23/12/12

Ruy Belo: Um Rosto no Natal


Um Rosto no Natal

Caiu sobre o país uma cortina de silêncio
a voz distingue o homem mas há homens que
não querem que os demais se elevem sobre os animais
e o que aos outros falta têm eles a mais
No dia de natal eu caminhava
e vi que em certo rosto havia a paz que não havia
era na multidão o rosto da justiça
um rosto que falava quanto a voz calava
um rosto que chegava até junto de mim da nicarágua
um rosto que me vinha de qualquer das indochinas
num mundo onde o homem é um lobo para o homem
e o brilho dos olhos o embacia a água
Caminhava no dia de natal
e entre muitos ombros eu pensava
em quanto homem morreu por um deus que nasceu
A minha oração fora a leitura do jornal
e por ele soubera que o deus que cria
consentia em seu dia o terramoto de manágua
e que sobre os escombros inda havia
as ornamentações da quadra do natal
Olhava aquele rosto e nesse rosto via
a gente do dinheiro que fugia em aviões fretados
e os pés gretados de homens humilhados
de pé sobre os seus pés se ainda tinham pés
ao longo de desertos descampados
Morrera nesse rosto toda uma cidade
talvez pra que às mulheres de ministros e banqueiros
se permita exercitar melhor a caridade
A aparente paz que nesse rosto havia
como que prometia a paz na indochina a paz na alma
Eu caminhava e como que dizia
àquele homem de guerra oculta pela calma:
se cais pela justiça alguém pela justiça
há-de erguer-se no sítio exacto onde caíste
e há-de levar mais longe o incontido lume
visível nesse teu olhar molhado e triste
Não temas nem sequer o não poder falar
porque fala por ti o teu olhar
Olhei mais uma vez aquele rosto era natal
é certo que o silêncio entristecia
mas não fazia mal pensei pois me bastava olhar
tal rosto para ver que alguém nascia.

(Transporte no Tempo, 1973)

2 comentários:

xatoo disse...

mais uma vez, as belas tretas de natal... de que se alimenta uma indústria que se iniciou na século XIX com as empresas de iluminação Edison e Efacec e que hoje representa, só nos EUA, um negócio de 15 mil milhões por ano em luzinhas nos espaços públicos e em compras nos grandes centros comerciais geridos pelas corporações que mandam na politica. O futuro é belo e pisca piscante. Comemoremos então a época com um bom bardamerda para o consumismo, para o bolo rei e, acima de tudo para o bardajola que ocupa o lugar do falso bébé-tótó em Belém

Miguel Serras Pereira disse...

Tudo bem, xatoo, só espero, para seu bem, que nas "tretas de natal" V. não inclua o poema do Ruy Belo.

Solstícios jucundos

msp