17/03/20

Estado de emergência?

Não concordo com a decisão do Presidente da República de decretar, caso seja essa a opção proposta, o Estado de Emergência. Não me parece que existam razões que justifiquem essa declaração.

Aquilo que me parece é o seguinte: no actual quadro há um conjunto de medidas com um elevado potencial de controlo da pandemia que devem ser tomadas e que são prioritárias.

Reforçar as condições materiais e humanas do SNS, em primeiro lugar. Custa dinheiro? Custa. Pode ser feita? Pode. É necessária vontade política.
Melhorar a segurança nos aeroportos, permitindo um apoio sanitário aos cidadãos originários de zonas de elevado risco, nomeadamente do Reino Unido.
Desfazer o equívoco de que toda a população está em regime de quarentena e que, por isso, não pode sair de casa.

Apenas depois de implementadas estas medidas e analisados os resultados da evolução da situação se deveriam equacionar outras possibilidade . Há uma pressão política para se passar já para um quadro de excepção. Trata-se de interromper o normal funcionamento da Constituição e introduzir um regime de supressão, ainda que temporária, dos direitos liberdades e garantias. Não acho bem. Nem me parece justificado. Não iremos ganhar nada, antes pelo contrário, impondo severas restrições à liberdade de circulação. Apenas quem não conhece as características da população, as relações que ela mantêm com os seus familiares nas diversas partes do território, pode propor medidas dessas. Uma tal decisão é a antítese dos propalados afectos.

O Presidente da República está a terminar a sua quarentena e deve ponderar se este é o caminho a seguir. Pode querer recuperar a liderança do processo político - a gestão da "pandemia" não escapa ao enquadramento político-eleitoral dos tempos que passam - e tem muita pressão política no sentido do "fecho" do país. Mas não deve ir por aí.

Relativamente a esta questão parece haver um consenso demasiado consensual, passe o pleonasmo, entre os diversos partidos. Nada saudável.

4 comentários:

joão viegas disse...

Ola José.

Eu tenho uma tese : a tendência dos povos que vivem em democracia para pedir (ou aceitar) medidas restritivas das liberdades, tal como a instauração do estado de emergência, com vista a combater um flagelo desta natureza, deve ser correlada com a propensão desses mesmos povos para se fiarem na Virgem Maria, propensão essa que, em Portugal, pende para 16 numa escala de 10.

Forte abraço e muita calma.

PS : Nesta vaga histérica de procura desenfreada de culpados absolutos, soluções magicas e curas milagrosas, vejo muito pouca gente levantar as questões importantes (como fazes no post anterior) : sera que os nossos economistas de trazer por casa vão fazer as contas ao custo que vamos ter de suportar por termos andado anos e anos a reduzir o financiamento dos nossos sistemas de saude em nome do sacro-santo equilibrio do défice ?

José Guinote disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Guinote disse...

Meu caro João Viegas, subscrevo a tua opinião. No entanto, com a evolução verificada ao longo do dia de hoje - culminado com a declaração do Estado de Emergência - podemos analisar algumas novas perspectivas. Agora mesmo acabei de escutar o Jorge Reis Novais, um constitucionalista cuja opinião me parece normalmente interessante e entendível, defender que a declaração do estado de emergência no essencial não vai obrigar o Governo a fazer nada de diferente. Ela permite, no entanto, que acções do Governo que a constituição não permitia - como por exemplo impedir o exercício do direito à greve, em situações específicas, ou hospitalizar uma pessoa compulsivamente, por exemplo- não possam ser questionadas à luz da Constituição.
Da negociação entre Presidente, Governo e Assembleia terá resultado um decreto presidencial pouco impositivo que transfere para o Governo a possibilidade de ir graduando o nível de exigência em função da evolução da pandemia.
Há um risco que tu referes: o de se pensar que a declaração do estado de emergência vai resolver o problema "coronavirus". Há outras coisas a fazer cuja importância é muito maior para combater a propagação da doença. Em primeiro lugar o reforço, urgente, do SNS. A mim incomoda-me a limitação severa da liberdade de circulação. Julgo que não se irá por aí. Isso agrada-me.
Outra coisa que tu referes é a sensação de que toda esta construção - pesada e sofrida construção - em torno da "recuperação económica", das "contas certas", do "défice nulo", da reconquista da credibilidade perdida junto dos mercados externos, e de outros lugares comuns do dogma neoliberal, na sua versão pseudo-social-democrata "à lá Centeno", tenha, de um momento para o outro, ido por água a baixo. Os credores internacionais não hesitaram perante a possibilidade oferecida pela gaffe da brilhante Lagarde e deram às taxas de juro um crescimento que parece rivalizar com o do número de infectados com o virus. Uns ingratos. São fúteis e frágeis os fundamentos do "modelo de desenvolvimento" que seguimos no pós-Troika e são funestos os caminhos da especialização da economia portuguesa: turismo e imobiliário.
O drama é que - acho eu - quem vai perder com esta crise são aqueles que já tinham perdido em 2008, e cujo poder de compra nunca tinha sido recuperado. Por isso é que é muito importante discutir as soluções económicas e sociais para enfrentar a crise. Um trabalho para fazer e que não podia ser feito sem a participação do Parlamento.
Um abraço

joão viegas disse...

Ola José,

Completamente de acordo.

Sobre o primeiro ponto, ha que lembrar o que dizia Unamuno : as leis em desuso (e isto aplica-se também às leis simbolicas feitas para não servir, digo eu) são como pistolas carregadas deitadas para um canto. Um dia vem uma criança, pega nelas e mata alguém...

Sobre o segundo, é claro que sabemos quem vai pagar. Mas para além disso, ainda ha uma questão que devia ser ponderada, mesmo pelos tecnocratas que reagem habitualmente em conformidade com a cartilha neo-liberal : isto vai ter um custo imediato para todos, muitissimo superior ao que se "poupou" com as medidas em causa. Se queremos ser contabilistas, sejamo-lo até ai fim...


Forte abraço