dizer que haver muito gente que diz que não há discriminação é um indício de que há discriminação; o meu raciocínio - se há muitas pessoas que consideram que há diferenças significativas na distribuição das vocações e aptidões entre homens e mulheres, então também haverá pessoas a pensar assim entre as que são responsáveis pelas contratações; ora, na maior parte dos casos, quem está a contratar um futuro empregado não sabe qual é verdadeiramente o seu potencial profissional, logo tem que se guiar por uma série de pistas que usa como proxy para avaliar a personalidade e capacidades da pessoa que está ali à sua frente - habilitações académicas, "paleio" na entrevista, expressão facil, etc, etc. Ora, se alguém acha que há diferenças relevantes de personalidade entre homens e mulheres, provavelmente também usará o sexo do candidato como uma dessas pistas (estilo "tenho dois candidatos que parecem igualmente qualificados para trabalharem do gabinete de reclamações dos clientes; na dúvida, é mulher contratar esta Patrícia B. em vez deste Miguel R., que as mulheres costumam ser mais simpáticas"), o que conduzirá a alguma discriminação sexual nas contratações (nuns casos a favor dos homens, noutros das mulheres).
Possíveis contra-argumentos:
a) Mesmo que alguém ache que em média as mulheres gostam menos de programar computadores ou mais de atender clientes do que os homens, isso não significa que, num processo de seleção, vá preferir homens ou mulheres por causa disso; afinal, se uma mulher está a concorrer a um trabalho de programadora informática ou um homem ao de atendedor(?) de clientes, isso quer dizer que essa mulher ou esse homem específicos gostam desse trabalho, logo não faz sentido aplicar a eles a regra "pessoas de determinado sexo tendem a não gostar deste trabalho". Mas este contra-argumento não se aplica num mundo em que as pessoas precisam de trabalhar para ganhar dinheiro e em que não há pleno emprego, logo é possível que mesmo alguém que está a concorrer a um emprego não goste verdadeiramente dele (nota - eu já concorri a empregos na área comercial, ramo para o qual sou e sei que sou manifestamente inadequado), pelo que continua a ser razoável esperar que recrutadores que acreditam em diferenças de personalidade entre os sexos usem essas diferenças como critério de seleção (no mínimo, para "desempate")
b) Em muitos sítios, os departamentos de recursos humanos até são maioritariamente femininos - irrelevante, já que não estamos a falar de uma conspiração intencional para manter as mulheres subordinadas aos homens, mas sim de pessoas simplesmente a contratarem, influenciadas pelas suas premissas prévias, a pessoa que supõem sinceramente que é o melhor candidato.
Uma nota final - grande parte dos campos onde as mulheres têm progredido mais (entrada na universidade, administração pública, justiça - pode não parecer por algumas sentenças, mas penso que grande parte dos juízes e quase todo o Ministério Público são mulheres - etc.) parecem-se ser em áreas em que o ingresso é feito largamente com base em critérios objetivos (como notas de curso) sem grande margem para escolhas subjetivas dos decisores (bem, na Justiça, não faço ideia de como é...); isso também pode ser visto como um indicio de discriminação - as mulheres estarem mais representadas nos meios em que é mais difícil discriminar à entrada (isto, aliás, deveria dar que pensar aos iluminados que acham diminuir o peso das notas no acesso à universidade iria aumentar a diversidade).
À partida, uma forma de testar isso seria comparar o "hiring gap" com o "wage gap" - se o motivo porque há poucas mulheres numa determinada profissão é por via da procura (os empregadores preferirem contratar homens), é de esperar que nessas profissões as mulheres ganhem menos do que os homens (se os empregadores preferirem contratar homens, em principio só contratarão mulheres se puderem pagar-lhes menos); pelo contrário, se for uma questão de haver poucas mulheres a querer ir para essa profissão, é de esperar que as poucas mulheres lá ganhem mais ou menos o mesmo que os homens (suponho que talvez não fosse difícil pegar nos dados deste estudo e fazer um teste - se os setores em que houver menos mulheres a trabalhar forem também os com maior diferença salarial entre homens e mulheres, estará confirmada a hipótese da discriminação).
Independentemente disso, há algo que indicia que alguma discriminação deve existir - o facto de haver muita gente que acha que essas diferenças não tem a ver com discriminação mas com diferenças de interesses e aptidões entre a maior parte das mulheres e a maior parte dos homens; sim, à primeira vista isto parece um bocado alucinado - basicamente, eu estou a dizer que haver muito gente que diz que não há discriminação é um indício de que há discriminação; o meu raciocínio - se há muitas pessoas que consideram que há diferenças significativas na distribuição das vocações e aptidões entre homens e mulheres, então também haverá pessoas a pensar assim entre as que são responsáveis pelas contratações; ora, na maior parte dos casos, quem está a contratar um futuro empregado não sabe qual é verdadeiramente o seu potencial profissional, logo tem que se guiar por uma série de pistas que usa como proxy para avaliar a personalidade e capacidades da pessoa que está ali à sua frente - habilitações académicas, "paleio" na entrevista, expressão facil, etc, etc. Ora, se alguém acha que há diferenças relevantes de personalidade entre homens e mulheres, provavelmente também usará o sexo do candidato como uma dessas pistas (estilo "tenho dois candidatos que parecem igualmente qualificados para trabalharem do gabinete de reclamações dos clientes; na dúvida, é mulher contratar esta Patrícia B. em vez deste Miguel R., que as mulheres costumam ser mais simpáticas"), o que conduzirá a alguma discriminação sexual nas contratações (nuns casos a favor dos homens, noutros das mulheres).
Possíveis contra-argumentos:
a) Mesmo que alguém ache que em média as mulheres gostam menos de programar computadores ou mais de atender clientes do que os homens, isso não significa que, num processo de seleção, vá preferir homens ou mulheres por causa disso; afinal, se uma mulher está a concorrer a um trabalho de programadora informática ou um homem ao de atendedor(?) de clientes, isso quer dizer que essa mulher ou esse homem específicos gostam desse trabalho, logo não faz sentido aplicar a eles a regra "pessoas de determinado sexo tendem a não gostar deste trabalho". Mas este contra-argumento não se aplica num mundo em que as pessoas precisam de trabalhar para ganhar dinheiro e em que não há pleno emprego, logo é possível que mesmo alguém que está a concorrer a um emprego não goste verdadeiramente dele (nota - eu já concorri a empregos na área comercial, ramo para o qual sou e sei que sou manifestamente inadequado), pelo que continua a ser razoável esperar que recrutadores que acreditam em diferenças de personalidade entre os sexos usem essas diferenças como critério de seleção (no mínimo, para "desempate")
b) Em muitos sítios, os departamentos de recursos humanos até são maioritariamente femininos - irrelevante, já que não estamos a falar de uma conspiração intencional para manter as mulheres subordinadas aos homens, mas sim de pessoas simplesmente a contratarem, influenciadas pelas suas premissas prévias, a pessoa que supõem sinceramente que é o melhor candidato.
Uma nota final - grande parte dos campos onde as mulheres têm progredido mais (entrada na universidade, administração pública, justiça - pode não parecer por algumas sentenças, mas penso que grande parte dos juízes e quase todo o Ministério Público são mulheres - etc.) parecem-se ser em áreas em que o ingresso é feito largamente com base em critérios objetivos (como notas de curso) sem grande margem para escolhas subjetivas dos decisores (bem, na Justiça, não faço ideia de como é...); isso também pode ser visto como um indicio de discriminação - as mulheres estarem mais representadas nos meios em que é mais difícil discriminar à entrada (isto, aliás, deveria dar que pensar aos iluminados que acham diminuir o peso das notas no acesso à universidade iria aumentar a diversidade).
07/03/19
Ler os Outros: "Um Ministério Falhado" de Carlos Fiolhais
por
José Guinote
Um artigo de Carlos Fiolhais, no Público, que reflecte sobre a actuação do actual ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Uma actuação que se traduz por um rotundo fracasso se o objectivo do ministro fosse, como é admissível e obrigatório, defender e promover a Ciência, a Tecnologia e o Ensino Superior. Talvez não seja sssim a julgar pela Práctica deste ministro e deste Governo. Cito Fiolhais, que vale a pena ler:
" (...) A razão dos problemas é conhecida: não há dinheiro para a ciência. Heitor, como todos os seus colegas do Governo, é Centeno. Contenta-se com o poucochinho que lhe dão: no seu mandato o sector não passou de 1,3% do PIB, quando em 2009 tinha atingido 1,6% e a média europeia é 2,0% (...)"
" (...) A razão dos problemas é conhecida: não há dinheiro para a ciência. Heitor, como todos os seus colegas do Governo, é Centeno. Contenta-se com o poucochinho que lhe dão: no seu mandato o sector não passou de 1,3% do PIB, quando em 2009 tinha atingido 1,6% e a média europeia é 2,0% (...)"
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