21/10/14

Em defesa do Secretário de Estado do Ensino Básico

Corre por aí que o motivo da demissão do Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário terá sido devido a uma acusação de plágio. Se fosse esse o caso, acho que seria uma demissão profundamente injusta, na medida em que plagiar até me parece estar de acordo com a linha pedagógica preconizada pelo ministro.

Para explicar melhor o que quero dizer, convém desfazer o que penso ser em parte um equívoco acerca de Nuno Crato: é frequente dizer-se que ele ficou famoso combatendo o "facilitismo" na educação. Confesso que não li os livros dele; mas lia quase sempre os artigos dele no Expresso, e não me parece que ele ocupasse muito tempo a falar do "facilitismo". O que ele criticava sobretudo (e que designava por "eduquês") era o "construtivismo", a teoria de que os alunos aprendem melhor se descobrirem por eles próprios do que se forem explicitamente instruídos (nomeadamente em matemática a pedagogia construtivista que o ensino deve basear-se mais em apresentar problemas para os alunos descobrirem a solução do que em ensinar explicitamente como resolver os exercícios).

Em oposição a essa teoria, Nuno Crato frequentemente vinha com argumentos como "se estiverem à procura de um sitio numa cidade que não conheçam, é melhor perguntar o caminho do que andarem às voltas" ou citava estudos demonstrando que grupos de trabalho em que os membros recebem instruções para copiar os métodos melhor sucedidos funcionam sempre melhor de que grupos em que os membros recebem instruções para serem "originais"; outro aspeto importante da sua argumentação é que as questões para os alunos resolverem devem ser puramente matemáticas em vez de "problemas" (isto é, nos testes deveria-se perguntar "resolva a equação: 120*X = 300 -90*X" em vez de "Lisboa de Portimão estão a 300 kms de distância; na mesma altura, um carro parte de Lisboa para Portimão a 90 km/h e outro parte de Portimão para Lisboa a 120 km/h; quanto demoram até se cruzarem?").

A mim, até nem me parece haver grande ligação entre "construtivismo" e "facilitismo"; para falar a verdade, e pegando na minha experiência de 16 anos de aluno e alguns meses como professor, até suspeito que a maior parte dos alunos acharão a "pedagogia construtivista" MAIS DIFÍCIL do que a "tradicional" (suspeito que muita da fama de "inimigo do facilitismo" de Nuno Crato deriva de na imaginação popular "pedagogia tradicional = exigência; novas pedagogias = bandalheira", logo se alguém faz nome a defender a pedagogia tradicional contra modernices é automaticamente visto como um defensor do "rigor" contra o "facilitismo").

Bem, e o que tem isso a ver com o Secretário de Estado? É que, de certa forma, um plágio mais não é do que levar o anti-construtivismo às últimas consequências (em vez das ideias construtivistas e românticas de que um texto deve ser o produto das reflexões e ideias pessoais do autor).

1 comentários:

joão viegas disse...

Ola,

Concordo em absoluto e, abstraindo-nos da histeria idiota dos universitarios em torno do "plagio" (esta gente não é suposta estar a trabalhar num serviço publico em beneficio de todos ? Quando recebem o vencimento, recusam-no a pretexto de que provém do aproveitamento da propriedade alheia ?), acho que a melhor e mais radical forma de anti-construtivismo ainda esta na frase do jornalista : “plagiou textos produzidos por autores académicos”. Textos “produzidos” ? “autores académicos” ?? Eu acho que, com um pouco mais de facilitismo/construtivismo na escola, se calhar, tinhamos hoje jornalistas capazes de construir... frases com sentido…

Abraços facilitistas !