09/05/13

Excelente exercício crítico de simpatia do Passa Palavra pelas Edições Antipáticas

O João Valente Aguiar já chamou a atenção no Vias de Facto para a importância do documento Sobre a passagem de alguns milhares de pessoas por um breve período de tempo recentemente publicado pelas Edições Antipáticas. Essa importância também não passou desapercebida ao colectivo do Passa Palavra, que lhe consagra uma leitura levantando, a partir de uma convergência de perspectivas inequívoca, uma série de questões cuja pertinência é incontornável para todos os que apostam no anticapitalismo como condição necessária da democratização — e /ou na democratização como condição necessária do anticapitalismo.  Aqui ficam, pois, os dois últimos pontos da análise Simpatia pela Antipatia proposta pelo Passa Palavra,  a entender também como reforço da chamada de atenção do JVA para o documento das Edições Antipáticas.


Não obstante estes aspectos, importa referir que o desenvolvimento autónomo das lutas só prosseguirá se se verificarem pelo menos mais duas condições imprescindíveis. Em primeiro lugar, tem de ser constante a crítica às organizações e às práticas que, vindas de onde vierem, tenderão a conduzir as lutas para a colocação de novos gestores no aparelho de Estado. Com todos os efeitos que isso comporta para o amarrar das mobilizações de trabalhadores à política estatal. Em segundo lugar (…) a autonomia das lutas sociais só pode expandir-se se a classe trabalhadora conseguir introduzir focos de contestação a partir dos locais de trabalho e dentro deles.

Antes de abordarmos este segundo ponto com maior detalhe, foquemo-nos no primeiro. Assim sendo, a crítica à CGTP (e a todas as organizações burocráticas) não se pode cingir ao seu objectivo de hetero-organização das lutas, não obstante este ser um aspecto com que nós concordamos a 100%. A crítica às organizações burocráticas será tanto mais frutífera quanto for capaz de se complementar com a crítica ao nacionalismo e à capacidade de o Partido Comunista Português (PCP) e a CGTP influenciarem umas poucas centenas de milhares de trabalhadores. É nossa convicção que uma coisa não faz sentido sem a outra. De facto, como todas as organizações burocráticas, o PCP não quer apenas desorganizar as lutas. Em termos de actuação nas lutas sociais, o seu propósito é o de que as manifestações de rua se conformem ao modelo de uma massa compacta de indivíduos atomizados. Assim sendo, este tipo de desorganização das lutas de rua não é um fim em si mesmo, mas busca fornecer respaldo popular e de rua ao seu projecto de um capitalismo de Estado.

Nesse aspecto, importa destacar muito sumariamente dois itens. O primeiro vincula-se com o facto de o PCP continuar totalmente apegado ao saudosismo das experiências de desorganização e de repressão da classe trabalhadora a partir da intervenção do aparelho de Estado (URSS, Cuba, etc.). Nesse sentido, o programa que o PCP propõe não rompe em nada com os modelos repressivos e burocráticos do passado. Derivado do anterior, mas projectado na actual conjuntura europeia, o segundo item relaciona-se com o propósito do PCP (e de várias personalidades que seguem no mesmo pelotão) de atirar os trabalhadores que vivem em Portugal para uma solução nacionalista, isolacionista e que em nada travaria a austeridade. Pelo contrário, iria agravá-la muitíssimo e transportaria perigos políticos e humanos inultrapassáveis por décadas (…).

Verdade seja dita que esta dinâmica desorganizadora das lutas dos trabalhadores não é exclusiva do PCP. Aqui referimo-nos sobretudo ao PCP na medida em que é a maior força eleitoral e social da esquerda. E porque, em termos organizativos e políticos, o PCP é tomado como modelo por grande parte da esquerda. A competição mais ou menos consciente, e eventualmente mais desejada do que real, pelo controlo das lutas não é sinónimo de oposição aos princípios de burocratização dessas lutas. De facto, os princípios estruturais de tentativa de desarticulação das lutas sociais e a condução das lutas para projectos de revigoramento de novas hierarquias sobre os trabalhadores aplicam-se quase ponto por ponto a praticamente todas as organizações, movimentos e partidos da esquerda portuguesa (BE, MRPP, MAS, Rubra, MSE, 15O, QSLT, PI, etc.). A crítica que todos eles fazem ao PCP é a mesma que as pequenas empresas fazem aos oligopólios: serem grandes demais…

Somando as cerca de duas centenas de milhares de pessoas que o PCP e a CGTP conseguiram mobilizar nas suas manifestações de rua mais bem-sucedidas, com as tentativas de controlo das lutas de rua por boa parte dos restantes movimentos aquando das manifestações de 15 de Setembro e de 2 de Março, temos um cenário potencialmente perigoso para o avanço de lutas autónomas dos trabalhadores. Só da crítica das práticas de hetero-organização, das organizações que as desenvolvem e das potencialidades e dos riscos políticos inscritos nos seus projectos, poderá a luta do conjunto de todos os trabalhadores avançar.

(…)

Mas não basta a crítica política à esquerda burocrática e/ou parlamentar. Importa também compreendermos todos que se a rua é um importante espaço de lutas, ele está longe de ser o único e até o principal. Nesse capítulo, discutir as virtudes da rua (que as tem, na medida em que articula, numa fase inicial, sectores dispersos como os estivadores, os desempregados, etc.), mas sem discutir a ausência de lutas nos locais de trabalho é, do nosso ponto de vista, insuficiente. É verdade que todas as esferas são dominadas pelos capitalistas e que os ócios se tornaram espaços de preparação e de formação para o trabalho. Todavia, as relações de trabalho que estruturam a exploração económica não se desenrolam no espaço público, mas dentro das empresas.

É bom lembrar que, apesar de algumas nuances, todas as ondas revolucionárias do passado despoletadas pela acção espontânea dos trabalhadores colocaram como objectivo a crítica da produção capitalista. Isto é, ou o monopólio das funções de gestão e de direcção do processo de trabalho por parte dos proprietários e dos gestores é de alguma forma colocado em causa pelos trabalhadores, ou os limites estruturais de uma dada mobilização terão de ser tomados em linha de conta.

Salientamos portanto que:

a) Neste aspecto a circunscrição das actuais lutas à rua pode ser interpretada como um sinal das enormes dificuldades com que os trabalhadores se têm defrontado noutros espaços. No quadro da reorganização toyotista da produção, com a sofisticação da repressão e da vigilância das empresas numa escala realmente global, com a segmentação transnacional das cadeias produtivas e com a precariedade laboral associada, as lutas da classe trabalhadora têm tido condicionalismos de monta para se desenvolverem dentro dos locais de trabalho.

b) Não se trata de atribuir qualquer carácter negativo às lutas na rua, bem pelo contrário. Trata-se, isso sim, de chamar a atenção para o facto de que, numa hipotética situação-limite, as ruas até poderiam ser tomadas pelos trabalhadores. Mas se uma determinada mobilização não for capaz de parar ou sequer beliscar a produção capitalista, então como poderá o capitalismo ser superado?

Para se desenvolverem na actualidade as lutas autónomas enfrentam, sem dúvida, muitos obstáculos, que se expressam em dois grandes planos; no plano externo, a organização transnacional da produção capitalista face à fragmentação nacional das lutas sociais; no plano interno à própria classe trabalhadora e à esquerda que se considera anticapitalista, os ímpetos de controlo e de desorganização das lutas dos trabalhadores a partir de organizações burocráticas de variado tipo.

Mas, se os obstáculos são colossais, o potencial de luta existente também o é. As respostas das lutas anticapitalistas sempre se deslocaram no sentido de tentar superar as dificuldades que a malha institucional do capitalismo vai colocando às possibilidades de auto-organização dos trabalhadores. Não sabemos como será a próxima resposta dos trabalhadores. Sabemos, contudo, que no confronto entre os princípios antagónicos de organização da sociedade expressos por trabalhadores e capitalistas, a espiral de conflitos tem-se concretizado numa subida da parada. Venha ela!


6 comentários:

Anónimo disse...

"Nesse sentido, o programa que o PCP propõe não rompe em nada com os modelos repressivos e burocráticos do passado."

- exemplos disto, retirados do Programa do PCP, você tem? Não vejo nem uma citação do Programa do PCP. Uma vez que você fala nele se houvesse o mínimo de honestidade intelectual você mostraria que o leu e o conhece.

Você não tem nada de novo a oferecer. Você só tem para oferecer o que já está em curso. Não sei porque razão você não se declara abertamente troikista e passista porque, meu caro, não sei se sabe mas o anti-patriotismo é a marca da extrema-direita neo-liberal. Para eles tudo o que estiver além ou aquém de racionalizações económicas capitalistas é espúrio. Não há sociedade, só há indivíduos, não existem pátrias só existem indivíduos. Vocês são isto. Uma repetição de Thatcher versão federalista, enfim são a repetição do thatcherismo, mas como farsa.

João.

Miguel Serras Pereira disse...

Comentador João,
e que tal ouvir uma destas noites a Internacional? Ou reler e tentar decorar - é breve - as últimas palavras do Manifesto de Marx e Engels?
"C'est la lutte finale / Groupons-nous et demain / L'Internationale / Sera le genre humain" - escrevia Pottier: não preciso de traduzir, pois não?

msp

Anónimo disse...

Que tal você ler o Programa do PCP, o que o PCP lá propõe, antes de falar nele?

João.

Anónimo disse...

Oh, mister João: Que falta de gosto e fraqueza com as suas anedotas, que escorrem o sangue da má-fé e da torpe aleivosia archéo-estalinista! Como escreveu o cardeal de Retz nas " Memórias," nos partidos, sofre-se mais com a convivência inter-pares do que a agir contra quem se lhes opõe...". Niet

João Valente Aguiar disse...

O comentador João diz que não há de novo a oferecer. Em relação a isso só me surgem duas questões.

Primeira, porque o comentador João se preocupa e gasta tanto latim perante pessoas que supostamente nada oferecem. Não que os comentários do comentador João não nos deixem sempre com um sorriso de orelha a orelha. Apenas fico intrigado como indivíduos que pretensamente nada dizem de jeito, afinal recebem assim tanta atenção.

E segunda, todos os que nos situamos no campo libertário/autonomista, etc. ainda estamos à espera que o comentador João nos apresente algo de mais palpável e mais sólido do que dezenas de comentários, onde a única coisa que se lê são meras afirmações do que considera serem as suas verdades e certezas. Noutros tempos o comentador João seria um pregador.

Anónimo disse...

JVA,

mas você faz o quê aqui? Fabrica tojolos. Eu o que vejo aqui é conversa, letras, que é o que eu deponho aqui também.

Mas você tem razão num aspecto, o único em que concedo - isto é inútil e uma perda de tempo da minha parte.

"libertário/autonomista": quanto a isto, é isso precisamente que você é, ou seja, como referi antes, "a repetição do thatcherismo, mas como farsa".


João.