01/10/14

Que a terra lhe seja pesada

 
Morreu mais um membro da extensa galeria de notáveis combatentes pela liberdade patrocinados pelos serviços secretos de Franco, um desses heróicos filhos da pátria responsáveis por ataques bombistas, pilhagens e linchamento de comunistas. Escusado será interrogarmo-nos onde estava ele no dia 25 de Abril, uma vez que estava abertamente do lado dos poucos e derradeiros fascistas empenhados na defesa do seu regime. Alpoim Calvão ficou também conhecido por ter concebido uma operação militar contra a Guiné Conakri, unanimemente condenada pela ONU e que contribuiu para o derradeiro isolamento político do Estado Novo no início da década de 1970. Mário Tomé escreveu aqui quanto baste sobre o sinistro operacional de Spínola. Mas não há como ir à entrevista que em tempos lhe fez Maria João Avillez para dar conta da sobriedade com que um canalha fala de si próprio.
- Disse à pouco que o MDLP se desmembrou a partir de Novembro. Mas, até lá, que participação vossa houve no 25 de Novembro?
– Aliámos o povo do Norte, já que a rapaziada do Alentejo andava na euforia da Reforma Agrária.
- Quem é o povo do Norte?
– É toda a gente, desde a Igreja a milhares de pessoas…
- O Cónego de Melo, de Braga?
– Sim, o Cónego Melo foi uma pedra-chave em toda esta movimentação.
- Quem incendiou as sedes do PC no Norte?
– Havia já algumas movimentações no terreno. Por exemplo, havia um pirata chamado Paradela de Abreu, mas que era um pirata útil. E a ligação do seu movimento – Maria da Fonte – connosco era feita pelo engenheiro Jorge Jardim, por quem eu tinha consideração e admiração. [...] Gerou-se assim uma vaga de fundo em que uns entravam pelo rés-do-chão e outros saíam a voar pelo primeiro andar. [...]
- Que aconteceu ao MDLP depois disso [25 de Novembro]?
Fomos fechando a loja devagarinho… mas continuando a falar uns com os outros. Simplesmente havia sectores mais radicais do MDLP a murmurar que «afinal ficava tudo na mesma. Que alguns deles continuavam com mandatos de captura», etc. O resultado foi que alguns destes elementos entraram numa espécie de autogestão difícil de travar… Apareceram aí umas bombas que ninguém mandou pôr…
- Já depois do 25 de Novembro?
– Sim. Antes disso podem dizer que fui eu quem as mandou pôr, a todas, que eu não desminto.

  Do Fundo da Revolução, Edições Público, Lisboa, 1994



0 comentários: